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WWQW ESTÂNCIA XII 

(em Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte)

E contemplei o céu, onde surgia


O dia...
Sol, ó sol! Astro rei dos espaços,
Rubra tulipa imperial,
Iluminai no ocaso os meus cansados braços,
Com toda a vossa luz de púrpura real,
Para que eles possa,
Cheios de clarões dos olhos teus
(São beijos que pelos meus lábios roçam),
Erguer-se a Deus!
Alphonsus de Guimaraens

VERSOS POLIMÉTRICOS: COM RIMA


CASTELOS N0 AR
 
A vida é o sonho de um sonho sonhado.
                                               FICHTE
 
Sonhos, noites, lagos noturnos e luares;
                                      olhos, olhares...
 
Quando o luar dos teus olhos aos meus olhos desce
a minh'alma empalidece;
todo eu fico a tremer,
         e tu passas sem me ver,
no teu lento passo acompassado...
Ao ver-te passar, eu sinto que me crescem asas,
e leve de culpa e de pecado
ponho-me a voar, a voar,
numa volúpia nova, pelo azul dos ares,
— pelo Reino dos Luares, —
acima das misérias e das casas
té encontrar pelo caminho
um dos meus Castelos no Ar...
Lá, se tu quisesses, pela primavera,
íamos fazer o nosso ninho.
 
(Minha Sombra Azul, cor de Quimera,
quando o luar dos teus olhos os meus olhos banha,
na noite da minh'alma entra uma luz estranha.)
0 meu alcácer é um fantástico tesoiro,
um palácio astral mitrado dum zimbório d'oiro:
no parque, alabastros de ninfas e mármores de musas,
 
no jardim, as rosas brancas são pálidas reclusas,
e as sanguíneas papoilas
um bando saudável de rústicas moçoilas;
dentro, numa sala imensa,
em quadros murais da Renascença,
vivem sonetos do Aretino
e a legenda sutil de Leda e do Cisne divino.
Quando o olhar dos teus olhos me veste de luar
dentro da minh'alma ha um Cisne a cantar.)
 
Nessa câmera d'arte erótica e pagã,
por uma plúmea e nupcial manhã,
o meu amor espera-te. E com que desejo,
com que sede te espera!
 
No primeiro longo, longo beijo
bebe-te o hálito floral de primavera,
e é como se bebesse logo.
 
(Quando o luar dos teus olhos os meus olhos toca,
a minh'alma beija-te na boca.)
 
Nos meus olhos crepitam labaredas;
todo eu, ardendo, quero amar-te logo;
trêmulos e tímidos os dedos vão rasgando as sedas,
as musselinas lívidas esparsas,
penugem ventral de garças, —
translúcidas e brancas,
fogem pela curva clássica das ancas;
como um estandarte desfraldas o cabelo:
cai a noite sem luar no meu castelo,
e sob o novilúnio da tua cabeleira
é d'âmbar o teu corpo, Trigueira,
sincero e sem pejos,
todo vestido de beijos!...
 
(Quando o luar dos teus olhos vence todos os luares
no lago da minh'alina abrem os sonhos, como nenúfares.)
 
 Adalberto Guerra-Duval
 
A poesia, que tem linhas até de 16 silabas, adota um dos recursos d6 simbolismo europeu: o
verso livre (detinidamente livre e não meramente heteromélrico, como o chamado verso livre
"clássico", simples junção numa poesia de versos regulares de medidas diferentes). A análise
rítmica dos versos mais longos de "Caslelo no Ar", a partir de 9 silabas, indica a ausência de
padrões uniformes ou regulares. Guerra-Duval é assim o nosso primeiro cultor do verso-livre
simbolista, e usa-o com desenvoltura bem maior do que a heterometria inicial de alguns dos
próprios modernistas.    Idem, p. 140

ESTÂNCIA XII (em Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte)

E contemplei o céu, onde surgia


O dia...
Sol, ó sol! Astro rei dos espaços,
Rubra tulipa imperial,
Iluminai no ocaso os meus cansados braços,
Com toda a vossa luz de púrpura real,
Para que eles possa,
Cheios de clarões dos olhos teus
(São beijos que pelos meus lábios roçam),
Erguer-se a Deus!
Alphonsus de Guimaraens

VERSOS POLIMÉTRICOS: COM RIMA


CASTELOS N0 AR
 
A vida é o sonho de um sonho sonhado.
                                               FICHTE
 
Sonhos, noites, lagos noturnos e luares;
                                      olhos, olhares...
 
Quando o luar dos teus olhos aos meus olhos desce
a minh'alma empalidece;
todo eu fico a tremer,
         e tu passas sem me ver,
no teu lento passo acompassado...
Ao ver-te passar, eu sinto que me crescem asas,
e leve de culpa e de pecado
ponho-me a voar, a voar,
numa volúpia nova, pelo azul dos ares,
— pelo Reino dos Luares, —
acima das misérias e das casas
té encontrar pelo caminho
um dos meus Castelos no Ar...
Lá, se tu quisesses, pela primavera,
íamos fazer o nosso ninho.
 
(Minha Sombra Azul, cor de Quimera,
quando o luar dos teus olhos os meus olhos banha,
na noite da minh'alma entra uma luz estranha.)
0 meu alcácer é um fantástico tesoiro,
um palácio astral mitrado dum zimbório d'oiro:
no parque, alabastros de ninfas e mármores de musas,
 
no jardim, as rosas brancas são pálidas reclusas,
e as sanguíneas papoilas
um bando saudável de rústicas moçoilas;
dentro, numa sala imensa,
em quadros murais da Renascença,
vivem sonetos do Aretino
e a legenda sutil de Leda e do Cisne divino.
Quando o olhar dos teus olhos me veste de luar
dentro da minh'alma ha um Cisne a cantar.)
 
Nessa câmera d'arte erótica e pagã,
por uma plúmea e nupcial manhã,
o meu amor espera-te. E com que desejo,
com que sede te espera!
 
No primeiro longo, longo beijo
bebe-te o hálito floral de primavera,
e é como se bebesse logo.
 
(Quando o luar dos teus olhos os meus olhos toca,
a minh'alma beija-te na boca.)
 
Nos meus olhos crepitam labaredas;
todo eu, ardendo, quero amar-te logo;
trêmulos e tímidos os dedos vão rasgando as sedas,
as musselinas lívidas esparsas,
penugem ventral de garças, —
translúcidas e brancas,
fogem pela curva clássica das ancas;
como um estandarte desfraldas o cabelo:
cai a noite sem luar no meu castelo,
e sob o novilúnio da tua cabeleira
é d'âmbar o teu corpo, Trigueira,
sincero e sem pejos,
todo vestido de beijos!...
 
(Quando o luar dos teus olhos vence todos os luares
no lago da minh'alina abrem os sonhos, como nenúfares.)
 
 Adalberto Guerra-Duval
 
A poesia, que tem linhas até de 16 silabas, adota um dos recursos d6 simbolismo europeu: o
verso livre (detinidamente livre e não meramente heteromélrico, como o chamado verso livre
"clássico", simples junção numa poesia de versos regulares de medidas diferentes). A análise
rítmica dos versos mais longos de "Caslelo no Ar", a partir de 9 silabas, indica a ausência de
padrões uniformes ou regulares. Guerra-Duval é assim o nosso primeiro cultor do verso-livre
simbolista, e usa-o com desenvoltura bem maior do que a heterometria inicial de alguns dos
próprios modernistas.    Idem, p. 140

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