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A TRISTEZA

DE VOCÊS SE
TRANSFORMARÁ
EM ALEGRIA

Meditações para as manhãs


e tardes da semana santa
Este é um presente do Desiring God
e Ministério Fiel. Para saber mais, baixar
outros formatos e ouvir o audiolivro, acesse

fiel.in/semanasanta
A TRISTEZA
DE VOCÊS SE
TRANSFORMARÁ
EM ALEGRIA

Meditações para as manhãs


e tardes da semana santa
A tristeza de vocês se transformará em alegria:
Meditações para as manhãs e tardes da semana santa

Traduzido do original em inglês


Your Sorrow Will Turn To Joy
Copyright © 2016 Desiring God Foundation. Todos os direitos reservados.

Originalmente publicado em inglês por Desiring God


Post Office Box 2901
Minneapolis, MN 55402

Copyright © 2021 Editora Fiel


Primeira edição em português: 2021

PROIBIDA A REPRODUÇÃO DESTE LIVRO POR QUAISQUER MEIOS, SEM A


PERMISSÃO ESCRITA DOS EDITORES, SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM
INDICAÇÃO DA FONTE.
Os textos das referências bíblicas foram extraídos da versão Almeida Revista e Atualizada, 2ª ed.
(Sociedade Bíblica do Brasil), salvo indicação específica. Ênfases adicionadas.

Diretor: Tiago J. Santos Filho


Editor-chefe: Tiago J. Santos Filho
Editor: Filipe Castelo Branco
Coordenação Editorial: Gisele Lemes
Tradução: Paulo Reiss Junior
Revisão: Filipe Castelo Branco
Diagramação: Rubner Durais
Capa: Rubner Durais
E-book: Rubner Durais
ISBN ebook: 978-65-5723-033-6
ISBN audiolivro: 978-65-5723-034-3

Caixa Postal 1601


CEP: 12230-971
São José dos Campos, SP
PABX: (12) 3919-9999
www.ministeriofiel.com.br
SUMÁRIO

Colaboradores.............................................................................................................. 7
Prefácio......................................................................................................................11

DOMINGO DE RAMOS
As lágrimas da soberana misericórdia do salvador - John Piper.......................16
O problema do Domingo de Ramos - Jonathan Parnell....................................23

SEGUNDA-FEIRA SANTA
Sem volta - Andreas Köstenberger e Justin Taylor................................................28
Jesus vira as mesas - Jonathan Parnell...................................................................32

TERÇA-FEIRA SANTA
A escalada do conflito - Andreas Köstenberger e Justin Taylor..........................38
O rei que precisávamos, mas que não queríamos - Marshall Segal..................43

QUARTA-FEIRA SANTA
Traído por um dos seus - David Mathis..............................................................49
Motim contra o Messias - Johnathon Bowers.......................................................54

QUINTA-FEIRA SANTA
A maior oração do mundo - John Piper...............................................................60
Não seja o que eu quero - Jon Bloom....................................................................67
SEXTA FEIRA SANTA
Está consumado - Jon Bloom.................................................................................74
Por que me desamparaste? - Donald Macleod.....................................................82

SÁBADO SANTO
Caia sobre nós o seu sangue - Marshall Segal......................................................89
Ele desceu ao inferno? - .......................................................................94

DOMINGO DE PÁSCOA
Você encontrou o que procura? - Tony Reinke..................................................101

CONCLUSÃO
O triunfo da alegria - David Mathis...................................................................109
COLABORADORES

Jon Bloom é autor, presidente do conselho e cofundador


da desiringGod.org. Ele é autor de Not by Sight, Things
Not Seen, e Don Don’t Follow Your Heart. Ele mora em
Minneapolis com sua esposa, Pam, e seus cinco filhos.

Johnathon Bowers é professor de teologia e cosmovisão


cristã no Bethlehem College & Seminary em Minneapo-
lis, Minnesota. Ele é candidato a doutorado em filosofia
cristã no Southern Baptist Theological Seminary. Ele mora
em Minneapolis com sua esposa, Crystal, e seu filho.

Andreas Köstenberger é professor pesquisador sênior


de Novo Testamento e teologia bíblica no Southeastern
Baptist Theological Seminary em Wake Forest, Carolina
do Norte. Ele é coautor com Justin Taylor de The Final
Days of Jesus: The Most Important Week of the Most Im-
portant Person Who Ever Lived.

David Mathis é editor executivo da desiringGod.org,


professor adjunto do Bethlehem College & Seminary
e pastor da Cities Church, Minneapolis. Ele é o autor
de Habits of Grace: Enjoying Jesus through the Spiritual
10 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

Disciplines, ele mora em Minneapolis com sua esposa,


Megan, e seus três filhos.

Donald Macleod foi professor de teologia sistemática


na Free Church of Scotland College em Edimburgo por
mais de trinta anos. Ele é o autor de The Person of Christ
e, mais recentemente, Christ Crucified.

Jonathan Parnell é pastor líder da Cities Church. Ele


mora em St. Paul com sua esposa, Melissa, e seus cinco
filhos. Ele é coautor de How to Stay Christian in Semi-
nary e autor do Glory and Gladness, que será lançado
em breve.

John Piper é fundador e professor do desiringGod.org e


chanceler do Bethlehem College & Seminary. Por mais de
trinta anos ele serviu como pastor da Bethlehem Baptist
Church. Ele é autor de diversos livros incluindo Coro-
navírus e Cristo, Uma Glória Peculiar, Lendo a Bíblia de
Modo Sobrenatural e Surpreendido por Deus, publicados
pela Editora Fiel. John e sua esposa Nöel têm quatro
filhos uma filha e doze netos.

Tony Reinke é redator da equipe desiringGod.org e


apresentador do popular podcast Ask Pastor John, dis-
ponível em português pelo Ministério Fiel como John
Piper Responde. Ele é o autor de Lit!: Um Guia Cristão
Para Leitura de Livros, John Newton on the Christian
Colaboradores | 11

Life e The Joy Project. Ele mora em Twin Cities com sua
esposa Karaleigh e seus três filhos.

Joe Rigney é professor assistente de teologia e cosmovi-


são cristã no Bethlehem College & Seminary. Ele é autor
de The Things of Earth: Treasuring God by Enjoying His
Gifts, ele mora em Minneapolis com sua esposa, Jenny, e
seus dois filhos.

Marshall Segal é editor associado do desiringGod.org


e assistente executivo de John Piper. Ele se formou no
Bethlehem College & Seminary e mora em Minneapolis
com sua esposa Faye. Autor do livro Ainda Não Casei
publicado pela Editora Fiel.

Justin Taylor é vice-presidente sênior e editor de livros


na Crossway e presbítero na New Covenant Bible Church
em St. Charles, Illinois. Ele e sua esposa, Lea, têm qua-
tro filhos. Ele é coautor com Andreas Köstenberger de
The Final Days of Jesus: The Most Important Week of the
Most Important Person Who Ever Lived.
“Em verdade, em verdade
eu vos digo que chorareis e vos lamentareis,
e o mundo se alegrará; vós ficareis tristes,
mas a vossa tristeza se converterá em alegria.”
João 16.20
PREFÁCIO

Em certo sentido, não há nada de especial na “Semana


Santa”. Apenas outra sequência de oito dias a cada outono
- nada é intrinsecamente sagrado neste período de do-
mingo a domingo que aparece no calendário a cada ano.
Não temos mandato de Jesus ou de seus apóstolos
para reservar esses dias para uma observância particular.
Paulo, por exemplo, ficaria muito feliz quer participásse-
mos ou não.“Um faz diferença entre dia e dia; outro julga
iguais todos os dias. Cada um tenha opinião bem-defi-
nida em sua própria mente.” (Rm 14.5). Obviamente, a
celebração não deve pesar sobre a consciência de outras
pessoas. “Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida
e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados” (Cl
2.16). Guardar a Semana Santa não é uma obrigação,
mas é uma oportunidade. É uma chance de caminhar
com a igreja, ao longo dos tempos e pelo mundo, en-
quanto ela caminha com seu Noivo na semana mais
importante da história do mundo. É uma chance de fo-
calizar nossas mentes e buscar intensificar nossos afetos
pelas realidades mais importantes e atemporais.
Embora não exija, ou mesmo sugira, essa observân-
cia, o Novo Testamento nos dá uma razão (indireta), se
14 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

estivermos procurando por ela. Os oito capítulos finais


de Mateus são dedicados a esta semana, junto com os
últimos seis dos dezesseis de Marcos e os seis finais de
Lucas. O mais significativo, porém, é João. Dez dos vinte
e um capítulos do Evangelho - essencialmente metade -
lidam com a semana final da vida de nosso Senhor, sua
traição, suas provações, sua crucificação e sua ressur-
reição triunfante. Até mesmo Atos, que então narra a
vida da igreja primitiva, retorna aos eventos da Semana
Santa com frequência (ver, por exemplo, Atos 1.15-19;
2.22-36; 3.11-26; 4.8-12, 24-28, entre outros). Na ver-
dade, pode-se até dizer que todo o Antigo Testamento
antecipa esta semana, e o restante do Novo Testamento
a reflete na teologia e na vida prática.
Para ajudar com a oportunidade que a Semana
Santa apresenta, reunimos uma equipe de onze pas-
tores e estudiosos para nos acompanhar, durante a
Semana Santa, enquanto caminhamos juntos com
nosso Senhor. O livro que você está segurando inclui
leituras relativamente breves para cada manhã e noite
durante os oito dias da Semana Santa, do Domingo
de Ramos à Páscoa. Nós o encorajamos a diminuir o
ritmo e saborear essas meditações. Medite nas verda-
des durante essas meditações. Talvez bloqueie vários
minutos. Encontre um lugar confortável para se sentar.
Acalme sua alma e ore para que Deus o encontre com
Prefácio | 15

essas palavras. Considere passar alguns momentos em


oração depois de ler e ser direcionado por essas verda-
des a Deus em adoração a Cristo.
No caos de nossa sociedade cada vez mais acelerada
e agitada, a Semana Santa é um lembrete para fazermos
uma pausa e ponderar, para marcar cuidadosamente
cada dia e não deixar que esta maior de todas as semanas
passe voando por nós como todas as outras.
Nossa oração por você, enquanto você lê, é que
Deus faça com que a oração do apóstolo em Efésios
3.16-19 se torne realidade em você nesta Semana Santa:

“... para que, segundo a riqueza da sua glória, vos con-


ceda que sejais fortalecidos com poder, mediante o seu
Espírito no homem interior; e, assim, habite Cristo no
vosso coração, pela fé, estando vós arraigados e alicer-
çados em amor, a fim de poderdes compreender, com
todos os santos, qual é a largura, e o comprimento, e a
altura, e a profundidade e conhecer o amor de Cristo,
que excede todo entendimento, para que sejais toma-
dos de toda a plenitude de Deus.”

Que seja verdadeiramente uma semana para nos


firmarmos no amor de Cristo, que nos é tão claramen-
te manifestado desde sua determinação no Domingo
de Ramos, ao sacrifício final da Sexta-Feira Santa, e
até o triunfo do Domingo de Páscoa. E que você possa
16 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

renovadamente experimentar o amor de Cristo, em toda


a sua largura, comprimento, altura e profundidade - e
maravilha das maravilhas, encher-se de toda a plenitude
de Deus.
Agradecimentos especiais a Bryan DeWire por sua
ajuda em reunir essas meditações neste livro para publi-
cação, e pela observação acima sobre quantos capítulos
dos relatos do Evangelho são dedicados à Semana Santa.

David Mathis
Editor executivo
desiringGod.org
Domingo
de Ramos

Morning & Evening Meditations for Holy Week 5


MANHÃ

AS LÁGRIMAS DA
MISERICÓRDIA SOBERANA
DO SALVADOR

JOHN PIPER

“Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor!


Bendito o reino que vem, o reino de Davi, nosso pai!
Hosana, nas maiores alturas!” (Mc 11.9,10)

O Domingo de Ramos é o dia, no ano eclesiástico,


em que tradicionalmente marcamos a entrada de Jesus
em Jerusalém na última semana de sua vida.
Ao entrar na cidade montado no humilde jumenti-
nho, Jesus não estava alheio ao que estava para acontecer
com ele. Seus inimigos iriam levar a melhor e ele seria
rejeitado e crucificado. E dentro de uma geração a cidade
seria destruída. Veja como Jesus diz isso em Lucas 19.
43-44:
AS LÁGRIMAS DA MISERICÓRDIA SOBERANA DO SALVADOR | 19

“Pois sobre ti virão dias em que os teus inimigos te


cercarão de trincheiras e, por todos os lados, te aper-
tarão o cerco; e te arrasarão e aos teus filhos dentro de
ti; não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não
reconheceste a oportunidade da tua visitação.”

Deus os estava visitando em Jesus, seu Filho - “Veio


para o que era seu, e os seus não o receberam. ( Jo 1.11).
Mas eles não sabiam a hora de sua visitação. Então eles
tropeçaram na pedra de tropeço. Os construtores rejei-
taram a pedra e jogaram-na fora. Jesus viu isso chegando.

O REI CHORA
Como ele respondeu? “Quando ia chegando, vendo a ci-
dade, chorou e dizia: Ah! Se conheceras por ti mesma,
ainda hoje, o que é devido à paz! Mas isto está agora
oculto aos teus olhos.” (Lc 19. 41-42). Jesus chorou pela
cegueira e pela miséria iminente de Jerusalém.
Como você descreveria essas lágrimas? Eu as cha-
maria de lágrimas da misericórdia soberana. O efeito que
devem ter sobre nós é fazer-nos admirar a Cristo, valo-
rizá-lo acima de todos os outros e adorá-lo como nosso
misericordioso Soberano. E quando vemos a beleza da
sua misericórdia, tornamo-nos misericordiosos com ele
e semelhantes a ele para a sua glória.
Então, vamos admirar Cristo juntos neste Domin-
go de Ramos.
20 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

ADMIRANDO SUA TERNA SOBERANIA


O que torna Cristo tão admirável e tão diferente de
todas as outras pessoas é que ele reúne em si tantas qua-
lidades que nas outras pessoas são contrárias umas às
outras. Podemos imaginar a soberania suprema e pode-
mos imaginar a misericórdia de todo o coração. Mas a
quem devemos olhar para combinar, em proporção per-
feita, soberania misericordiosa e misericórdia soberana?
Olhamos para Jesus. Nenhum outro candidato religioso
ou político chega perto disso.
Veja três evidências sobre sua soberania no relato
do Domingo de Ramos.
Primeiro, as multidões louvaram a Deus pelas obras
poderosas de Jesus (Lc 19.37). Ele curou a lepra com um
toque; fez o cego ver, o surdo ouvir e o coxo andar; ele
deu ordens aos espíritos imundos e eles o obedeceram;
ele acalmou as tempestades, caminhou sobre as águas e
transformou cinco pães e dois peixes em uma refeição
para milhares. Assim que ele entrou em Jerusalém, eles
sabiam que nada poderia detê-lo. Ele poderia apenas di-
zer uma palavra e Pilatos morreria e os romanos seriam
dispersos. Ele era soberano.
Em seguida, veja, em segundo lugar, o versículo
38. As multidões clamavam: “Bendito é o Rei que vem
em nome do Senhor! Paz no céu e glória nas maiores
alturas!”
AS LÁGRIMAS DA MISERICÓRDIA SOBERANA DO SALVADOR | 21

Jesus era um rei, e não qualquer rei, mas aquele


enviado e nomeado pelo Senhor Deus. Eles conheciam
como Isaías o havia descrito - como soberano sobre um
reino invencível e sem fim:

“para que se aumente o seu governo, e venha paz sem


fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o
estabelecer e o firmar mediante o juízo e a justiça, des-
de agora e para sempre. O zelo do Senhor dos Exérci-
tos fará isto.” (Is 9.7).

Um reino universal e sem fim apoiado pelo zelo do


Deus Todo-Poderoso. Aqui estava o Rei do universo,
que hoje governa as nações e as galáxias, e para quem
a América, o ISIS e todos os seus estados políticos são
apenas um grão de areia e vapor.
Terceiro, versículo 40. Quando os fariseus lhe dis-
seram para fazer o povo parar de louvá-lo como rei, ele
respondeu: “Asseguro-vos que, se eles se calarem, as
próprias pedras clamarão.” (Lc 19.40). Por quê? Porque
Jesus será louvado! Todo o desígnio do universo é que
Cristo seja louvado. E, portanto, se as pessoas não o fi-
zerem, ele fará com que as pedras o façam.
Em outras palavras, ele é soberano. Ele obterá o que
pretende obter. Se nos recusarmos a louvar, as pedras
receberão esta alegria.
22 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

CUMPRIMENTO, NÃO FALHA


É notável, portanto, que as lágrimas de Jesus no versículo
41 sejam frequentemente usadas para negar sua sobera-
nia. Alguém dirá: “Olha, ele chora por Jerusalém porque
seu desígnio para eles não está se cumprindo. Ele teria
prazer em sua salvação. Mas eles são resistentes. Eles vão
rejeitá-lo. Eles vão entregá-lo para ser crucificado. E en-
tão seu propósito para eles falhou.” Mas há algo que não
está certo sobre essa objeção à soberania de Jesus.
Ele pode fazer o louvor vir das pedras. Então ele
poderia fazer o mesmo de um coração duro como pedra
em Jerusalém. Além do mais, toda essa rejeição, perse-
guição e assassinato de Jesus não são o fracasso do plano
de Jesus, mas o cumprimento dele.
Ouça o que ele disse em Lucas 18.31-33 pouco
tempo antes:

“Tomando consigo os doze, disse-lhes Jesus: Eis que


subimos para Jerusalém, e vai cumprir-se ali tudo
quanto está escrito [planejado!] por intermédio dos
profetas, no tocante ao Filho do Homem; pois será ele
entregue aos gentios, escarnecido, ultrajado e cuspido;
e, depois de o açoitarem, tirar-lhe-ão a vida; mas, ao
terceiro dia, ressuscitará.”

A traição, a zombaria, a vergonha, o cuspe, o açoite,


o assassinato - e muito mais - foi planejado. Em outras
AS LÁGRIMAS DA MISERICÓRDIA SOBERANA DO SALVADOR | 23

palavras, a resistência, a rejeição, a descrença e a hostili-


dade não foram uma surpresa para Jesus. Elas eram, de
fato, parte do plano. Ele diz isso.
Provavelmente é por isso que ele diz, no final do
versículo 42: “Mas isto está agora oculto aos teus olhos”.
Lembre-se do que Jesus disse sobre suas parábolas em
Lucas 8.10: “A vós outros [os discípulos] é dado conhe-
cer os mistérios do reino de Deus; aos demais, fala-se
por parábolas, para que, vendo, não vejam; e, ouvindo,
não entendam.” Deus os estava entregando à dureza. Era
um julgamento.

MISERICORDIOSO E PODEROSO
A misericórdia de Deus é uma misericórdia soberana.
“Terei misericórdia de quem me aprouver ter miseri-
córdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter
compaixão.” (Rm 9.15). Mas aqui está o ponto que
vemos no Domingo de Ramos: este Cristo soberano
chora pelo povo de coração endurecido e perecível de
Jerusalém enquanto cumpriam seu plano. É antibíblico
e errado fazer das lágrimas de misericórdia uma contra-
dição com a serenidade da soberania. Jesus estava sereno
na tristeza e triste na soberania. As lágrimas de Jesus são
lágrimas de misericórdia soberana.
E, portanto, seu poder soberano é o mais admirá-
vel e o mais belo. É a harmonia das coisas que parecem
estar em tensão que o torna glorioso – “misericordioso
24 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

e poderoso”, como cantamos. Admiramos mais o poder


quando é um poder misericordioso. E admiramos mais
a misericórdia quando ela é poderosa.
Oxalá pudéssemos ver e experimentar a beleza de
Cristo - as lágrimas da alegria soberana do Domingo
de Ramos, o amor abnegado e a obediência que o con-
duziram a cada passo do caminho durante a Semana
Santa. E, oh, ao admirá-lo e adorá-lo esta semana, sería-
mos transformados pelo que vemos e nos tornaríamos
mais comovidos, abnegados e necessitados de conhecer
pessoas.
TARDE

O PROBLEMA DO DOMINGO
DE RAMOS
JONATHAN PARNELL

Por séculos, a igreja tem comemorado o primeiro dia da


Semana Santa como Domingo de Ramos, por causa dos
ramos, folhas de palmeira e mantos que as pessoas esten-
deram diante de Jesus quando ele entrou em Jerusalém.
Os escritores dos Evangelhos nos contam que uma
multidão se reuniu, exultante de entusiasmo, e se ali-
nhou na estrada à frente de Jesus enquanto ele cavalgava
lentamente para a cidade. Enquanto ele caminhava, um
passo de cada vez no jumentinho de carga em que estava
montado, uma espécie de tapete estava sendo tecido à
sua frente. Ramos de palmeira verdes e frescos, presumi-
velmente colhidos de árvores próximas, e roupas grossas
e gastas, provavelmente das costas da multidão, forma-
vam uma tapeçaria de carinho para com o tão esperado
Messias de Israel.
E de acordo com os fariseus, isso era um problema.
26 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

O QUE AS PESSOAS DIZIAM


Mas, na verdade, não eram os ramos das palmeiras
que eram o problema, e sim o que as pessoas estavam
dizendo.
Lucas nos diz que quando Jesus entrou em Jeru-
salém, o povo começou a se alegrar e louvar a Deus,
gritando: “Bendito é o Rei que vem em nome do Se-
nhor!” (Lc 19.38).
Alguns fariseus tentam fazer com que Jesus pare a
multidão. Eles pedem que ele repreenda as pessoas pelo
que estão dizendo – “Bendito é o Rei”.
Os fariseus conhecem essa frase. Esta não é apenas
uma frase qualquer. Este é o tipo de boas-vindas reser-
vado ao Salvador de Israel.
É uma frase encontrada nas Escrituras Hebraicas,
remete ao Salmo 118, um salmo que se alegra no triunfo
do Senhor. No versículo 22 deste salmo, a pedra rejeita-
da se tornou a “pedra angular” (Sl 118.22). Esta é uma
obra maravilhosa – que procede de Deus - que então ini-
cia o dia da salvação (Sl 118.23-24). Este dia de salvação
é a libertação há muito aguardada que Israel pensou que
poderia nunca chegar. Mas chegaria, e o Salmo 118: 25
captura essa esperança: “Salva-nos, oramos, ó Senhor! Ó
Senhor, nós oramos, dê-nos sucesso!”
Agora, essa salvação e esse sucesso não são genéri-
cos. Viria por meio de uma pessoa - o Messias de Deus
O PROBLEMA DO DOMINGO DE RAMOS | 27

- aquele enviado para resgatar seu povo. Assim vem o


grito no salmo: “Bendito o que vem em nome do Se-
nhor!” (Sl 118: 26).
Sem dúvida, essa multidão errante em Jerusalém,
valendo-se do Salmo 118, está declarando que Jesus é
o Messias. É por isso que os fariseus dizem a Jesus para
parar com aquela loucura. Você ouve o que eles estão di-
zendo? Eles acham que você é o Messias que veio para nos
salvar. Diga a eles para calarem a boca.
Jesus não os impede, no entanto. Ele diz, em vez
disso, que se as pessoas não estivessem dizendo aqui-
lo, então as próprias pedras clamariam. Claro, Jesus é o
Messias. Ele veio a Jerusalém para salvar seu povo.
E de acordo com a multidão, isso era um problema.

O QUE AS PESSOAS VIAM


Mas, na verdade, não era a parte da salvação que era o
problema, mas a maneira como Jesus traria a salvação.
As pessoas queriam salvação e sucesso, lembre-se.
O que significa que eles queriam que o Messias mar-
chasse para a cidade e resolvesse as questões difíceis com
Roma. Eles queriam ser livres da opressão dos gentios,
mesmo que pela força, mesmo que por ameaças, pragas
e um mar aberto, como eles recordavam muito bem em
sua história. Eles queriam outro êxodo, queriam que ele
expulsasse os romanos.
28 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

Em vez disso, o que eles conseguiram, na manhã de


sexta-feira, foi um homem sangrento, um homem sob
custódia romana, rejeitado por seus próprios líderes, ao
lado de um criminoso infame chamado Barrabás. Eles
queriam um rei incomparável, mas veriam um blasfema-
dor derrotado. Ou assim eles pensaram.
Os sons da multidão neste Domingo de Ramos
seriam mais tarde traídos por outros sons da multidão
naquela semana. “Bendito seja!” logo se tornaria “crucifi-
ca-o!” Por isso, hoje há algo de nauseante. Lemos sobre
a resposta a Jesus, mas porque conhecemos a história,
estamos cientes de que essa recepção emocionada não
tem a palavra final, pelo menos não quando se trata dos
habitantes de Jerusalém.
E enquanto sentimos a alegria míope das palavras
do domingo, seu entusiasmo ineficaz, não podemos dei-
xar de ouvir a injúria que viria na sexta-feira.
Se pudéssemos ouvir essas multidões, ouviríamos
nossos gritos junto com os deles. Ouviríamos nos-
sos louvores e, então, na sexta-feira, envergonhados,
ouviríamos nossa voz zombeteira “gritar entre os escar-
necedores”. Em algum momento de nossas vidas, temos
feito parte de ambas as multidões. Talvez o tivéssemos
louvado, mas em algum momento também zombamos.
Afinal, não são os justos a quem Jesus veio salvar,
mas pecadores como nós.
Segunda-Feira
Santa
MANHÃ

SEM VOLTA
ANDREAS KÖSTENBERGER & JUSTIN TAYLOR

O sol nasce pouco antes das 6h30 em Betânia, o peque-


no vilarejo na encosta sudeste do Monte das Oliveiras, a
apenas dois quilômetros e meio a leste de Jerusalém. É
segunda-feira de manhã, 30 de março, A.D. 33. Jesus de
Nazaré está hospedado na casa humilde de seus amigos
Marta (cuja hospitalidade movida pela ansiedade rece-
beu sua repreensão gentil), Maria (que escolheu a boa
parte) e Lázaro (cujo corpo ainda estaria na sepultura
sem a operação milagrosa do Cristo).
Exatamente um dia antes - o primeiro dia da últi-
ma semana de sua vida - Jesus havia feito sua entrada
Triunfal na Cidade Santa, montado em um jumentinho
sobre um “tapete vermelho” real de ramos de palmeira e
mantos, saudado por seus discípulos e pelos peregrinos
da Galileia como o rei messiânico.
Mas segunda-feira seria diferente de domingo. Jesus
conhecia o coração do homem ( Jo 2.24-25). Ele conhe-
cia a aclamação dos discípulos e a multidão idealizou
SEM VOLTA | 31

um messias de sua própria imaginação. Apesar de seus


muitos esforços para ensiná-los de outra forma, eles não
conseguiam se livrar de suas expectativas erradas. Eles
estavam entusiasmados com um salvador nacional que
derrubaria os desprezados romanos de uma vez por to-
das. Eles não tinham a ideia de que a vitória viria por
meio da experiência, ao invés de infligir, ira e vergonha
degradante.

O JULGAMENTO COMEÇA EM CASA


Quando Jesus e os Doze acordaram no dia seguinte,
reunindo-se no local de encontro designado em Betâ-
nia, para fazer sua curta jornada de volta a Jerusalém,
a agenda de Jesus era a mesma: remover mal-entendi-
dos sobre quem ele era e o que estava indo realizar, de
modo que as expectativas seriam frustradas. Esta não
seria uma segunda-feira mansa e amena. Jesus estava
prestes a mostrar a eles que o julgamento começa em
casa, com Israel.
Enquanto caminhavam juntos pelo terreno rochoso
do Monte das Oliveiras, e conforme a fome no estômago
de Jesus crescia, ele avistou uma figueira ao longe. Pelas
aparências externas, parecia saudável, o lugar perfeito
para pegar algumas frutas e atender sua necessidade.
Mas, olhando mais de perto, a árvore estava sem frutos,
sem nada além de folhas não comestíveis.
32 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

Os discípulos não podiam esperar o que Jesus fez


a seguir. Ele lançou uma maldição sobre a figueira, de-
clarando que ela nunca mais daria frutos (Mt 21.18-19;
Mc 11.12-14). Jesus explicaria essa parábola no dia se-
guinte. Mas se os discípulos estivessem vendo a árvore
com olhos espirituais, eles se lembrariam de que, no
Antigo Testamento, Israel era frequentemente referido
como uma “figueira” ( Jr 8.13; Os 9.10, 16; Jl 1.7). O jul-
gamento deve começar em casa.

PURIFICANDO O TEMPLO
Eles continuaram caminhando, os discípulos, sem dúvi-
da, incomodados com esse comportamento inesperado.
Mas Jesus estava apenas começando.
Quando Jesus entrou no Monte do Templo mais
tarde naquele dia, ele estava cercado por judeus piedo-
sos que haviam feito a peregrinação a Jerusalém para
a Páscoa. Eles não apenas teriam que pagar o imposto
do Templo (um shekel de Tiro), mas também teriam
que comprar um animal de sacrifício sem mácula no
Pátio dos Gentios. Quando Jesus olhou para os cam-
bistas e mercadores, um santo zelo e justa indignação
brotaram dele. Eles estavam transformando a casa de
oração para todos os povos de seu Pai (Is 56.7) em um
covil de ladrões para explorar os pobres peregrinos da
Páscoa e perverter a adoração verdadeira ( Jr 7.11). Je-
sus começou a virar as mesas e cadeiras dos cambistas,
SEM VOLTA | 33

expulsando os mercadores e seus clientes apressados,


recusando a entrada de qualquer um que carregasse
mercadorias para venda.

ROSTO COMO UM SEIXO


Da perspectiva dos principais sacerdotes, escribas e lí-
deres judeus, uma coisa era esse professor dos remansos
de Nazaré compartilhar suas histórias, fazer suas rei-
vindicações e fazer seus milagres com seus seguidores.
Mas agora ele estava dentro da Cidade Santa. Ele havia
entrado pelos portões como se fosse o novo Davi ou o
novo Salomão. E agora ele tem a audácia de declarar que
o Templo em essência pertence a ele e a seu Pai? Quem
é ele para sugerir que o sistema judaico estava permi-
tindo o pecado em vez da adoração? E como ele ousava
argumentar que as autoridades judaicas ignoravam a
verdadeira religião e piedade?
Deste ponto em diante, não haveria mais volta. Je-
sus não está recuando. Na verdade, ele está acelerando a
sentença de morte.
A noite se aproxima. O sol se porá por volta das
19h, começando o novo dia de acordo com o calendá-
rio judaico. Jesus e seus discípulos voltam para Betânia.
Amanhã será um novo dia para confundir, para virar as
coisas de cabeça para baixo, enquanto Jesus continua a
cumprir o plano eterno que o levará ao Calvário.
TARDE

JESUS VIRA AS MESAS


JONATHAN PARNELL

E foram para Jerusalém. Entrando ele no templo, passou


a expulsar os que ali vendiam e compravam; derribou
as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam
pombas. (Mc 11.15)
Esta segunda-feira em particular pode ter parecido
a proverbial manhã de segunda-feira no mundo oci-
dental moderno - um momento para retomar a rotina
e voltar ao trabalho. Jesus, de fato, entrou em Jerusalém
para cuidar dos negócios.
O manso e meigo Jesus, de progressiva “tolerância”
que tantos de nossos contemporâneos passaram a pre-
ferir, não foi encontrado em lugar nenhum quando ele
colocou em desordem os cambistas. Não havia nada
suave e terno sendo mostrado quando Jesus, no estilo
de Jeremias, pronunciou um julgamento retumbante
sobre Israel.
Em termos inequívocos, sua repreensão recaiu so-
bre a adoração deles.
JESUS VIRA AS MESAS | 35

POMBOS! PEGUEM SEUS POMBOS!


A tradição cristã na qual fui criado regularmente fa-
zia com que grupos musicais visitantes tocassem em
concertos. Como você pode imaginar, esses grupos te-
riam seus álbuns e outras mercadorias para promover
no circuito, mas em nossa igreja local, eles não tinham
permissão para vendê-los - pelo menos não no saguão
da igreja, onde a maioria dos frequentadores entrava. A
justificativa veio de Marcos 11.15-19, quando Jesus pu-
rificou o templo. Jesus claramente não gostava quando
as pessoas vendiam seus produtos no templo e, portan-
to, não devemos vender coisas no santuário.
Certamente, o local de adoração no judaísmo do
primeiro século e o auditório de uma igreja batista rural
na América não correspondem exatamente, mas fiel às
palavras de Jesus, minha igreja não queria que o local de
adoração fosse cooptado como um local de comércio. E
isso está certo.
Portanto, este é um problema do templo aconte-
cendo nos dias de Jesus. Se você pode imaginar, a cidade
estaria lotada de peregrinos por causa da Páscoa. Eles
teriam vindo ao templo para oferecer sacrifícios e, aprovei-
tando a oportunidade, os vendedores de pombos abriram
uma loja. Pode não ter sido muito diferente de um evento
esportivo de hoje, quando vendedores suados caminham
pelos corredores e anunciam suas pipocas - exceto que se
36 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

tratava de pássaros de sacrifício, seu motivo era sinistro e


os preços provavelmente aumentavam ainda mais. “Pom-
bos! Peguem seus pombos!” eles teriam gritado.
Sem dúvida, isso está muito longe do que o lugar de
adoração deveria ser, e Jesus não o aceitaria. Chamando
a atenção de todos, com sua reivindicação de autorida-
de, Jesus falou em nome de Deus e virou as mesas. E
o ponto central de tudo era o que ele citou do Antigo
Testamento - de Isaías e Jeremias:

“A minha casa será chamada Casa de Oração para


todos os povos.” (Is 56.7) Será esta casa que se cha-
ma pelo meu nome um covil de salteadores aos vossos
olhos?” ( Jr 7:11).

FORA DE SINCRONIA
A cooperativa de comércio era um problema, mas não
era a única coisa, ou mesmo a principal, a qual Jesus
estava se dirigindo. O verdadeiro fiasco era como a ado-
ração de Israel estava fora de sincronia com a visão do
grande fim que Isaías profetizou - a nova era que Jesus
veio inaugurar.
Jesus cita uma parte dessa visão em Isaías 56: “A mi-
nha casa será chamada casa de oração para todos os povos.”
O contexto de Isaías 56 nos diz mais. De acordo
com a visão de Isaías, os eunucos guardariam a aliança
de Deus (Is 56.4), e os estrangeiros se uniriam a ele (Is
JESUS VIRA AS MESAS | 37

56.6), e os rejeitados seriam reunidos com seu povo (Is


56.8). Mas Jesus se aproximou de um templo pulsando
de compra e venda. A corte dos gentios, o lugar designa-
do o tempo todo para os estrangeiros se congregarem,
para as nações buscarem ao Senhor, estava repleta de
oportunistas tentando obter lucro. E os líderes judeus
deixaram isso acontecer.
Seu impulso econômico e sua falsa segurança no
templo como um símbolo de bênção ( Jr 7.3-11) ha-
viam ocupado o espaço para as nações se aproximarem
e, portanto, Jesus os estava expulsando. A grande tris-
teza dessa cena não eram tanto as fileiras de produtos e
preços excessivos, mas que tudo isso não deixava espaço
para os gentios e rejeitados virem a Deus. Este lugar de
adoração deveria ter prefigurado a esperança da criação
restaurada de Deus - um dia em que “para ele [o monte
da Casa do Senhor] afluirão todos os povos. Irão muitas
nações e dirão: Vinde, e subamos ao monte do Senhor e
à casa do Deus de Jacó” (Is 2.2-3).
Em outras palavras, a visão definitiva do povo de
Deus no lugar de Deus pareceria um pouco mais he-
terogênea do que quando Jesus pisou em Jerusalém. E
porque a adoração deles estava tão distante dessa visão,
Jesus já havia visto o suficiente. A adoração do povo de
Deus estava tão fora dos propósitos de Deus que o zelo
consumiu o Messias de Deus. Aquilo tinha que parar.
38 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

E NÓS?
E aqui está a lição para nós nesta segunda-feira da Se-
mana Santa, ou melhor, aqui está a pergunta: Quão bem
nossa adoração prefigura a visão profética da nova cria-
ção? Nossos investimentos relacionais e nossas reuniões
corporativas refletem, mesmo que de forma pequena, o
coração de um Deus que reúne os rejeitados?
Esta questão não é mais relevante do que na Páscoa,
quando nossas igrejas especialmente tentam ter uma apa-
rência melhor. Quando nos reunirmos para a adoração
neste fim de semana, ninguém montará mesas para trocar
moedas. Ninguém vai conduzir seus bois na esperança
de ficar rico. Ninguém carrega uma gaiola de pombos ca-
ros. Mas nossas decorações podem ser elaboradas. Nosso
traje pode ser elegante. Nossa música pode ser de classe
mundial. Podemos colocar uma energia exuberante nes-
sas coisas e torná-las um espetáculo impressionante. Mas
e se Jesus viesse, se ele entrasse em nossas igrejas neste
domingo, ele estaria olhando para a plebe, onde estão os
desajustados, os socialmente marginalizados, os párias?
Há muita vida nas veias da Páscoa para nos impul-
sionar além de nossos confortos, nossas “panelinhas” e
nosso melhor de domingo, e poderosamente nos enviar
em busca dos menos favorecidos.
Terça-Feira
Santa
Morning & Evening Meditations for Holy Week 31
MANHÃ

A ESCALADA DO CONFLITO
ANDREAS KÖSTENBERGER E JUSTIN TAYLOR

Agora é terça-feira de manhã, 31 de março, A.D. 33. Os


discípulos apontam para a figueira seca que Jesus amal-
diçoou no dia anterior. Jesus dá a seus discípulos uma
lição simples sobre isso: Tende fé em Deus. Em particu-
lar, diz ele, se eles tiverem uma fé inabalável, podem até
atirar um monte ao mar.
Agora, se os discípulos tivessem ouvidos para ou-
vir, eles reconheceriam que Jesus está falando sobre mais
do que poderes aparentemente mágicos que podem
amaldiçoar figueiras e desmoronar montanhas. Ele está
falando sobre realidades maiores do que essa.
Observe que ele fecha esta “mini lição” sobre mover
montanhas e fé inabalável, dizendo: “E, quando esti-
verdes orando, se tendes alguma coisa contra alguém,
perdoai, para que vosso Pai celestial vos perdoe as vos-
sas ofensas.” (Mc 11.25). Jesus está lembrando-lhes
que deixar de perdoar parece ser um obstáculo maior
para a oração ser atendida do que uma montanha. Os
A ESCALADA DO CONFLITO | 41

discípulos em breve enfrentarão grandes desafios à sua


fé e capacidade de perdoar. Será que eles vão se lembrar
dessa figueira seca na estrada de Betânia?
Ao se aproximarem da Cidade Santa, os aconte-
cimentos do dia anterior não poderiam estar longe de
suas mentes. Quando Jesus entra no Templo do Monte,
multidões se reúnem para ouvi-lo ensinar (Lc 21.38), e
os principais sacerdotes, escribas e anciãos não perdem
tempo em agir. Eles tentarão colocar quatro armadilhas
para enredar seu adversário.

ARMADILHA UM: AUTORIDADE DE QUEM?


Eles exigem saber: pela autoridade de quem Jesus exe-
cutou suas ações no dia anterior? (Mc 11.28). Jesus não
morde a isca. Em vez disso, ele vira o jogo sobre eles
com uma pergunta própria: “O batismo de João era do
céu ou dos homens?” (Mc 11.30). Se eles respondessem
“do céu”, a próxima pergunta seria óbvia: então por que
vocês não acreditam naquele sobre quem João testifica?
Se respondessem “dos homens”, correriam o risco de se
indispor com as multidões que têm João em alta estima
como profeta.
Jesus então lhes oferece três parábolas (dos dois fi-
lhos, dos lavradores maus e da bodas), todas mostrando
que eles estão rejeitando a graça e a verdade no seu culto
de justiça própria hipócrita.
42 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

ARMADILHA DOIS: LEALDADE A QUEM?


Os líderes tentam uma nova tática. Eles enviam fariseus
(uma seita judaica conhecida por seu zelo pela lei) e
herodianos (os leais à dinastia de Herodes) para lhe fa-
zerem uma pergunta: “É lícito pagar tributo a César ou
não?” (Mt 22.15-22; Mc 12.13-17; Lc 20.20-26). Se ele
responder “sim”, ele destrói as expectativas das pessoas
sobre ele como um Messias que derrubará o governo ro-
mano. Se ele disser “não”, pode ser preso por fomentar
uma revolta.
Mas Jesus habilmente evita o dilema de um ou ou-
tro: o denário tem a imagem de César nele; enquanto
César estiver no poder, é apropriado pagar impostos a
ele. E também devemos dar a Deus as coisas que são
de Deus; uma vez que fomos feitos à imagem de Deus,
devemos tudo - tudo o que temos e tudo o que somos - a
ele. Pague seus impostos e adore a Deus.

ARMADILHA TRÊS: A ESPOSA É DE QUEM NA


RESSURREIÇÃO?
Depois que Jesus silenciou os fariseus e herodianos, os
saduceus (uma seita judaica que nega a ressurreição dos
mortos no tempo do fim) tentam ridicularizar a crença
de Jesus na ressurreição fazendo uma pergunta capciosa
sobre o casamento no céu (Mt 22.23-33; Mc 12.18-27;
Lc 20.27-40). Jesus diz a eles que eles não entendem
as Escrituras (não há casamento no céu) ou o poder
A ESCALADA DO CONFLITO | 43

de Deus (a autoafirmação de Deus em Êxodo 3.6, 15-


16 mostra que ele é Deus dos vivos, não dos mortos).
Como os outros, seu sorriso cínico se transforma em ad-
miração enquanto eles ficam em silêncio.

ARMADILHA QUATRO: QUAL MANDAMENTO?


Agora os fariseus enviam um especialista na lei para
questionar Jesus: Qual é o grande mandamento na Lei?
(Mt 22.34-40; Mc 12.28-34). Jesus resume sua resposta
em uma palavra: amor (a Deus e ao próximo: Dt 6.4-5;
Lv 19.18). Mas Jesus discerne algo diferente neste ques-
tionador, então ele o elogia e implicitamente o convida:
“Não estás longe do reino de Deus” (Mc 12.34).
Agora é a vez de Jesus fazer algumas perguntas
àqueles que estão tentando prendê-lo. Quando ele lhes
faz uma pergunta sobre o Salmo 110.1 e como o Messias
pode ser o Senhor de Davi, “ninguém lhe podia respon-
der palavra, nem ousou alguém, a partir daquele dia,
fazer-lhe perguntas.” (Mt 22.46). Jesus então lança uma
longa e mordaz crítica aos escribas e fariseus, pronun-
ciando sete ais de julgamento sobre esses “hipócritas” e
“guias cegos” (Mt 23.1-39; Mc 12.38-40; Lc 20.45- 47).
Este ataque verbal em grande escala remove todas
as dúvidas sobre as intenções, agenda e objetivos de
Jesus. Ele não deseja se aliar à liderança da época. Ele
veio para derrubar sua autoridade. Não há como os dois
44 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

lados sobreviverem à escalada do conflito. Ou Jesus as-


sumirá o poder ou morrerá.

GRAÇA E VERDADE EM TODAS AS ARMADILHAS


Com outro dia cheio de tensão chegando ao fim, Jesus
e os discípulos começam a voltar para Betânia. Eles pa-
ram no Monte das Oliveiras para descansar, o que lhes
dá uma vista maravilhosa de Jerusalém quando o sol co-
meça a se pôr atrás dela no oeste. Os discípulos ficam
maravilhados com o tamanho e a grandeza desses edi-
fícios impressionantes, mas Jesus lhes diz que em breve
chegará o dia em que nenhuma pedra será deixada sobre
outra. Ele continua explicando que seus seguidores so-
frerão perseguições e tribulações crescentes, levando ao
último Dia do Juízo. Mas sua tarefa é permanecer vigi-
lantes e persistir na fé.
A terça-feira acabou. Mas sexta-feira está chegan-
do. Este não é o quadro de flanelógrafo de Jesus, que
alguns de nós aprendemos quando crianças. Este é o
Jesus real e histórico: totalmente no controle enquanto
responde com graça e verdade às armadilhas de todos
os lados. Ele sabe o que está fazendo. E ele sabe o que
está por vir. Cada palavra e cada passo é para a glória do
nome de seu Pai e a salvação daqueles que desejam pegar
sua cruz e morrer com ele.
TARDE

O REI QUE PRECISÁVAMOS,


MAS QUE NÃO QUERÍAMOS
MARSHALL SEGAL

“o Filho do Homem será entregue aos principais sacer-


dotes e aos escribas; condená-lo-ão à morte e o entre-
garão aos gentios” (Mc 10.33).

A estrada para o Calvário foi uma estrada de confusão,


não de confiança, para aqueles primeiros discípulos.
Jesus explicou três vezes a esses homens o que sig-
nificava para ele ser o Messias. Era uma história horrível,
mas cheia de esperança: o assassinato do rei prometido
e, em seguida, uma ressurreição inexplicável e sem pre-
cedentes. Foi muito além das mentes míopes e famintas
de glória de Pedro, Tiago, João e os outros.
Sua ignorância e respostas erradas destacam sulcos
ímpios no coração humano. Seus erros não eram pecu-
liares aos pescadores do primeiro século. Não, eles são
muito difundidos e ofensivos na igreja hoje. Enquanto
46 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

aguardamos os horrores da Sexta-Feira Santa e a vitória


da Páscoa, temos que perguntar novamente: Quem nós
dizemos que é este Jesus? (Mc 8.29). Ele é o Cristo (nos
termos de Deus)? Ou ele é apenas a chave onisciente e
poderosa para algo ou outra pessoa?

O FILHO DO SOFRIMENTO, NÃO DO CONFORTO


O drama começa com a pergunta: “Mas vós, quem di-
zeis que eu sou?” “Tu és o Cristo.” (Mc 8.29). Pedro
estava ao mesmo tempo muito certo e muito errado. A
palavra Cristo era adequada em todos os aspectos. Foi
a resposta certa. Mas mesmo que o perfil do prometi-
do de Pedro tenha sido nomeado corretamente, ele caiu
lamentavelmente.
Jesus pinta um retrato mais detalhado do Cristo - a
descrição da obra do ser humano mais importante que
já viveu:

“Então, começou ele a ensinar-lhes que era necessário


que o Filho do Homem sofresse muitas coisas, fosse
rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e
pelos escribas, fosse morto e que, depois de três dias,
ressuscitasse.” (Mc 8.31).

Pedro (e presumivelmente os outros discípulos)


desprezava a ideia de um Cristo sofredor. É por isso que
ele imediatamente começa a reprovar Jesus (Mc 8.32).
Tendo identificado corretamente o Cristo, ele então
O REI QUE PRECISÁVAMOS, MAS QUE NÃO QUERÍAMOS | 47

presumiu ter a perspectiva e autoridade para corrigi-lo.


Certo, mas tragicamente errado.
O único Salvador que realmente salva, só salva por
meio do sofrimento. A cruz foi o único meio de nos
tornar pecadores que possam estar diante de um Deus
santo. Nossa salvação foi comprada com sofrimento e
será selada e preservada com sofrimento (Tg 1.2-4), não
conforto. Recebemos a promessa de conforto na vida
cristã (2Co 1.4), mas não a imitação temporal barata a
que nos acostumamos em nosso mundo moderno.
Se vamos ao crucificado esperando que ele torne
a vida mais fácil e confortável, não o estamos ouvindo.
Jesus diz: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se
negue, tome a sua cruz e siga-me.” (Mc 8.34).

O FILHO DA MORTE, ENTÃO A VIDA


Mais uma vez, Jesus conta a eles a história do Calvário
antes que ela aconteça:

“E, tendo partido dali, passavam pela Galileia, e não


queria que ninguém o soubesse; porque ensinava os
seus discípulos e lhes dizia: O Filho do Homem será
entregue nas mãos dos homens, e o matarão; mas, três
dias depois da sua morte, ressuscitará.” (Mc 9.30,31).

Muitos dos seguidores de Jesus pensaram que Jesus


veio para resgatar e reinar naqueles dias. Eles antecipa-
ram uma liberdade física e política do opressor domínio
48 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

romano. Para eles, o Cristo era a solução para seus pro-


blemas imediatos neste mundo. Vida agora. Liberdade
agora. Poder agora. Mas Jesus, caminhando para a cruz,
em vez disso diz para esperar. Ser paciente.
As recompensas de me seguir, de encontrar vida
em mim não virão por completo hoje, mas vão superar
de longe qualquer outra coisa que você poderia esperar.
Nesta história de vida, esperança e liberdade, a morte
vem primeiro e depois a vida. Escuridão e depois luz li-
bertadora, intocável e insondável.

O FILHO DA REJEIÇÃO, NÃO DA APROVAÇÃO


Pela terceira vez, Jesus os prepara (e a nós) para sua
morte:

“E Jesus, tornando a levar à parte os doze, passou a


revelar-lhes as coisas que lhe deviam sobrevir, dizendo:
Eis que subimos para Jerusalém, e o Filho do Homem
será entregue aos principais sacerdotes e aos escribas;
condená-lo-ão à morte e o entregarão aos gentios; hão
de escarnecê-lo, cuspir nele, açoitá-lo e matá-lo; mas,
depois de três dias, ressuscitará.” (Mc 10.32-34).

Os discípulos certamente imaginaram que haveria


oposição em Jerusalém, mas não assim. Eles esperavam
uma tomada hostil - e isso aconteceu - mas esperavam
que Roma fosse ferida, não o Rei. Eles estavam felizes
O REI QUE PRECISÁVAMOS, MAS QUE NÃO QUERÍAMOS | 49

por ter um Rei que se opunha, mas não um rejeitado,


certamente não um que foi traído, torturado e executado.
Jesus não veio para conseguir a aprovação de ou-
tros. Não, ele “Era desprezado e o mais rejeitado entre
os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer;
e, como um de quem os homens escondem o rosto, era
desprezado, e dele não fizemos caso.” (Is 53.3). Por quê?
Porque é da aprovação de Deus que desesperadamente
precisamos. E a aprovação de Deus não vem pela opinião
popular, mas pela intervenção divina - a substituição
por seu próprio Filho em nosso lugar. Fomos salvos por
meio da rejeição (Is 53.3) e, pela graça de Deus, seremos
conduzidos e libertos por meio da rejeição (Mt 10.22).
O chamado para o Calvário - para seguir Jesus - é
um chamado para morrer e ressuscitar. É um chamado
para o ganho eterno na próxima vida por meio da perda
temporária desta vida. A salvação não é sobre garantir
nossos desejos e ambições únicos e egoístas nesta terra,
mas sobre garantir e preparar nossas almas para outro
mundo, uma nova criação construída e preservada para
nossa glória em Deus e nossa satisfação nele.
Para viver de verdade, devemos nos render ao Rei
de que realmente precisávamos, não aquele que podería-
mos ter imaginado para nós mesmos.
MAUNDY
Quarta-Feira
Santa
Morning & Evening Meditations for Holy Week 43
MANHÃ

TRAIDO POR UM DOS SEUS


DAVID MATHIS

A quarta-feira passou em silêncio. Muito silenciosamente.


Com os três dias anteriores repletos de drama - a
entrada triunfal do domingo, a purificação do templo na
segunda-feira e as controvérsias do templo na terça-feira
agora na quarta-feira, 1º de abril, A.D. 33, vem como a
calmaria antes da tempestade.
Mas fora das vistas, à espreita nas sombras, o mal
está acontecendo. A igreja, em alguns lugares, há muito
a chama esse dia de “quarta-feira de espionagem”, en-
quanto a conspiração sombria contra Jesus avança, não
apenas de inimigos de fora, mas agora com um traidor
(espião) de dentro. É neste dia que as peças-chave se
juntam na trama do maior pecado de toda a história: o
assassinato do Filho de Deus.

A CONSPIRAÇÃO SE AGRAVA
Jesus acorda novamente nos arredores de Jerusalém, em
Betânia, onde está hospedado na casa de Maria, Mar-
ta e Lázaro. Seu ensino novamente atrai uma multidão
52 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

no templo. Mas agora os líderes judeus, silenciados por


Jesus no dia anterior, o deixarão em paz. Hoje, eles evi-
tarão o confronto público e, em vez disso, vão conspirar
em privado.
Caifás, o sumo sacerdote, reúne em sua residên-
cia particular os principais sacerdotes e fariseus - dois
grupos concorrentes, normalmente em conflito, agora
companheiros em sua ânsia de se livrar do galileu. Eles
planejam matá-lo, mas não têm todas as peças no lugar
ainda. Eles temem as massas e não querem agitar as hor-
das reunidas durante a Páscoa. O plano inicial é esperar
até depois da festa, a menos que surja alguma oportuni-
dade imprevista.
Que venha o traidor.

O AVARENTO E SEU DINHEIRO


Os relatos dos Evangelhos apontam para o mesmo even-
to precipitador: a unção em Betânia.
Jesus foi abordado por uma mulher - aprendemos
em João 12.3 que era Maria, a irmã de Marta. Ela to-
mou um “bálsamo de nardo puro, mui precioso” e ungiu
Jesus. Uma objeção vem dos discípulos - João 12.5 diz
que foi Judas - “Por que não se vendeu este perfume por
trezentos denários e não se deu aos pobres?” Afinal, essa
era “uma soma muito grande”, mais do que um ano de
salário para um soldado ou trabalhador comum. Teria
sido dinheiro suficiente para financiar uma família por
TRAIDO POR UM DOS SEUS | 53

mais de um ano e poderia ter sido uma forma de se fazer


grande caridade.
Mas Jesus não compartilha da avareza de Judas.
Aqui ele encontra “extravagância” em seu devido lugar.
O reino que ele traz resiste à economia meramente utili-
tarista. Ele vê no “desperdício” de Maria um impulso de
adoração que vai além do uso racional, calculado e efi-
ciente de tempo e dinheiro. Para Maria, Jesus vale cada
siclo e muito mais. O próprio Ungido diz que o que ela
fez é “boa ação para comigo.” (Mt 26.10).
Judas, por outro lado, não está tão convencido. E ao
contrário do que parece, o protesto do avarento trai um
coração ganancioso. A preocupação de Judas vem “não
porque tivesse cuidado dos pobres; mas porque era la-
drão e, tendo a bolsa, tirava o que nela se lançava.” ( Jo
12.6). O traidor, há muito tempo, estava em uma traje-
tória de pecado e dureza, mas a gota d’água é essa unção
extravagante.
Satanás encontra um ponto de apoio neste coração
apegado ao dinheiro, e que maldade se segue. Enfureci-
do com esse “desperdício” de um ano de salário, ele vai
até os chefes dos sacerdotes e se torna apenas a janela
de oportunidade que os conspiradores estão procuran-
do. O espião os levará a Jesus no momento oportuno,
quando a multidão se dispersar. E o avarento ganancioso
54 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

fará isso por apenas trinta moedas de prata, que Êxodo


21.32 estabelece como o preço da vida de um escravo.

POR QUE O INSULTO DA TRAIÇÃO?


Por que Deus faria com que ele fosse pego assim? Se
Jesus realmente está sendo “entregue pelo determinado
desígnio e presciência de Deus” (At 2.23), e seus inimi-
gos estão fazendo exatamente como a mão e o plano de
Deus “predeterminaram” (At 4.28), por que planejar as-
sim, com um de seus próprios discípulos o traindo? Por
que adicionar o insulto da traição ao dano da cruz?
Encontramos uma pista quando Jesus cita o Salmo
41. 9 ao prever a deserção de Judas: “Aquele que come
do meu pão levantou contra mim seu calcanhar.” ( Jo
13.18). O rei Davi conhecia a dor não apenas de sofre
conspiração por seus inimigos, mas também de traído
por seu amigo. Portanto, agora o Filho de Davi segue
o mesmo caminho em sua agonia. Aqui Judas se volta
contra ele. Em breve, Pedro o negará e os dez restantes
se dispersarão.
Desde o início de seu ministério público, os dis-
cípulos estiveram ao seu lado. Eles aprenderam com
ele, viajaram com ele, ministraram com ele, foram seus
companheiros terrestres e o consolaram enquanto ele
caminhava nesta estrada solitária para Jerusalém.
Mas agora, quando chega a hora de Jesus, ele deve
carregar sozinho esse fardo. A obra definitiva não será
TRAIDO POR UM DOS SEUS | 55

um esforço de equipe. O Ungido deve prosseguir de-


sacompanhado, pois até mesmo seus amigos o traem,
negam e se dispersam. Como Donald Macleod observa:
“Se a redenção do mundo dependesse da diligência dos
discípulos (ou mesmo de sua permanência acordada),
ela nunca teria sido realizada.”1
Enquanto ele levanta “forte clamor e lágrimas” (Hb
5.7) no jardim, a mágoa de Davi é adicionada ao seu
quase colapso emocional: “Até o meu amigo íntimo, em
quem eu confiava, que comia do meu pão, levantou con-
tra mim o calcanhar.” (Sl 41.9). Ele é abandonado por
seus companheiros terrenos mais próximos, um deles
até mesmo se tornando um espião contra ele. Mas mes-
mo isso não é o fundo de sua angústia. A profundidade
vem no grito de abandono: “Deus meu, Deus meu, por
que me desamparaste?” (Mt 27.46).
Porém, mais notável do que essa profundidade de
abandono é a altura do amor que ele demonstrará. Nin-
guém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida
pelos seus amigos, mesmo quando eles o abandonam.

1  Donald Macleod, The Person of Christ (Downers Grove: IVP Academic, 1998), 173.
TARDE

MOTIM CONTRA O MESSIAS


JOHNATHON BOWERS

“E Judas Iscariotes, um dos doze, foi ter com os princi-


pais sacerdotes, para lhes entregar Jesus.” (Mc 14.10).

Os chefes dos sacerdotes o queriam morto. Mas eles não


podiam matá-lo abertamente. Não, as pessoas gostavam
muito dele. E sua imagem pública já era frágil o sufi-
ciente. Jesus cuidou disso. A purificação do templo. As
parábolas. A astuta evasão de todas as armadilhas verbais
que pudessem armar. Eles precisavam de uma maneira
de atacá-lo em particular. E tinha que ser rápido.
Ele estava em Jerusalém, então era o momento cer-
to. Mas a Páscoa seria em dois dias. Dois dias. O que eles
fariam?
Neste ponto em Marcos 14, deixamos os prin-
cipais sacerdotes com sua sede de sangue e rancor e
mudamos nossa atenção para uma casa em Betânia,
apenas alguns quilômetros a leste de Jerusalém. Simão,
o leproso, estava oferecendo uma refeição. Jesus, os
MOTIM CONTRA O MESSIAS | 57

discípulos e alguns outros estavam reclinados à mesa


de jantar. E então ela veio. João 12.3 nos diz que a mu-
lher era Maria, irmã de Lázaro, mas Marcos se contenta
em deixá-la sem nome: “veio uma mulher trazendo um
vaso de alabastro com preciosíssimo perfume de nardo
puro; e, quebrando o alabastro, derramou o bálsamo
sobre a cabeça de Jesus.” (Mc 14.3).
Muito caro. Na verdade, para alguns à mesa, era
muito caro.

O TRAIDOR ENTRE OS DOZE


O valor de um ano de salários caiu do frasco. E para
alguns dos convidados, a fragrância que enchia a sala
tornou-se o fedor da oportunidade perdida. “Para que
este desperdício de bálsamo?” eles reclamaram. “Porque
este perfume poderia ser vendido por mais de trezentos
denários e dar-se aos pobres.” (Mc 14.4-5). Tolices. Eles
não se importavam com os pobres. O que eles realmente
queriam era uma bolsa inchada de moedas no orçamen-
to de caridade. Pelo menos, era isso que Judas queria.
Vender o unguento lhe daria um novo estoque de fun-
dos para roubar ( Jo 12.6).
Jesus repreendeu a murmuração, assim como fez
com o mar da Galileia. Mas o motim estava aconte-
cendo. Marcos muda seu foco narrativo de Betânia de
volta para os principais sacerdotes. Judas, o espião, sem
fôlego desde a caminhada de três quilômetros de volta a
58 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

Jerusalém, encontrou os líderes religiosos em seu covil.


Talvez ele estivesse fervendo pela vergonha que passou
na casa de Simão. Talvez seu amor pelo dinheiro o ti-
vesse confundido tanto que ele não conseguiu superar
o desperdício que acabara de ver. E não apenas desper-
dício, mas desperdício que Jesus aplaudiu. “Ela praticou
boa ação para comigo.”, disse Jesus. “Ela fez o que pôde:
antecipou-se a ungir-me para a sepultura.” (Mc 14.6, 8).
Talvez Judas estivesse remoendo essas palavras en-
quanto bufava em seu caminho para a Cidade Santa.
Tudo bem, Jesus. Você está pronto para o enterro? Vou ga-
rantir que você obtenha um. Afinal, eu odiaria ver toda esse
perfume ir para o lixo.

TRINTA MOEDAS DE PRATA


E assim, Judas ofereceu aos principais sacerdotes a solu-
ção que eles esperavam: ele trairia seu mestre. Mas não
sem algo em troca. Marcos simplesmente registra que os
principais sacerdotes prometeram dar dinheiro a Judas
(Mc 14.11). A palavra “prometeram” sugere que Judas
não ficou surpreso com a oferta. Parece que ele pressio-
nou os sacerdotes pelo pagamento. Mateus nos diz isso,
de fato: “Então, um dos doze, chamado Judas Iscariotes,
indo ter com os principais sacerdotes, propôs: Que me
quereis dar, e eu vo-lo entregarei? E pagaram-lhe trinta
moedas de prata.” (Mt 26.14-15).
MOTIM CONTRA O MESSIAS | 59

O drama de Marcos 14 gira em torno de dois per-


sonagens - a mulher e Judas - e suas reações opostas a
Jesus. Mas há um terceiro personagem, um antagonista
sinistro e furtivo.
Dinheiro.
Observe a rapidez com que Judas e seus colegas res-
mungões são capazes de avaliar o valor do perfume na
casa de Simão. Como casas de penhores veteranas, eles
podiam intuir à primeira vista quanto algo valia. O nar-
do mal havia saído do frasco quando eles começaram a
calcular: “este perfume poderia ser vendido por mais de
trezentos denários” (Mc 14.5).

CEGO PARA O VALOR DE CRISTO


E, no entanto, a ironia de Marcos 14 é que Judas podia
ver o valor do perfume escoando pela cabeça de Jesus,
mas ele não podia ver o valor de Jesus. Ele era um pe-
nhorista com catarata. É por isso que ele se ofendeu
tanto com a mulher. A mulher, por outro lado, podia ver
tanto o valor do perfume quanto o valor de Jesus. É por
isso que ela quebrou o frasco.
Aquela quarta-feira de espionagem é uma lem-
brança trágica de 1 Timóteo 6.10: “Porque o amor do
dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobi-
ça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram
com muitas dores.”
60 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

Mas a quarta-feira de espionagem também é cheia


de esperança, porque nos mostra que a beleza de Jesus
pode quebrar o encanto do ganho financeiro. Esta é a
mensagem da mulher para nós, uma mensagem que Je-
sus queria que ouvíssemos repetidamente: “Em verdade
vos digo: onde for pregado em todo o mundo o evange-
lho, será também contado o que ela fez, para memória
sua.” (Mc 14.9).

MAUNDY
Quinta-Feira
Santa

Morning & Evening Meditations for Holy Week 55


MANHÃ

A MAIOR ORAÇÃO
DO MUNDO
JOHN PIPER

É quinta-feira, a noite antes da crucificação de Jesus.


Esta noite foi carregada de ensino ( Jo 13-17), impactan-
te com o lava-pés do maior para o menor ( Jo 13.3-20),
marcou uma nova era com a instituição da Ceia do
Senhor (Mt 26.20-30; Mc 14.17-26; Lc 22.14-20), e
crucial com a saída de Judas ( Jo 13.30).
Agora Jesus e os onze foram para o Jardim do Get-
sêmani ( Jo 18.1; Mc 14.32). Aqui Jesus faz a maior oração
do mundo. O que estava em jogo era a glória da graça de
Deus e a salvação do mundo. O sucesso da missão de Je-
sus na terra dependeria da oração de Jesus e da resposta
dada. Ele orou com piedade e seu pedido foi atendido.
A pergunta que eu gostaria de tentar responder é:
Como Hebreus 5.7 se relaciona com as orações no Get-
sêmani? Hebreus 5.7 diz:“Ele, Jesus, nos dias da sua carne,
tendo oferecido, com forte clamor e lágrimas, orações e
A MAIOR ORAÇÃO DO MUNDO | 63

súplicas a quem o podia livrar da morte e tendo sido ouvi-


do por causa da sua piedade”. Ele foi ouvido. Ele teve seu
pedido atendido. A que isso se refere na vida de Jesus?

FORTE CLAMOR NO JARDIM


Nada na experiência de Jesus chega mais perto dessa
descrição do que as orações do Getsêmani. “Jesus ofe-
receu orações e súplicas, com forte clamor e lágrimas”,
corresponde emocionalmente a Lucas 22.44, “E, estan-
do em agonia, orava mais intensamente. E aconteceu
que o seu suor se tornou como gotas de sangue caindo
sobre a terra.” “forte clamor e lágrimas” é uma descrição
da “agonia” de Jesus.
Qual foi o conteúdo das “orações e súplicas” de Je-
sus em Hebreus 5.7? Se presumirmos que o conteúdo
era: “Passa de mim este cálice” (Mc 14.36), então o que
significaria que “foi ouvido por causa da sua piedade”?
(Hb 5.7). Hebreus ensina que, precisamente por causa
de sua “piedade”, Jesus “foi ouvido”, ou seja, ele recebeu
seu pedido.
Mas o cálice não foi removido. Ele sofreu a pleni-
tude da dor física e da ira divina. Então, em que sentido
Jesus foi “ouvido por causa de sua piedade”?

SUA PRIMEIRA ORAÇÃO E A AJUDA DO ANJO


Tanto Mateus quanto Marcos retratam Jesus orando
por três vezes distintas, e a cada vez voltando para os
64 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

adormecidos Pedro, Tiago e João. Lucas, por outro lado,


dá uma única descrição resumida das orações de Jesus e
inclui um detalhe que aponta para uma resposta à nossa
pergunta, a saber, a visitação do anjo. Lucas escreve:

“Ele, por sua vez, se afastou, cerca de um tiro de pe-


dra, e, de joelhos, orava, dizendo: Pai, se queres, pas-
sa de mim este cálice; contudo, não se faça a minha
vontade, e sim a tua. Então, lhe apareceu um anjo do
céu que o confortava. E, estando em agonia, orava
mais intensamente. E aconteceu que o seu suor se
tornou como gotas de sangue caindo sobre a terra.”
(Lc 22.41-44).

Antes que o anjo viesse “para confortá-lo”, Jesus


orou para que o cálice fosse removido (Lc 22.42). Então
o anjo veio, “confortá-lo”. Confortá-lo para quê? Prova-
velmente para fazer o que tinha que fazer. Em outras
palavras, o anjo foi a resposta de Deus à primeira oração
de Jesus. O anjo leva a mensagem de Deus de que não
há outra maneira, mas iria ajudá-lo. Não desista de sua
missão agora, apesar da perspectiva aterrorizante. Vou
te ajudar. Aqui está meu anjo para te confortar.
Então, a pergunta é: Qual foi o conteúdo das ora-
ções que se seguiram? Lc 22.44 diz: “E, estando em
agonia, orava mais intensamente.” Isso significa que ele
continuou dizendo: “passa de mim este cálice”, ainda mais
A MAIOR ORAÇÃO DO MUNDO | 65

intensamente? Essa suposição seria indigna de Jesus. O


que então ele estava orando? E é esta oração diferente que
Hebreus diz que “foi ouvida por causa de sua piedade”?

ELE ORA UMA SEGUNDA VEZ


De acordo com Mateus, quando Jesus saiu pela segun-
da vez para orar, ele não repetiu as mesmas palavras da
primeira vez. Na primeira vez, ele disse: “Pai, se queres,
passa de mim este cálice”. Na segunda vez, ele disse:
“Meu Pai, se não é possível passar de mim este cálice
sem que eu o beba, faça-se a tua vontade.” (Mt 26.42).
Não podemos presumir que o anjo veio a Jesus na
primeira vez em que ele orou, e deixou claro a Jesus que,
de fato, não era possível que o cálice passasse dele, mas
que Deus o ajudaria a bebê-lo? É por isso que, em sua
segunda oração, Jesus não pede que o cálice seja reti-
rado, mas, ao invés disso, pede que a vontade de Deus
seja feita, tendo em vista o fato revelado de que “não era
possível passar dele o cálice”: “se não é possível passar de
mim este cálice sem que eu o beba [o que agora me ficou
claro com a vinda do anjo], então faça-se a tua vontade”.
Quando Marcos diz, da segunda oração de Jesus: “Re-
tirando-se de novo, orou repetindo as mesmas palavras.”
(Mc 14.39), não é necessário contradizer isso, como se
apenas as mesmas palavras tivessem sido ditas três vezes.
“As mesmas palavras” podem simplesmente referir-se a “seja
feita a tua vontade”, que de fato Jesus ora em todas as vezes.
66 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

Se estivermos no caminho certo, então o conteúdo


das súplicas de Jesus, depois que o anjo veio, não era o
mesmo de antes. Ele não continuou orando: “passa de
mim este cálice” Diz: “E, estando em agonia, orava mais
intensamente.” (Lc 22.44). Se ele não estava orando
mais intensamente para que o cálice fosse removido, o
que ele estava orando?

SEU MAIOR ATO DE OBEDIÊNCIA


Hebreus 5: 7 diz: “Ele, Jesus, nos dias da sua carne, tendo
oferecido, com forte clamor e lágrimas, orações e súpli-
cas a quem o podia livrar da morte e tendo sido ouvido
por causa da sua piedade”. Se “livrar sua alma da morte”
não significa “Passar de mim este cálice”, o que significa?
Pois ele certamente foi ouvido e recebeu este pedido.
Jonathan Edwards responde,

“Este foi o maior ato de obediência que Cristo deveria


realizar. Ele ora por força e ajuda, para que sua pobre
natureza humana frágil seja sustentada, para que ele
não falhe nesta grande prova, para que ele não afunde
e seja engolido, e sua força seja tão superior que ele
não possa resistir, e não consiga cumprir a obediência
designada.
Ele temia que sua fraca força fosse vencida, e que
ele falhasse em tão grande provação, que ele fosse tra-
gado pela morte que ele estava na iminência de sofrer,
A MAIOR ORAÇÃO DO MUNDO | 67

e então não fosse salvo da morte; portanto, ele ofere-


ceu forte clamor e lágrimas àquele que era capaz de
fortalecê-lo, sustentá-lo e salvá-lo da morte, para que
a morte que ele iria sofrer não superasse seu amor e
obediência, mas para que ele pudesse superar a morte,
e então ser salvo disso.”2

Jesus não continuou orando para que o cálice


passasse dele. Ele continuou orando pelo sucesso ao be-
bê-lo. Quando Paulo diz, sobre a ressurreição de Jesus:
“Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira” (Fp
2.9), o “pelo que” se refere à obediência inabalável de Je-
sus até a morte: “e, reconhecido em figura humana, a si
mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à mor-
te e morte de cruz. Pelo que...” (Fp 2.7-9). Deus salvou
Jesus da morte porque ele foi obediente. Suas orações
foram respondidas.

A RESPOSTA DO PAI
Se Jesus não tivesse sido obediente até a morte, ele teria
sido tragado pela morte para sempre e não haveria res-
surreição, nem salvação, e nenhum mundo futuro cheio
da glória da graça de Deus e dos filhos de Deus. Foi por
isso que Jesus orou “a quem o podia livrar da morte” -
isto é, salvá-lo de uma morte que não traria sucesso em
sua missão salvadora.
2  Jonathan Edwards, “Christ’s Agony,” sermão disponível online, em inglês, em:
http://www.ccel.org/ccel/edwards/sermons.agony.html.
68 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

“Ele foi ouvido por causa da sua piedade.” Deus o


salvou da ameaça que tal morte representava para sua
obediência. Jesus teve sucesso. Há salvação para todos os
que creem. Haverá um novo mundo cheio da glória da
graça de Deus e dos filhos de Deus.
E tudo isso devido à maior oração do mundo. Cada
esperança do Evangelho é bem-sucedida por causa do
fervor reverente de Jesus na oração e a resposta do Pai.
“em agonia, orava mais intensamente ... tendo sido ouvi-
do por causa da sua piedade.” (Lc 22.44; Hb 5.7).
Evidentemente, quando Jesus terminou de orar no
Getsêmani, o Pai não apenas deixou claro que não havia
outro caminho senão a cruz, mas também que esse ca-
minho teria sucesso. O Cordeiro teria a recompensa de
seu sofrimento. Ele “verá a sua posteridade e prolongará
os seus dias; e a vontade do Senhor prosperará nas suas
mãos. Ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma e
ficará satisfeito” (Is 53.10-11).
Certamente é por isso que Hebreus 12.2 poderia
dizer: “em troca da alegria que lhe estava proposta, su-
portou a cruz,”. Por baixo dos terrores da agonia presente
estava o sabor da alegria futura. O anjo veio, “confortá-
-lo” - esclarecendo, confirmando, conectando a alegria
vindoura.
NÃO SEJA O QUE EU QUERO | 69

TARDE

NÃO SEJA O QUE


EU QUERO
JON BLOOM

“E dizia: Aba, Pai, tudo te é possível; passa de mim


este cálice; contudo, não seja o que eu quero, e sim o
que tu queres.” (Mc 14.36).

A escuridão desceu sobre Jerusalém. Seus residentes


haviam terminado suas refeições de Páscoa. O cordeiro
e os pães asmos haviam sido consumidos; as sandálias,
bordões e cintos guardados (Êx 12.1-11).
Na casa de Caifás, uma conferência estava em anda-
mento com alguns membros do Sinédrio, alguns oficiais
da guarda do templo e um dos amigos mais próximos de
Jesus. No jardim de oliveiras isolado na colina do Get-
sêmani, do lado de fora da muralha oriental da cidade,
em frente ao templo, Jesus sentou-se com seus outros
onze amigos mais próximos. Os onze amigos não conse-
guiam ficar acordados. Jesus não conseguia dormir.
70 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

REVELADA A GRANDE PÁSCOA


Mais cedo naquela noite, Jesus compartilhou com seus
discípulos a refeição pascal mais maravilhosa de todos
os tempos, embora seus discípulos só reconheceriam
isso em retrospecto. Jesus “desejou ansiosamente” comê-
-la com eles (Lc 22.15). Pois a Grande Páscoa, aquela
para a qual a Páscoa no Egito era um tipo e sombra,
estava prestes a acontecer. O anjo da morte viria reivin-
dicar o Filho Primogênito (Cl 1.15). A pior praga do
julgamento de Deus estava prestes a vir. Mas este Filho
Primogênito, sendo tudo em todos (Cl 3.11), também
era o Cordeiro Pascal que seria morto para tirar os peca-
dos do mundo ( Jo 1.29; Ap 5.6). O Filho Primogênito
eternamente obediente, o Cordeiro imaculado de Deus,
tomaria sobre si todos os pecados dos filhos e filhas da
desobediência (Ef 5.6), seu sangue os cobriria, eles rece-
beriam sua justiça (2Co 5.21), e eles seriam, para sempre,
protegidos do golpe do anjo da morte ( Jo 11.26).
Assim, o Primogênito de muitos irmãos (Rm 8.29),
o Grande Cordeiro Pascal, tomou pão e vinho e disse
aos primeiros onze daqueles irmãos: “Este é o meu cor-
po ... Este é o meu sangue ...” (Mc 14.22-25). E ao fazer
isso, a antiga Páscoa foi incluída na nova Páscoa.
Daquele momento em diante, a nova refeição da
Páscoa seria comida em memória de Jesus (1Co 11.23-
26) e como ele libertou todos os seus irmãos e irmãs da
NÃO SEJA O QUE EU QUERO | 71

escravidão do pecado e da morte e os transportou para a


promessa eterna do reino do Filho do seu Amor (Cl 1.13).

DOZE PALAVRAS INSONDÁVEIS


Mas agora, entre as oliveiras, Jesus estava orando. Muitas
vezes ele orou em “lugares solitários” (Lc 5.16). No entan-
to, ele nunca havia conhecido uma solidão como esta.
Neste conhecido jardim de oração, Jesus olhou
profundamente para o cálice do Pai que estava prestes
a beber e ficou apavorado. Tudo em sua carne humana
queria fugir da tortura física iminente da crucificação. E
seu Espírito Santo gemeu de pavor inefável com a tortu-
ra espiritual iminente muito maior, a de ser abandonado
por seu pai.
Tamanha era a sua aflição com este “batismo” (Lc
12.50), a mesma coisa que ele viera realizar no mundo
( Jo 12.27), que Jesus clamou: “Aba, Pai, tudo te é possí-
vel; passa de mim este cálice; contudo, não seja o que eu
quero, e sim o que tu queres.” (Mc 14.36).
“não seja o que eu quero, e sim o que tu queres”. Doze
palavras. Doze palavras insondáveis.
Deus, tendo desejado, e até mesmo implorado, ser
libertado da vontade de Deus, expressou nessas doze
palavras simples fé humilde e submissão à vontade de
Deus que era mais bela do que toda a glória nos céus e
na terra combinados. Mistério sobre o mistério da Trin-
dade: Deus não considerava a igualdade com Deus uma
72 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

coisa a ser alcançada, mas tornou-se obediente à vontade


de Deus, mesmo que isso significasse Deus morrendo
em uma morte incompreensivelmente horrível na cruz
romana (Fp 2.6-8). Deus queria que a vontade de Deus
fosse feita na terra como no céu, mesmo que naquele
momento escuro, Deus desejasse em corpo e alma que a
vontade de Deus pudesse ser feita de outra forma.

OBEDIÊNCIA NO SOFRIMENTO
E naquele momento, outro mistério apareceu. Deus Filho,
perfeitamente obediente a Deus Pai desde toda a eterni-
dade, “aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu” (Hb
5.8). Nunca outro humano sentiu um desejo tão intenso
de ser poupado da vontade de Deus. E nunca nenhum
ser humano exerceu uma fé tão humilde e obediente na
vontade do Pai. “tendo sido aperfeiçoado” - tendo exercido
confiança perfeitamente obediente em seu Pai em todas
as dimensões possíveis - “tornou-se o Autor da salvação
eterna para todos os que lhe obedecem,” (Hb 5.9).
À medida que o Filho aprendia essa obediência
perfeita e proeminentemente humildade ao se submeter
à vontade do Pai, as primeiras gotas de sua agonia san-
grenta escorreram de seus poros (Lc 22.44).
A menos de um quilômetro de distância, no pátio
do sumo sacerdote, seu discípulo traiçoeiro se preparava
para liderar um pequeno contingente de soldados e servos
carregando tochas a um conhecido jardim de oração.
NÃO SEJA O QUE EU QUERO | 73

SEJA FEITA A TUA VONTADE


Ninguém entende melhor do que Deus como pode ser
difícil para um ser humano aceitar a vontade de Deus. E
nenhum ser humano sofreu mais ao abraçar a vontade de
Deus Pai do que Deus Filho. Quando Jesus nos chama
para segui-lo, custe o que custar, ele não está nos chaman-
do para fazer algo que ele não deseja ou nunca fez.
É por isso que olhamos para Jesus como o “autor e
consumador da nossa fé” (Hb 12.2). Ele é o nosso grande
sumo sacerdote que entende, muito melhor do que nós,
o que é suportar de boa vontade e fielmente a vontade
de Deus, às vezes excruciante e momentaneamente do-
lorosa, por causa da alegria eterna que nos está proposta
(Hb 4.15; 12.2). E agora ele vive sempre para interceder
por nós para que possamos passar da dor para a alegria
eterna (Hb 7.25).
Portanto, nesta quinta-feira santa, nos juntamos
a Deus, o Filho, orando a Deus, o Pai, “seja feita a tua
vontade” (Mt 6.10). E se descobrirmos que, em corpo e
alma, desejamos que a vontade de Deus para nós possa
ser feita de uma forma diferente do que a vontade de
Deus parece ser, podemos orar de todo o coração com
Jesus: “Pai, tudo te é possível; passa de mim este cáli-
ce”. Mas somente se também orarmos com Jesus essas
doze palavras gloriosamente humildes: “não seja o que
eu quero, e sim o que tu queres”.
74 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

Porque a vontade de Deus para nós, por mais dolo-


rosa que seja agora, resultará em alegria indizível e cheia
de glória, obtendo o fim da vossa fé: a salvação da vossa
alma. (1Pe 1.8-9).
Sexta-Feira
Santa

Morning & Evening Meditations for Holy Week 69


MANHÃ

ESTÁ CONSUMADO
JON BLOOM

É sexta-feira, 3 de abril, A.D. 33. É o dia mais sombrio


da história da humanidade, embora a maioria dos hu-
manos não tenha ideia disso. Em Roma, Tibério cuida
dos exigentes negócios do império. Em todo o mundo
habitado, bebês nascem, as pessoas comem e bebem, se
casam e são dados em casamento, trocam em mercados,
navegam em navios mercantes e lutam em batalhas. As
crianças brincam, as velhas fofocam, os jovens desejam e
pessoas morrem.
Mas hoje, uma morte, uma morte brutal e horrível,
a pior e a melhor de todas as mortes humanas, deixará
na tela da história humana a pincelada mais sombria.
Em Jerusalém, Deus o Filho, o Criador de tudo o que
existe ( Jo 1.3), será executado.

O JARDIM
O dia judaico amanhece com a noite, e nunca foi mais
apropriado, pois hoje é chegada a hora e o poder das tre-
vas (Lc 22.53). Jesus está no Getsêmani, onde orou com
ESTÁ CONSUMADO | 77

forte clamor e lágrimas, sendo ouvido por seu Pai (Hb


5.7), cuja vontade será feita. Jesus ouve barulhos e ergue
os olhos. Tochas e vozes abafadas sinalizam a chegada
do grupo de detenção.
Jesus acorda seus amigos sonolentos que ficam aler-
tas ao ver seu irmão, Judas, traindo seu rabino com um
beijo. Soldados e servos cercam Jesus. Pedro, vermelho
de raiva, puxa sua espada e ataca aqueles que estão mais
próximos de Jesus. Malco recua, mas não o suficiente.
Dor dilacerante e sangue jorrando onde antes estava sua
orelha. Vozes falam, mas Malco só ouve a ferida gritan-
do, que ele agarrou com as duas mãos. Ele sente uma
mão tocar suas mãos e a dor desaparece. Sob suas mãos
está uma orelha. Atordoado, ele olha para Jesus, já sendo
levado embora. Os discípulos estão se espalhando. Mal-
co olha para suas mãos ensanguentadas.

O SINÉDRIO
Jesus é conduzido bruscamente à casa de Anás, um
ex-sumo sacerdote, que o questiona sobre seus ensina-
mentos. Jesus sabe que esse interrogatório informal tem
como objetivo pegá-lo desorientado e desprotegido.
Ele não é nenhum dos dois e não dá nada a esse líder
manipulador. Em vez disso, ele encaminha Anás a seus
ouvintes e é atingido pela ironia de um oficial judeu por
mostrar desrespeito. Frustrado, Anás envia Jesus a seu
filho Caifás, o atual Sumo Sacerdote.
78 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

Na casa de Caifás, o julgamento começa imediata-


mente. A manhã chegará rápido. O Conselho precisa de
um veredicto condenatório ao amanhecer. O julgamen-
to prossegue enquanto os membros do Sinédrio com os
olhos turvos continuam a se juntar ao processo.
O julgamento foi montado às pressas e as teste-
munhas não foram bem selecionadas. Testemunhos
não se alinham.
Os membros do conselho parecem desconcertados.
Jesus está em silêncio como um cordeiro. Irritado e im-
paciente, Caifás interfere rapidamente: “Eu te conjuro
pelo Deus vivo que nos digas se tu és o Cristo, o Filho
de Deus.” (Mt 26.63). Chegou a hora. Encarregado em
nome de seu Pai de responder, Jesus profere as palavras
que selam a condenação pela qual ele tinha vindo supor-
tar ( Jo 12.27): “Tu o disseste; entretanto, eu vos declaro
que, desde agora, vereis o Filho do Homem assentado
à direita do Todo-Poderoso e vindo sobre as nuvens do
céu.” (Mt 26.64).
Em um momento de violação da lei (Lv 21.10),
com um teatro politicamente religioso, Caifás rasga suas
vestes em indignação fingida e alívio mal disfarçado pela
blasfêmia de Jesus. Ele declara o fim do julgamento com:
“Que necessidade mais temos de testemunho? Porque
nós mesmos o ouvimos da sua própria boca.” (Lc 22.71).
ESTÁ CONSUMADO | 79

Quando o sol nasce sobre a cordilheira oriental


de Jerusalém, Judas balança pendurado em seu próprio
cinto, Pedro se contorce de tristeza por seu fracasso e o
rosto de Jesus está manchado de sangue seco e saliva da
zombaria da guarda do templo antes do amanhecer. O
veredicto do Conselho: culpado de blasfêmia. Sua sen-
tença: morte. Mas é uma sentença que eles não podem
cumprir. Roma se recusa a delegar a pena capital.

O GOVERNADOR
O humor de Pilatos, já azedo com a repentina e insis-
tente intrusão do Sinédrio tão cedo pela manhã, piora
quando ele percebe a situação. Eles querem que ele exe-
cute um “profeta” galileu. Seus instintos experientes lhe
dizem que algo não está certo. Ele questiona Jesus e
então diz ao Conselho: “Não vejo neste homem crime
algum.” (Lc 23.4).
Um jogo de xadrez político acontece entre Pilatos
e o Sinédrio, sem perceber que eles são peões, não reis.
Pilatos faz um movimento. Como galileu, Jesus está
sob a jurisdição de Herodes Antipas. Deixe Herodes
julgar. Herodes inicialmente recebe Jesus com alegria,
na esperança de ver um milagre. Mas Jesus se recusa a
entreter ou mesmo responder. Antipas, desapontado,
bloqueia o movimento devolvendo Jesus a Pilatos.
Pilatos faz outro movimento. Ele se oferece para
libertar Jesus como o prisioneiro perdoado pela Páscoa
80 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

anual. O Conselho bloqueia o movimento. “Não este,


mas Barrabás!” eles gritam ( Jo 18.40). Pilatos está pas-
mo. O Sinédrio prefere um ladrão e assassino a este
profeta camponês?
Pilatos tenta outro movimento. Ele faz com que
Jesus seja severamente açoitado e humilhado, na espe-
rança de conter a sede de sangue do Conselho. Mais uma
vez, o movimento é bloqueado quando o Concílio insis-
te que Jesus deve ser crucificado porque “a si mesmo se
fez Filho de Deus” ( Jo 19.7). Check. O medo de Pilatos
aumenta. A reivindicação divina de Jesus pode ameaçar
Roma. Pior, pode ser verdade. As divindades romanas
supostamente poderiam assumir a forma humana. Seu
questionamento posterior de Jesus o deixa nervoso.
Um último movimento. Pilatos tenta persuadir o
Sinédrio a libertar Jesus. Mas recebe um último blo-
queio e armadilha dos judeus. “Se soltas a este, não és
amigo de César! Todo aquele que se faz rei é contra
César!” ( Jo 19.12). O Conselho tem Pilatos onde o que-
rem: encurralado. Xeque-mate.
E o Deus triúno tem o Conselho, Pilatos e Sata-
nás onde ele os quer. Eles não teriam autoridade alguma
sobre o Filho, a menos que isso lhes tivesse sido dado
do alto ( Jo 19.11). Judeus caídos, gentios e poderes es-
pirituais involuntariamente colaboram na execução da
ESTÁ CONSUMADO | 81

única morte inocente que poderia conceder a vida ao


culpado. Xeque-mate.

A CRUZ
A manhã declina enquanto Jesus sai cambaleando do
pretório, terrivelmente espancado e sangrando profu-
samente. Os soldados romanos foram brutais em sua
crueldade criativa. Espinhos rasgaram o couro cabeludo
de Jesus, e suas costas são uma ferida grotesca que goteja.
O Gólgota mal passa de cinquenta metros além do Por-
tão do Jardim, mas Jesus não tem forças para carregar a
barra transversal de vinte quilos. Simão de Cirene é es-
colhido entre a multidão. Vinte e cinco minutos depois,
Jesus está pendurado em pura agonia sobre um dos mais
cruéis instrumentos de tortura já inventados. Pregos
foram cravados em seus pulsos (o que só sabemos por
causa da dúvida que Tomé expressará em alguns dias -
ver João 20.25). Uma inscrição acima de Jesus declara
em grego, latim e aramaico quem ele é: o Rei dos Judeus.
O rei está flanqueado de cada lado por ladrões e
ao seu redor há curiosos e zombadores. “Salvou os ou-
tros; a si mesmo se salve, se é, de fato, o Cristo de Deus,
o escolhido!” alguns gritam (Lc 23.35). Até um ladrão
moribundo se junta ao escárnio. Eles não entendem que
se o Rei se salvar, sua única esperança de salvação estará
perdida. Jesus pede a seu Pai que os perdoe. O outro la-
drão crucificado vê um Messias no homem mutilado ao
82 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

lado dele e pede ao Messias que se lembre dele. A oração


de Jesus está começando a ser respondida. Centenas de
milhões se seguirão.
Agora é o meio da tarde e a escuridão assustadora
que caiu deixou todos temerosos. Mas para Jesus, a escu-
ridão é um horror que ele nunca conheceu. Isso, mais do
que pregos, espinhos e açoites, foi o que o fez suar sangue
no jardim. A ira do Pai está atingindo-o com força total.
Ele é, naquele momento, não mais o Abençoado, mas
o Amaldiçoado (Gl 3.13). Ele se tornou pecado (2Co
5.21). Em um isolamento aterrorizante, separado de seu
Pai e de todos os humanos, ele grita: “Eli, Eli, lamá sa-
bactâni?”, em aramaico para “Deus meu, Deus meu, por
que me desamparaste?” (Mt 27.46; Sl 22.1). Nenhum
amor ( Jo 15:13), humildade (Fp 2.8) ou obediência
(Hb 5.8) maior jamais foi ou será demonstrado.
Pouco depois das 15h, Jesus sussurra roucamente
“Tenho sede!”. No amor, ele esvaziou a taça da ira de seu
Pai até a última gota. Ele suportou toda a nossa maldi-
ção. Não há dívida a pagar e ele não tem mais nada a dar.
O vinagre umedece sua boca apenas o suficiente para di-
zer uma palavra final: “Está consumado!” ( Jo 19.30). E
Deus, o Filho, morre.
É a pior e a melhor de todas as mortes humanas.
Pois nesta cruz ele carrega os nossos pecados em seu
ESTÁ CONSUMADO | 83

corpo (1Pe 2.24), “o justo pelos injustos, para conduzir-


-vos a Deus” (1Pe 3.18). E agora está consumado.

O TÚMULO
Uma ironia brilhante nestes dias mais sombrios é que
os homens que se apresentam para reivindicar o cadá-
ver de Cristo para o sepultamento não são membros da
família ou discípulos. Eles são membros do Sinédrio:
José de Arimateia e Nicodemos. É mais um fio de gra-
ça inesperado tecido nesta tapeçaria de redenção. Eles
rapidamente envolvem o corpo de Jesus em um lençol
e o colocam em um túmulo próximo. A noite está cain-
do, e eles não têm tempo para tratá-lo totalmente com
especiarias.
Maria Madalena e Maria, a mãe de José, os acom-
panham, tomando cuidado para observar a localização
do túmulo. Elas planejam voltar com mais especiarias
após o sábado, no primeiro dia da semana, para ter cer-
teza de que a preparação estaria completa.
TARDE

POR QUE ME
DESAMPARASTE?
DONALD MACLEOD

“À hora nona, clamou Jesus em alta voz: Eloí, Eloí,


lamá sabactâni?” (Mc 15.34).

Até este ponto, a narrativa da crucificação focalizou os


sofrimentos físicos de Jesus: o açoite, a coroa de espi-
nhos e sua imolação na cruz. Já se passaram seis horas
desde que os pregos foram cravados.
As multidões zombaram, a escuridão cobriu a ter-
ra e agora, de repente, após um longo silêncio, vem este
grito angustiado das profundezas da alma do Salvador.
As palavras são uma versão em aramaico de uma
citação do Salmo 22 e, embora Mateus e Marcos ofere-
çam uma tradução para o benefício dos leitores gentios,
eles claramente querem que ouçamos as palavras exatas
que Jesus falou. Em seu fluir mais tênue, sua mente ins-
tintivamente respira o Saltério, e dele toma emprestadas
POR QUE ME DESAMPARASTE? | 85

as palavras que expressam a angústia, agora não de seu


corpo, mas de sua alma.
Ele carregou em sua alma, escreveu Calvino, “os
terríveis tormentos de um homem condenado e perdi-
do”.3 Mas ousamos, em terreno tão sagrado, buscar mais
clareza?

CONTRA TODA ESPERANÇA


Certamente, existem algumas negativas muito claras. O
abandono não pode significar, por exemplo, que a comu-
nhão eterna entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo foi
quebrada. Deus não poderia deixar de ser triúno.
Nem poderia significar que o Pai deixou de amar
o Filho: especialmente não aqui, e não agora, quando o
Filho estava oferecendo o maior tributo de piedade filial
que o Pai já havia recebido.
Nem tampouco poderia significar que o Espírito
Santo havia cessado de ministrar ao Filho. Ele desceu
sobre ele no batismo, não apenas por um breve momen-
to, mas para permanecer sobre ele ( Jo 1.32), e ele estaria
lá até o fim como o Espírito Eterno por meio do qual o
Filho se ofereceu a Deus (Hb 9.14).
E, finalmente, essas palavras não são um grito de
desespero. O desespero seria pecado. Mesmo na escuri-
dão, Deus era “Meu Deus”, e embora a dor obscurecesse
3  John Calvin, Institutes of the Christian Religion. 2 vols. Translated by F. L. Battles
(Philadelphia: Westminster, 1960), II: xvi, 10.
86 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

as promessas, em algum lugar nas profundezas de sua


alma permanecia a certeza de que Deus o estava susten-
tando. O que era verdade para Abraão era ainda mais
verdadeiro para Jesus: Contra toda esperança, ele creu
na esperança (Rm 4.18).

VERDADEIRAMENTE DESAMPARADO
No entanto, com todas essas negativas, isso foi um
verdadeiro abandono. Jesus não se sentiu apenas de-
samparado. Ele foi abandonado; e não apenas por seus
discípulos, mas pelo próprio Deus. Foi o Pai que o
entregou a Judas, aos judeus, a Pilatos e, finalmente, à
própria cruz.
E agora, quando ele clamou, Deus fechou seus ou-
vidos. A multidão não parava de zombar, os demônios
não paravam de zombar, a dor não diminuía. Em vez
disso, cada circunstância evidenciou a ira de Deus; e não
houve voz contrária. Desta vez, nenhuma palavra veio
do céu para lembrá-lo de que ele era o Filho de Deus
muito amado. Nenhuma pomba desceu para assegurar-
-lhe a presença e ministério do Espírito. Nenhum anjo
veio para fortalecê-lo. Nenhum pecador redimido se
curvou para agradecê-lo.

CARREGANDO A MALDIÇÃO
Quem era ele? Ele grita em aramaico, mas não usa a maior
de todas as palavras aramaicas, Abba. Mesmo na angústia
POR QUE ME DESAMPARASTE? | 87

do Getsêmani, embora estivesse perturbado e oprimido,


ele foi capaz de usá-la (Mc 14.36). Mas não aqui.
Como Abraão e Isaque subindo ao Monte Moriá,
ele e o Pai subiram juntos ao Calvário. Mas agora Abba
não está mais lá. Apenas El está lá: Deus Todo-Podero-
so, Deus Todo-Santo. E ele está diante de El, não agora
como seu Filho Amado, mas como o Pecado do Mundo.
Essa é a sua identidade: o personagem no qual ele se po-
siciona diante da Integridade Absoluta.
Não que ele tenha alguma relação vaga com peca-
dores. Ele é um deles, contado com os transgressores.
Na verdade, ele é todos eles. Ele é pecado (2Co 5.21),
condenado a suportar sua maldição; e ele não tem co-
bertura. Ninguém pode servir como seu advogado.
Nada pode ser oferecido como sua expiação. Ele deve
suportar tudo, e El não vai, não pode poupá-lo até que
o resgate seja pago integralmente. Esse objetivo, algum
dia, será alcançado? E se sua missão falhar?
Os sofrimentos de sua alma, como os antigos
teólogos costumavam dizer, foram a alma de seu so-
frimento, e dentro dessa alma podemos ver apenas
vagamente. Embora o grito fosse público, ele expres-
sava a angústia intensamente particular de uma tensão
entre o Filho que carregava o pecado e seu Pai celes-
tial: o turbilhão do pecado em sua forma mais terrível,
Deus abandonado por Deus.
88 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

SUA ANGÚSTIA DE ALMA


Mas não menos desafiador do que o tormento na alma
de Jesus é sua pergunta: “Por quê?”
Seria o porquê do protesto: o grito dos inocentes
contra o sofrimento injusto? A premissa é certamente
correta. Ele é inocente. Mas ele viveu toda a sua vida
consciente de que é o pecador e deve morrer como o pre-
ço da redenção para muitos. Ele se esqueceu disso agora?
Ou é o porquê da incompreensão, como se ele não
entendesse por que está ali? Ele se esqueceu da aliança
eterna? Possivelmente. Sua mente, como uma mente hu-
mana, não poderia ser focalizada em todos os fatos ao
mesmo tempo, e no momento a dor, a raiva divina e o
medo da perdição eterna (a cruz sendo a última palavra
de Deus) ocupam todos os seus pensamentos.
Ou é o porquê do espanto, ao se deparar com um
terror que nunca poderia ter previsto? Ele sabia desde
o início que teria uma morte violenta (Mc 2.20), e no
Getsêmani ele olhou nos olhos dela e estremeceu. Mas
agora ele está sentindo o gosto em toda a sua amargura,
e a realidade é infinitamente pior do que a perspectiva.
Nunca antes algo se interpôs entre ele e seu Pai,
mas agora o pecado do mundo inteiro se interpôs entre
eles, e ele está preso neste vórtice terrível da maldição.
Não é que Abba não esteja lá, mas que ele está, como o
POR QUE ME DESAMPARASTE? | 89

Juiz de toda a terra que nada poderia perdoar, e não po-


deria perdoar nem mesmo seu próprio Filho (Rm 8.32).

O CÁLICE FOI ESVAZIADO


Agora, a mente de Jesus está perto do limite de sua resis-
tência. Nós, sentados na galeria da história, temos certeza
do resultado. Ele, sofrendo na natureza humana a fúria
do inferno, não. Ele está onde ninguém esteve antes ou
depois, suportando em um minúsculo ponto no espaço e
em um minúsculo momento de tempo, tudo que o peca-
do merecia: a maldição em concentração absoluta.
Mas então, de repente, acabou. O sacrifício está
completo, a cortina rasgada e o caminho para o Santo
dos Santos aberto de uma vez por todas; e agora a ale-
gria de Jesus encontra expressão nas palavras de outro
salmo, Salmo 31. 5. No original, não continha a palavra
Abba, mas Jesus a inseriu: “Pai, nas tuas mãos entrego o
meu espírito” (Lc 23.46).
Não temos como saber o que se interpôs entre os
dois gritos. Sabemos apenas que o cálice se esvaziou e a
maldição se exauriu, e que o Pai agora orgulhosamente
estende suas mãos ao espírito de seu Filho Amado.
EASTER
Sábado
Santo
Morning & Evening Meditations for Holy Week 83
MANHÃ

CAIA SOBRE
NÓS O SEU SANGUE
MARSHALL SEGAL

A Semana Santa aguarda em relativo silêncio no sábado.


O túmulo foi selado, os guardas ficam de vigia, os discí-
pulos provavelmente se escondem em confusão, medo
e devastação. E o Salvador jaz sem vida, tendo rendido
tudo para salvar seu povo de seus pecados.
Como você processaria os horrores dos últimos dias
à sombra tranquila e perturbadora da cruz? Os discípu-
los tiveram que fazer mil perguntas dolorosas. Como ele
poderia ser o Rei tão esperado se acabou de ser morto?
Existe algo que poderíamos ter feito para impedir isso?
Se eles o torturaram e massacraram assim, o que farão
conosco? Tudo estava se reproduzindo em suas mentes
enquanto esperavam no sábado.
Nós também ainda ouvimos os ecos sombrios e de-
vastadores de quinta e sexta-feira. Mas esperamos com
expectativa pelo amanhã - pelo túmulo vazio e pelo Rei
92 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

ressuscitado. Cheios de esperança, podemos olhar para


trás, para a multidão que crucificou Jesus e ver o nosso
antigo eu, e depois seguir em frente, em preparação para
a Páscoa, regozijando-nos na transformação que ocorreu
em nós por causa de seu sacrifício. Fomos cobertos pelo
sangue que confundiu aqueles primeiros seguidores.

PILATOS E A LIBERDADE DE ESCOLHA


Um dos ecos vem de Mateus 27. Jesus acaba de ser traí-
do, preso, julgado e entregue ao governador para ser
executado. Mateus escreve:

“Ora, por ocasião da festa, costumava o governador


soltar ao povo um dos presos, conforme eles quises-
sem. Naquela ocasião, tinham eles um preso muito
conhecido, chamado Barrabás. Estando, pois, o povo
reunido, perguntou-lhes Pilatos: A quem quereis que
eu vos solte, a Barrabás ou a Jesus, chamado Cristo?
Porque sabia que, por inveja, o tinham entregado.”
(Mt 27.15-18).

Pilatos tem o poder de libertar um criminoso do


corredor da morte. Atrás dele estão Barrabás, um vilão
notório e assassino condenado, e Jesus.

“Mas os principais sacerdotes e os anciãos persuadi-


ram o povo a que pedisse Barrabás e fizesse morrer
Jesus. De novo, perguntou-lhes o governador: Qual
CAIA SOBRE NÓS O SEU SANGUE | 93

dos dois quereis que eu vos solte? Responderam eles:


Barrabás! Replicou-lhes Pilatos: Que farei, então, de
Jesus, chamado Cristo? Seja crucificado! Responde-
ram todos. Que mal fez ele? Perguntou Pilatos. Po-
rém cada vez clamavam mais: Seja crucificado! Ven-
do Pilatos que nada conseguia, antes, pelo contrário,
aumentava o tumulto, mandando vir água, lavou as
mãos perante o povo, dizendo: Estou inocente do san-
gue deste [justo]; fique o caso convosco! E o povo todo
respondeu: Caia sobre nós o seu sangue e sobre nossos
filhos! Então, Pilatos lhes soltou Barrabás; e, após ha-
ver açoitado a Jesus, entregou-o para ser crucificado.”
(Mt 27.20-26).

O GRITO SUICIDA DA MULTIDÃO


É inveja, ódio e ignorância. Como eles puderam ser tão
enganados, manipulados e corruptos para entregar o Fi-
lho de Deus à morte e poupar um assassino conhecido?
Pilatos sabia que o que eles exigiam era errado, que Jesus
era inocente. Ele não queria parte ou papel em sua execu-
ção. Mas essas pessoas, cheias de descrença, com corações
rebeldes, com raiva invejosa contra seu próprio Messias,
clamavam: “Crucifica-o! Crucifica-o!”“Pilatos, se você não
vai matá-lo, deixe que caia sobre nós o seu sangue!”
Caia sobre nós o seu sangue? Que o sangue do pró-
prio Deus caia sobre você? Que o sangue da Palavra
94 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

eterna viva e criadora caia sobre você? Sua incredulidade


e seu ciúme - seu pecado - os levaram ao ato final de
desafio e rejeição a Deus. Eles crucificaram seu Filho,
o Prometido - o Filho que ele enviou para salvá-los de
séculos de infidelidade. Caia sobre nós o seu sangue!

O PECADO QUE O PREGOU NA CRUZ


Isso é pecado, rejeitar Jesus, declarar que ele nada mais é
do que um homem delirante ou enganador. E esta era a
condição de nosso coração, quando cheios de incredulida-
de, rejeitamos a Deus, seu Filho e seu sacrifício. Gritamos:
“Crucifica-o!” com nossa infidelidade e desobediência.
Dissemos com a multidão: “Ele não é nosso Rei!”“Ele não
é o nosso Messias!” “Caia sobre nós o seu sangue”.
Mas Deus, sendo rico em misericórdia e paciente
conosco, seu povo eleito, “ele mesmo resplandeceu em
nosso coração, para iluminação do conhecimento da
glória de Deus, na face de Cristo [crucificado]. (2Co
4.6). E estando vivos pela fé nele, nos apegamos à cruz
na qual nosso Salvador morreu. É por seu precioso san-
gue que somos perdoados e libertos do pecado e de suas
consequências.

MESMA CRUZ, NOVO CLAMOR


Portanto, agora, dizemos com um significado to-
talmente diferente, caia sobre nós o seu sangue, não
desafiadoramente como as multidões que o crucificaram,
CAIA SOBRE NÓS O SEU SANGUE | 95

mas desesperadamente - com gratidão, esperança e ado-


ração - como aqueles que dependem totalmente de seu
sacrifício. Jesus, deixe seu sangue cair sobre nós. Deixe-o nos
cobrir. Deixe o sangue que flui de sua cabeça, suas mãos, seus
pés nos lavar e nos limpar de todas as nossas iniquidades.
Proclamamos a morte de Jesus. Regozijamo-nos
com a sua morte, não porque acreditamos que foi uma
fraude ou um lunático, mas porque é pela sua morte, pe-
las suas feridas, pelo seu sangue fomos sarados.
TARDE

ELE DESCEU
AO INFERNO?

JOE RIGNEY

“Este [ José], baixando o corpo da cruz, envolveu-o


em um lençol que comprara e o depositou em um tú-
mulo que tinha sido aberto numa rocha; e rolou uma
pedra para a entrada do túmulo.” (Mc 15.46).

Todos nós sabemos que Jesus morreu. “Pai, nas tuas


mãos entrego o meu espírito! E, dito isto, expirou.” (Lc
23,46). Mas o que aconteceu depois que ele morreu? Sa-
bemos que seu corpo foi colocado no túmulo de José,
mas e quanto à sua alma humana?
Refletir sobre esta questão não apenas lança luz
sobre o ensino da Bíblia sobre a morte e a vida após a
morte, mas também é um grande encorajamento para
nós, que devemos enfrentar a morte e procurar fazer
isso sem medo.
ELE DESCEU AO INFERNO? | 97

O QUE É A MORTE?
Em primeiro lugar, o que exatamente é a morte? A mor-
te é separação, uma divisão de coisas que deveriam estar
unidas. Fundamentalmente, é a separação de Deus.
Paulo sugere isso em Efésios 2.1-2: “Ele vos deu vida,
estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos
quais andastes outrora.” Andar em pecado é estar mor-
to, ser escravo dos poderes das trevas, ser separado de
Deus, ser filho de sua ira. Esse tipo de separação é uma
alienação, uma hostilidade, uma alienação da vida e da
esperança do Deus vivo. Nesse sentido, todos nós, por
natureza, nascemos mortos, e é essa morte que Jesus su-
portou em seu sofrimento na cruz.
Mas é claro que a morte é mais do que apenas sepa-
ração de Deus. A morte também marca a separação da
alma do corpo. Deus fez os seres humanos para serem
almas encarnadas e corpos com alma, e a morte destrói
essa união. Mas o que acontece com essas duas partes
depois que são separadas? O Salmo 16.10 nos dá uma
janela para o ensino bíblico.

“Pois não deixarás a minha alma na morte [Seol],


nem permitirás que o teu Santo veja corrupção.”

Essa passagem nos direciona ao relato normal do


que acontecia quando um ser humano morria antes da
morte e ressurreição de Jesus. A alma era abandonada
98 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

“na morte” [Seol], e o corpo via a corrupção ou seja, se


decompunha.
Em Atos 2.29-31, Pedro nos diz que Davi, ao es-
crever este salmo, previu a ressurreição de Cristo, “que
ele (isto é, sua alma) não foi não foi abandonado na mor-
te [Seol], nem sua carne viu a corrupção” (Observe que
Pedro lê a segunda linha como uma referência ao corpo
ou carne de Jesus). Assim, antes de Jesus, na morte, as
almas normalmente iam para o Seol, e os corpos (carne)
se decompunham. Estamos todos familiarizados com o
último, mas o primeiro é mais opaco. Um rápido estudo
da Bíblia nos mostrará por que Pedro acha que a profe-
cia de Davi no Salmo 16 é uma notícia tão boa.

O QUE É SEOL?
No Antigo Testamento, o Seol é o lugar das almas dos
mortos, tanto dos justos (como Jacó, Gn 37.35, e Sa-
muel, 1Sm 28.13-14) quanto dos ímpios (Sl 31.17) No
Novo Testamento, a palavra hebraica Seol é traduzida
como Hades, e a descrição de Seol no Antigo e no Novo
Testamento tem alguma semelhança com o Hades da
mitologia grega. Está sob a terra (Nm 16.30-33) e é
como uma cidade com portões (Is 38.10) e grades ( Jó
17.16). É uma terra de trevas, um lugar onde moram
as sombras, as almas sombrias dos homens (Is 14.9;
26.14). É a terra do esquecimento (Sl 88.12), onde ne-
nhum trabalho é feito e nenhuma sabedoria existe (Ec
ELE DESCEU AO INFERNO? | 99

9.10). Mais significativamente, o Seol é um lugar onde


ninguém louva a Deus (Sl 6.5; 88.10-11; 115.17; Is
38.18). No Novo Testamento, a descrição mais extensa
da vida após a morte é encontrada em Lucas 16.19-31.
Lá aprendemos que, como o Hades da mitologia gre-
ga, o Seol bíblico tem dois compartimentos: o Hades
propriamente dito (para onde o homem rico é enviado,
Lc 16.23) e o “seio de Abraão” (para onde os anjos car-
regam Lázaro, Lc 16.22) O próprio Hades é um lugar
de tormento, onde o fogo causa angústia às almas ali
aprisionadas. O seio de Abraão, por outro lado, embora
esteja à distância de um grito do Hades, está separado
dele por um grande abismo (Lc 16.26) e é, como o Elísio
grego, um lugar de conforto e descanso.
Embora ainda haja muito mistério, a imagem co-
meça a tomar forma. Todas as almas mortas descem
para o Seol/Hades, mas o Seol é dividido em dois lados
distintos, um para os justos e outro para os ímpios. Os
justos que morreram antes de Cristo moravam no Seol
com Abraão e, embora fossem cortados da terra dos vi-
vos (e, portanto, da adoração de Yahweh na terra), eles
não foram atormentados como os ímpios.

PARA ONDE JESUS FOI QUANDO MORREU?


O que, então, isso nos diz sobre onde Jesus estava no Sá-
bado Santo? Com base nas palavras de Jesus ao ladrão na
cruz, em Lucas 23.43, alguns cristãos acreditam que após
100 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

sua morte, a alma de Jesus foi para o céu para estar na pre-
sença do Pai. Mas Lucas 23.43 não diz que Jesus estaria
na presença de Deus; diz que ele estaria na presença do
ladrão (“Hoje estarás comigo no paraíso”), e com base no
Antigo Testamento e em Lucas 16, parece provável que, o
agora arrependido ladrão, estaria ao lado de Abraão, um
lugar de conforto e descanso para os justos mortos, que Je-
sus aqui chama de “Paraíso”. Após sua morte pelo pecado,
então, Jesus viaja para o Hades, para a Cidade da Morte,
e arranca seus portões das dobradiças. Ele liberta Abraão,
Isaque, Jacó, Davi, João Batista e o restante dos fiéis do
Antigo Testamento, resgatando-os do poder do Seol (Sl
49.15; 86.13; 89.48). Eles esperaram ali por tanto tempo,
não tendo recebido o que foi prometido, para que seus es-
píritos fossem aperfeiçoados junto com os santos da nova
aliança (Hb 11.39-40; 12.23). Após sua ressurreição, Je-
sus ascende ao céu e traz consigo os mortos resgatados, de
modo que agora o Paraíso não está mais perto do lugar de
tormento, mas no terceiro céu, o céu mais elevado, onde
Deus habita (2Co 12.2-4).
Agora, na era da igreja, quando os justos morrem,
eles não são meramente carregados por anjos ao seio
de Abraão; eles partem para estar com Cristo, o que é
muito melhor (Fp 1.23). Os ímpios, no entanto, perma-
necem no Hades em tormento, até o julgamento final,
quando o Hades entregar os mortos que moram lá, e
ELE DESCEU AO INFERNO? | 101

eles forem julgados de acordo com seus atos, então a


Morte e o Hades serão lançados no Inferno, no lago de
fogo (Ap 20.13-15).

BOAS NOTÍCIAS PARA NÓS


Que implicações isso tem para a Semana Santa? A jor-
nada de Cristo ao Hades demonstra que ele realmente
foi feito como nós em todos os sentidos. Ele não apenas
suportou a ira de Deus em nosso favor; ele suportou a
morte, a separação de sua alma de seu corpo. Seu corpo
estava na tumba de José (Lc 23.50-53), e sua alma esteve
por três dias no Seol, no coração da terra (Mt 12.40).
Mas, como o Salmo 16 deixa claro, Jesus não é apenas
como nós, mas diferente. O corpo de Jesus foi enterrado,
como o nosso, mas não se decompôs. A alma de Jesus foi
para o Hades, como os santos do Antigo Testamento,
mas não foi abandonada lá. Deus o ressuscitou dos mor-
tos, reuniu sua alma com um corpo agora glorificado, para
que ele seja as primícias da colheita da ressurreição.
E esta é uma boa notícia para nós, porque os que
estão em Cristo agora ultrapassam a terra do esque-
cimento, onde ninguém louva a Deus. Em vez disso,
quando morremos, nos juntamos ao coro angelical e aos
santos do passado para cantar louvores ao Cordeiro que
foi morto por nós e por nossa salvação.
O Senhor ressuscitou. O Senhor realmente
ressuscitou.
Domingo
de Páscoa
Morning & Evening Meditations for Holy Week 95
MANHÃ

VOCÊ ENCONTROU
O QUE PROCURA?
TONY REINKE

Como crianças que se dispersam em um quintal atrás de


ovos de Páscoa, você e eu estamos caçando.
Todos nós caçamos. Nossas almas sedentas vascu-
lham cada canto e recanto deste mundo, em busca de
prazeres brilhantes e delícias açucaradas.
Cada um desses caçadores de alegria, em busca de
tesouros que não vão murchar, enferrujar, quebrar ou ser
roubado, deve prestar muita atenção à Páscoa - não com
um tipo de atenção adormecida durante o sermão, mas
com uma atenção real e sincera, ansiosa atenção voltada
para Cristo. Se perdermos o significado da ressurreição,
fugiremos da maior alegria do universo.

A ALEGRIA DE JESUS
Enquanto as sombras escuras perseguiam o Cristo pres-
tes a ser crucificado, ele voltou sua atenção para a alegria.
Durante esta Semana Santa de sua crucificação, Jesus
104 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

prenunciou sua morte para seus discípulos que lutaram


para entender tudo isso. Ele abordou suas preocupações
diretamente em João 16.19-24.

“Percebendo Jesus que desejavam interrogá-lo, per-


guntou-lhes: Indagais entre vós a respeito disto que
vos disse: Um pouco, e não me vereis, e outra vez um
pouco, e ver-me-eis? Em verdade, em verdade eu vos
digo que chorareis e vos lamentareis, e o mundo se
alegrará; vós ficareis tristes, mas a vossa tristeza se
converterá em alegria.
A mulher, quando está para dar à luz, tem triste-
za, porque a sua hora é chegada; mas, depois de nasci-
do o menino, já não se lembra da aflição, pelo prazer
que tem de ter nascido ao mundo um homem. Assim
também agora vós tendes tristeza; mas outra vez vos
verei; o vosso coração se alegrará, e a vossa alegria
ninguém poderá tirar.
Naquele dia, nada me perguntareis. Em verdade,
em verdade vos digo: se pedirdes alguma coisa ao Pai,
ele vo-la concederá em meu nome. Até agora nada
tendes pedido em meu nome; pedi e recebereis, para
que a vossa alegria seja completa.”

Retrocedemos a Semana Santa para ouvir Jesus


prever as mudanças que ocorrerão em sua ressurreição.
Ele queria que seus discípulos antecipassem o Domingo
VOCÊ ENCONTROU O QUE PROCURA? | 105

de Páscoa como o amanhecer cataclísmico da verdadeira


alegria. E aqui está o que tudo isso significa para quem
busca alegria.

UMA ALEGRIA COMPRADA PELO SANGUE


Jesus falou dessa alegria ao enfrentar a tortura da Sexta-feira
Santa. Ele enfrentou negação, enfrentou traição, enfrentou
espancamentos, enfrentou espinhos, pregos e lanças - ele
não conseguia parar de falar sobre alegria! Só a alegria o
manteria em movimento. A alegria estava em sua mente, a
alegria em sua língua e a alegria o estava atraindo, não para
longe do sofrimento, mas para dentro dele (Hb 12.2).
Jesus foi à cruz por alegria: para conquistar alegria,
criar alegria e oferecer alegria.
Enquanto o mundo celebrava a morte selvagem
de Deus, desse mar de espumante hostilidade rebelde
emergia uma alegria sangrenta e inextinguível.

UMA ALEGRIA INDESTRUTÍVEL


Se o assassinato do Autor da vida não pôde extinguir
essa alegria de que Jesus fala, nada pode - e nada jamais
poderá. Nenhuma oposição do mundo, nenhuma oposi-
ção ao Evangelho e nenhum desprezo cultural de Cristo
superará a alegria da ressurreição de Jesus.
Como vimos esta semana, a alegria inextinguível da
Páscoa nasceu no maior trauma, tragédia e mal que o
mundo já desencadeou - o assassinato do Filho de Deus.
106 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

A morte, o Diabo, os demônios e a rebelião coordenada


da humanidade, todos aliados, não podem impedir essa
alegria. Os perseguidores não podem roubar essa ale-
gria. Nenhum poder, nenhum evento, nenhum inimigo,
pode sequestrar a alegria da ressurreição de Jesus Cristo
que irrompeu da tumba com ele.
As alegrias mundanas são frágeis em comparação a
ela. A doença e a pobreza destroem a alegria, e o longo
processo de envelhecimento e morte lentamente despoja
a vida de todos os seus prazeres mundanos (Ec 12.1-
8). A morte afasta todas as nossas alegrias, exceto uma.
Apenas uma alegria não pode ser frustrada pela morte,
porque apenas uma alegria foi comprada com sangue.

UMA ALEGRIA RECÉM-NASCIDA


A alegria da ressurreição de Jesus escapa das garras da
morte porque é a alegria da nova criação, uma alegria
libertada do mal deste mundo decaído.
E isso torna a Páscoa empolgante. Como Jonathan
Edwards corajosamente declarou: “A ressurreição de Cris-
to é o evento mais alegre que já aconteceu.”4 E com razão
Charles Spurgeon disse: “Ninguém jamais tirará de mim
a alegria de que Cristo ressuscitou dos mortos.”5 A res-
4  Jonathan Edwards, The Works of Jonathan Edwards Vol. 1: A History of the Work of
Redemption (Bellingham, WA: Logos Bible Software, 2008), 585.
5  Charles Spurgeon, “Joy in Place of Sorrow,” preached 11 July 1897 at the Metropolitan.
Tabernacle, Newington, England, available online at http://wwwspurgeongems.org/
vols43-45/chs2525.pdf.
VOCÊ ENCONTROU O QUE PROCURA? | 107

surreição é o evento divino mais repleto de alegria na


história bíblica, digno de nosso eterno louvor, reverência e
admiração. Mas é mais do que um espetáculo histórico de
tirar o fôlego.
Jesus empregou uma analogia comum do nasci-
mento para introduzir um nascimento cósmico radical.
Sua morte foi a dor do parto de uma nova criação; sua
ressurreição foi a chegada de uma nova criação à histó-
ria. Em sua ressurreição, Jesus deu início a uma reação
em cadeia imparável que um dia culminará na ressurrei-
ção dos mortos e na renovação de toda a criação.
Aqui está o ponto. Na longa história de alegria
neste mundo decaído, depois de eras de apetites insatis-
feitos e dores de fome no coração de homens, mulheres
e crianças, a ressurreição de Cristo marca um crescen-
do. Nunca a alegria encontrou maior expressão na terra.
Em João 15.11, Jesus ofereceu a seus discípulos “plena
alegria”, um convite somente possível no estágio final da
história cósmica. Essa fase nasceu na manhã de Páscoa.
Jesus quer que seus discípulos tenham sede de
uma alegria pós-ressurreição como a chegada de uma
alegria recém-amplificada, uma alegria longamen-
te esperada e há muito esperada, uma alegria nunca
antes vista ou experimentada na história humana. A
ressurreição de Cristo trará o evento mais espetacu-
larmente cheio de alegria, porque acende uma alegria
108 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

eternamente duradoura e invencível para sempre. O


Antigo Testamento predisse essa alegria, o nascimen-
to de Cristo anunciava essa alegria, a Semana Santa
parecia extinguir essa alegria, mas a ressurreição de
Cristo é o ponto na história em que a tocha inextinguí-
vel da alegria de Deus emergiu do mar de espumante
hostilidade rebelde, levantou-se e acendeu uma tocha
olímpica de alegria que arderá por toda a eternidade.

UMA ALEGRIA PARA SE PEDIR


Mas tão magnificamente quanto essa alegria entrou no
mundo, neste momento decisivo na história cósmica,
essa alegria se aproxima de nós. Portanto, Jesus ensinou
seus discípulos a pedir e buscar mais dessa alegria. Este
é o convite aberto da era messiânica.
E essa alegria dá sentido à lógica do Evangelho de
João. Jesus disse que ele deveria morrer e ir para o Pai, e
deixaria sua alegria com os discípulos. Uma vez com o Pai,
Jesus enviou o Espírito para habitar neles (outro sinal in-
confundível da nova criação). Unidos a Cristo, os discípulos
orariam agora pelo Espírito, ao Pai, por meio do Filho.
A Páscoa reformula a oração, a espiritualidade e a
alegria. Com esta inauguração de uma nova criação, os
discípulos tornaram-se filhos adotivos que podiam orar
a um Pai que deseja derramar sobre eles um floresci-
mento espiritual em todos os sentidos, levando a uma
VOCÊ ENCONTROU O QUE PROCURA? | 109

alegria plena e satisfatória que ninguém pode tirar. O


que é uma ótima notícia para os discípulos.

ALEGRIA INEXPRIMÍVEL PARA VOCÊ


Mas a ousada alegria da ressurreição de Jesus, prometi-
da aos discípulos em João 16.19-24, agora é oferecida a
você e a mim. Foi-nos prometida a mesma “alegria indi-
zível e cheia de glória” (1Pe 1.8).
Em Cristo, Deus se agrada em derramar a alegria
da ressurreição em sua vida, uma alegria que preenche
e uma alegria que não pode ser roubada de você. O que
nós fazemos? Simplesmente pedimos ao nosso gracioso
Pai por mais!
A alegria pascal que Jesus predisse chegou e é pro-
fundamente pessoal. A ressurreição é um evento cósmico
e se aproxima intimamente de cada um, lembrando-nos
da obra de Deus em nossas vidas. “A questão da Páscoa
é que Deus está em processo de limpar este mundo de
todos os sofrimentos” ( John Piper). Portanto, “a ressurrei-
ção de Cristo não apenas lhe dá esperança para o futuro;
dá esperança para lidar com suas cicatrizes agora” (Tim
Keller). Essa alegria restauradora e revigorante foi adqui-
rida para você e para mim na ressurreição de Cristo.

FESTEJE E COMEMORE
A Páscoa apresenta contradições gritantes.
110 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

Se Cristo ainda está morto, a morte reina e todas


as nossas alegrias são vãs. Portanto, junte cada ovo de
Páscoa que encontrar, porque tudo o que encontrar den-
tro dele é toda a alegria que você tem para agarrar. Ou,
como diz Paulo, “Se os mortos não ressuscitam, coma-
mos e bebamos, que amanhã morreremos.” (1Co 15.32).
Mas se a morte está morta, e se os mortos são ressus-
citados - se Cristo ressuscitou! - irmãos e irmãs, vamos
festejar e celebrar, pois a luz do alvorecer de nossos inex-
tinguíveis e inesgotáveis prazeres eternos irrompeu na
escuridão, oferecendo nos uma vida de alegria em Cristo
que não pode murchar, enferrujar ou ser roubada!
Hoje, deleite-se na alegria da ressurreição de Cris-
to, ore por ela ainda mais em sua vida e valorize-a por
toda a eternidade.
CONCLUSÃO

O TRIUNFO DA ALEGRIA

DAVID MATHIS

“Não vos atemorizeis; buscais a Jesus, o Nazareno,


que foi crucificado; ele ressuscitou, não está mais aqui;
vede o lugar onde o tinham posto. (Mc 16.6).

A conversa na rua naquele domingo, na Cidade Santa,


foi quase boa demais para ser verdade. Isso foi tão ines-
perado, tão estupendo, uma reversão tão dramática do
desgosto e da devastação dos três dias anteriores. Isso
levaria dias para se dissipar. Semanas mesmo.
De certa forma, seus discípulos levariam o resto
de suas vidas para entender o impacto dessa notícia.
Ele ressuscitou. Na verdade, por toda a eternidade, seu
povo ainda ficará maravilhado com o amor de Deus em
exibição na morte de Cristo e com o poder de Deus ir-
rompendo em sua ressurreição.
112 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

AS OVELHAS SE ESPALHARAM
Ninguém realmente viu essa vinda, exceto o próprio
Jesus. Ele disse claramente a seus discípulos que seria
morto e então ressuscitaria (Mc 8.31; Mt 17.22-23;
Lc 9-22). Ele havia insinuado isso desde a purificação
do templo ( Jo 2.19). Em seu julgamento, alguns teste-
munharam contra ele que ele havia feito tal afirmação
bizarra (Mc 14.58; Mt 26.61; 27.63). Em seguida, hou-
ve suas referências ao “sinal de Jonas” (Mt 12.39; 16.4), e
o rejeitado tornou-se a pedra angular (Mt 21.42).
Mas, por mais que ele tenha feito para preparar
seus discípulos para isso, uma crucificação literal era
tão contrária ao seu paradigma que eles não tinham
uma maneira significativa de trazê-la para suas mentes
e corações. Era “uma pedra de escândalo e uma rocha
de tropeço” (Is 8.14) para o tão esperado Messias sair
assim. Seus homens abandonaram seu mestre em sua
hora mais crítica, deixando-o sozinho para carregar o
peso do pecado do mundo. E o maior fardo de todos -
ser abandonado por seu pai.
Um dos seus o traiu. O líder entre seus homens o
havia negado três vezes. Após sua morte, os discípulos
se dispersaram. “fere o pastor, e as ovelhas ficarão dis-
persas” (Zc 13.7). Suas portas estavam trancadas ( Jo
20.19). Dois até pegaram a estrada e estavam saindo de
Jerusalém (Lc 24.13).
O TRIUNFO DA ALEGRIA | 113

Quando as notícias vieram das mulheres, parecia


pura fantasia. “Tais palavras lhes pareciam um como
delírio, e não acreditaram nelas.” (Lc 24.11). Estava
além de sua imaginação, mas não além de Deus. Esse
sonho poderia se tornar realidade? Afinal, poderia haver
alguma magia profunda que poderia voltar no tempo?
Melhor, poderia haver um poder magnânimo o suficien-
te para trazer uma nova era - a era da ressurreição - e
triunfar sobre o inimigo final, a própria morte?

ASSIMILADO COM ESPANTO


O relatório inicial os deixou em choque. Marcos nos diz
que as mulheres “E, saindo elas, fugiram do sepulcro,
porque estavam possuídas de temor e de assombro; e, de
medo, nada disseram a ninguém.” (Mc 16.8). O espanto
apoderou-se delas. Se as notícias fossem menos espeta-
culares, talvez elas tivessem comemorado sem hesitar.
Mas isso era muito grande e muito surpreendente para
se transformar em alegria imediata. Elas ficaram atordoa-
das. Isso é o que a Páscoa faz com a alma humana quando
reconhecemos a realidade de sua mensagem. É muito ex-
plosivo, cataclísmico e abalador o fato de Jesus estar vivo.
É uma alegria grande demais para uma satisfação
instantânea. Primeiro, há um espanto absoluto. Em se-
guida, vem a mistura de “temor com grande alegria” e,
finalmente, a liberdade de se alegrar e contar aos outros
(Mt 28.8).
114 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

A TRISTEZA VEM FALSA


Mas e paixão de Cristo? O que dizer de sua agonia excru-
ciante no Gólgota? Sim, como diz C. S. Lewis, o alvorecer
desta era da ressurreição “transformará até mesmo aquela
agonia em glória.”6 Agora, a alegria triunfou sobre a tris-
teza. O dia finalmente tem domínio sobre a noite. A luz
se debateu contra a escuridão. Cristo, por meio da morte,
destruiu aquele que tinha o poder da morte (Hb 2.14). A
morte foi tragada pela vitória (1Co 15.54).
A Páscoa agora se tornou nosso ensaio geral anual
para o grande dia que se aproxima. Quando nossos cor-
pos perecíveis vestirão o imperecível. Quando o mortal
finalmente assumirá a imortalidade. Quando nos jun-
tarmos na canção de triunfo com os profetas e apóstolos,

“Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó mor-


te, o teu aguilhão?” (Os 13.14; 1Co 15.55).

Assim como o ensaio dos detalhes dos dias finais


de Jesus antes da cruz nos prepara para a prova de fogo
que virá sobre nós, também a Páscoa nos prepara para o
triunfo que se seguirá. A Páscoa é o nosso antegozo da
glória divina.
Cristo ressuscitou. O dia não está mais escure-
cendo, mas a noite está despertando para o brilho. A
escuridão não sufoca o sol, mas a luz afasta as sombras.
6  C. S. Lewis, The Great Divorce (New York: HarperCollins, 1946), 69.
O TRIUNFO DA ALEGRIA | 115

O pecado não é o vencedor, mas a morte é tragada


pela vitória.

MAIS QUE VENCEDORES


Na verdade, até mesmo a agonia se transformará em
glória, mas a Páscoa não suprime nossa dor. Ela não
minimiza nossa perda. Ela ordena que nossos fardos
permaneçam como estão, com todo o seu peso, com to-
das as suas ameaças. E este Cristo ressuscitado, com o
brilho da vida indestrutível em seus olhos, diz: “A estes
também reivindicarei a vitória. Eles também servirão
à sua alegria. Também para estes, estes mesmo, posso
criar uma ocasião de regozijo. Eu venci, e você será mais
que vencedor.”
A Páscoa não é uma ocasião para reprimir tudo o
que o aflige e fazer uma cara feliz. Em vez disso, a alegria
da Páscoa fala com ternura às dores que o atormentam.
Seja qual for a perda que você lamenta, seja qual for o
fardo que o oprime, a Páscoa diz: “Nem sempre será as-
sim com você. A nova era começou. Jesus ressuscitou e o
reino do Messias está aqui.
Ele conquistou a morte, o pecado e o inferno. Ele
está vivo e em seu trono. E ele está colocando seus ini-
migos, todos os seus inimigos, sob seus pés.”
Ele não apenas remediará o que está errado em sua
vida, trará gloriosa ordem à bagunça e derrotará seu ini-
migo, mas fará com que sua dor, sua tristeza, sua perda,
116 | A TRISTEZA DE VOCÊS SE TRANSFORMARÁ EM ALEGRIA

seu fardo, por meio do profundo milagre da ressurrei-


ção, sejam um ingrediente real em sua alegria eterna.
Você não apenas conquistará isso em breve, mas será
mais do que um vencedor (Rm 8.37).
Quando ele enxuga todas as lágrimas, nossos rostos
brilham mais intensamente do que se nunca tivéssemos
chorado. Esse poder é muito grande para simplesmente
nos levar de volta ao Jardim. Ele nos conduz a uma cida-
de-jardim, a Nova Jerusalém. A Páscoa anuncia, na voz
de Cristo ressuscitado: “a vossa tristeza se converterá em
alegria.” ( Jo 16.20), e “e a vossa alegria ninguém poderá
tirar.” ( Jo 16.22).
A Páscoa declara, para sempre, que aquele que ven-
ceu a morte a tornou serva da nossa alegria.
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