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1.

Introdução

Precatórios e Requisições de Pequeno Valor (RPV) são a forma que as


Fazendas Pública da União, dos Estados e Municípios realizam o pagamento dos
seus credores, em virtude de derrotas judiciais.
Este tema é importantíssimo para compreender os principais debates que
todos os dias são encaminhados ao Poder Judiciário relacionado aos litígios causados
pelo Poder Público, em muitos casos para retardar o pagamento de seus credores,
bem como entender os “gargalos” processuais que demandam muita mão de obra
das varas de justiça nos tribunais, causando um acúmulo de processos já em fase de
execução.

2. Finalidade dos RPV e Precatórios

A ideia central deste regime de pagamento diferenciado que é dado ao Poder


Público é preservar o orçamento público e impedir que grande parte dos recursos
financeiros do Estado sejam direcionados ao pagamento das condenações judiciais,
inviabilizando a concretização das finalidades públicas.
Logo, por meio deste regime diferenciado, o Estado tem a prerrogativa de
pagar os seus credores a partir de uma fila, organizada, em regra, pela ordem de
chegada de cadastro do crédito.
A existência e finalidade pode ser resumida pela definição de Vladimir Souza
Carvalho:

[...] o precatório [e RPV] existe[m] porque a Fazenda Pública foi parte e foi
vencida. Se seus bens fossem penhoráveis, como são os bens particulares,
atendendo-se às exceções legais, não haveria necessidade de precatório. Diante
da impenhorabilidade de seus bens, criou-se o precatório.

Ora, nas condenações judiciais de particulares, caso a dívida não seja paga
dentro do prazo previsto na lei, a própria legislação prevê a possibilidade de ser
realizado penhora dos bens do particular condenado (como bloqueio de saldos
bancários, de bens móveis ou mesmo de bens imóveis).
Como mencionado na citação acima, a mesma premissa não se aplica ao
Poder Público, já que, caso a dívida não seja paga dentro do prazo previsto, não é
possível aplicar as mesmas medidas disponíveis aos particulares. Isso pois, na
medida em que considerássemos a possibilidade de restrição de um bem público –
por exemplo, um parque – embora o bem estivesse vinculado ao Poder Público, em
verdade a prejudicada seria toda a sociedade.

3. Previsão legal

A previsão deste regime de pagamento encontra amparo na Constituição


Federal e, no art. 100, é previsto que:

os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e


Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na
ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos
respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações
orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
Embora a menção contida na Constituição pareça simples, a regulamentação
do precatório e da RPV foi submetida a diversas alterações desde 1988. Isso foi feito,
sobretudo, para retardar o momento de pagamento dos credores do Poder Público,
movimento que tem sido chamado jocosamente de “emendas do calote”.

4. O que é precatório?

Precatório, em um conceito geral usado pelos tribunais e juristas brasileiros, e


nada mais é do que a requisição (o pedido) realizado pelo juiz ao presidente do
Tribunal de Justiça em que o processo está vinculado para que o ente público –
derrotado em processo judicial – pague uma dívida. Assim, a pessoa física ou
jurídica titular desse crédito pode receber esse valor do Poder Público.
Em resumo, precatório é a forma de cobrança de uma dívida do Poder
Público, dívida esta que foi constituída por uma condenação judicial.
O Poder Público realiza o pagamento destes valores, conforme as
possibilidades financeiras destinadas a estes pagamentos no orçamento público.

4.1. Classificação dos precatórios

Os precatórios podem ser classificados como sendo de:

 natureza alimentar (salários, vencimentos, proventos, pensões, dentre outros


pagamentos inscritos no artigo 100, § 1º, da Constituição Federal);
 não alimentar (por exemplo, quando o Poder Público é condenado judicialmente
a pagar dívidas contratuais por inadimplemento de seus fornecedores de
produtos ou serviços).

4.2. Em que ordem os precatórios devem ser pagos?

O precatório é pago com base na ordem cronológica (“número de ordem”) de


cadastro da requisição junto à Presidência do Tribunal a que o processo está
vinculado (“número de processo de precatório”). Esta ordem é controlada por meio
de listas disponibilizadas pelo próprio Tribunal (art. 100, §§ 6º e 7º, Constituição).
A regra é que os pagamentos sejam realizados seguindo a ordem. Contudo, a
própria Constituição e outras legislações editadas sobre o tema, apresentam exceções
a ordem cronológica, para impor a determinados créditos o direito de “furar a fila”.
Nesse sentido, dizem os §§ 1º e 2º do art. 100 da Constituição que a
condenação decorrente de natureza alimentar tem preferência em relação às de
natureza não alimentar. Dentro desses dois grandes grupos, há uma segunda ordem
de preferência garantida aos precatórios de portadores de doença grave (inscritas no
art. 6º, inciso XIV, da Lei Federal nº 7.713/1988), idosos e pessoas com deficiência.
Portanto, na hora da requisição do pedido de prioridade, esses dois aspectos
devem ser observados. Afinal, um precatório de natureza alimentar de um portador
de doença grave tem prioridade diante de um precatório também alimentar, mas que
pertença a uma pessoa que não tenha doença grave.

Ademais, conforme previsto no art. 100 da Constituição Federal, não pode o


Estado destinar recursos para o pagamento do precatório a um determinado grupo
ou pessoa, o que configuraria ofensa aos princípios da impessoalidade e da
moralidade (art. 37 da Constituição Federal).

4.3. Possibilidade de “venda de precatório”

Logicamente, como o direito à percepção de valores é um direito disponível


(isto é, é de livre manejo de quem o possui, desde que atendidos aos critérios legais),
os credores de precatórios podem ceder, total ou parcialmente, o valor de seus
créditos, independentemente de concordância do ente público devedor (art. 100, § 13,
Constituição).
Nesse sentido, é bastante recorrente a realização de negócios para a compra-e-
venda de precatórios, não havendo nada de inconstitucional nisto – bastando que
seja informado nos autos de execução do precatório que houve a cessão do
precatório, sob pena de invalidade do negócio realizado (art. 100, § 14, Constituição).
Como a Constituição definiu, não somente a venda (“cessão onerosa do
crédito do precatório”) é permitida, como também a cessão do crédito de outras
formas – por exemplo, doação, ou entrega do precatório em garantia à dívida
existente também é possível. É óbvio, portanto, que o crédito de precatórios também
será objeto de herança caso ele não seja pago até o falecimento do credor.
Deve-se observar, por fim, que o art. 100, § 9º, da Constituição Federal,
estipula que se o credor original do precatório tiver quaisquer dívidas ativas com o
ente público devedor, essas dívidas serão compensadas (isto é, descontadas) no valor
do precatório – obviamente isto não ocorrerá se a dívida for quitada pelo credor
originário até a data do pagamento do precatório.
Assim, é necessária muita atenção: caso o credor original do precatório ceda
seu crédito, o cessionário (quem recebe o crédito) será atingido pela dívida que o
credor original possuía com o ente público pagador do precatório.

4.4. Quando um valor vira precatório?

A regra para definição de um precatório está ligada ao valor a ser pago pelo
Poder Público: isto é, a partir de determinadas faixas numéricas, o pagamento se
dará por precatório, quando não por meio de Requisição de Pequeno Valor (RPV),
conforme esquematizado abaixo:

a) caso seja condenação imposta a um ente público federal, são executáveis por
precatório somente as dívidas superiores a 60 (sessenta) salários-mínimos (art. 3º, Lei
Federal 10.259/2011, que define o valor máximo para a propositura de ações judiciais
perante os Juizados Especiais Federais);

b) caso seja a condenação imposta a um ente público estadual, o precatório será


expedido somente para dívidas superiores a 40 (quarenta) salários-mínimos (art. 87,
I, Ato Constitucional das Disposições Transitórias – ADCT);

c) caso seja a condenação imposta a um ente público municipal, o precatório só será


para dívidas superiores a 30 (trinta) salários-mínimos (art. 87, II, ADCT).

Mas é necessário atenção, pois o artigo 87, ADCT define que os Estados e
Municípios poderão estipular, via lei local, valor distinto para o piso de precatório,
para que suas condenações judiciais sejam submetidas ao precatório. A mesma
liberdade não é dada ao Governo Federal, já que o valor de piso de precatório é igual
ao teto do valor dos processos perante o Juizado Especial Federal.
Nesse sentido, a Constituição Federal traz, em seu art. 100, § 4º, que cada ente
federativo poderá estipular como valor de piso para precatórios, no mínimo, o valor
do maior benefício do regime geral da previdência social.
Como exemplo de piso de precatório distinto daquele previsto no ADCT, cita-
se o caso do Estado de São Paulo: até 7 de dezembro de 2019, o valor-piso para
expedição de precatórios se sujeitava à previsão do art. 87, I, ADCT. Com a
publicação da Lei Estadual nº 17.205/2019, definiu-se que o piso para precatório
passaria a ser de R$ 12.805,85 (em valores atualizados para 2021).
O que não for precatório dentro da sistemática descrita, deve ser cobrado por
RPV.

4.5. Adiantamento parcial do precatório

A importância de se informar que uma pessoa é idosa, portadora de doença


grave ou de deficiência não se justifica somente pela vantajosidade na ordem da fila,
conforme expusemos anteriormente.
Tais pessoas tem garantido a si o direito de receber adiantamento de seu
precatório, o qual será calculado com base no triplo do valor limite para as
Requisições de Pequeno Valor (RPV), nos termos do art. 100, § 3º, Constituição. O
pedido de pagamento adiantado deve ser feito pelo advogado do interessado no
processo de execução.
Se houver valor a ser pago após a entrega do adiantamento, esse
remanescente será pago posteriormente, em obediência à ordem original do
precatório na fila de pagamentos administrada pelo Judiciário.

5. Requisição de Pequeno Valor (RPV) - Definição

A RPV, prevista pela Constituição Federal no art. 100, § 3º, é uma forma mais
rápida para se receber o valor devido judicialmente pelo Poder Público, pois seu
prazo para pagamento é de 60 (sessenta) dias (art. 535, § 3º, II, do Código de Processo
Civil).
Vale lembrar que os precatórios são pagos de acordo com uma fila
administrada pelo Presidente do Tribunal que condenou o ente público e, por sua
vez, o Poder Público quitará o precatório de acordo com a previsão orçamentária
estipulada em sua Lei Orçamentária Anual especificamente para o pagamento dessas
dívidas judiciais.
A RPV, como visto, além de ter prazo para quitação pré-determinado pela
legislação processual, é o expediente de pagamento às condenações judiciais que não
superam o valor-piso previsto aos precatórios.
Deve-se observar que é vedado o fracionamento, a quebra ou a repartição do
valor do precatório com vistas ao recebimento de um precatório em vários RPV – o
que seria uma gritante fraude à fila de precatórios, que é corretamente repelida pelo
art. 100, § 8º, da Constituição Federal.

6. Juros e atualização monetária

A administração da dívida do Judiciário envolve não só garantir obediência à


ordem cronológica das dívidas executadas pelas partes e seus advogados: serve,
também, para que seja corretamente obedecida “a matemática das decisões judiciais”
– isto é, a aplicação dos índices utilizados para a atualização monetária da dívida e,
eventualmente, para a incidência de juros moratórios.
Sobre o assunto, as regras de juros e correção foram definidas recentemente
pelo Tema de Repercussão Geral nº 810, julgado pelo Supremo Tribunal Federal
(STF). Ele deve ser lido em conjunto com o Tema de Repercussão Geral nº 905,
julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, os quais, basicamente, definiram a
interpretação correta do artigo 1º-F da Lei Federal nº 9.494/1997.

7. Gestão de RPV/Precatórios

Visando a necessidade de se imprimir celeridade e segurança ao processo de


execução de RPV e precatórios nos processos judiciais, o Conselho Nacional de
Justiça criou o Fórum Nacional de Precatórios, com caráter nacional e permanente,
instituído por meio da Resolução CNJ nº 158, de 22 de agosto de 2012, com a
atribuição de elaborar estudos e propor medidas concretas de aperfeiçoamento da
gestão de precatórios.
A necessidade de criação de um grupo desta natureza surgiu após o
levantamento de dados obtidos com o projeto de reestruturação de precatórios
desenvolvido pela Corregedoria Nacional de Justiça em 2012.

Ao Fórum compete:

 propor atos normativos voltados à implantação e modernização de rotinas, à


organização, à especialização e à estruturação dos órgãos competentes para
atuação na gestão de precatórios nos tribunais de justiça;
 o estudo e a proposição de medidas para o aprimoramento da legislação
pertinente, incluindo a solução, a prevenção de problemas e a regularização das
questões que envolvam o tema;
 instituir medidas concretas e ações coordenadas com vistas à regularização do
pagamento de precatórios, como garantia de efetividade da prestação
jurisdicional e respeito ao Estado de Direito;
 congregar magistrados vinculados à matéria nos Estados e Distrito Federal;
 aperfeiçoar o sistema de gestão de precatórios e promover a atualização de seus
membros pelo intercâmbio de conhecimentos e de experiências;
 uniformizar métodos de trabalhos, procedimentos e editar enunciados;
 manter intercâmbio, dentro dos limites de sua finalidade, com entidades de
natureza jurídica e social do país e do exterior.

O Fonaprec é composto pelos seguintes órgãos:

I – Comitê Nacional de Precatórios;

II – Comitês Estaduais de Precatórios;

III – Comissão Permanente Legislativa;

IV – Comissão Permanente de Assuntos Institucionais


O Fonaprec contribuiu no processo de edição da Resolução CNJ nº 303, em 18
de dezembro de 2019, que revogou a Resolução CNJ nº 115, de 29 de junho de 2010,
que dispunha sobre a gestão de precatórios no âmbito do Poder Judiciário.
A edição da uma nova Resolução surgiu devido a necessidade de adequação
da norma anterior às inovações introduzidas pelas Emendas Constitucionais nº
94/2016 e 99/2017 e às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ADIs
nº 4.357/DF e 4.425/DF.
Fruto de grupo de trabalho criado pelo Comitê, o CNJ aprovou a Resolução nº
327/2020, que disciplina a requisição de precatórios junto à Fazenda Pública Federal
pelos tribunais de justiça, nos termos previstos no artigo 84, parágrafo único da
Resolução CNJ nº 303/2019.

8. Ferramenta digital de gestão de RPV/Precatórios

Instituída pela Resolução CNJ nº 335 de 2020, a Plataforma Digital do Poder


Judiciário Brasileiro - PDPJ-Br tem como principal escopo incentivar o
desenvolvimento colaborativo entre os tribunais, preservando os sistemas públicos
em produção, mas consolidando pragmaticamente a política para a gestão e
expansão do Processo Judicial Eletrônico – PJe.
O principal objetivo deste normativo é modernizar a plataforma do Processo
Judicial Eletrônico e transformá-la em um sistema multisserviço que permita aos
tribunais fazer adequações conforme suas necessidades e que garanta, ao mesmo
tempo, a unificação do trâmite processual no país.
A plataforma permitirá o oferecimento de multisserviços com possibilidade
de serem adaptados conforme necessidades e demandas específicas dos tribunais
que aderirem à PDPJ.
Dentre os serviços previstos para a PDPJ, encontra-se uma ferramenta de
gestão de RPV/Precatórios, que será desenvolvida por meio de cooperação técnica
instituída entre o CNJ e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), tendo-se como modelo a ferramenta desenvolvida pelo Tribunal Regional
Federal da 1ª Região (TRF1), o Sistema de Requisição de Pagamento Ágil (Sirea), um
software que tem a finalidade de otimizar a tramitação das demandas coletivas, na
fase de cumprimento de sentença e execução, e dinamizar a expedição dos ofícios
requisitórios, possibilitando a atuação compartilhada dos advogados públicos e
privados no preenchimento do formulário eletrônico do precatório, tornando mais
célere sua expedição.
A despeito da previsão de nacionalização do Sirea, outros sistemas
desenvolvidos por outros órgãos do judiciário foram considerados para as definições
das regras negociais da ferramenta a ser disponibilizada pela PDPJ, tais como o e-
Proc do TRF5; ferramenta construída no âmbito do Fonaprec, em parceria do CNJ
com outros tribunais; Geprec desenvolvido pelo TJ-MG, Geprec desenvolvido pelo
Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) em parceria com a Procuradoria
Geral da Fazenda Nacional (PGFN), e outros.
Está prevista, no âmbito da cooperação técnica CNJ/PNUD, a contratação de
uma empresa para o desenvolvimento da ferramenta da PDPJ, a ser contratada na
modalidade consultoria por meio de Termo de Referência (TR) que permitirá o
lançamento de um Request for Proposal (RFP) público. O TR será desenvolvido com
base nas regras de negócio previstas para a ferramenta digital, que deverão
considerar as particularidades dos precatórios (item 4 deste documento) e RPV (item
5 deste relatório), bem como as definições presentes na Resolução nº 303/2019 do
CNJ e alterações (disponível em https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3130).
A ferramenta da PDPJ, de modo macro, prevê a criação de 3 módulos
processuais (Requisição de Pagamento; Aviso (ao erário) de valores judiciais a pagar
e Gestão do processo de crédito (com APIs para vinculação de sistemas bancários e
fiscais), bem como um módulo funcional para cálculo de atualizações de valores de
pagamento de RPV/Precatórios, que visa acelerar os processos de cálculo das
Contadorias dos tribunais aderentes à PDPJ.

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