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A POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS

TRIBUTÁRIOS ATRAVÉS DA UTILIZAÇÃO DE PRECATÓRIOS* / A


POSSIBILITY OF COMPENSATION OF TAX CREDITS THROUGH THE
UTILIZATION OF PRECATORY

Rodrigo Lopes Paitach**

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 O conceito de Precatório 3 Instituto


da Compensação Tributária 4 Possibilidade da Compensação de
Créditos Tributários com Precatórios 5 Considerações Finais.
Referências.

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo principal verificar a possibilidade de


compensação de créditos tributários através da utilização de precatórios. Para atingir o objetivo
proposto apresentasse a definição de precatórios, bem como a distinção dos tipos de precatórios
existentes. Além disso, apontasse também como os mesmos devem ser pagos e em qual situação se
encontra o pagamento destes. Pretendesse também mostrar o conceito das formas de extinção de
créditos tributários, mais especificamente a compensação, fazendo um contraponto como conceito
de compensação e da dação em pagamento, segundo o Código Tributário Nacional e o Código
Civil. Destaca-se ainda todas as mudanças ocorridas em relação aos precatórios desde a
promulgação da Constituição Federal de 1988, assim como as recentes modificações ocorridas com
o advento da Emenda Constitucional nº 99 de 2017 que acrescentou ao artigo 105, § 3º do Atos da
Disposições Constitucionais Transitórias. Diante do exposto o que se conclui é que embora o caput
do referido artigo exige a necessidade regulamentação para compensação, o § 3º permite diante da
omissão dos entes federativos a compensação de créditos tributários.

PALAVRAS-CHAVE: Precatórios; Compensação; Crédito Tributário; Emenda Constitucional.

ABSTRACT: The main objective of this article is to verify the possibility of offsetting tax credits
using precatory. To achieve the proposed objective, it presented the definition of precatory, as
well as the distinction of the types of precatory existing. In addition, also indicate how they
* Trabalho de Conclusão de Curso, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito, com
auxílio da orientadora prof. Esp. Dânia Vanessa de Mello.
** Bacharelando em Direito pelo Centro Universitário Integrado de Campo Mourão/PR, rlpaitach@gmail.com.
should be paid and in what situation is the payment of these. It also intended to show the concept
of ways of extinguishing tax credits, more specifically compensation, making a counterpoint as
a concept of compensation and payment in kind, according to the National Tax Code and the
Civil Code. Also noteworthy are all the changes that have occurred in relation to precatory
since the enactment of the Federal Constitution of 1988, as well as the recent changes that
occurred with the advent of Constitutional Amendment No. 99 of 2017 which added to Article
105, § 3 of the Acts of Constitutional Provisions Transitory. In view of the foregoing, what is
concluded is that although the caput of the aforementioned article requires the regulation to
compensate, Paragraph 3 allows, in view of the omission of federal entities, the offsetting of
tax credits.

KEYWORDS: Precatory; Compensation; Tax Credit; Constitutional Amendment.

1 INTRODUÇÃO

Precatórios são ordens de pagamento expedidas pelo Poder Judiciário para


pagamento pelos Municípios, Estados, Distrito Federal ou União, assim como de autarquias e
fundações, para o pagamento de valores devidos após condenação judicial definitiva contra
esses órgãos. Acontece que este é um instituto já desmoralizado, frente à grande quantidade
acumulada, conforme o último levantamento feito pelo Conselho Nacional de Justiça, os três
entes públicos acumulavam em junho de 2014 uma dívida de R$ 97,3 bilhões em precatórios
emitidos pelas Justiças Estadual, Federal e Trabalhista (CNJ, 2018).
Os precatórios podem ser transmitidos para qualquer pessoa, conforme
disciplina o artigo 100, § 13 da Constituição Federal, nesse sentido, assim existe um instituto
tributário que promove a possibilidade de extinção de créditos tributários através de outro
crédito tributário, a chamada compensação, disciplinado principalmente nos artigos 170 e 170-
A do Código Tributário Nacional, e no artigo 65 da Instrução Normativa da RFB no. 1.717 de
2017 que trata da compensação também. Nesse cenário, muito se discute sobre a possibilidade
jurídica da compensação de precatórios para quitação das dívidas tributárias das empresas.
Assim sendo, análise os estudos e dispositivos vigentes acerca da
possibilidade de compensação de créditos tributários através da utilização de precatórios, tendo
o presente artigo a finalidade de organizar tais informações afim analisar a possibilidade de o

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contribuinte efetuar a compensação do crédito formalizado em precatório judicial com
eventuais débitos tributários perante o mesmo ente devedor do precatório.

2 DO CONCEITO DE PRECATÓRIO

O termo “precatório” deriva da palavra precata, que significa requisitar


alguma coisa de alguém. Nas demandas contra a União, Estados, Municípios, Distrito Federal
ou entidades Públicas, quando da sua sucumbência, os pagamentos não se processam pela
penhora de bens públicos, devido aos princípios constitucionais da impenhorabilidade e
inalienabilidade, mas sim através de requisições de pagamentos chamada de precatório.
Sua obrigatoriedade está disciplinada principalmente na Constituição Federal
no artigo 100 e parágrafos, in verbis:

Art. 100 - Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais,


Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão
exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à
conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas
nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
[...]

Dentro dessa sistemática existem dois tipos de precatórios, os alimentícios


resultantes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios
previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil,
conforme regra do artigo 100, § 1º da CF, e os normais, que são os demais, tais como
desapropriações, atrasos, inadimplência ou descumprimento de obrigações contratuais por parte
do governo, cobranças indevidas de impostos, e etc.
Em linhas gerais, para se obter um precatório a que ter uma demanda judicial
vencida e:

[...] da sentença não couber mais recurso, o juiz da execução emite ofício ao
presidente do tribunal ao qual está vinculado, para que este dê início à
requisição do pagamento junto ao ente federado cuja Fazenda Pública
sucumbiu. (MOLLE, 2012:13)

Para que se enquadre nos efeitos de precatórios, tem-se somente aqueles cujo
montante seja igual ao mínimo do maior benefício do regime geral de previdência social,
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conforme dispõe o artigo 100, parágrafos 3º e 4º da CF. As condenações de pequeno valor não
são cobradas por precatório, mas sim por meio da Requisição de Pequeno Valor (RPV), com
prazo de quitação de 60 dias a partir da intimação do devedor. O limite de RPV deve ser
estabelecido por cada entidade pública devedora, mas a regra geral é até 30 salários mínimos
nos municípios e até 40 salários mínimos nos Estados e no Distrito Federal, conforme art. 87
da ADCT, editado pela EC 37/2002.
Após vencida a demanda, o Juiz, a pedido do credor, emite um ofício ao
Presidente do Tribunal o qual se vincula para inscrever o precatório e determinar que a
Administração providencie a abertura de crédito para liquidar a dívida. O precatório inscrito,
até 1º de julho, deve ser pago até o dia 31 de dezembro do ano seguinte, conforme norma do
art. 100, § 5º da CF.
Assim, o processamento dos precatórios fica a cargo do Poder Judiciário,
devendo organizar a fila dos pagamentos dos precatórios e determinar os respectivos
pagamentos de acordo com a ordem cronológica destes, conforme dispõe o caput do artigo 100.
Além disso, os atos do Presidente do Tribunal têm natureza administrativa,
conforme Súmula 311 do STJ, conforme explica o advogado André Luiz dos Santos Nakamura
(2016, p. 49):

Assim, ele [Presidente do Tribunal] não pode alterar o valor da execução, bem
como decidir qualquer incidente da execução. A atividade dele se limita a
cumprir o julgado. Qualquer ato do Presidente do Tribunal, em matéria de
precatórios, que adentre nos limites do título executivo é abusiva e passível de
mandado de segurança. E, conforme, a Súmula 733 do STF, não cabe recurso
extraordinário (e nem especial) dos seus atos, por não terem natureza
jurisdicional.

Com propriedade, o mesmo autor (NAKAMURA, 2016, p. 49) explica que


os precatórios devem ser atualizados monetariamente e remunerados com juros, em caso de
atraso, entretanto:

[...] os juros de mora em precatório somente incidem após o prazo do art. 100,
visto que antes disso não há mora. Nesse sentido a Súmula Vinculante nº17
do STF: “Durante o período previsto no parágrafo 1º do artigo 100 da
Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam
pagos.” E, no período entre a liquidação da conta e a expedição do precatório,
também, não correm juros, conforme já decidiu o STF [RE 298.616, Rel.
Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 31.10.2002, DJ
03.10.2003; AI 492.779 AgR, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma,
julgado em 13.12.2005, DJ 03.03.2006; e RE 496.703 ED, Rel. Ministro
Ricardo Lewandowski].

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Contudo, a principal questão não é tão somente a atualização monetária
quanto aos atrasos, mas sim o quão desmoralizado está esse instituto em face da falta de
pagamentos, com propriedade explica Kiyoshi Harada (2016, pg. 97):

Os precatórios já se tornaram sinônimo de palavrão. Remeter o credor ao


sistema de pagamentos por precatórios é o mesmo que mandar esse credor
reclamar ao papa. É um instituto completamente desmoralizado, apesar de
uma parafernália de preceitos legais e constitucionais que asseguram o seu
cumprimento no devido prazo.

Nesse sentido continua (HARADA, 2016, pg. 97):

A origem desse desprezo pelas ordens judiciais de pagamento está na


tolerância ou conivência do próprio Judiciário em relação às autoridades
governamentais omissas. A partir dessa leniência do Poder Judiciário,
responsável pelo seu exato cumprimento, os governantes passaram a
programar desvios sistemáticos dos recursos orçamentários destinados à
quitação dos precatórios. Alguns sequer faziam a inclusão orçamentária
determinada pela Constituição sob pena do crime de responsabilidade,
omissão essa constatada e solenemente proclamada por órgãos de controle e
fiscalização da execução orçamentária, sem que nenhuma consequência de
qualquer natureza tenha sido imputada ao governante omisso.

Outros doutrinadores também possuem o mesmo entendimento acerca do


assunto, a exemplo Humberto Theodoro Júnior, também reconhece que o sistema do precatório
e a Justiça encontram-se em total descrédito com a sociedade, quando preceitua, acertadamente,
que:

Há nos meios forenses e no seio da sociedade um descrédito e um desânimo


em torno da tutela jurisdicional dispensada aos credores da Fazenda Pública.
A sensação geral é de que a Justiça não tem força para compelir a
Administração Pública a cumprir suas obrigações pecuniárias com os
particulares, e de que os governos. cientes disso, adoram postura de completa
imoralidade. Simplesmente ignoram as sentenças condenatórias e não se
sentem ameaçados pela expedição dos precatórios, que se vão acumulando
ano a ano, para desespero dos credores. Muitas vezes, nem mesmo são
incluídos no orçamento público, e, quando são, as verbas nunca se liberam.”
(JÚNIOR, et al. 2005, pg. 66)

Mesmo existindo diversas formas de extirpar condutas lesivas, nenhuma delas


surtem efeitos, nesse diapasão a que se pensar em novas formas de liquidação desses

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precatórios, que não só o pagamento direto de verbas pelo Poder Judiciário, muito embora não
atende ao interesse público e aos objetivos da Lei de Responsabilidade Fiscal o aumento do
estoque de precatórios, visto que, os precatórios expedidos geram altos custos para a
Administração, em razão da incidência de juros moratórios e compensatórios, conforme as
súmulas 70 do STJ e 618 do STF, respectivamente.

3 O INSTITUTO DA COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA

A definição do termo a que ser entendida, compensação é uma forma de


extinção de duas obrigações recíprocas, isto é, iguais trocando uma pela outra afim de satisfazer.
Nesse sentido a legislação tributária prevê algumas formas de extinção do
crédito tributário e uma delas é a compensação tributária, conforme disciplina o artigo 156,
inciso II do Código Tributário Nacional:

Art. 156. Extinguem o crédito tributário:


I - o pagamento;
II - a compensação;
III - a transação;
IV - remissão;
V - a prescrição e a decadência;
VI - a conversão de depósito em renda;
VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do
disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º;
VIII - a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo
164;
IX - a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na
órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;
X - a decisão judicial passada em julgado.
XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições
estabelecidas em lei. (Incluído pela LCP nº 104, de 10.1.2001) (Vide Lei nº
13.259, de 2016)
Parágrafo único. A lei disporá quanto aos efeitos da extinção total ou parcial
do crédito sobre a ulterior verificação da irregularidade da sua constituição,
observado o disposto nos artigos 144 e 149. (grifos nosso)

Combinado a isso temos os artigos 170 e 170-A, ambos do CTN, que trazem
o instituto do que seria a compensação:

Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja
estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a
compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos,

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vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública. (Vide
Decreto nº 7.212, de 2010)
Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei
determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não
podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1%
(um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a
do vencimento.
Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de
tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do
trânsito em julgado da respectiva decisão judicial. (Incluído pela LCP nº
104, de 2001) (grifos nosso)

Nesse sentido explica a advogada Camila C. Cristina Mello (2012:14):

[...] o contribuinte que é, simultaneamente, devedor e credor do Estado, pode


compensar o débito com o crédito que possui perante a Fazenda Pública como
forma de extinção do crédito tributário, respeitado regramento legal específico
autorizador da compensação.

Além dos dispositivos supracitados, mais recentemente acerca do assunto o


Capítulo V da Instrução Normativa nº 1.717 de 2017, trata de normativa para regulamentar o
instituto da compensação, mais especificamente no artigo 65, in verbis:

Art. 65. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive o crédito


decorrente de decisão judicial transitada em julgado, relativo a tributo
administrado pela RFB, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá
utilizá-lo na compensação de débitos próprios, vencidos ou vincendos,
relativos a tributos administrados pela RFB, ressalvadas as contribuições
previdenciárias, cujo procedimento está previsto nas Seções VII e VIII deste
Capítulo, e as contribuições recolhidas para outras entidades ou fundos. (grifos
nosso)

Aqui faz-se uma pequena digressão acerca do assunto, quando se trata de


compensação, remete-se a obrigações iguais, mas em polos diferentes, ou seja, não
compensasse espécies diferentes de obrigações. Tal modalidade de extinção é instituto da dação
em pagamento previsto no Código Civil, nos artigos 356 à 359, onde no caput do 356 traz que
“O credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida.”, contudo o mesmo
não é obrigado a receber coisa diversa por mais valiosa que seja, conforme regra do artigo 313
do CC/02.
Assim explica o grande doutrinador Carlos Roberto Gonçalves:

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A dação em pagamento é um acordo de vontades entre credor e devedor,
por meio do qual o primeiro concorda em receber do segundo, para exonerá-
lo da dívida, prestação diversa da que lhe é devida.
Em regra, o credor não é obrigado a receber outra coisa, ainda que mais valiosa
(CC, art. 313). Já no direito romano se dizia: aliud pro alio, invito creditore,
solvi non potest (uma coisa por outra, contra a vontade do credor, não pode
ser solvida). No entanto, se aceitar a oferta de uma coisa por outra,
caracterizada estará a dação em pagamento. Tal não ocorrerá se as
prestações forem da mesma espécie. (2013. e-Book, par. 21.491-492, grifos
nosso)

Em todos os dispositivos elencados observa-se o termo “crédito” referindo-


se á tributos, assim entende-se que somente poderia compensar crédito tributário sem com outro
crédito tributário, ou seja, o precatório em si não é um tributo, mas sim uma ordem de
pagamento, entendimento esse acertado pelo advogado Harada:

A compensação tributária só pode ser aquela que se opera entre tributos


(art. 170 do CTN), e não entre crédito proveniente de precatório e o crédito
tributário.
Na verdade, estamos diante da figura de dação em pagamento.
É verdade que, em termos de direito tributário, o campo da dação em
pagamento está restrito à substituição do dinheiro (pagamento do crédito
tributário) por bem imóvel (art. 156, XI do CTN). (HARADA, 2006)

Muito embora o termo empregado esteja incorreto, o mesmo não afeta os fins
para os quais propõem-se, que é a análise da possibilidade de liquidação de obrigações de débito
e crédito para com o mesmo ente devedor.

4 POSSIBILIDADE DA COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS COM


PRECATÓRIOS

A compensação, antes de ser um instituto legal jurídico, é algo intuitivo,


conforme explica Breno Ladeira Kigma Orlando, em sua obra:

[...] se uma pessoa é credora e devedora, a um só tempo, de outra mesma


pessoa, é evidente que crédito e débito poderão anular-se reciprocamente até
o limite de seus valores. Apropriada pelas estruturas normativas, a
compensação é tida como instituto de teoria geral do Direito, com aplicação
mais relevante no campo do Direito Privado. (KINGMAN, 2008:119)

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Os precatórios (alimentares, preferenciais e demais) estão disciplinados
basicamente no artigo 100 e parágrafos da Constituição Federal, contudo o mesmo instituto já
sofreu inúmeras mudanças desde a promulgação da Constituição de 1988, o mesmo foi
substancialmente alterado por (até o momento) quatro emendas constitucionais, quais sejam: nº
30/2000, nº 37/2002, nº 62/2009 e nº 94/2016.
A primeira relevante alteração do texto constitucional em respeito ao tema foi
instituída pelo § 2º do art. 78 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT),
introduzido pela EC nº 30/2000, ipsis verbis:

Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os


de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os
seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios
pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de
ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo
seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em
prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos,
permitida a cessão dos créditos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº
30, de 2000)
[...]
§ 2º As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo terão, se não
liquidadas até o final do exercício a que se referem, poder liberatório do
pagamento de tributos da entidade devedora. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 30, de 2000) (Vide Emenda Constitucional nº 62, de 2009)
(grifos nosso)

Assim explica com grande propriedade Harada:

[...] o § 2º sob análise, ao conferir às parcelas de precatórios não satisfeitos


nos exercícios a que se referem, ‘o poder liberatório do pagamento de tributos
da entidade devedora’, possibilitando a substituição do dinheiro (pagamento
do tributo) por precatório (crédito resultante de condenação judicial da
Fazenda), sem dúvida alguma, instituiu, em caráter excepcional, porque
excepcional é a moratória decretada, a figura da dação em pagamento.
Essa dação em pagamento, que se opera diretamente entre o credor do
precatório e a Fazenda credora de tributo devido pelo primeiro, independe de
regulamentação por lei ordinária, na dicção do § 2º sob análise, que é auto-
aplicável: ‘terão ....... poder liberatório’. A imperatividade desse preceito
constitucional, que expressa um conceito unívoco, dispensa qualquer
regulamentação.” (HARADA, 2006)

Assim se processou a primeira forma de compensação (na realidade dação em


pagamento), de tributos com precatórios, no entanto restou infrutífera porque foi declarada
inconstitucional pelo STF conforme ADI 2356:
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EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 2º DA EMENDA
CONSTITUCIONAL Nº 30, DE 13 DE SETEMBRO DE 2000, QUE
ACRESCENTOU O ART. 78 AO ATO DAS DISPOSIÇÕES
CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS. PARCELAMENTO DA
LIQUIDAÇÃO DE PRECATÓRIOS PELA FAZENDA PÚBLICA. 1. O
precatório de que trata o artigo 100 da Constituição consiste em prerrogativa
processual do Poder Público. Possibilidade de pagar os seus débitos não à
vista, mas num prazo que se estende até dezoito meses. Prerrogativa
compensada, no entanto, pelo rigor dispensado aos responsáveis pelo
cumprimento das ordens judiciais, cujo desrespeito constitui, primeiro,
pressuposto de intervenção federal (inciso VI do art. 34 e inciso V do art. 35,
da CF) e, segundo, crime de responsabilidade (inciso VII do art. 85 da CF). 2.
O sistema de precatórios é garantia constitucional do cumprimento de decisão
judicial contra a Fazenda Pública, que se define em regras de natureza
processual conducentes à efetividade da sentença condenatória trânsita em
julgado por quantia certa contra entidades de direito público. Além de
homenagear o direito de propriedade (inciso XXII do art. 5º da CF), prestigia
o acesso à jurisdição e a coisa julgada (incisos XXXV e XXXVI do art. 5º da
CF). 3. A eficácia das regras jurídicas produzidas pelo poder constituinte
(redundantemente chamado de “originário”) não está sujeita a nenhuma
limitação normativa, seja de ordem material, seja formal, porque provém do
exercício de um poder de fato ou suprapositivo. Já as normas produzidas pelo
poder reformador, essas têm sua validez e eficácia condicionadas à
legitimação que recebam da ordem constitucional. Daí a necessária obediência
das emendas constitucionais às chamadas cláusulas pétreas. 4. O art. 78 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, acrescentado pelo art. 2º da
Emenda Constitucional nº 30/2000, ao admitir a liquidação “em prestações
anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos” dos “precatórios
pendentes na data de promulgação” da emenda, violou o direito adquirido do
beneficiário do precatório, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Atentou
ainda contra a independência do Poder Judiciário, cuja autoridade é
insuscetível de ser negada, máxime no concernente ao exercício do poder de
julgar os litígios que lhe são submetidos e fazer cumpridas as suas decisões,
inclusive contra a Fazenda Pública, na forma prevista na Constituição e na lei.
Pelo que a alteração constitucional pretendida encontra óbice nos incisos III e
IV do § 4º do art. 60 da Constituição, pois afronta “a separação dos Poderes”
e “os direitos e garantias individuais”. 5. Quanto aos precatórios “que
decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999”, sua
liquidação parcelada não se compatibiliza com o caput do art. 5º da
Constituição Federal. Não respeita o princípio da igualdade a admissão de que
um certo número de precatórios, oriundos de ações ajuizadas até 31.12.1999,
fique sujeito ao regime especial do art. 78 do ADCT, com o pagamento a ser
efetuado em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez
anos, enquanto os demais créditos sejam beneficiados com o tratamento mais
favorável do § 1º do art. 100 da Constituição. 6. Medida cautelar deferida para
suspender a eficácia do art. 2º da Emenda Constitucional nº 30/2000, que
introduziu o art. 78 no ADCT da Constituição de 1988.
MC, Relator (a): Min. NÉRI DA SILVEIRA, Relator(a) p/ Acórdão: Min.
AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 25/11/2010, DJe-094 DIVULG
18-05-2011 PUBLIC 19-05-2011 EMENT VOL-02525-01 PP-00054.

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A EC nº 37/2002, por sua vez, basicamente incluiu ao art. 100 o § 4º, o qual
proibiu a expedição de precatório suplementar ou complementar para o fim de enquadramento
do crédito na regra do § 3º, que disciplina os pagamentos de pequeno valor, para que fosse
possível fracionar o montante total da ordem de pagamento afim de receber em parcelas
enquadradas como pequeno valor.
Além disso, acrescentou as regras do ADCT os artigos 86 e 87, conforme
explica:

O primeiro tratou de excepcionar a regra de parcelamento estabelecida no art.


78, bem como determinar que os débitos referidos no caput ou os saldos
remanescentes, quando já tivessem tido seu pagamento iniciado, seriam pagos
na ordem cronológica de apresentação dos respectivos precatórios,
prevalecendo sobre os de maior valor.
O segundo, por seu turno, fixou em caráter provisório o que seriam créditos
de pequeno valor. Por fim, o parágrafo único do referido artigo 87 permite ao
credor a renúncia a parte do crédito que detenha, para fins de que tal crédito
se enquadre na condição de pagamento de pequeno valor e,
consequentemente, não esteja sujeito à regular expedição de precatório. Por
outro lado, vale lembrar que é vedado o fracionamento do referido montante
com a mesma finalidade, caso o credor intente permanecer detentor da
integralidade do crédito. (MOLLE, 2012:16)

Após isso veio a Emenda Constitucional nº 62, de 9-12-2009, trouxe


profundas alterações no artigo 100 da Constituição Federal, que instituiu a 3ª moratória
mediante introdução do art. 97 ao ADCT, além de totalmente inconstitucional regra
excepcionada no § 9º do artigo 100.
O § 9º do art. 100 da CF acrescido pela referida emenda, instituiu uma espécie
de compensação unilateral pela Fazenda Pública dos precatórios com os débitos inscritos ou
não na dívida ativa, abrangendo, inclusive, aqueles sob execução suspensa em virtude de
contestação administrativa ou judicial, assim sendo:

O referido dispositivo buscou introduzir na Constituição uma espécie anômala


de compensação que impõe, por incrível que possa parecer, ônus ainda
maiores ao cidadão credor do precatório. Assim o fez quando autorizou à
Fazenda Pública o abatimento das quantias que lhe acha pertencer, no
momento da expedição do precatório em favor do contribuinte vencedor da
ação judicial. (MOLLE, 2012:17)

Nesse sentido continua ainda a autora acerca do referido dispositivo:

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Trata-se, arrisca-se dizer, de verdadeiro confisco levado a efeito pelo Poder
Público. Para que o particular credor tenha direito ao recebimento dos créditos
que pleiteia na via judicial contra a Fazenda Pública, é estritamente necessário
o trânsito em julgado de sentença reconhecendo a sucumbência do ente
público. Enquanto isso, por seu turno, a Fazenda, a rigor do mencionado
dispositivo constitucional, não precisaria sequer de lei ou qualquer
pronunciamento judicial para ver-se no direito de tomar do particular o que
entende lhe ser devido.

Contudo, por fim, mais uma vez, o STF entendeu pela inconstitucionalidade
nesta norma com julgamento da ADI 4357 e 4425.
A fim de contornar tal situação, houve uma modulação de efeitos, a qual o
Ministro Luís Barroso propôs a compensação dos precatórios com os tributos devidos ao ente
político devedor. Sua proposição foi acolhida com alterações para o fim de possibilitar a
compensação de precatórios vencidos, próprios ou de terceiros, com o estoque de créditos
inseridos em dívida ativa até 25-03-2015, por opção do credor do precatório, atribuindo ao
Conselho Nacional de Justiça competência para apresentar a proposta normativa que possibilite
esta compensação.
Entretanto, o CNJ omitiu-se nesta regulamentação, razão pela qual a Emenda
Constitucional nº 94, de 15-12-2016, que decretou a 4ª moratória dos precatórios acrescentou o
art. 105 ao ADCT para consignar que enquanto viger o regime especial de pagamento de
precatórios previsto no art. 101 do ADCT é facultada aos credores de precatórios próprios ou
de terceiros, a compensação com débitos de natureza tributária ou de outra natureza que até 25-
03-2015 tenham sido inscritos na dívida dos Estados, do Distrito Federal ou do Município,
observados os requisitos definidos em lei própria do ente federado.
Conforme explica HARADA (2017):

Trata-se de uma versão piorada da proposta feita pelo Ministro Luís Barroso
que simplesmente facultava a compensação por iniciativa do precatorista, sem
maiores formalidades. No regime da emenda sob comento, além de
circunscrever a compensação ao período de vigência da moratória (até 31-12-
20), ainda condicionou à prévia definição dos requisitos dessa
compensação por lei própria do ente federado devedor. Vale dizer, a
compensação poderá jamais ocorrer por omissão do ente político
inadimplente. (grifos nosso)

Nos dizeres finais de Harada, foi exatamente isso que aconteceu, a


compensação jamais aconteceria por omissão, devido a isso foi editada uma última Emenda

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Constitucional nº 99, de 14 de dezembro de 2017, a qual acrescentou os parágrafos 2º e 3º,
conforme abaixo:

Art. 105. Enquanto viger o regime de pagamento de precatórios previsto no


art. 101 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, é facultada
aos credores de precatórios, próprios ou de terceiros, a compensação com
débitos de natureza tributária ou de outra natureza que até 25 de março de
2015 tenham sido inscritos na dívida ativa dos Estados, do Distrito Federal ou
dos Municípios, observados os requisitos definidos em lei própria do ente
federado. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 94, de 2016)
§ 1º Não se aplica às compensações referidas no caput deste artigo qualquer
tipo de vinculação, como as transferências a outros entes e as destinadas à
educação, à saúde e a outras finalidades.
§ 2º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios regulamentarão nas
respectivas leis o disposto no caput deste artigo em até cento e vinte dias a
partir de 1º de janeiro de 2018.
§ 3º Decorrido o prazo estabelecido no § 2º deste artigo sem a
regulamentação nele prevista, ficam os credores de precatórios
autorizados a exercer a faculdade a que se refere o caput deste artigo.

Assim, frente ao silêncio quanto a regularização que dispõe o caput do


referido artigo por conta dos entes federativos, o § 3º possibilita que os credores possam
compensar os débitos de precatórios próprios ou de terceiros, a título de compensação, com os
de natureza tributária ou de outra natureza desde que tenham sido inscritos na dívida ativa dos
Estados, do Distrito Federal ou Municípios, mesmo sem a prévia regulamentação, ou seja, uma
faculdade para compensação de tributos constitucional.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a análise detalhada do regime dos precatórios, chega-se à conclusão que


desde a promulgação da Constituição de 1988, foram editadas quatro emendas constitucionais
afim de tentar solucionar a falta de pagamento dos precatórios, contudo sem surtir efeitos, que
a cada mudança ganhavam novas moratórias, começando com oito anos, depois dez, depois
quinze, agora vinte anos, contudo, sem solucionar o problema.
Como resultado desses procedimentos condenáveis, acumularam-se os
precatórios privilegiados (os de natureza alimentícia) e os precatórios comuns, ditos
impagáveis. Em todos as emendas citadas, apresentaram-se “soluções”, contudo nenhuma que

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realmente tivesse efetividade para desafogar o sistema e privilegiar os contribuintes, como no
caso das empresas que se beneficiariam com o instituto da compensação de créditos tributários.
Para tanto o que a norma atual, editada com a emenda constitucional nº 99,
de 14 de dezembro de 2017, que acrescentou no artigo 105, o § 3º da ADCT, apresenta é a
faculdade de tal direito de compensação, ou seja, caso o contribuinte queira, é possível
compensar os créditos tributários com precatórios, mas para tanto, a que se observar a seguinte
condição, pode usufruir aquele que tiver dívidas inscritas em dívida ativa, ou seja, somente
quando daquele tributo que deveria ter sido pago por ele, mas esgotou o prazo fixado para
pagamento pela lei e foi inscrito em dívida ativa ou por decisão final proferida em processo
regular, que é possível fazer a compensação tributária através de precatórios.
Além disso é importante salientar que tal regramento é uma ótima
oportunidade ao próprio ente federativo, visto que essa compensação não trará desequilíbrio
nas contas públicas, ao contrário, pois a diminuição da receita tributária corresponde à
diminuição da dívida pública em igual quantidade. Assim sendo, a receita tributária prevista na
Lei Orçamentária Anual (LOA) compensa-se com a despesa alusiva a precatórios fixada na
mesma LOA.
Entende-se também que a recusa administrativa do instituto da compensação
de créditos tributários com precatórios, ensejará o ajuizamento de mandado de segurança para
garantir o direito líquido e certo à compensação, direito esse com assento constitucional.
Por fim, até o momento não existem precedentes jurisprudenciais acerca do
novo regramento instituído com a Emenda Constitucional 99/2017, a qual gera efeitos, da
leniência dos entes públicos, a partir de 2018, ou seja, estamos de frente ao novo.

REFERÊNCIAS

Conselho Nacional de Justiça. O que são precatórios? Disponível em


<http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/77269-o-que-sao-os-precatorios>. Acesso em 22/05/2018.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Esquematizado. v. 1. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
2013. e-Book.

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HARADA, Kiyoshi. Compensação de Precatórios com Tributos à Luz da EC nº 94/16.
Harada Advogados. Disponível em < http://www.haradaadvogados.com.br/compensacao-de-
precatorios-com-tributos-luz-da-ec-no-9416/>. Publicado em 21/03/2017. Acesso em
25/05/2018.

HARADA, Kiyoshi. Precatórios Impagáveis. Revista de Estudos Tributários. v. 18, n. 108,


Mar-Abri/2016. Porto Alegre: 2016. Publicação Periódica Bimestral.

HARADA, Kiyoshi. Precatórios Judiciais e Compensação Tributária. Revista Jus


Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1222, 5 nov. 2006. Disponível em
<https://jus.com.br/artigos/9129>. Acesso em 24/05/2018.

KINGMA ORLANDO, Breno Ladeira. Processo judicial tributário decorrente de


compensações não admitidas pela Secretaria da Receita Federal. In: KINGMA
ORLANDO, Breno Ladeira; et al. Execução Fiscal: Aspectos polêmicos na visão dos juízes,
procuradores e advogados. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2008.

MOLLE, Camila Cristina Magrille. A Compensação de Tributos com Precatórios Judiciais.


In: Revista SJRJ, vol. 19, n. 33, abr. 2012. Rio de Janeiro, 2012.

NAKAMURA, André Luiz dos Santos. Atualidade Acerca do Regime dos Precatórios. In:
Revista da AGU / Escola da Advocacia-Geral da União Ministro Victor Nunes Leal, vol. 15, n.
02, abr-jun/2016. Brasília: EAGU, 2002.

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