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CONCEITO DE DIREITO

1) Noção de Direito

Nos nossos dias, o Direito é uma realidade que está presente na maior parte dos actos que praticamos, a
maior parte das vezes sem nos apercebermos disso.

Daí que, não tendo vocês optado por um curso com vertente jurídica vão ter no vosso curriculum
académico várias disciplinas de Direito.

Posto isto, vejamos então o que é o Direito?

Existem várias definições e sentidos da expressão “Direito”, sendo que este termo é mais comummente
utilizado ou num sentido objectivo ou num sentido subjectivo.

 A) Sentido Objectivo

No que respeita ao Sentido Objectivo do termo “Direito”, nas palavras do ilustre Professor Castro Mendes,
podemos defini-lo como o “sistema de normas de conduta social, assistido de protecção coactiva”, isto é, como o
conjunto de comandos, regras ou normas.

Neste sentido, dizemos que o Direito civil Português actual se inspirou no Direito civil alemão.

Porém, para assim podermos definir o Direito temos que conhecer a origem e necessidade de surgimento
do Direito?

Por um lado, se analisar-mos o comportamento dos seres humanos, indubitavelmente, concluímos que o
Homem tem uma natureza eminentemente social, ou seja, é um ser eminentemente social.

Com efeito, o homem é corpo e alma e, simultaneamente, matéria e espírito.

Logo, tem necessidades materiais e espirituais que não pode satisfazer por si só, mas apenas na
associação com os outros homens.

Tais necessidades traduzem-se em situações de carência ou desequilíbrio, que têm que ser satisfeitas
com bens, isto é, com todo e qualquer meio apto a satisfazer necessidades humanas.

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É através da “vida social”, da vida em sociedade, que o Homem procura a satisfação adequada das suas
necessidades e estabelece vínculos de solidariedade com os outros homens, nomeadamente:
- solidariedade por semelhança – os homens unem-se para satisfazer necessidades comuns a todos eles
(necessidades de defesa)
- solidariedade orgânica – para melhorar o aproveitamento das aptidões individuais a divisão do trabalho
torna-o dependente dos demais.

Assim, como vimos já, a sociedade humana implica vida em sociedade.

Por seu lado, a vida em sociedade pressupõe regras que pautem os modos de agir dos homens.

Na verdade, é impensável viver em sociedade sem um mínimo de princípios que regulem o agir humano,
tanto mais que são inevitáveis os conflitos de interesses, quer individuais, quer colectivos, emergentes da raridade
de certos bens (a sua insuficiência para satisfazer todas as necessidades que os solicitam).

É, então, necessário que na vida social existam regras que determinem a cada indivíduo as suas formas
de colaboração com os outros, por meio de actos ou omissões, na prossecução dos fins sociais.

Efectivamente, é inerente à vida em sociedade a existência de normas que possam definir o


comportamento de cada homem com os demais.

Tais normas de condutas têm que estar preestabelecidas para organizarem as actividades entre os
homens

Por outro lado, essas regras de conduta são o meio de se obter a segurança de que cada membro do
grupo necessita na sua relação com os demais, pois só as mesmas permitem tornar previsível as condutas alheias
e a elas adequar condutas próprias – é a previsibilidade que confere segurança aos indivíduos e possibilita a
colaboração interindividual necessária ao alcance dos fins sociais.

Em suma:
- o Homem não vive isolado, mas em sociedade, em convivência com os outros homens - “ubi societas,
ibi ius” (onde existe uma sociedade, existe direito);
- o Homem tem um instinto para se agrupar - nas palavras de Aristóteles é um “animal social.”
- é o direito que vai “promover a solidariedade de interesses e resolver os conflitos de interesses”,
surgindo como uma ordem normativa.

Contudo, não basta que existam normas; é também necessário que se garanta a sua eficácia, isto é, que
essas normas existam e sejam respeitadas, independentemente da vontade daquelas a quem se destinam, ou pelo
menos, quando violadas seja assegurada a reparação dessa violação.

Por exemplo:
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- existe uma norma que estatui que quem compra uma coisa ou um direito tem que pagar o respectivo
preço a quem lhe vende esse bem - o art.º 874º do C. Civil define o contrato de compra e venda como “o contrato
pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”.
Se o pagamento do preço não correspondesse ao padrão normal de conduta ninguém venderia nada a
ninguém.
Todavia, a mera existência da referida norma não corresponde ao seu cumprimento por todos os seus
destinatários; muitos destes não a cumpririam, frustando-se a sua eficácia.
Daí que, existam meios de que o credor pode dispor para ver cumprida a norma em causa e ver tutelados
os seus direitos e interesses, nomeadamente, recorrendo aos tribunais, forças policiais ou militares.
Se A compra um automóvel a B, pelo preço de 5000,00 € e não paga tal preço a B, pode este obter a
condenação de A a pagar o referido montante e, em sede executiva, penhorar bens daquele (apreensão de bens).

- existe uma norma que determina que os contratos devem ser pontualmente cumpridos (art.º 406º do
C.C.) – regra “pacta sunt servanda”.
Supondo que A contrata um pianista para dar um concerto, e este no dia, hora e local acordado não
cumpre o contrato, faltando ao concerto, em face da referida norma como obrigá-lo a cumprir?
Em casos como este não se pode recorrer à execução forçada específica da prestação em si porque a
prestação do pianista é uma prestação de facto infungível.
Há, então, lugar há chamada execução não específica ou execução por sucedâneo equivalente
pecuniário – obtém-se à custa do devedor um resultado equivalente ao que se obteria se o contrato tivesse sido
cumprido, indemnizando-se as perdas e danos decorrentes do não cumprimento.

- verificado um acidente de viação, o que sucede ao veículo danificado?


Determina a lei que “todo aquele que com dolo, ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrém ou
qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos
resultantes dessa violação” (art.º 483º do C.C.).
O princípio geral da indemnização é o de que deve reconstituir-se a situação que existiria, se não se
tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.º 562º do C.C.).
Assim, a reparação do automóvel acidentado corresponde à execução específica.
Contudo, se a reconstituição natural não for possível, não reparar integralmente os danos ou for
excessivamente onerosa para o devedor há lugar à indemnização em dinheiro - a chamada execução por
sucedâneo pecuniário (art.º 566º, n.º 1 do C.C.).

Assim, a ordem jurídica é inerente a existência de garantias de eficácia dos seus preceitos, de modo a
que estes não se reconduzam a normas meramente morais ou axiológicas.
Devem antes ser aplicadas e respeitadas pelos seus destinatários, podendo para o efeito recorrer-se à
força coerciva quando não for cumprida voluntária e espontaneamente, através de órgãos do próprio Estado.

Daí que, as normas jurídicas se distingam:

a) das Leis da Natureza

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As normas jurídicas dirigem-se com carácter imperativo à vontade do homem, podendo ser, como tal,
violadas enquanto que as leis da natureza se referem, explicativamente, aos fenómenos naturais, não tendo
sentido falar-se em “obediência”.
Por outro lado, as normas jurídicas são logicamente anteriores aos actos que pretendem regular e as leis
da natureza são posteriores aos fenómenos que se destinam a interpretar e compreender.

b) das Normas Religiosas


Formalmente as normas jurídicas são criadas pelos homens para regular as relações entre eles, e as
normas religiosas são “como que” criadas por entes sobrenaturais, destinado-se a regular as relações entre o
homem e Deus, embora também regulem as relações entre os homens (não matar)

c) da Moral
A moral respeita ao conjunto de imperativos impostos ao indivíduo pela sua própria consciência ética, de
quando violados geram reprovação da própria consciência do indivíduo e é incoercível, enquanto que as normas
jurídicas são coercíveis.
Por outro lado, a moral é unilateral porque se dirige ao homem e respeita à conduta isolada do homem e
não com os demais homens, ao passo que o Direito é bilateral, estatuindo deveres e direitos e regulando as
relações entre os homens permitindo a coexistência entre eles.

 B) Sentido Subjectivo

O conceito de “Direito” pode ainda ser utilizado com outros sentidos, mormente em Sentido Subjectivo.

É o caso, de por exemplo, dizer-mos que temos um direito de propriedade sobre a nossa casa, que
comprámos regularmente e não se encontra onerada.

Neste sentido subjectivo, pretende-se referir a vantagem que a norma estatui em favor da fruição dos
bens por determinado sujeito, o poder que a cada um é conferido sobre uma coisa, com exclusão das demais
pessoas sobre essa coisa.

O proprietário de uma casa tem o direito de não ver violado, por qualquer modo, o direito de usar, fruir e
dispor dessa casa por todos os outros que não são titulares de qualquer direito sobre a mesma.

A distinção entre direito objectivo e direito subjectivo é bastante visível no direito anglo-saxónico,
nomeadamente correspondendo-lhes diferentes termos:
- “right” – direito subjectivo
- “law” – direito objectivo

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Relação do Direito com outras Ordens Normativas

O direito não é uma só ordem normativa, e não é a única ordem normativa.

Existem outras ordens normativas de cariz religioso, cariz moral, cariz natural, cariz criminoso, entre
muitas outras.

Por vezes, o âmbito dessas ordens normativas coincide, como acontece, por exemplo, com a norma que
estatui “não matarás”, que além de ser uma norma jurídica, é também uma norma moral, e uma norma de várias
religiões.

Quando o direito encontra algumas das suas normas nas referidas ordens, torna essa norma jurídica –
jurisdiciza-a.

Noutros casos, o âmbito do direito e das outras ordens é indiferente ou mesmo conflituante.

Direito e a Justiça

Os conceitos de Direito que expusemos são conceitos meramente formais, que não consideram se a
disciplina jurídica de determinado momento é:

- conveniente ou inconveniente;
- justa ou injusta
- boa ou má

Assim sucede, pois só deste modo o Direito pode ser universal.

Porém, tal não significa que o Direito não se deva nortear pelo valor da Justiça, repartindo por todos os
bens da vida.

A justiça, como diziam os Romanos, á a “constante e perpétua vontade de atribuir a cada um o que é
seu”.

Efectivamente, norteado pelo valor da justiça, consagrou o legislador constitucional, no artigo 13º da
Constituição da República Portuguesa, que:

“Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de
qualquer dever em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou
ideológicas, instrução, situação económica ou condição social”.

Trata-se de um critério de justiça material e não justiça formal.

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O Homem é um animal.

Os homens convivem, isto é, vivem conjuntamente, vivem em sociedade, e na sua vivência estabelecem
relações sociais.

Essas relações sociais geram, ou pelo menos, podem gerar conflitos de interesses, pelos quais os
interesses de uns homens se opõem aos interesses de outros homens e vice-versa.
Por exemplo, se dois homens querem passar de carro ao mesmo tempo numa ponte que só tem uma
faixa de rodagem, os seus interesses colidem, entram em conflito um com o outro.

Por outro lado, a convivência dos homens em sociedade exige:


- solidariedade
- colaboração
- divisão de trabalho, etc.

Para resolver os conflitos de interesses dos homens e ou harmonizar as suas actividades em sociedade,
são necessárias regras ou normas de conduta, isto é, tem que existir uma ordem normativa.

Tal facto verifica-se porque os homens convivem uns com os outros por necessidade e não naturalmente
e, se nascem bons são corrompidos pela sociedade (Rosseau) ou se nascem maus têm que ser corrigidos – “homo
homini lupus” (Hobbes).

Pelo que, a vida em sociedade exige sempre regras ou normas de conduta que estabeleçam limites às
liberdades individuais para que a vida em comum seja possível: a liberdade de cada homem termina onde começa
a liberdade dos outros.

Tais regras ou normas de conduta social destinadas as resolver os conflitos de interesses dos homens ou
a promover a solidariedade dos interesses humanos são normas jurídicas, ius iuris.

Em rigor, a palavra ius significa justo, dar a cada um o que é devido, ao passo que a expressão directo
derivará de directum.

Mas, existem outras ordens normativas, isto é:

A conduta social dos homens não se rege apenas por normas jurídicas, pelo Direito, pela ordem
normativa jurídica.

Efectivamente, existem outras ordens normativas de conduta, nomeadamente:

- Morais – socorrer um ferido

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- Religiosas – não matar

- de Cortesia – cumprimentar os outros

- fixadas pelos Usos – vestir de luto

- fixadas por Convenções Sociais – noivas vestirem branco, dar gorjeta ao empregado de café

Existem, ainda, ordens normativas sociais, como é o caso dos estatutos de clubes, fundações,
associações, e mesmo ordens normativas criminosas a que certos homens obedecem (mafia, al quaeda).

Contudo, hoje as normas que regulam as sociedades modernas são as leis, normas jurídicas escritas.

Direito Objectivo

As normas jurídicas distinguem-se das outras normas pelo seu carácter coactivo, ou seja,

Quem não cumpre as normas morais ou de cortesia pode sofrer uma sanção, um castigo, uma punição
psicológica, moral ou social, nomeadamente remorsos, reprovação dos outros, etc., já que a ordem moral resulta
da consciência individual, da prossecução do bem, mantendo o cumprimento dessas determinações a tranquilidade
e o seu incumprimento gera desconforto, desassossego e remorsos do faltoso.

Se a moral social coincidir com a moral do pecador, o não cumprimentos das regras morais gera
reprovação e rejeição social do pecador pelos outros.

Já se os homens não cumprirem as normas jurídicas sofrem uma sanção jurídica: por exemplo se alguém
não paga uma dívida que tem para com outrem pode ver os seus bens serem penhorados e, consequentemente,
vendidos para com o produto da venda ser pago o seu crédito.

De igual modo, se alguém mata outrem é punido com pena de prisão, ou em alguns países com pena de
morte.

Donde que, a sociedade criou meios destinados a coagir, a obrigar as pessoas a cumprir as normas
jurídicas.

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Efectivamente, não basta que existam normas destinadas a prevenir e dirimir os conflitos de interesses, é
também necessário que essas normas sejam eficazes

Ou de outro modo dito, não é suficiente que uma norma estatua que quem compra uma coisa tem que
pagar o seu preço ou que quem pedir emprestado uma coisa tenha que a devolver ao seu dono.
É também necessário assegurar que o preço da coisa seja pago ou que a coisa emprestada seja
devolvida, mesmo que contra a vontade de quem têm ou deve fazê-lo.

Assim, a eficácia das normas jurídicas é assegurada pelos “meios de tutela (protecção) do Direito”, que
fazem cumprir as normas jurídicas, exercendo coacção sobre os homens.

Logo, objectivamente, podemos definir o Direito como o “sistema de normas de conduta social com
protecção coactiva”

No que respeita à relação entre a ordem jurídica e as outras ordens normativas, o Direito encara-as e
trata-as de forma diversa, nomeadamente:

a)- assume e jurisdiciza algumas ordens normativas, incorporando-as na ordem jurídica – é o caso da
norma “não matarás” que, sendo uma norma moral e religiosa, goza de protecção coactiva, de modo que quem
mata é punido com pena de prisão -, ao passo que proíbe outras dessas normas, jurisdicizando-as igualmente – é
o caso das ordens para matar da mafia;

b)- coloca-se numa posição neutra ou de indiferença em relação à maior parte das normas de outras
ordens, nomeadamente, no que toca à ordem religiosa, de cortesia, etcc;

c)- normalmente, mantém relações próximas com as normas morais: o que em certo momento e num
dado lugar é moral, normalmente será também jurídico.

Não obstante, o Direito e a Moral não se confundem.

Na verdade, as normas morais têm relevância interior, podendo pecar-se por pensamentos, palavras ou
actos, enquanto que as normas jurídicas têm relevância exterior, e nunca são ofendidas ou violadas por
pensamentos.

Outros Sentidos do termo Direito

Podemos referir-nos a diversos sentidos, a saber:

a)- Direito Subjectivo

O direito é perspectivado de acordo com os interesses das pessoas, dos sujeitos, significando poder ou
faculdade (conferida pelo direito objectivo)

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Assim, alguém pode morar na casa que arrendou, tem o direito de morar nessa casa.
Neste caso, o direito objectivo reconhece-lhe o direito de lá morar, ao mesmo tempo que proíbe os outros
de o impedirem que exerça esse direito.

Consequentemente, podemos referir que o direito subjectivo se traduz numa situação de vantagem,
estando os outros proibidos de estorvar ou impedir que o titular deste ou daquele direito subjectivo o goze.

b)- Direitos aduaneiros, Direitos Reais, Ciência do Direito; Doutrina e Jurisprudência

O termo “direito” também se utiliza para definir institutos jurídicos:

- direitos aduaneiros – direitos pagos pelas mercadorias nas fronteiras ou aduanas;


- direitos reais – direitos das coisas ou sobre as coisas;
- direitos sucessórios – reguladores das sucessões e/ou heranças;

O Direito e a Justiça. O problema da lei injusta.

Na prevenção ou resolução dos conflitos de interesses, emergente na vida social, o Direito deve nortear-
se pelo valor da Justiça, a vontade perpétua de dar a cada um o que é seu, fixando os critérios de repartição dos
bens sociais.

Mas o Direito prossegue outros valores que não só o da Justiça, mormente, o valor da paz social, da
segurança e da certeza jurídica, o que pode gerar leis injustas em função do valor único da justiça.

Por exemplo:

- o valor da paz social pode determinar a declaração de estado de sítio, derrogando várias liberdades (de
trânsito, de associação)
- o valor da segurança jurídica gerou leis sobre a prescrição de direitos – os comerciantes devem
reclamar o preço das coisa que vendem dentro de determinado tempo – 6 meses – sob pena de os seus direitos
prescreverem, e se eternizarem situações de dívida, com a dúvidas e incertezas a elas inerentes. Neste caso,
podem ter que tolerar-se certas injustiças (quanto aos comerciantes) para evitar injustiças maiores (J. Rawls).

Direito, Estado e sociedade. As modernas teorias sobre a intervenção do Estado na sociedade.

Porque ubi societas ibi ius, existirão tantos direitos objectivos quantas forem as sociedades.

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A forma de sociedade mais importante é o Estado: sociedade politicamente organizada, fixada em certo
território privativo, com soberania e independência.

Cada Estado tem o seu direito.

Sendo o Estado a forma de sociedade mais importante, o direito estadual é a forma de direito mais
importante, mas não a única.

Com efeito, dentro dos Estados existem outras sociedades, como por exemplo a Ordem dos Advogados,
os clubes desportivos, os partidos políticos, que se regem por leis próprias, os estatutos, mas conformes às leis
gerais dos respectivos países.

Outras sociedades não se inserem neste ou naquele Estado, regendo-se por ordens jurídicas autónomas:
a Igreja rege-se pelo Direito Canónico e a sociedade internacional pelo Direito Internacional Público.

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ELEMENTOS DO CONCEITO DE DIREITO

I) Elementos do conceito de Direito

Como vimos já, podemos definir o Direito, em sentido objectivo, como o “sistema de normas de conduta
social, assistido de protecção coactiva”.

Desta noção podem retirar-se três características fundamentais:

1) Sistema
2) Norma
3) Protecção Coactiva

1) Sistema Jurídico

O Direito surge como um conjunto de normas que se relacionam e harmonizam entre si, reguladoras da
vida social, que formam um sistema, uma ordem, a chamada ordem jurídica.

Esse sistema jurídico é caracterizado pela coercibilidade ou possibilidade de protecção coactiva, ou seja,
pela existência de um conjunto de meios que permite assegurar o cumprimento e o respeito das normas jurídicas,
mesmo que contrárias à vontade dos seus destinatários.

Porém, qual é o âmbito de aplicação do sistema jurídico, o âmbito de aplicação do direito?

Logicamente o âmbito de aplicação do sistema jurídico não é ilimitado, de modo a cercear totalmente a
liberdade das pessoas.

Efectivamente, o sistema jurídico actua:

a) ao impor condutas, quer positivas (quando preceitua), quer negativas (quando proíbe).
Quando impõe condutas o direito está limitado pelo âmbito da imposição em causa, em face do princípio
da liberdade, segundo o qual é lícito tudo o que não for proibido;

b) ao permitir - esta permissão traduz-se na mera possibilidade de agir materialmente ou na permissão de


estatuir regras que pelas quais se pautem as condutas - a chamada autonomia da vontade.
Por exemplo, a lei permite usar as coisas que nos pertencem, mas também permite que as partes quando
contratam umas com as outras estabeleçam as regras que regulem a sua composição de interesses.
Mas aqui coloca-se a questão de saber se as pessoas podem ilimitadamente querer sujeitar ou não
sujeitar à tutela do direito os acordos e contratos que celebrem entre si.

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Como princípio geral tal opção não recai sobre o poder de vontade das pessoas, sendo que, em regra, os
acordos entre pessoas sobre os seus interesses e conduta futura são tutelados pelo direito.

Ao lado destes acordos ou contratos podem as partes celebrar simples acordos que não têm tutela
jurídica:
- os chamados acordos de cavalheiros - gentlemen’s agreements – A empresta a B 1000 €, tendo este
que restituir tal montante a título de compromisso de honra;
- os negócios de pura obsequidade – A convida B para passear, o que este aceita, contudo se A faltar
não tem que indemnizar B, pois esse acordo não é juridicamente vinculante.

Caracterizador do sistema jurídico é também o princípio da plenitude da ordem jurídica.

Com este princípio não quer significar-se que o legislador vazou em normas jurídicas todos os casos
possíveis e respectivas soluções jurídicas.

Tão só se explicita que dos princípios que enformam o sistema jurídico, dada a sua generalidade, se
podem extrair as soluções para a maioria das questões jurídicas não previstas positivamente e, bem assim, se
podem resolver os casos não previstos directamente na lei, através da integração de lacunas, nos termos do art.º
10º do C. Civil, dado que o tribunal não pode ficar-se por um “non liquet”.

Na verdade, consagra o artigo 8º, n.º 1 do C.C. que “o tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a
falta ou a obscuridade da lei ou invocando dúvida insanável acerca dos factos em litígio”.

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2) A Norma Jurídica

Ao considerar-mos o elemento norma jurídica temos que distinguir:

a) norma jurídica em sentido estrito


b) norma jurídica em sentido lato

a) Norma Jurídica em sentido Estrito

 Conceito e Estrutura

Quando falamos em norma jurídica somos tentados a identificá-la com o termo disposição, preceito, ou
mesmo lei.

Em sentido restrito e próprio ou stricto sensu, a norma é um elemento da ordem jurídica, e traduz-se na
“ligação de uma estatuição à previsão de um evento ou situação”.

Isto é, as normas jurídicas, enquanto normas de conduta social, prevêem as situações que visam regular
e fixam as condutas que querem que sejam observadas.

Na sua função perfeita, a estrutura da norma jurídica compõe-se de três elementos:


- Previsão
- Estatuição
- Sanção - sanção coactiva - apenas este elemento é privativo da norma jurídica.

Previsão

A previsão corresponde ao acontecimento ou estado de coisas que se prevê na norma – é a


factispécie ou Tatbestand.

Com efeito, toda e qualquer norma jurídica prescreve padrões de conduta adequados subsumir às
situações futuras, sendo que a previsão consubstancia uma “representação dessa situação futura”.

Tal situação da vida, geralmente, é caracterizada de forma geral e abstracta, a subsumir a casos
concretos futuros, com vista a contemplar todas as situações futuras.

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Não obstante essa previsão ser geral e abstracta, podem existir normas cuja previsão seja um facto
futuro singular e concreto, como por exemplo as seguintes normas:
- “quando morrer o Chefe de Estado do país Y”
- “quando vagar o lugar de escrivão do Tribunal de Leiria ser extinto esse lugar”.

Exemplo de previsão – Artigo 1323º, n.º 1 C.C.:

“Aquele que encontrar animal ou outra coisa móvel perdida e souber a quem pertence deve restituir o
animal ou a coisa a seu dono ou avisar este do achado”

Estatuição

A estatuição corresponde às consequências jurídicas que se estatuem para o caso de a previsão se


verificar – é o efeito jurídico.

Na verdade, toda a norma faz corresponder à respectiva previsão uma estatuição, ou seja, a necessidade
de uma conduta.

Essa necessidade de conduta designa-se, em relação a cada pessoa a quem se dirige, dever ou
obrigação em sentido amplo.

Em toda a norma jurídica a estatuição é sempre geral e abstracta, sob pena de se tratar de um mero
preceito singular e concreto.

Exemplo de estatuição – Artigo 1323º, n.º 1 C.C.:


“Aquele que encontrar animal ou outra coisa móvel perdida e souber a quem pertence deve restituir o
animal ou a coisa a seu dono ou avisar este do achado”

Sanção

A sanção pode ser entendida como um elemento da norma jurídica, ou no entender do Professor Castro
Mendes, como um elemento do sistema jurídico.

As normas são jurídicas porque integram o sistema jurídico, sendo que o sistema é jurídico porque
comporta meios de coacção.

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 Caracteres da Norma Jurídica

São características da norma jurídica:

1) Bilateralidade
Esta característica traduz-se no facto de a prescrição que a norma jurídica contém ter sempre dois
destinatários:
- por um lado, o titular do direito
- por outro lado, o sujeito do dever

Esta característica não é aceite por todos.

2) Imperatividade

A imperatividade traduz-se na estatuição ou comando que a norma contém – dar uma ordem e não
conselhos ou recomendações.

Na verdade, a norma jurídica exprime sempre uma ordem ou um comando, seja para permitir, seja para
proibir, seja simplesmente para declarar.

Daí que se diga que a norma jurídica é imperativa.

Por exemplo, o texto de uma lei científica limita-se a verificar factos ou descrevê-los, exprimindo meros
juízos de existência, enquanto que as normas jurídica, existindo para disciplinar condutas humanas, impõem aos
seus destinatários determinados comportamentos.

3) Violabilidade

Dirigindo-se a norma a pessoas livres, pode a mesma ser violada pelos seus destinatários, ou seja,
padece a mesma da susceptibilidade de ser violada ou não acatada.

4) Generalidade e Abstracção

Abstracção

A abstracção contrapõe-se ao concreto

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A norma prevê a conduta de forma abstracta, indicando um padrão ou modelo de conduta, determinada
por características fundamentais, mas não particularíssimas, ou seja, a norma abstrai-se das particularidades do
caso concreto e das pessoas a quem vai aplicar-se em cada momento, reportando-se sempre a um tipo mais ou
menos amplo de situações - não considera as relações individualmente.

Assim, não regula directamente o contrato celebrado entre A e B em determinado momento e em


determinado lugar, ou a situação de D ou E.

Com efeito, o Direito traduz-se em regras de conduta válidas para uma generalidade de situações.

Pelo que, ao legislar, tem sempre que se generalizar, abstraindo-se de circunstâncias variáveis,
contingentes, individuais, subjectivas e elevar-se a uma abstracção.

Generalidade

A generalidade contrapõe-se à individualidade – é geral o preceito respeitante aos cidadãos, individual o


preceito respeitante ao cidadão X.
A norma também prevê as condutas de forma geral, dado que se destina a uma generalidade de pessoas
e não a uma única pessoa concreta – é a chamada generalidade horizontal (as normas aplicam-se
simultaneamente a todos os que estão em certa situação).

Mesmo que as normas se apliquem sempre a uma só pessoa, com é o caso da normas que regem a
actuação do Presidente da República, elas aplicam-se a quem quer que no momento ocupe esse cargo – é a
chamada generalidade vertical (as normas aplicam-se sucessivamente a A, depois a B, depois a C, etc.).

As estatuições concretas e singulares, que se dirigem a uma só pessoa e lhe fixam determinada conduta
designam-se preceitos singulares e concretos - é o caso da sentenças condenatórias judiciais ou dos preceitos
fixados por negócio jurídico, nomeadamente por meio de contrato.

5) Coercibilidade

Mas as características referidas não distinguem as normas jurídicas das demais normas de conduta
social, mormente, das normas religiosas, morais ou de cortesia – todas essas normas são imperativas, gerais e
abstractas.

Ora, é a coercibilidade que confere especificidade à norma jurídica.

A coercibilidade traduz-se na possibilidade de usar a força para impedir e reprimir a violação da norma
(protecção coactiva: protecção coactiva preventiva e sanção coactiva), sendo verdadeiramente um elemento do
sistema e não da norma.

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É a coercibilidade que distingue os ditos tipos de normas, isto é, a diferente natureza da sanção
correspondente à sua violação.

Quem infringe uma norma religiosa, moral ou de cortesia tem normalmente uma sanção interior ou
psíquica (remorso, reprovação da sociedade).

Por seu lado, quem viola uma norma jurídica é sancionado através de órgãos especiais pela aplicação,
por exemplo, de penas de prisão, pagamento de multas, indemnizações, etc, recorrendo-se caso necessário ao
emprego da força física.

Donde que, a norma jurídica é acompanhada da susceptibilidade de ser imposta pela força, nisto
consistindo a sua coercibilidade.

A coercibilidade não se manifesta necessariamente em coerção efectiva, ou seja, o que se afirma de


essencial no Direito é a coercibilidade ou coactividade e não a coacção – a possibilidade de emprego da força e
não o emprego efectivo dessa força.

Tanto mais que felizmente a maior parte da proibições legais (por exemplo, matar, furtar, roubar) são
acatadas pelas pessoas, o mesmo se verificando em relação ao cumprimento pontual dos contratos celebrados
prescrito no C. Civil (art.º 406º).

Assim, a coercibilidade é apenas um meio de o Direito se afirmar (frequentemente as normas são


respeitadas pelos seus destinatários).

Por outro lado, a coercibilidade tem que ser entendida como um possibilidade jurídica ou ideal e não
como uma possibilidade de facto.

Por exemplo, quando se mata uma pessoa já não se pode restituir-lhe a vida; quando se contrata uma
pessoa para pintar um quadro e ela não o faz, não se pode pegar na sua mão e obrigá-lo a fazê-lo.

Nesses casos, a possibilidade jurídica da coercibilidade não se transforma em possibilidade de facto, pela
própria natureza das coisas.

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b) Norma Jurídica em sentido Lato

 Preceito, Disposição

O conteúdo do sistema jurídico é formado por normas em sentido estrito.

A norma jurídica em sentido lato ou lato sensu corresponde ao elemento autónomo da forma porque
aparece a ordem jurídica, designadamente os textos legais.

Considerado o âmbito das normas lato sensu podemos distinguir ou classificar as normas jurídicas em:

1) normas éticas e normas técnicas;

2) normas de estatuição material e normas de estatuição jurídica;

3) normas imperativas ou injuntivas, permissivas, supletivas e interpretativas;

4) normas ordenadoras e normas sancionatórias;

5) normas directas e indirectas;

6) normas completas e normas incompletas;

7) normas gerais, excepcionais e especiais

8) normas universais gerais e locais

9) Normas de Interesse e Ordem Pública e Normas de Interesse e Ordem Particular

10) Norma Perfeita, Norma Imperfeita, Norma Mais e Menos que Perfeita

1) Normas Éticas e Normas Técnicas

Existem normas lato sensu que não são normas éticas, nem normas técnicas como é o caso das normas
permissivas.

A norma ética é norma stricto sensu: em face da situação x deve adoptar-se a conduta y, porque a ordem
jurídica o comanda; o acto que a ordem jurídica comanda surge como um dever para o destinatário da norma,
sendo o acto contrário a esse comando ilícito, em regra geral cominado com a consequente sanção jurídica.

Existem outras normas que perante a previsão estabelecem uma conduta como necessária apenas para
determinado fim, que é indiferente para o direito ser ou não prosseguido.
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É o caso do art.º 875º do C. Civil que prescreve que “o contrato de compra e venda de imóveis só é
válido se for celebrado por escritura pública”.
Assim, todo aquele que quiser celebrar uma compra e venda de um imóvel de forma válida e eficaz tem
que fazê-lo por meio de escritura pública, sendo que o fim desse negócio é indiferente para o direito.
A conduta não é necessária em absoluto, mas surge como um meio de realizar um certo fim; pelo que já
não estamos perante um dever, mas face a um ónus, ou seja, a necessidade de uma conduta não em absoluto,
mas como meio de atingir certo fim, em si mesmo indiferente para direito.
Se as partes não celebrarem a referida compra e venda do imóvel através de escritura pública o acto não
é ilícito, é ilegal, apenas determinando uma desvantagem para quem o celebrou, a nulidade por falta de forma.

2) Normas de Estatuição Material e Normas de Estatuição Jurídica

Existem normas projectam o seu comando sobre a vida social: a sua estatuição reporta-se a actos dessa
vida, como por exemplo não matar, entregar o achado. Tratam-se de normas stricto sensu ou normas de estatuição
material.

Além dessa normas, temos normas lato sensu cujo conteúdo se esgota no plano jurídico – normas de
estatuição jurídica -, e que reflexamente se vão traduzir em normas de estatuição ou conteúdo material.

Por exemplo, o art.º 130º do C.C. prescreve que.


“Aquele que perfizer dezoito anos de idade adquire plena capacidade de exercício de direitos, ficando
habilitado a reger a sua pessoa e a dispor dos seus bens”.

Perante a previsão desta norma – completar dezoito anos de idade – estatui-se algo sob a forma de
consequência jurídica, a aquisição de plena capacidade de exercício de direitos, habilitação para reger a sua
pessoa e dispor dos seus bens.
Reflexamente, a norma tem corolários permissivos – aquele que perfaz dezoito anos de idade pode
livremente celebrar actos jurídicos – e imperativos – ninguém se deve opor a que aquele que perfaz dezoito anos
de idade celebre actos jurídicos.
Trata-se de normas de estatuição jurídica.

3) Normas Imperativas ou Injuntivas: Preceptivas, Proibitivas e Permissivas e Normas Facultativas:


Dispositivas, Interpretativas e Supletivas

As normas lato sensu podem ser:

- imperativas ou injuntivas
- facultativas
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- permissivas
- supletivas
- interpretativas

Norma Imperativa, Injuntiva ou Cogente

É a norma que impõe um dever, que impõe uma determinada conduta aos seus destinatários (aqueles
que se encontram na situação nelas prevista) – é a norma stricto sensu.

A conduta imposta pode ser positiva – uma acção -, ou negativa – uma omissão.

Logo, quando ocorrer a previsão da norma, a conduta que a mesma estatui é obrigatória para os seus
destinatários.

São “comandos ou proibições que visam interesses gerais ou interesses individuais muito fortes e, por
isso, querem ser acatadas a todo o custo.”

As normas imperativas/injuntivas, enquanto regras de conduta, podem dividir-se em:

- preceptivas – são aquelas normas em que a conduta que se impõe (ou que impõem uma conduta) é um
comportamento positivo, uma acção, um facere, como sucede com:
- a obrigação de restituição de animal ou coisa encontrada ao seu dono ou anúncio do achado
(art.º 1323º, n.º 1 do C.C.);
- a obrigação de sujeitar a escritura pública a compra e venda de imóveis (art.º 875º do C.C.);
- obrigação de prestação alimentos do pai ao filho;
- obrigação de restituição de juros no mútuo;
- obrigação de cumprir serviço militar

- proibitivas – são aquelas normas cuja conduta se impõe (ou que impõem uma omissão) se traduz num
comportamento negativo, uma omissão ou abstenção, um non facere - os negócios celebrados contra normas
imperativas são nulos (art.º 294º do C.C.) -, como é o caso de:
- proibição do sócio de uma sociedade se servir das coisas sociais para fins estranhos à
sociedade sem o consentimento unânime dos demais sócios (art.º 989º do C.C.);
- normas que proíbem a prática de crimes – não matar, furtar, violar a honra;
- norma que proíbe a venda de pais a filhos ou avós a netos, sem consentimento dos demais
filhos ou netos (art.º 877º do C.C.).

- permissivas - traduz-se na norma que estatui uma permissão, uma faculdade, uma possibilidade jurídica
de acção ou resultado, ou seja, permite uma conduta:
- regra que autoriza a feitura de testamentos

A permissão pode ser:


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- pura – dirigida a actos materiais – possibilidade do usufrutuário procurar águas subterrâneas por
meio de poços, minas ou outras escavações em benefício do prédio usufruído (art.º 1459º, n.º 1, do
C.C.);

- concessão de autonomia da vontade para produção de efeitos jurídicos – possibilidade de todos os


indivíduos que a lei não declare incapazes para testar (art.º 2188º do C.C.).

Norma Facultativa

As normas facultativas são aquelas que regulamentando embora certas situações, não se impõem
obrigatoriamente, limitando-se a conceder certas faculdades ou contendo um comando que os particulares podem
livremente afastar.

As normas facultativas podem subclassificar-se em:

a)- normas dispositivas


b)- normas interpretativas
c)- normas supletivas

a)- Normas Dispositivas

São as que se limitam a conceder certos poderes ou faculdades, deixando ao arbítrio do indivíduo
praticar ou não praticar certos actos.

“Não constrangem absolutamente o querer dos indivíduos”.

Exemplos:
- art.º 950º do C.C. que permite receber doações a todos os que não estejam especialmente inibidos de
as aceitar por disposição da lei;
- art.º 1698º daquele código permite fixar em convenção antenupcial o regime de bens do casamento;
- art.º 2188º do C.C. que permite fazer testamento a todos os indivíduos que a lei não declare incapazes
de o fazer

b)- Normas Interpretativas


Destinam-se a fixar o sentido de certas expressões pouco claras usadas pelo legislador, ou pelos
particulares nos seus actos jurídicos.

Ou seja, são as normas que esclarecem o sentido de outra disposição jurídica, mormente da lei ou de
negócio jurídico.

Donde que, existem:

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- normas interpretativas de lei – é o caso das definições legais vazadas nos artigos 349º do C.C.
(“presunções são as ilacções que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto
desconhecido”), 874º do C.C. (“Compra e venda é contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou
outro direito, mediante um preço”); são coisas imóveis os prédios rústicos e urbanos, as águas, as árvores (art.º
204º do C.C.); das enunciações legais – art.º 1º, n.º 1 (“são fontes imediatas do direito as leis e as normas
corporativas”).
- normas interpretativas de negócio jurídico – é o caso das normas de interpretação do negócio jurídico
previstas nos artigos 236º e segs. do C. Civil, das normas de interpretação do testamento dos artºs 2187º, 2262º
do C.C.;

Imagine-se que num testamento se diz o seguinte:


“Deixo todos os meus bens a António, a Carlos e aos filhos de Manuel”.

Esta declaração pode ser interpretada de duas formas:


- os filhos de Manuel recebem no seu conjunto uma parte igual à de António e Carlos;
- os bens objecto do testamento devem ser repartidos em partes iguais por António, Carlos e cada um
dos filhos de Manuel;

Para dilucidar eventuais dúvidas interpretativas, o art.º 2227º do C. Civil, que é uma norma interpretativa
dispõe que:
“Se o testador designar certos sucessores individualmente e outros colectivamente, são estes havidos por
individualmente designados”.

Vale então a interpretação referida em segundo lugar.

c)- Normas Supletivas

São as normas que se aplicam aos negócios jurídicos no caso de as partes aquando da sua celebração
não haverem excluído a sua aplicação ou não haverem previsto o regime a aplicar em determinada situação.

Ou seja, destinam-se a suprir a falta ou insuficiência de manifestação de vontade dos indivíduos,


relativamente a certos assuntos que necessitam de disciplina jurídica.

Assim sucede, porque as partes, em regra, não regulam de forma completa e minuciosa todos os
aspectos do contrato que celebram e, nestes casos, o legislador prescreve um conjunto de normas que colmatam
as insuficiências da regulamentação dos interesses das partes.

Exemplos:

- quando alguém celebra um contrato de arrendamento com outrém, se nada for estipulado quanto ao dia
em que se vence e deve ser paga a renda, determina a lei que a primeira renda se vence no dia da celebração do

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contrato de arrendamento e que as restantes se vencem no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele
a que respeita (art.º 20º do RAU).
- se dum contrato emergir a obrigação de pagar um montante pecuniário e nada for estipulado quanto ao
lugar onde deve ser cumprida essa obrigação, a prestação deve ser efectuada no domicílio do credor (art.º 772º,
n.º 1 do C.C.)
- se num contrato de compra e venda as partes nada estipularem quanto ao momento e lugar do
pagamento do preço da coisa vendida, deve esse preço ser pago no momento da entrega da coisa vendida e no
lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento (art.º 885º, nºs 1 e 2 do C.C.).

Não tendo as partes manifestado uma vontade contrária à prescrição legal, a norma supletiva tem o
mesmo valor que as outras normas, de forma se for aplicável a um determinado caso (em consequência da
vontade das partes), o seu cumprimento já não depende de vontade das partes.

A norma supletiva não se confunde com a norma cuja previsão contém elementos que dependem de
vontade das partes.

Por exemplo, as normas que regulam o regime pessoal do casamento são normas imperativas; porém,
apenas se aplicam, e de forma imperativa e sem possibilidade de afastamento, se as pessoas casarem, o que são
livres de fazer.

Neste caso, a vontade das partes recaiu sobre a previsão e não sobre a estatuição da norma, sobre a sua
aplicabilidade.

Estamos perante uma norma supletiva quando o texto legal contenha expressões do seguinte tipo: “na
falta de convenção em contrário”, “excepto se o próprio contrato o dispensar”, na falta de indicação em contrário”,
“na falta de estipulação das partes”, etc.

Existem situações em que o legislador afasta a possibilidade de normas supletivas, nomeadamente


quando utiliza a expressão “não obstante convenção em contrário”,. Como ilustra o artigo 1037º, n.º 1, do C.C. –
“não obstante convenção em contrário, o locador não pode praticar actos que impeçam ou diminuam o gozo da
coisa pelo locatário, com excepção dos que a lei ou os usos facultem ou o próprio locatário consinta em cada caso,
mas não tem obrigação de assegurar esse gozo contra terceiros”.

Mas qual a razão da existência de normas supletivas?

As normas supletivas podem basear-se em dois fundamentos:

- fundar-se na vontade comum e conjectural das partes, isto é, o legislador entende que a sua
disciplina corresponde ao a generalidade das pessoas quereria naquele caso e que provavelmente
as partes adoptariam se tivessem previsto a situação em causa;
- fundar-se na maior justiça da solução;

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4) Normas Ordenadoras e Normas Sancionatórias

Quando a norma jurídica é completa, a mesma é composta por previsão, estatuição e sanção,
designando-se por normas ordenadoras.
A sanção decorre da existência de outras normas jurídicas, normas estas denominadas normas
sancionatórias.

Supondo a seguinte norma “Se alguém tiver a possibilidade de furtar algo, não furte, aliás será
condenado numa pena criminal”, a sanção resulta da existência de normas que impõem às autoridades do Estado
do dever de condenarem quem saibam que furtou. Tais normas de imposição são normas sancionatórias em
relação à norma que proíbe o furto e são normas ordenadoras em relação às normas que a normas que
sancionam o comportamento ilícito das pessoas que ocupam o lugar de autoridades do Estado: se estas
autoridades tiverem conhecimento de um furto e não o punirem incorrem em sanções disciplinares as quais
constituem normas (normas do Conselho Superior de Magistratura).

Exemplo de outra norma sancionatória é o art.º 483º do C. Civil, nos termos do qual “aquele que
culposamente causou prejuízo a outro (violando a norma ordenadora que proíbe causá-los) é responsável pelos
mesmos.

5) Normas Directas e Normas Indirectas

Normas Directas

São as normas cujos destinatários têm intervenção na vida social, aplicando-se à resolução de problemas
da vida.
É o caso da generalidade das normas do Código Civil.

Normas Indirectas

Também designadas por normas instrumentais, são as normas que se destinam aos que têm como
função aplicar as normas jurídicas e resolver questões de direito, aplicando-se em concreto à resolução de
problemas jurídicos, com carácter específico.
É o caso do art.º 9º, n.º 3 do C. Civil, que é uma norma sobre interpretação (diferente de norma
interpretativa):
“Na fixação do sentido da lei, o interprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais
acertadas e soube expressar o seu pensamento em termos adequados”.

Podem ser de várias categorias:

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- Normas Remissivas
Correspondem às situações em que a própria lei determina que ao caso concreto em causa se aplicam as
normas previstas para outro problema de direito, isto é, remete-se a solução do problema para essas normas.
Por exemplo, o contrato de permuta ou troca é um contrato que não tem regulação específica no Código
Civil, não significando tal facto que o mesmo não seja tutelado juridicamente.
Efectivamente, tal contrato é um contrato que se subsume no art.º 939º do C.C., que considera aplicáveis
as normas da compra e venda aos contratos onerosos pelos quais se alienem bens ou se estabeleçam encargos
sobre eles, na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as
disposições legais respectivas, o que sucede no caso da permuta.
O art.º 939º do C.C. é uma norma indirecta pois orienta o jurista na solução de problemas relativos ao
contrato de permuta.
A remissão pode ser material, isto é, quando se remete para outra norma em função do seu conteúdo,
como se verifica frequentemente no domínio dos negócios jurídicos, ou pode ser formal quando se remete para
outra norma porque é essa norma que em determinado momento regula um problema em concreto, como sucede
no âmbito da lei.

- Normas de Aplicação das Leis no Tempo

- Normas de Direito Internacional Privado

6) Normas Completas e Normas Incompletas

Normas Completas

São aquelas que podem produzir efeitos jurídicos só por si e contêm em si uma valoração jurídica
imperativa ou permissiva.

Normas Incompletas

São aquelas que não produzem efeitos só por si, tendo que ligar-se a outras normas.
É o caso das definições legais – o art.º 940º define o contrato de doação -, das classificações legais e
enumerações legais de tipos.

7) Normas Gerais, Excepcionais e Especiais

a)- Normas Gerais


São as normas que constituem o regime regra (a regra geral) aplicável à generalidade de situações ou
relações jurídicas de um determinado tipo; traduzem os princípios fundamentais do sistema jurídico, sendo a regra
das relações que regulam.
Exemplo: norma que diz que a validade dos contratos não depende de formalidade alguma externa

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b)- Normas Excepcionais
São as normas que, disciplinando um sector restrito de relações, consagram uma regulamentação oposta
à contida nas normas gerais; regulam determinado sector restrito de relações com características particulares, pelo
que fixam disciplina oposta à que vigora para a generalidade das relações desse tipo – o regime-regra.

Exemplo:
- o art.º 219º do C.C. estabelece o princípio da liberdade de forma, prescrevendo que “a validade da
declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir” – trata-se de uma
norma geral.
Porém, o art.º 875º do C.C. estatui que “o contrato de compra e venda de imóveis só é válido se for
celebrado por escritura pública”, ao passo que o art.º 1143º do mesmo código prescreve que “o contrato de mútuo
de valor superior a ___ só é válido se for celebrado por escritura pública, e o de valor superior a __ se o for por
documento assinado pelo mutuário” – são normas excepcionais.

c)- Normas Especiais


São as normas de direito especial que regulam um grupo mais ou menos restrito de casos, consagrando
uma disciplina que constitui um simples desvio ou complemento das normas gerais, sem que directamente as
contrariem; regem um sector restrito de casos de forma diferente do regime-regra aplicado a casos idênticos mas
que não se opõe directamente ao regime-regra.

Exemplos:
- norma que diz que os casamentos celebrados sem convenção antenupcial ficam sujeitos ao regime da
comunhão de adquiridos.
- normas especiais da compra e venda (art.º 874º a 935º do C.C.);
- normas especiais da doação (artºs 940º a 979º do C.C.)

Esta distinção tem grande relevo ao nível da integração das lacunas da lei:

- o art.º 11º do C.C. proíbe a aplicação por analogia das normas excepcionais aos casos que não
estiverem directamente previstos por elas – nesses casos só se pode recorrer às normas gerais ou normas
especiais.

8) Normas Universais Gerais e Locais

As normas universais ou de direito universal são aquelas que se aplicam a todo o território de um país, o
que se verifica em relação à generalidade das normas.

As normas locais ou de direito local são as que se aplicam apenas a uma certa fracção do território do
Estado, em certa região ou localidade, como é exemplo as normas camarárias ou regulamentos das polícias
distritais.

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Em caso de conflito entre uma norma universal e uma norma local prevalece esta última.

9)- Normas de Interesse e Ordem Pública e Normas de Interesse e Ordem Particular

As Normas de Interesse e Ordem Pública regulam os altos interesses sociais, como é o caso da norma
que impedem os pais de casarem com as filhas, sob pena de nulidade, não podendo a sua aplicação ser afastada
pelos particulares.

As Normas de Interesse e Ordem Particular regulam interesses dos particulares, podendo ser afastadas
pelos interessados – por exemplo a lei diz onde se deve cumprir certo contrato, mas as partes podem fixar um
lugar diferente do indicado na lei para o efeito.

10) Norma Perfeita, Norma Imperfeita, Norma Mais e Menos que Perfeita

Norma Perfeita ou Lex perfecta


É aquela que tem como sanção a nulidade.

Norma Menos que Perfeita ou Lex minus quam perfecta

É aquela cuja sanção é outra que não a nulidade.

Norma Mais que Perfeita ou Lex magis quam perfecta

É aquela que tem como sanção a nulidade; à qual acresce uma outra sanção.

Norma Imperfeita ou Lex imperfecta

É a norma que não tem sanção.

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PROTECÇÃO COACTIVA: A SANÇÃO

A protecção coactiva traduz-se na protecção pela força, se necessário, das normas jurídicas, não só após
a violação dessas normas, mas também antes, com vista a prevenir a sua violação.

A coercibilidade consiste, precisamente, na possibilidade/susceptibilidade de aplicar sanções, pela força


se necessário for.

Desde logo, temos que a protecção coactiva, isto é, os meios adoptados em defesa da ordem jurídica
podem ser, fundamentalmente, de duas espécies.

Por um lado, a Protecção Repressiva ou os Meios Repressivos.


Esta protecção assume a forma de sanção, a sanção coactiva e pressupõe que a violação já foi praticada
ou visa a imposição coactiva do próprio preceito infringido.

Por outro lado, a Protecção Preventiva ou os Meios Preventivos.


Afasta o perigo mais ou menos iminente da ilicitude e evita a sua consumação.

Num Estado de Direito Democrático, os actos de coerção, quer preventivos, quer sancionatórios competem a
entidades públicas – Administração Pública e Tribunais.

Assim, consoante a qualidade do seu agente protector, a protecção coactiva ou a tutela dos direitos pode
ser:

I) Justiça Privada, Autotutela ou Tutela Privada do Direito, também designada por autodefesa, autotutela,
“justiça pelas próprias mãos”

Neste caso, é o próprio titular do direito ameaçado, ofendido ou violado que reage por sua força e
autoridade contra tal ameaça, ofensa ou violação.

É o particular que realiza o Direito.

Este tipo de justiça foi exclusiva dos tempos bárbaros e, além de ter a vantagem de evitar as delongas
dum processo judicial, tem inúmeros inconvenientes. Fomenta lutas, perturbação, etc.

II) Justiça Pública ou Tutela Pública do Direito

Corresponde à reacção através da força pública, da acção dos tribunais, mediante pedido dos
interessados, às ameaças, ofensas ou violações de normas jurídicas.

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Legalmente, a autotutela ou tutela privada, definida e assegurada pelos próprios particulares, só em
casos muito excepcionais não é proibida.

Com efeito, o art.º 1º do C.P.C. determina o princípio geral da proibição da autodefesa, dispondo que:

“A ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, salvo nos casos
e dentro dos limites declarados na lei”.

Assim, a tutela pública do direito assume-se como regra geral, garantindo a paz jurídica e a justiça social
(art.º 1º, 1ª parte do C.P.C).

Incumbe ao Estado, através dos tribunais, “órgão de soberania a quem compete administrar a justiça em
nome do povo”, incumbindo-lhe “assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”
(art.º 202º da C.R.P.), reconhecer aos cidadãos o direito de acção, isto é, conceder a todo o titular do direito
violado a providência necessária à reintegração efectiva desse direito, pois que:

“A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo
reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os
procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção” (art.º 2º, n.º 2 do C.C.).

Por seu lado, a autotutela ou tutela privada tem carácter excepcional, admitido-se, nomeadamente nos
casos em que se não fosse usada a ofensa seria maior do havendo tutela privada, isto é, baseia-se na necessidade
de agir rapidamente sob pena de não se realizar o direito (art.º 1º, 2ª parte, do C.P.C.).

A autodefesa deve ser seguida do recurso aos meios coercivos normais, procedimentos cautelares e
acção subsequente, a intentar no prazo fixado na lei para consolidação das providências cautelares decretadas
pelo tribunal.

Nos termos legais, a tutela privada é lícita e legítima nas seguintes situações:

a)- acção directa


“É lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito quando a acção directa for
indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a
inutilização prática desse direito , contanto que o agente não exceda o que for necessário para evitar o prejuízo”,
não sendo lícita quando sacrifica interesses superiores aos que o agente visa assegurar ou realizar (art.º 336º, nºs
1 e 3 do C.C.).

b)- legítima defesa


“Considera-se justificado o acto destinado a afastar qualquer agressão actual e contrária à lei contra
pessoa ou património do agente ou de terceiro, desde que não seja possível fazê-lo pelos meios normais e o

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prejuízo causado pelo acto não seja manifestamente superior ao que pode resultar da agressão (art.º 337º, n.º 1
do C.C.).

A defesa é legítima quando concorrem os seguintes pressupostos:

- agressão ilegal;
- em execução ou iminente;
- contra a pessoa ou património do agente ou de terceiro;
- impossível recorrer à força pública;
- existir racionalidade dos meios empregues

Exemplo: A está a ser agredido por B, que o atinge com um tiro, e começa a cambalear, dirigindo-se a B
com uma faca, mas já muito diminuído fisicamente. Se B volta a carregar a arma e dispara de novo contra B, que
se encontra ainda longe, matando-o não há legítima defesa, porque falta o requisito da actualidade – não havia
condições para a agressão continuar.

c)- erro acerca dos respectivos pressupostos


“Se o titular do direito agir na suposição errónea de se verificarem os pressupostos que justificam a acção
directa ou a legítima defesa, é obrigado a indemnizar o prejuízo causado, salvo se o erro for desculpável (art.º 338º
do C.C.)

d)- estado de necessidade


“É lícita a acção daquele que destruir ou danificar coisa alheia com o fim de remover o perigo actual de
um dano manifestamente superior, quer do agente, quer de terceiro” (art.º 339º, n.º 1 do C.C.)

Exemplo: condutor que realiza uma manobra de salvamento não é responsável pelos danos em coisas,
decorrentes da colisão dos veículos, quando essa manobra pretendeu evitar o atropelamento de uma criança ou
desviar-se de um ciclista.
A manobra realizada na condução tem que ser o meio adequado a afastar o perigo imediato de uma
colisão ou atropelamento, não removível de outro modo, e para o qual nada concorreu o condutor em causa, não
sendo previsível a produção de evento com igual ou superior gravidade.

Exemplo: aquele que para escapar a um incêndio arromba a porta de uma habitação alheia

CASOS EM QUE É LÍCITO RECORRER À JUSTIÇA PRIVADA (art.º 1º, parte final do C.P.C.)

A)- ACÇÃO DIRECTA (art.º 336º do Código Civil):

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A licitude da conduta do agente, ao abrigo da acção directa, que reage contra a violação da norma e
defesa de um direito depende de vários requisitos cumulativos, nomeadamente previstos no n.º 1 do art.º 336º do
C.C.:

1º) recurso à força;


2º) fim de assegurar ou realizar um direito próprio – pressupõe uma violação efectiva do direito já finda ou
consumada;
3º) impossibilidade de recorrer aos meios coercivos (judiciais ou policiais) normais em tempo útil;
4º) acto ser indispensável para evitar a inutilização prática do direito próprio;
5º) não se exceder o necessário para evitar o prejuízo;
6º) não se sacrificar interesses superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar (art.º 336º, n.º 3 do
C.C.)

Da conjugação dos requisitos vertidos nos nºs 5 e 6 decorre a exigência de racionalidade dos meios
utilizados, dado que o agente não pode ele mesmo causar, com a sua acção, um dano superior ao prejuízo que
pretende evitar.

B) LEGÍTIMA DEFESA (art.º 337º do C.C.)

O acto praticado ao abrigo da legitima defesa é licitamente admitido pela lei quando (art.º 337º do C.C.):

1º) acto do agente se destine a afastar uma agressão;


2º) agressão for actual – pressupõe-se uma agressão já iniciada, não consumada, ou seja, iminente ou
em início de execução – quando se reage têm que existir condições para a agressão continuar;
3º) agressão for contrária à lei – ilegal, não provocada;
4º) agressão se dirija ao património ou pessoa do agente ou de terceiro;
5º) não seja possível reagir contra a agressão através dos meios normais – exige a necessidade do meio
empregue: o meio utilizado tem que ser o único meio capaz de obstar à agressão;
6º) prejuízo causado pelo acto não seja manifestamente superior ao que pode decorrer da agressão –
exige racionalidade do meio empregue: só é legítimo o acto quando se usou do meio, entre os vários à escolha,
que causa menos danos ao agressor.

Na legítima defesa, contrariamente do que sucede na acção directa, pode haver desproporção entre os
prejuízos, contanto que não seja manifesta.

C) ESTADO DE NECESSIDADE (art.º 339º do C.C.)

A licitude de uma conduta ao abrigo do estado de necessidade pressupõe (art.º 339º do C.C.):

1º) um acto do agente que destrói ou danifica uma coisa alheia – só é admissível a lesão ou sacrifício de
coisas ou direitos patrimoniais;
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2º) esse acto se destine a remover o perigo actual – ou seja um perigo imediato, que não possa ser
removível de outro modo que não destruindo ou danificando a coisa alheia;
3º) perigo seja de um dano manifestamente superior, do agente ou de terceiro – o interesse defendido
tem que ser manifestamente superior que o interesse sacrificado

O estado de necessidade é a situação de receio gerada por um grave perigo que determina a
necessidade de praticar um acto violador de normas tuteladoras de direitos e interesses para afastar o perigo em
que está o agente.

Contudo, se o perigo se deve a culpa exclusiva do agente tem este que indemnizar os prejuízos causados
ao terceiro (art.º 339º, n.º 2, 1ª parte do C.C.).

D)- CONSENTIMENTO DO OFENDIDO


“O acto lesivo dos direitos de outrem é lícito, quando este houver consentido na lesão”, desde que não
seja contrário a uma proibição legal ou aos bons costumes (art.º 340º, n.º 1 e 2 do C.C.)

Exemplo: cortar o cabelo, realizar uma intervenção cirúrgica

E) – DIREITO DE RESISTÊNCIA
“Todos têm direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e
repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública” (art.º 21º da C.R.P.)

F)- DEFESA DA POSSE


“O possuidor que for perturbado ou esbulhado pode manter-se ou restituir-se por sua própria força e
autoridade, nos termos do art.º 336º, ou recorrer ao tribunal para que este lhe mantenha ou restitua a posse (art.º
1277º do C.C.)

G)- DEFESA DA PROPRIEDADE


“É admitida a defesa da propriedade por meio de acção directa, nos termos do art.º 336º” (art.º 1314º do
C.C.)

Exemplo: alguém que dentro da sua propriedade mata uma cabra que, após várias tentativas frustradas
de a expulsar, já danificara árvores e videiras dessa mesma propriedade, no mesmo valor sensivelmente da cabra
e se preparava para causar outros danos.

i)- direitos reais


“As disposições precedentes são aplicáveis, com as necessárias correcções à defesa de todo o direito
real” (art.º 1315º do C.C.)
32
A Protecção Repressiva está associada a uma Sanção que se traduz num efeito jurídico, na
consequência imposta pela ordem jurídica pela violação da regra de conduta que a norma estatui.

A sanção pode ser:

 Material – o aspecto fundamental da norma é a alteração da situação da vida social que se pretenda
e em que a sanção consiste.

 Jurídica – o aspecto fundamental da norma é a sua projecção no plano jurídico;

As Sanções Materiais podem ser de várias espécies, consoante a função que desempenham e a
respectiva finalidade.

Mas, a existência de várias sanções não significa que a aplicação de uma delas exclua a aplicação das
demais à mesma situação de facto, podendo cumular-se várias sanções a uma só violação.

Entre as várias sanções temos:

a)- Sanções Compulsórias ou Meios Compulsivos

São as sanções que actuam sobre o infractor da normas de modo a que o mesmo adopte, mesmo que
tardiamente, a conduta devida estatuída na norma.
Pretende-se obter a mesma situação que decorreria do cumprimento da norma, sendo medidas tomadas
após a violação da norma, destinando-se a evitar que essa violação se prolongue no tempo.

Se uma norma não é tempestivamente cumprida, mas ainda existe a possibilidade de o ser, o direito
socorre-se de outros meios compulsivos, aplicando ao infractor sofrimentos que cessarão logo que cumprir.

Como exemplo desta sanção:

- art.º 829º-A do C.C. que se refere à Sanção Pecuniária Compulsória:


“1. Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais
qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao
pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for
mais conveniente às circunstâncias do caso.”

- direito de retenção (art.º 754º e segs. C.C.):


“O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção, se estando a
obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela
causados”.
33
É o caso de uma pessoa que repara um automóvel não o entregar ao seu dono, enquanto este não lhe
pagar no montante da reparação – a restituição deve fazer-se logo que a dívida seja paga.

É também o caso de uma pessoa nomeada depositária judicial de determinados bens que foram
penhorados ter que apresentar os bens que lhe foram entregues quando tal lhe for ordenado pelo tribunal, sob
pena de lhe serem penhorados bens próprios.
Contudo, tal apreensão dos bens do depositário judicial cessa logo que o mesmo apresentar ao tribunal
os bens de que era fiel depositário.

b)- Cumprimento Coactivo

Sempre que possível a lei determina o cumprimento coactivo da norma, a saber, nos casos em que a
norma prescreve uma prestação fungível.

Exemplo: se A deve 100 € a B e não lhe paga esse montante, dependendo dos casos, o tribunal pode
executar o património do primeiro para pagamento do crédito do segundo.

Neste caso, a norma cumpre-se de forma coactiva e não de forma voluntária.

c)- Reintegração ou Sanções Reconstitutivas

A reintegração pode ser:


- natural;
- por equivalente, sucedâneo pecuniário ou em espécie

Se o cumprimento coactivo não for possível tem lugar a reintegração, repondo-se, em princípio, as coisas
no estado que as mesmas existiriam se a norma não tivesse sido violada.

Normalmente quando uma norma é violada impõe-se a reconstituição natural ou restituição in natura (tal
qual) ou restauração natural da situação que se teria verificado se a norma tivesse sido cumprida, se não tivesse
existido violação.

Tal regra vale quer no domínio do direito das coisas, quer no domínio das obrigações quando for possível
a execução específica.

Se a prestação a que o devedor se obrigou consiste na entrega de coisa determinada que se encontra em
poder daquele, se o devedor não cumprir voluntariamente pode intentar-se uma acção declarativa e pedir ao
tribunal que o condene na entrega daquele bem, ou se o credor dispuser de um título executivo, e se tratar de uma
coisa móvel certa, pode logo requerer a execução para entrega de coisa certa (artºs 45º, 46º al. c) e 928º a 932º do
C.P.C.) – é possível a execução específica .
34
Se a prestação a que o devedor se obrigou consiste na realização de um facto, pode não ser possível a
execução específica, nomeadamente quando a actividade pressupõe características pessoais.

Não obstante, temos que atender ao tipo de prestação em causa:

1) prestação de facto negativo – se o devedor não deve realizar determinada obra, e mesmo assim a
realiza, se for possível desfazê-la, a obra é desfeita pelo devedor ou à sua custa (art.º 829º do C.C.)

2) prestação de facto positivo fungível – se o devedor não realizar a prestação de facto a que está
obrigado, e for possível a sua realização por outras pessoas, o credor pode requerer que o facto seja realizado por
terceiro à custa do devedor (art.º 828º do C.C.)

Donde que, em primeiro lugar, deve proceder-se à restituição natural ou in natura (restabelece-se o
estado material e efectivo das coisas), legalmente prevista no art.º 562º do C.C.:
“Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse
verificado o evento que obriga à reparação”.

Exemplo: Se A empresta o seu relógio a B e este não lhe o devolve, podem os tribunais, a pedido de A,
apreender o relógio e entregar-lhe-o, repondo a situação anterior.

Opera-se, assim, a restituição ou reintegração natural da situação tutelada pela norma jurídica que obriga
as pessoas a devolver as coisas aos donos que lhes as emprestaram.

Se não for possível a reintegração natural, tem lugar a reintegração por sucedâneo ou equivalente
pecuniário.

Com efeito, nos casos em que não pode colocar-se as coisas no seu estado natural, estabelece-se o seu
equivalente jurídico por meio de bens patrimoniais do mesmo valor ou o seu preço em dinheiro, nos termos do art.º
566º do C.C.:
“A indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare
integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”.

Deste modo, satisfaz-se um direito pecuniariamente equivalente ao que foi ofendido.

Exemplo: Se no caso descrito B tivesse destruído o relógio de A já não seria possível a reintegração
natural, dado que o relógio já não podia ser apreendido.
Nesse caso A teria que pedir ao tribunal que fosse apreendido dinheiro ou outros bens de B para serem
vendidos e com o produto da venda B prestar a A o valor pecuniário do relógio que destruíra – B dá a A o
equivalente ou sucedâneo pecuniário da coisa protegida pela norma que B violou.

d)- Reparação
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Se não for possível a reintegração ou a mesma não repare totalmente a violação da norma, tem lugar a
chamada reparação.

A reparação traduz-se num sacrifício imposto ao violador da norma em contrapartida da respectiva


violação, e numa satisfação em contrapartida da violação sofrida para o lesado.

A reparação pode traduzir-se em:

 numa compensação por danos morais, também designados por danos não patrimoniais (art.º 496º
do C.C.);

Exemplo: num acidente de viação pode atribuir-se uma indemnização às dores e transtornos sofridos
pelos acidentados.
Dessa forma, procura dar-se ao lesado uma soma pecuniária com a qual obtenha ou possa obter
algumas satisfações em contrapartida do seu sofrimento.

 numa pena (a pena afere-se pela culpa do agente infractor, pelo que a pena de multa se distingue da
indemnização pecuniária, cuja medida se afere pelo dano, quer se trate de damos emergentes ou
lucros cessantes).

A pena pode ser:


- Sanção civil – de um contrato bilateral emergem obrigações para ambas as partes; se uma das
partes falta culposamente ao cumprimento das suas obrigações tem a outra parte um conjunto de
direitos, nomeadamente, direito de ser indemnizado pelos prejuízos sofridos, direito de resolver o
contrato (artºs 798º a 803º do C.C.)
- Sanção criminal – é uma pena efectiva ou potencialmente pessoal sendo aplicado à própria pessoa
que violou a norma criminal; é a sanção correspondente à prática de um crime
Exemplo: Se B furtou o relógio a A, contra a vontade deste, ao Direito já não basta a apreensão do
relógio e sua devolução a A, seu dono, havendo lugar à aplicação de uma pena, que consiste num mal,
num sofrimento imposto ao infractor da norma, reveladora de uma reprovação moral da sua conduta.
- Sanção disciplinar – é a sanção aplicável à infracção disciplinar – por exemplo a demissão,
repreensão de um funcionário público

Correlativamente, a responsabilidade, enquanto dever que recai sobre a pessoa que violou a norma de
reintegrar ou reparar a violação, pode ser:
- civil – tem por objecto a reintegração, a compensação por danos morais e a pena civil, e decorre do
ilícito civil;
- criminal – tem por objecto a pena criminal e decorre da prática de um crime;

36
As Sanções Jurídicas são as que se destinam a produzir efeitos práticos e que relevam no plano jurídico.

Se por exemplo, A acorda com B em matar C, mediante o pagamento de uma quantia pecuniária, tal
acordo não é vinculativo juridicamente, de modo que a sua sanção é o acordo de nada valer.

Estamos perante uma sanção jurídica, quando com a violação de uma norma jurídica, as partes
pretendiam a produção de efeitos jurídicos, ou seja, celebram negócios jurídicos.

Mas qual a consequência jurídica dos negócios jurídicos celebrados ilícita ou ilegalmente?

Quais as sanções do não cumprimento das normas jurídicas nos negócios jurídicos?

A principal consequência é a sua invalidade, isto é, o negócio existe mas não produz efeitos jurídicos a
que tende, ou pelo menos não produz os efeitos jurídicos que as partes pretendiam que produzisse.

Pode suceder que o negócio nem sequer exista, caso em que enferma de Inexistência Jurídica.
É o caso de negócio celebrado com coacção absoluta ou sem consciência da declaração, nos termos do
art.º 246º do C.C.

A invalidade do negócio decorre de vícios ou deficiências do negócio, contemporâneas da sua formação,


e pode assumir duas formas principais:

- nulidade (nulidade absoluta) – o acto não produz efeitos jurídicos ab initio, ou pelo menos os efeitos
que as partes queriam que produzisse;
- anulabilidade (nulidade relativa) – os efeitos jurídicos do negócio produzem-se, sendo esse negócio
tratado como se fosse válido, ficando dependente a produção desses efeitos (a sua validade) da não
arguição da anulabilidade do negócio pela parte com legitimidade para o efeito, anulação essa que
produz efeitos retroactivos.

A nulidade é a consequência, nomeadamente, dos seguintes actos:


- vícios de forma – “Sempre que a declaração negocial careça da forma legalmente prescrita é nula,
quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei” (art.º 220º do C. Civil);
- vícios de objecto – “É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível,
contrário à lei ou indeterminável. É nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bens
costumes” (art.º 280º, nºs 1 e 2 C.C.);
- falta de vontade – “O negócio simulado é nulo” (art.º 240º, n.º 2 C.C.); “A declaração não séria feita
na expectativa de que a falta de seriedade não seja desconhecida carece de qualquer efeito” (art.º
245º, n.º 1 C.C.); nos casos de coacção física e falta de consciência de declaração o negócio não
produz qualquer efeito” (art.º 246º C.C.);
- contrariedade à lei – “Os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativos são
nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei” (art.º 294º C.C.);

A anulabilidade verifica-se, nomeadamente, nos casos de:


37
- incapacidade do agente – os menores, interditos e inabilitados padecem de incapacidade para o
exercício de direitos, pelo que os actos por eles praticados sem suprimento da sua incapacidade
estão feridos de anulabilidade (art.º 122 a 124º, 125º e segs., 138º a 151º, 152º a 156º, todos do
C.C.);
- vícios da vontade – erro (artºs 251 e 252º do C.C.), dolo (artºs 253º e 254º do C.C.), coacção moral
(artºs 255º e 256º do C.C.), incapacidade acidental (art.º 257º do C.C.)
- venda de pai ou avós a filho ou netos sem consentimento dos outros filhos ou netos (art.º 877º do
C.C.)

Pode, ainda, suceder que o negócio celebrado seja afectado por outro vício, a saber a Ineficácia jurídica.

É o caso de ser celebrada uma compra e venda de imóvel não registada.

Este negócio é eficaz entre as partes e é ineficaz em


relação a terceiros (artºs 4º e 5º do C.R.Predial).

38
PROTECÇÃO PREVENTIVA

Existem também meios de prevenção da violação das normas, nomeadamente:

a)- Medidas de Segurança – artºs 91º e segs. C. Penal.

Com as medidas de segurança pretende-se colocar as pessoas tendencialmente perigosas e


delinquentes em situação de não poderem praticar crimes, como sucede como o internamento de delinquentes
inimputáveis;

b)- Procedimentos Cautelares

É o caso do Arresto (artºs 406º e segs. do C.P.C.), Arrolamento (artºs do C.P.C.).

39
Caso Prático:

Considere as seguintes hipóteses e aprecie a sua validade e possíveis sanções:

a) António encontra João a roubar vários objectos da casa do seu irmão e atinge-o gravemente com um
tiro.
António alega em sua defesa que apenas estava a proteger os bens do seu irmão.

b) Carlos, vendo o seu cavalo preferido a afogar-se num poço existente num quintal vizinho, arromba a
cerca desse quintal para retirar aquele animal do poço.

c) Ana, interveniente num acidente de viação em que não foi responsável culpada, pretende que a
seguradora lhe pague a reparação do seu veículos e todos incómodos sofridos.

Resposta:

a) Todas as normas jurídicas surgem e existem como regras de conduta preestabelecidas reguladoras da
organização e colaboração da vida dos homens em sociedade.
Porém, não basta que essas normas jurídicas existam enquanto regras de conduta da vida social.
É, ainda, necessário que as normas jurídicas sejam eficazes, isto é, tem que se garantir a eficácia e o
respeito das normas jurídicas pelos seus destinatários, mesmo contra a sua vontade.
Ora, definindo-se o Direito em sentido objectivo como o “sistema de normas de conduta social, assistido
de protecção coactiva”, concluímos logo que, é precisamente o elemento “protecção coactiva” que assegura a
protecção das normas jurídicas, se necessário pela força, quer posteriormente à respectiva violação, quer em
momento anterior a essa violação.
Daí que, possamos distinguir protecção repressiva de protecção preventiva.
Assim, existindo no nosso caso comportamentos violadores de regras de conduta estatuídas em normas
jurídicas - a conduta de António que ofendeu a integridade física de João e o acto de roubo de João -, impõe-se
proteger a violação dessas normas através da referida protecção repressiva, à qual corresponde a sanção.
Mas quem pode exercer os actos de coerção repressivos e preventivos em que se traduz a sanção?
Esta questão coloca-se porque de acordo a qualidade do agente protector das normas jurídicas ou meios
de tutela do direito podemos distinguir, por um lado, a justiça privada, autotutela ou tutela privada do direito (é o
próprio titular do direito ameaçado ou violado que reage contra a violação da norma jurídica, realizando o direito) e,
por outro lado, a justiça pública ou tutela pública do direito (a reacção contra a violação de normas jurídicas
processa-se através da força pública - tribunais).
A este respeito consagra o art.º 1º do C.P.C. o princípio geral da proibição da autodefesa, prescrevendo
que “A ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, salvo nos casos e
dentro dos limites declarados na lei”.
Logo, estabelece-se a justiça pública como a regra geral e a justiça privada como excepção apenas
legalmente admissível nos casos e dentro dos limites da lei.

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No nosso caso, António, encontrando João a furtar objectos na casa do seu irmão, decide impedi-lo de
continuar tal actividade criminosa e atinge-o gravemente com um tiro, reagindo ele próprio contra a violação das
normas jurídicas que tutelam a propriedade privada de cada um.
A sua conduta ofendeu a integridade física de João, podendo, contudo, questionar-se se a mesma é
válida e lícita face à lei.
Conforme se referiu a conduta de António só é lícita se subsumir a algum dos casos indicados na lei.
Desde logo, não se trata de acção directa prevista no art.º 336º do C.C. porque António não recorre à
força para assegurar um direito seu; também não se trata de estado de necessidade previsto no art.º 339º do C.C.
pois não está em causa a destruição ou danificação de coisa alheia.
O que hipoteticamente pode tornar lícita a atitude de António é a legítima defesa consagrada no art.º
337º do C.C., nos termos da qual pode a sua conduta ser justificada.
Contudo, para assim suceder têm que verificar-se cumulativamente os requisitos legais enumerados
naquele artigo.
Na verdade, António actuou da forma descrita para afastar:
- uma agressão contrária à lei – é ilegal roubar bens alheios e ofender as normas que tutelam a
propriedade privada de cada um;
- uma agressão actual – o roubo estava em execução e ainda não consumado: António encontrou
João em flagrante delito;
- contra o património de um terceiro – contra os objectos pertença do seu irmão;
- impossibilidade de recorrer aos meios coercivos normais – no momento do flagrante delito António
não podia em tempo recorrer às autoridades judiciais ou policiais, sendo que o acto de reagir
imediatamente à agressão ser o meio capaz de impedir a agressão, não obstante António pudesse
ter ferido João levemente;
- o prejuízo causado pelo acto não ser manifestamente superior ao que decorre da agressão - exige-
se racionalidade dos meios empregues – ora é efectivamente este requisito que não se verificou no
nosso caso porque o meio utilizado não foi o que causou menores danos ao agressor; antes o acto
de António causou prejuízos manifestamente superiores ao da agressão de João, pois os bens vida
e integridade física são superiores ao bem património. Acresce que a lesão deste bens foi
manifestamente desproporcionada.

Assim, a conduta de António não é legalmente lícita, podendo o mesmo incorrer em sanções materiais,
nomeadamente sanções criminais como forma de reparar a violação de normas jurídicas e indemnização dos
danos não patrimoniais sofridos por João.
Por seu lado, João incorreria também em sanções criminais.

b) Estamos perante um caso de justiça privada legalmente admissível nos termos do art.º 1º do C.P.C.
conjugado com o art.º 339º do C.C., a saber a conduta de Carlos é lícita ao abrigo do estado de necessidade.
Com efeito, Carlos arromba a cerca do quintal do seu vizinho, danificando um bem alheio, pertencente ao
seu vizinho, com o objectivo de salvar o seu cavalo que se estava a afogar num poço existente naquele prédio, ou
seja, com o intuito de afastar um perigo actual de um dano manifestamente superior.
A sua atitude danosa da cerca era o meio adequado para afastar o perigo de o cavalo morrer afogado,
que no momento não era possível remover de outra forma, sendo que o dano provocado não era manifestamente
mais gravoso do que o evitado.
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Donde que, a conduta de Carlos é lícita.
Eventualmente poderá Carlos ter que indemnizar o seu vizinho pelos prejuízos sofridos por este,
nomeadamente se o dano é de culpa sua (art.º 339º, n.º 2 do C.C.).

c) No nosso caso, o acidente de viação é causador de prejuízos a Ana, que não tendo culpa no acidente
têm que ser ressarcidos.
Desde logo, tem que haver lugar à reintegração de modo a colocar a situação no estado que existiria se
todas as normas, nomeadamente estradais, tivessem sido cumpridas e não violadas.
Neste âmbito deve proceder-se em primeiro lugar à reintegração natural ou restituição in natura, nos
termos do princípio geral da obrigação de indemnização vertido no art.º 562º do C.C., isto é, devem colocar-se as
coisas no estado em que existiriam se não tivesse ocorrido o acidente.
Daí que, em princípio, Ana tivesse direito a ver o seu carro reparado.
Apenas no caso de essa reparação não ser possível ou ser excessivamente onerosa para o devedor tem
lugar a indemnização por equivalente ou sucedâneo pecuniário, prevista no art.º 566º do C.C., satisfazendo um
direito pecuniariamente equivalente ao que foi ofendido.
Impõe-se ainda reparar os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por aquela, de modo a dar-se-
lhe uma quantia pecuniária com a qual possa obter algumas vantagens em contrapartida dos incómodos que
sofreu.

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d) Analise as seguintes situações e qualifique a sanção aplicável ao caso:

1) André celebra um contrato com Ana, nos termos do qual se obriga a matar o marido daquela mediante
o pagamento de 100.000 €.
Contudo, tal negócio é contrário à ordem pública nos termos do art.º 280º do C.C.

2) Joana de 15 anos vende o seu computador a João, sendo que esse negócio é anulável nos termos dos
art.º 122º a 125º do C.C.

3) Em acção intentada por André contra a sua entidade patronal, o tribunal condenou esta entidade a
pagar ao primeiro a quantia de 25 € por cada dia que aquela não ocupasse com trabalho aquele.

Resolução:

1) A protecção coactiva, enquanto elemento do conceito de direito que se traduz na protecção das
normas jurídicas se necessário pela força, pode assumir duas espécies fundamentais, a saber, a Protecção
Repressiva – assume a forma de sanção e pressupõe que a norma já foi violada – e a Protecção Preventiva – visa
afastar e evitar a consumação da violação da norma.
A protecção repressiva, em regra, assume a forma de justiça pública, isto é, reage-se à violação das
normas jurídicas mediante a força pública, a acção dos tribunais.
Desde logo, a sanção é o efeito jurídico previsto na norma, a consequência imposta pela ordem jurídica
pela violação da regra de conduta que a norma estatui, podendo ser uma Sanção Material (o que releva na norma
é a alteração da vida social em que a sanção se traduz) ou uma Sanção Jurídica (o que releva é a sua projecção
no plano jurídico).
No nosso caso estamos perante uma sanção jurídica, pois que o art.º 280º do C.C. determina que o
negócio celebrado contra a moral pública e bons costume, o que sucede in casu, é nulo.
Com efeito, a lei dispõe expressamente a sanção aplicável a um negócio celebrado ilicitamente.
A nulidade do negócio, ou também designada nulidade absoluta, é uma sanção jurídica que pode ser
invocada a todo o tempo, por qualquer interessado e ser conhecida oficiosamente pelo tribunal (art.º 286º do C.C.).
O negócio em causa não produz os efeitos a que tende, nem os feitos que as partes pretendem desde o
seu início.
Pelo que, o dito negócio não é juridicamente vinculativo, e caso se cumprisse, ambas as partes estariam
a cometer um crime, punível com uma sanção criminal.

2) Nesta situação estamos também perante uma sanção jurídica que impede que o negócio produza os
seus efeitos, contudo diversa da anterior, porque a sanção com que se comina o negócio é a sua anulabilidade ou
nulidade relativa.
Perante o vício da anulabilidade, o negócio produz os seus efeitos desde o início como se fosse válido,
ficando conduto essa validade dependente da não arguição da invalidade no tempo e pelas pessoas em cujo
interesse a lei a estabelece(art.º 287º do C.C.).
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3) Trata-se já de uma sanção material, a qual pode assumir diversas espécies, podendo aplicar-se mais
do que uma espécie ao mesmo facto violador de normas jurídicas.
A sanção aplicada pelo tribunal é um meio compulsivo ou sanção compulsiva, nomeadamente uma
sanção pecuniária compulsória prevista no art.º 829º-A do C.C., que se aplica aos casos em que, sendo ainda
possível o cumprimento, se pretende que o devedor adopte a conduta devida.
Pretende-se que a violação se prolongue no tempo, o que sucede in casu, já que se pretende que cesse
a violação do direito de ocupação efectiva do trabalhador.

44
FONTES DO DIREITO

A expressão “fonte de direito” pode ser usada com vários sentidos, mormente:

- sentido filosófico – atende ao fundamento da obrigatoriedade da norma jurídica;


- sentido sociológico – atende ao factor que determinou o aparecimento da norma e condicionou o seu
conteúdo – designa as circunstâncias que presidiram à formação de determinadas normas;
- sentido político – traduz os órgãos encarregados de emanar ou produzir as normas jurídicas;
- sentido material, histórico ou instrumental – são os textos ou diplomas legislativos que contêm
normas jurídicas;
- sentido técnico-jurídico ou formal – é o modo de formação e de revelação das normas jurídicas, do
direito objectivo

O sentido de que nos vamos ocupar é o sentido técnico-jurídico.

Neste sentido, podemos apontar várias as fontes de direito, nomeadamente:

- lei – é a “norma jurídica decidida e imposta por uma autoridade com poder para o fazer na sociedade
política”, constituindo, desse modo, uma “norma jurídica de criação deliberada”;
- costume – traduz-se na norma criada através da “prática repetida e habitual de uma conduta,
quando chega a ser encarada como obrigatória (opinio iuris vel necessitatis) pela generalidade dos
seus membros”
- jurisprudência – “conjunto das orientações que, em matéria de determinação e aplicação da lei,
decorrem da actividade prática de aplicação do direito” pelos órgãos da sociedade com competência
para o efeito. Para alguns autores a jurisprudência é meramente judicial, ou seja, deriva unicamente
dos tribunais, porém o prof. Castro Mendes entende que também existe jurisprudência dos notários,
conservadores e mesmo dos órgãos administrativos;
- doutrina – é a “actividade de estudo teórico ou dogmático do direito” reveladora de normas do
sistema jurídico;
- equidade;
- princípios gerais de direito

A lei e o costume são primariamente modos de formação, modos de criação de normas jurídicas – são
chamadas iuris essendi, fontes directas ou imediatas - e a jurisprudência e a doutrina são modos de revelação das
normas jurídicas – são designadas fontes iuris cognoscendi, fontes indirectas ou mediatas.

45
 LEI

Nos termos do art.º 1º, n.º 1 do C.C. a lei é fonte imediata do direito.

Pelo que, o seu valor legal é imediato e directo, valendo por si só e independentemente de qualquer outro
factor, contrariamente às demais fontes do direito cuja força vinculativa provém da lei, que define os termos e
limites da sua obrigatoriedade.

São leis “todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes” (art.º 1º, n.º 2 do
C.C.).

Normas corporativas – disposições gerais e imperativas emanadas de entidades reconhecidas


constitucionalmente como organismos corporativos; porém, não existindo hoje tais organismos não são fonte de
direito. Oliveira Ascensão entende que exemplo destas normas são as normas emanadas das ordens profissionais.

Contudo, a expressão lei pode ser entendida com vários sentidos, nomeadamente:

1)- em sentido latíssimo

Lei é entendida enquanto direito ou norma, quando por exemplo se refere que a lei proíbe ou impõe
determinada conduta – ter que usar cinto de segurança, não conduzir com taxa de alcoolémia superior à taxa
legalmente permitida;

2)- em sentido lato

Lei é entendida enquanto norma jurídica criada de certa forma, nomeadamente por decisão e imposição
de uma autoridade com poder para o efeito, por oposição ao costume;

3)- em sentido intermédio

Lei enquanto oposta a regulamentos:


Num plano geral ou genericamente são leis as Leis da Assembleia da República e os Decretos-Leis do
Governo.
Num plano local ou localmente são leis os Decretos Legislativos Regionais das Assembleias Regionais
das regiões autónomas dos Açores e Madeira;

46
Os regulamentos são normais gerais emanadas duma autoridade administrativa sobre matérias próprias
da sua competência, sendo principalmente:

- portarias dos Ministros;

- posturas das autarquias

4) em sentido estrito

Reconduz-se apenas às leis emanadas pela Assembleia da República por oposição aos decretos-leis
emanados pelo Governo.

O poder para emanar normas jurídicas designa-se poder legislativo em sentido lato ou poder normativo,
constituindo, além do poder judicial e do poder executivo, um dos três poderes a que se reconduz a soberania do
Estado.

Conforme se referiu, nos termos do art.º 1º, n.º 1 do C.C., a lei é uma fonte imediata do direito, ou seja, o
seu valor legal é imediato e directo, valendo por si só e independentemente de qualquer outro valor.

O n.º 2 do citado normativo dispõe que se consideram leis “todas as disposições genéricas provindas dos
órgãos estaduais competentes”.

Contudo, esta noção não é isenta de críticas porque disposições são regras e as leis não são regras,
,mas antes fontes de regras.

Para Cabral de Moncada “a lei é a forma que reveste a norma jurídica quando estabelecida e decretada,
duma maneira oficial e solene, pela autoridade de um órgão expressamente competente para esse efeito, por ser o
órgão legislativo”.

No entanto, esta noção não caracteriza a forma da lei, entendida enquanto modo de revelação.

Donde que, são pressupostos da lei:

- uma autoridade competente para estabelecer critérios normativos de solução de casos concretos;
- observância das formas legalmente estabelecidas para esse efeito;
- sentido de alterar a ordem jurídica da comunidade pela introdução de um conceito genérico.

Contudo, estes pressupostos não se confundem com a definição de lei:

47
Lei é “um texto ou fórmula significativo de um ou mais regras jurídicas emanado, com observância das
formas eventualmente estabelecidas, duma autoridade competente para pautar critérios normativos de solução de
casos concretos”.

Podemos distinguir as leis em:

a)- Lei em sentido material


É o “texto ou fórmula, imposto através das formas do acto normativo, que contiver regras
jurídicas”;

b)- Lei em sentido formal


É a que se reveste das formas destinadas por excelência ao exercício da função legislativa do
Estado

Dentro das diversas formas de leis referidas existe uma Hierarquia de Leis que tem como consequência:

- as leis hierarquicamente inferiores não podem contrariar ou contradizer as leis hierarquicamente


superiores, antes têm que se verificar uma relação de conformidade.

- as leis hierarquicamente superiores ou iguais podem contrariar ou contradizer as leis hierarquicamente


iguais ou inferiores.
Neste caso, a lei mais recente revoga a lei anterior (mais antiga).

Assim, considerando a Hierarquia das Leis temos que:

1) Constituição

No topo da hierarquia das leis encontramos, logicamente, a lei hierarquicamente superior, a saber, a
Constituição.

A Constituição é a lei fundamental do Estado que domina as outras leis, estabelecendo genericamente os
princípios basilares e orientadores da organização política e da ordem jurídica e, bem assim, os direitos e deveres
fundamentais dos cidadãos.

Nenhuma outra lei pode estatuir em contrário ao seu conteúdo, tendo que se conformar com o mesmo.

Neste sentido determina o art.º 3º, n.º 3 da C.R.P. que “a validade das leis e dos demais actos do Estado,
das regiões autónomas, do poder local e quaisquer outras entidades públicas depende da sua conformidade com a
Constituição”.

48
Se a lei ordinária não se conformar com a lei constitucional e for contrária à mesma padece de
inconstitucionalidade orgânica (se na formação da lei se desrespeita o processo fixado na Constituição para a
elaboração das leis) ou material (se o conteúdo da lei ordinária ofende os princípios constitucionais):

“São inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela


consignados” (artºs 204º, 277º e segs. da C.R.P.).

O poder de estabelecer normas constitucionais designa-se poder constituinte, poder que pode ser
atribuído de forma pré-constitucional ou de forma constitucional (é a Constituição que determina a forma da sua
revisão e alteração – é o caso da Constituição de 1976 – artºs 284º e segs.).

Todos os Estados têm uma Constituição escrita ou não escrita, sendo que em Portugal já existiram três
constituições monárquicas (1822, 1826 e 1838) e três constituições republicanas (1911, 1933 e 1976).

2) Leis

A lei, enquanto diversa do regulamento corresponde ao poder legislativo em sentido estrito.

Determina o art.º 112º, n.º 1 da C.R.P. que são actos legislativos:

- leis;
- decretos-leis;
- decretos legislativos regionais;

As leis e os decretos-leis têm valor igual (art.º 112º, n.º 2 da C.R.P.).

Têm valor reforçado as leis indicadas no art.º 112º, n.º 3 da C.R.P.).

Os decretos legislativos regionais incidem sobre matérias de interesse específico para as respectivas
regiões e não reservadas à Assembleia da República ou ao Governo, tendo que conformar-se com as leis gerais da
República (art.º 112º, n.º 4).

As leis gerais da República são as leis e os decretos-leis que se aplicam a todo o território nacional e
assim o decretem (art.º 112º, n.º 5 da C.R.P.).

A Assembleia da República emite (art.º 166º C.R.P.):

- leis – estabelecem normas com carácter geral e abstracto;


- moções – não têm carácter geral e abstracto;
- resoluções - não têm carácter geral e abstracto;
49
Existem determinadas matérias sobre as quais apenas pode legislar a Assembleia da República – é a
chamada reserva absoluta de competência legislativa (artºs 164º, 161º, al. c) da C.R.P.).

Relativamente a outras matérias de competência da Assembleia da República pode suceder que o


Governo tenha competência para legislar, desde que com autorização da Assembleia da República - é a chamada
reserva relativa de competência legislativa (artºs 165º e 161º, al. d) da C.R.P.).

O Governo legisla por meio de decretos-leis, que têm que ser aprovados em Conselho de Ministros (artºs
198º, n.º 1 e 200º, al. d) da C.R.P.).

Por seu lado, tal como a Assembleia da República, também existem matérias de competência legislativa
exclusiva do Governo: “é da exclusiva competência legislativa do Governo a matéria respeitante à sua organização
e funcionamento” (art.º 198º, n.º 2 C.R.P.)

3) Regulamentos

Com valor hierarquicamente inferior às leis surgem-nos os regulamentos, correspondente ao poder


regulamentar, que é poder legislativo em sentido amplo, ou seja, integra-se no âmbito do poder executivo.

São normas jurídicas emanadas duma autoridade administrativa, sobre matéria própria da sua
competência.

Os regulamentos destinam-se a possibilitar a aplicação ou execução da norma, isto é, regulam a


execução das leis gerais.

Devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva
e objectiva para a sua emissão (art.º 112º, n.º 8 da C.R.P.).

O Governo é o principal órgão com poder regulamentar – “compete ao Governo, no exercício de funções
administrativas fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis”-, o qual é exercido mediante a
emissão de:

- Decretos Regulamentares – são promulgados pelo Presidente da República (art.º 134º, al. b) da
C.R.P.);
- Resoluções do Conselho de Ministros – não são promulgados pelo Presidente da República;
- Portarias – não são promulgados pelo Presidente da República;
- Despachos Normativos – devem ter como destinatários tão só os subordinados do ministro ou
ministros signatários e vincular o respectivo ministério;

Os regulamentos revestem a forma de decreto regulamentar quando tal for determinado pela lei que
regulamentam, e quando se trate de regulamentos independentes (art.º 112º, n.º 7 da C.R.P.).
50
Pelo facto de os decretos regulamentares serem promulgados pelo Presidente da República e as
resoluções do Conselho de Ministros e as Portarias não o serem os primeiros têm valor hierarquicamente superior
em relação aos segundos e, dentro deste, a resolução prevalece sobre a portaria.

Além do decreto regulamentar, existem ainda os Decretos Especiais, ou também denominados decretos
simples, como é o caso do decreto do Presidente da República que nomeia o Primeiro-Ministro e os membros do
Governo (art.º 133º, al. f) e h) da C.R.P.) ou dos decretos pelos quais o Governo aprova os tratados internacionais
(art.º 197º, al. c) da C.R.P.).

4) Normas Locais e Sectoriais

Dentro do poder normativo não aplicável à totalidade do território português podemos distinguir:

- poder legislativo local – têm este poder as Assembleias Regionais das regiões autónomas dos
Açores e da Madeira, exercido mediante decretos legislativos regionais;
- poder regulamentar local - têm este poder as Assembleias Regionais dos Açores e da Madeira com
vista à regulamentação local das leis gerais (artºs 227º, n.º 1, al. a), 2ª parte e 234º da C.R.P.) e os
governos regionais dos Açores e da Madeira para regulamentar decretos regionais (artºs 227º, n.º 1,
al. d), 1ª parte e 234º a contrario sensu da C.R.P.), através de decretos regionais regulamentares
(artºs 285º e 278º, n.º 2 da C.R.P.), os órgãos das autarquias locais (art.º 239º da C.R.P.);
- poder normativo sectorial por matérias – convenções colectivas de trabalho no domínio do Direito do
Trabalho;

5) Direito Internacional, Geral e Convencional

Além do direito interno, também vigora no ordenamento jurídico português o direito internacional,
nomeadamente:

- convenções ou tratados internacionais (acordos celebrados entre os Estados);


- direito internacional público geralmente reconhecido;

As convenções internacionais pelas quais os Estados se obrigam a introduzir e respeitar certas normas
na sua ordem jurídica interna denominam-se tratados normativos.

No que respeita ao direito internacional, as normas e princípios de direito internacional geral ou comum
integram o direito português, do mesmo modo que as normas constantes das convenções internacionais
regularmente ratificadas ou aprovadas (aprovação compete à Assembleia da República ou ao Governo – artºs
161º, al. i) e 197º, al. c) da C.R.P.), depois de publicadas oficialmente vigoram no ordenamento jurídico português
e enquanto vincularem internacionalmente o Estado português (art.º 8º, nºs 1 e 2 da C.R.P.).

51
Os tratados normativos têm um valor hierárquico inferior à Constituição e superior às leis e decretos-leis,
pelo que:
- não podem violar a Constituição (art.º 277º, n.º 2 da C.R.P.);
- o seu conteúdo não pode ser contrariado por leis ou decretos-leis e demais fontes hierarquicamente
inferiores (art.º 8º, n.º 2 da C.R.P.);

Concluindo, a Hierarquia das Leis é a seguinte:

1º) Constituição;
2º) Direito Internacional Geral e Convencional;
3º) Leis e Decretos-Leis;
4º) Decretos Legislativos Regionais;
5º) Decretos regulamentares;
6º) Decretos regulamentares regionais;
7º) Portarias;
8º) Regulamentos das autarquias locais;

52
Como já se referiu as leis gerais decorrem do poder legislativo e surgem na sequência do designado
PROCESSO LEGISLATIVO.

O processo legislativo, ou seja, o processo de elaboração de leis comporta diversas fases:

a) Elaboração;
b) Aprovação;
c) Promulgação;
d) Publicação;
e) Entrada em vigor

a)- Elaboração

O processo legislativo só pode ser iniciado pelo órgão com competência legal para o efeito,
nomeadamente (art.º 167º da C.R.P.):
- deputados;
- grupos parlamentares;
- governo;
- assembleias legislativas regionais no caso das regiões autônomas
- grupos de cidadãos eleitores na condições indicadas na lei

Depois de iniciado o processo de apresentação de projectos de lei (iniciativa dos Deputados) ou


propostas de lei (iniciativa do Governo), o texto da lei é discutido e votado.

A discussão do texto da lei implica uma debate na generalidade e outro na especialidade, ao passo que a
votação envolve uma votação na generalidade, uma votação na especialidade e uma votação final global (art.º
168º, nºs 1 e 2 da C.R.P.).

b)- Aprovação

O acto legislativo, ou seja, o texto da lei seguidamente tem que ser aprovado por maioria da Assembleia
da República quando se trate de Lei, ou pelo Conselho de Ministros quando for decreto lei.

Denomina-se decreto da Assembleia da República o texto aprovado por esta antes de promulgado.

c)- Promulgação

A promulgação é o acto pelo qual se “atesta solenemente a existência da norma e intima à sua
observância”, isto é, se atesta a existência da Lei e se obriga ao seu cumprimento.
53
Este acto é competência do Presidente da República (art.º 134º, al. b) da C.R.P.), o qual no prazo de 20
dias a contar do recebimento de qualquer decreto da Assembleia da República promulgá-lo, ou em alternativa
exercer o seu direito de veto (art.º 136º, n.º 1 da C.R.P.).

As leis, os decretos-leis e os decretos regulamentares têm que ser promulgados pelo Presidente da
República (art.º 134º, al. b) da C.R.P.), acarretando a sua falta a inexistência jurídica do acto (art.º 137º da C.R.P.).

Acresce que nas leis da Assembleia da República e nos Decretos do Presidente da República a
promulgação tem que ser acompanhada da assinatura do Primeiro-Ministro – a chamada referenda (art.º 140º, n.º 1
da C.R.P) acarretando a sua falta a inexistência jurídica do acto (art.º 140º, n.º 2 da C.R.P.).

Quanto aos decretos especiais do Governo não são promulgados, tendo que ser assinados pelo
Presidente da República (art.º 137º da C.R.P.)

Os decretos legislativos e regulamentares regionais são assinados pelo Ministro da República (art.º 235º,
n.º 1 da C.R.P.), as resoluções do Conselho de Ministros são assinadas pelo Primeiro-Ministro e as portarias e
despachos normativos pelo ministro ou ministros competentes.

d)- Publicação

A publicação das leis é determinada pela necessidade de as leis serem conhecidas, pois apenas dessa
forma podem as mesmas ser aplicadas.

Com efeito, é a publicação que confere publicidade aos actos legislativos, dado que a sua ignorância não
aproveita a ninguém.

O art.º 119º, n.º 1 da C.R.P. indica um conjunto de actos que estão sujeitos a publicação no “Diário da
República”, determinando a falta de publicação a ineficácia jurídica desses actos (artºs 119º, n.º 2 da C.R.P. e 3º e
segs. da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro).

De entre esses actos estão as leis, decreto-leis, etc.

O Diário da República é composto de 3 séries e publicado pela Imprensa Nacional.

Na I.ª série são publicadas as normas gerais e abstractas e os preceitos de interesse para todos os
cidadãos; na II.ª série publicam-se os actos administrativos e na III.ª série os actos a que se pretende dar
publicidade oficial (concursos públicos, pactos sociais, etc.) - artºs 3º e segs. da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro).

Por outro lado, prescreve o art.º 5º, n.º 1 do C. Civil que “a lei só se torna obrigatória depois de publicada
no jornal oficial”.

54
No mesmo sentido, determina o art.º 1º, n.º 1, do D.L. n.º 74/98 que a eficácia jurídica dos actos depende
da publicação.

Em regra, as normas de valor geral são publicadas no Diário da República, sendo as normas de valor
local publicadas nos termos determinados pela lei.

e) Entrada em Vigor

Após a publicação, em princípio o diploma legal em causa entra em vigor.

Porém, “entre a publicação e a vigência da lei decorrerá o tempo que a própria lei fixar ou, na falta de
fixação, o que for determinado em legislação especial” (art.º 5º, n.º 2 do C. Civil).

Assim, o diploma pode entrar em vigor:

- no dia nele fixado, mas nunca no próprio dia da publicação (art.º 2º, n.º 1, do D.L. n.º 74/98)
ou
- na falta de fixação (art.º 2º, nºs 2 e 3, do D.L. n.º 74/98:
- no continente no quinto dia após a publicação
- nos Açores e na Madeira no décimo quinto dia após a publicação
- no estrangeiro no trigésimo dia após a publicação

Nunca se conta o dia da publicação do diploma – “os prazos contam-se a partir do dia imediato
ao da publicação do diploma, ou da sua efectiva distribuição se esta tiver sido posterior” (art.º 2º, n.º 4, do
D.L. n.º 74/98.

O período de tempo que medeia entre a publicação e a entrada em vigor da lei designa-se vacatio legis.

Se, eventualmente, um diploma legal for publicado com erros, deve o mesmo ser rectificado.

Contudo, as correcções apenas são admitidas para corrigir erros materiais decorrentes de divergências
entre o texto original e o texto impresso, devendo ser publicadas até 60 dias após a publicação do texto
rectificando, sob pena de nulidade do acto de rectificação (art.º 5º, nºs 1 a 3, do D.L. n.º 74/98).

55
Caso Prático:

I)
Em Novembro de 2000, o Governo, no exercício das suas funções legislativas, fez um decreto-lei, nos
termos do qual o adultério, quando cometido no âmbito do casamento, é crime, punível com pena de multa.
Tal decreto-lei não foi promulgado pelo Presidente da República, nem publicado no Diário da República.

Aprecie a validade do referido decreto-lei e respectivo processo legislativo.

II)

Em 24 de Abril de 2002, foi publicada na 1ª série do Diário da República a Lei n.º 36/02, nos termos da
qual se fixou a taxa de juros civis em 7%, em alteração da taxa de 5%.

Em 27 de Abril de 2002, Ana reclamou de João o pagamento de 5000 €, a títulos de rendas em dívida,
acrescido juros de mora vincendos à taxa de 7%.

Poderia fazê-lo? Porquê?

III)

Suponha que a Lei I, publicada em 10/1/1998 dispõe:

“O senhorio pode pôr fim ao contrato de arrendamento sempre que o arrendatário dê hospedagem a mais
de três pessoas”.

Por seu lado, a Lei II, publicada em 30/3/1998, estatui que:

“1. o locador só pode fazer cessar o contrato de locação nos casos indicados na lei.
2. Esta lei só entra em vigor 25 dias após a sua publicação”

Qual a data da entrada em vigor das Leis I e II?

56
 Cessação da Vigência das Leis

As leis que não estiverem sujeitas a prazos especiais de vigência permanecem tendencialmente para
sempre, não podendo a antiguidade da lei obstar à sua aplicação.

O facto que pode impedir a sua aplicação é, não o facto de por exemplo ser de 1800, a existência de um
facto impeditivo da sua vigência que a afaste.

A vigência de uma lei pode ser suspensa, por um prazo limitado ou ilimitado, obtendo-se, assim, um
resultado semelhante ao da revogação da lei (é o que acontece com muitas leis fiscais).

Contudo, podem ser afectados não só os efeitos da lei, mas também, a própria lei.

Nestes casos, verifica-se a cessação ou termo de vigência da lei.

Ora, a lei só pode deixar de vigorar por (art.º 7º, n.º 1 do C.C.):

I)- Caducidade

II)- Revogação

O professor Oliveira Ascensão defende que a lei pode deixar de vigorar por costume contrário ou contra
legem.

I)- Caducidade

Em termos gerais, traduz-se na extinção da vigência e eficácia dos efeitos de um acto por superveniência
dum facto com força para tal.

A lei caducará quando perder todo o seu campo de aplicação.

Assim, a vigência de uma lei cessa por caducidade, nomeadamente por efeito da superveniência de um
facto e, portanto, independentemente de nova lei.

Daí que se distinga da revogação.

O facto superveniente pode ser:

a)- uma data ou o termo de um prazo – leis temporárias - que produz tal efeito se:

- o facto que conduz à cessação da vigência está previsto na própria lei ou noutra com valor hierárquico
igual ou superior. Esse facto pode ser:
57
- meramente cronológico – a lei estabelece o seu prazo de duração (lei que fixa o índice de
aumento anula do valor das rendas)
- um facto de outra ordem – lei que estabelece condições especiais resultantes de epidemia.

b) – o facto é tal que, ex natura, conduza à perda total do âmbito de aplicação da lei.

Ou seja, desaparecem os pressupostos da aplicação da lei - quando por exemplo deixa de existir a
situação que constitui o substrato jurídico da lei.

É o caso da lei que regule certos serviços caducará quando esses serviços acabarem; da lei que regula a
caça de javali quando estes deixarem de existir.

À caducidade refere-se expressamente a 1ª parte do art.º 7º, n.º 1 do C.C.:


“Quando se não destina a ter vigência temporária ...”.

II)- Revogação

Traduz-se ou consiste no afastamento de uma lei por outra lei de valor hierárquico igual ou superior.

A revogação pode ser de três espécies:

a)- revogação expressa ou por declaração


b)- revogação tácita ou por incompatibilidade
c)- revogação de sistema, global ou por substituição

a)- Revogação Expressa ou por Declaração

Ocorre quando uma lei nova declara revogada expressamente uma lei anterior, isto é, tem lugar nos
casos em que um preceito da nova lei designa uma lei anterior e a declara revogada, podendo a individualização
da lei ser feita:
- de forma concreta – “é revogado o art.º Xº da lei Y”
ou
- referir-se a um conjunto mais ou menos geral (art.º 3º da lei preambular do C.C. – “... fica revogada toda
a legislação civil relativa às matérias que esse diploma abrange ...”.

A ela se refere a 1ª parte do n.º 2 do art.º 7º do C.C.:


“A revogação pode resultar de declaração expressa (...)”.

b)- Revogação Tácita ou por Incompatibilidade


58
Ocorre quando, sem se fazer revogação expressa, as normas de lei nova são incompatíveis com as
normas da lei anterior, ou seja, tem lugar nos casos em que não há revogação expressa, mas há incompatibilidade
entre a lei revogada e os preceitos da lei nova, de modo que sendo inconciliáveis a lei anterior dá lugar à lei
posterior.

A ela se refere a 2ª parte do n.º 2 do art.º 7º do C.C.:


“A revogação pode resultar (...) da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes
(..)”.

Exemplo: lei que altera a taxa de juro civil de 12% para 7%.

c)- Revogação do Sistema, Global ou por Substituição

Ocorre quando, apesar de não se dar a revogação expressa nem tácita, se conclui que o legislador de
certo diploma teve a intenção de que esse diploma passe a ser o único regulador de certa matéria ou assunto.

De outro modo dito, tem lugar quando o legislador pretende que um determinado diploma legal seja o
único diploma legal incidente sobre determinada matéria, e verificada tal intenção legislativa os aspectos da lei
antiga sofrem uma revogação do sistema.

A ela respeita a 3ª parte do n.º 2 do art.º 7º do C. Civil:


“A revogação pode resultar (...) da circunstância da nova lei regular toda a matéria da lei anterior”.

Exemplo: o regime das letras de câmbio do Código Comercial foi afastado pela Lei Uniforme das Letras e
Livranças

Existem duas figuras distintas da revogação, que alguns autores entendem ser sub-espécies da
revogação, a saber:

a)- Abrogação – consiste numa revogação total:o diploma é substituído no seu conjunto;
b)- Derrogação – consiste numa revogação parcial:o diploma é parcialmente atingido

Por outro lado, consagra o n.º 3 do art.º 7º do C.c. como regra geral que “a lei geral não revoga a lei
especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador”.

Assim, é a lei especial que revoga a lei geral.

A lei é especial (RAU) quando a sua previsão se insere na de outra lei, a lei geral (artºs 1022º e segs. do
C.C. sobre a locação), como caso particular, estabelecendo um regime diverso para este.
59
“A lei geral nova não revoga necessariamente a lei especial anterior, que para ser revogada necessita que
o legislador:
a) o declare expressamente na lei geral nova;
b) ou revele a sua intenção nesse sentido por ter regulado diversamente as matérias da lei especial, por
ter estabelecido novos princípios jurídico-sociais incompatíveis com os da lei especial, por a lei geral não
admitir qualquer excepção ou apenas as excepções taxativamente estatuídas.

Acresce que, o legislador estatuiu que “a revogação da lei revogatória não importa o renascimento da lei
que esta revogara” – não repristinação (art.º 7º, n.º 4 do C.C.).

Contudo, pode suceder que uma lei revogada seja reposta em vigor – trata-se, nesse caso, de uma Lei
Repristinatória.

É o caso da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral que tem eficácia retroactiva e
determina a repristinação das fontes revogadas (art.º 282º, n.º 2 da C.R.P.)

60
 COSTUME

O costume é também conhecido por norma consuetudinária.

Até ao século XVIII o costume constituía a principal fonte de direito.

Porém, em 1769 a Lei da Boa Razão, do Marquês de Pombal, restringiu o campo de aplicação do
costume, exigindo-se para que o costume fosse atendível que:

- fosse conforme à boa razão;


- não contrariasse as leis;
- tivesse mais de 100 anos.

O costume resulta da “prática repetida, habitual, de certa e determinada conduta verificadas


determinadas circunstâncias, assumindo-se como fonte de direito quando essa conduta (estatuição) nessas
circunstâncias (previsão) se torna obrigatória – a opinio iuris vel necessitatis.

Pode, então, definir-se como a “observância geral constante e uniforme de uma regra de conduta social,
acompanhada da convicção da sua obrigatoriedade por parte da opinião comum”.

O costume é composto por dois elementos:

a)- Elemento Material ou Uso

Este elemento traduz-se numa prática social reiterada, isto é, na circunstância de, verificadas certas
condições, ser generalizado o hábito de se actuar de determinado modo.

Corresponde a uma repetição de práticas, que resulta de uma observação de facto.

Logo, existem usos que são irrelevantes para o Direito, como por exemplo, oferecer o folar na Páscoa – é
uma prática socialmente enraizada que não constitui uma regra jurídica.

b)- Elemento Psicológico ou Convicção de Obrigatoriedade

Este elemento corresponde à consciência, à convicção da obrigatoriedade dessa prática social por parte
da comunidade em que a mesma exista, não apenas por mera cortesia ou rotina – é a “opinio iuris vel necessitatis”.

Do ponto de vista da relação que se estabelece entre o costume e a lei, o costume pode ser:

61
- costume secundum legem – é o costume confirmativo ou interpretativo das normas da lei, ou seja, o
costume coincide com a lei, existindo uma só regra de conduta;
- costume praeter legem – é o costume integrativo, regulando situações que a lei não prevê, isto é,
não contraria a lei, mas vai além dela;
- costume contra legem – é o costume contrário à lei, que está em contradição com a lei – se por
exemplo numa comunidade social se cria a convicção de que os frutos caídos das árvores em
prédios confinantes pertencem a quem os apanhar, contra a regra geral vertida no art.º 1367º do
C.C. ou se cria a convicção de que o mero facto de o motociclista andar com o capacete não se
exigindo que o coloque na cabeça;

No âmbito do Direito Internacional o costume surge como uma importante fonte de direito.

No Direito Privado, o costume também é aceite como fonte de direito, nomeadamente por força do art.º
348º do C.C.:
“1. Àquele que invocar direito consuetudinário local ou estrangeiro compete fazer a prova da sua
existência e conteúdo; mas o tribunal deve procurar, oficiosamente, obter o respectivo conhecimento”.

Mas no que respeita à lei civil e processual civil, nada se fala expressamente quanto ao costume.

Contudo, a lei civil reporta-se aos Usos em vários artigos, referindo-se-lhes genericamente no art.º 3º, n.º
1 do Código Civil que:
“Os usos que não forem contrários ao princípio da boa fé são juridicamente atendíveis quando a lei
determine”, logo nunca contra a lei.

Os casos em que a lei determina que os usos são fonte de direito são:

- art.º 10º do RAU – “O prazo do arrendamento urbano é de 6 meses, se outro não for determinado por
lei, convencionado pelas partes ou estabelecidos pelos usos”.
- art.º 885º, n.º 2 do C.C. – “Mas, se por estipulação das partes ou por força dos usos o preço não tiver de
ser pago no momento da entrega, o pagamento será efectuado no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo
do cumprimento”.

Será que aqui o legislador não está a reportar-se ao valor jurídico do costume utilizando a expressão
“usos”?

Para alguns autores o costume é fonte de direito precisamente por força daquele artigo do C. Civil.

Porém, outros autores, como é o caso do professor Oliveira Ascensão, entendem que o art.º 3º do C.C.
se refere aos usos, que se diferenciam do costume por lhe faltar a convicção da obrigatoriedade.
Se o legislador não utilizou a expressão “direito consuetudinário” é porque não queria referir-se ao
costume.

62
 JURISPRUDÊNCIA

A jurisprudência é o “conjunto das orientações que resultam da aplicação do direito a um caso concreto
pelos órgãos com competência para o efeito”, ou seja, o conjunto das decisões proferidas pelos tribunais sobre as
causas submetidas à sua apreciação.

Assentos – os tribunais podem fixar, por meio de assentos, doutrina com força obrigatória geral. Este
artigo foi revogado com a reforma do processo civil de 95, pelo art.º 4º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 239-A/95, de 12/12.
Pelo Ac. n.º 743/96 do Tribunal Constitucional, de 28.5.1996, foi declarada a “inconstitucionalidade, com força
obrigatória geral, da norma do artigo 2º do Código Civil, na parte em que atribui aos tribunais competência para
fixar doutrina com força obrigatória geral, por violação do disposto no art.º 115.º, n.º 5 da Constituição” (DR, I-A, de
18-7-1996). Porém, tal não obsta a que os assentos, entendidos como “jurisprudência qualificada” obriguem os
juízes e tribunais hierarquicamente subordinados àquele que os emitiu, mas já não os tribunais de outra ordem
nem a comunidade em geral (Ac. n.º 1197/96 do TC, de 21-11-1996, DR, II, de 14-2-1997, pág. 1947). Este
entendimento tem consagração no art.º 17º, n.º2 do Dec. Lei n.º 329-A/95, de 12-12, só podendo ser questionada a
doutrina dos assentos e dos acórdãos uniformizados de jurisprudência em recurso interposto para o Supremo.

 DOUTRINA

Historicamente a doutrina foi fonte de direito, mas não o é hoje.

Com efeito, a doutrina não é fonte imediata de direito, mas exerce influência no espírito dos juízes.

Pelo que, é aceite como fonte mediata do Direito.

A doutrina reconduz-se ao estudo teórico do direito, sendo constituída pelos estudos dos jurisconsultos
que, através da análise dos problemas ligados à vida jurídica, vão formando e emitindo opiniões sobre a melhor
resolução das diversas relações sociais..

 EQUIDADE

Sendo as normas jurídicas caracterizadas pela generalidade e pela abstracção, por vezes o seu comando
é pouco adequado ou mesmo injusto quando aplicada ao caso concreto.

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Ora, a equidade traduz-se, precisamente, no facto de o juiz ao decidir considerar as circunstâncias
especiais de cada caso concreto – é um critério de resolução de casos singulares.

No ordenamento jurídico português a maior parte da doutrina entende que a equidade não é fonte do
direito, pelo menos enquanto se entender fonte do direito como “modo de formação e revelação das normas
jurídicas”.

Não obstante tal entendimento, dispõe o art.º 4º do C.C. que os tribunais só podem segundo a equidade
quando (art.º 4º do C.C.):

a) exista disposição legal que o permita – artºs 339º, n.º 2 do C.C.; 437º, n.º 2 do C.C.;

b) haja acordo das partes e a relação jurídica não seja indisponível;

c) as partes tenham previamente convencionado o recurso à equidade, nos termos aplicáveis à cláusula
compromissória;

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CLASSIFICAÇÃO DO DIREITO

RAMOS DO DIREITO

Vimos já que existe uma só ordem jurídica, caracterizada pelo princípio da plenitude jurídica.

Contudo, o estudo da ordem jurídica e respectivas regras postula a diferenciação de sectores, que
tradicionalmente são conhecidos por Ramos do Direito, perpassados pelos princípios vigentes de cada ramo.

Dentro dos diversos ramos do direito objectivo podemos distinguir entre:

a)- Direito Internacional – é o direito que regula as relações inter-estaduais, isto é, as relações entre
Estados e ou outras entidades equiparadas a Estados no plano do direito internacional, como é o caso das
organizações internacionais;

b)- Direito Interno – é o direito que regula as relações intra-estaduais, isto é, dentro de um Estado;

Todavia, a distinção que nos releva neste momento, é a distinção ou classificação do direito interno em:

a)- Direito Público

b)- Direito Privado

Esta distinção remonta já aos tempos romanos:

“Publicum ius est quod ad statum rei romanae spectat, privatum, quod ad singulorum utilitatem”.

Donde que, o direito público era definido por respeitar à organização do Estado romano e à disciplina da
sua actividade e o direito privado por respeitar à utilidade dos particulares.

Porém, actualmente, são perfilhados outros critérios de distinção entre direito público e direito privado, os
quais têm a sua origem na aludida classificação romana.

A este respeito, não existe um critério unânime de distinção, sendo antes propostos pela doutrina
diversos critérios, principalmente três:

1º)- Critério do Interesse

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Para alguns autores, o critério a considerar é o do interesse: “a norma é de direito público quando
directamente protege um interesse público (“aquele que respeita à existência, conservação e desenvolvimento da
sociedade política”) e só indirectamente beneficia interesses privados”.

Isto é, o direito público visaria a satisfação de interesses públicos ou da colectividade e o direito privado
a satisfação de interesses privados, individuais, do particular enquanto tal .

Este critério não é aceitável, e é passível de críticas já que:


- não existe uma separação estanque entre o interesse público e o interesse privado: o interesse público
corresponde, pelo menos indirectamente, aos interesses particulares, e o interesse público é protegido porque há
um interesse particular nesse sentido;
- por outro lado, existem normas de direito privado que tutelam interesses sociais, como é o caso dos
artºs 188º, n.º 1 e 190º, n.º 1, al. b) do C. Civil relativas à instituição de fundações;
- outras normas de direito privado, além de interesses particulares, tutelam interesses públicos - é o caso
da norma que exige a celebração de escritura pública de um contrato de compra e venda de um imóvel, tutelando,
dessa forma, as partes contra a sua ligeireza ou precipitação e o interesse público da segurança do comércio
jurídico, da prova fácil da realização do acto (art.º 875º do C.C.);
- tal critério não pode aceitar-se nem como nota tendencial no sentido de que o direito público tutelaria
predominantemente interesses da colectividade e o direito privado protegeria predominantemente interesses dos
particulares, já que em muitos casos não pode saber-se qual é o interesse predominante;
- por outro lado, existem normas que, dada a sua inserção no sistema, são classificadas como de direito
privado, mas visam predominantemente interesses públicos - é o caso das normas imperativas, as quais não
podem ser afastadas por vontade dos particulares em contrário, já que realizam interesses públicos prevalecentes
sobre quaisquer interesses que os particulares convencionados.

2º)- Critério da Qualidade dos Sujeitos

Para outros autores o critério relevante é o do sujeito da relação jurídica: seriam relações de direito
público aquelas em que um dos sujeitos é o Estado ou outra pessoa dotada de autoridade política, ao passo que
as relações de direito privado seriam aquelas em que nenhum dos sujeitos se integrasse nessa categoria.

Logo, o direito era público quando regulasse situações em que interviesse o Estado, ou em geral qualquer
ente público, enquanto que o direito era privado quando regulasse as situações dos particulares.

Também este critério não é válido na medida em que muitas vezes o Estado actua na veste de particular
e não de autoridade, pertencendo tais relações ao âmbito do direito privado, como sucede nos casos de
responsabilidade do Estado por actos de gestão privada; com a possibilidade de ser herdeiro nos termos gerais
(art.º 2153º do C.C.); com as compras e vendas que celebra, entre outros.

3º)- Critério da Posição dos Sujeitos

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Ora, consideradas as aludidas insuficiência, o critério preferível a adoptar é o critério da posição dos
sujeitos na relação jurídica:

a)- é de direito público a relação que se estabelece entre entidades dotadas de autoridade política e que
actuem nessa veste de autoridade, e não como particulares, ou seja, nela intervêm entidades munidas de
autoridade pública, de ius imperii.

Pelo que, são normas de direito público aquelas que regulam as relações que regulam a actividade do
Estados e outros entes públicos como entidades dotadas de ius imperii;

b)- são relações de direito privado as relações que se estabelecem entre particulares e as relações em
que são intervenientes entidades dotadas de autoridade política/pública que actuam desprovidas desse ius imperii,
no mesmo plano que os particulares.

Donde que, são normas de direito privado as que regulam as relações em que os sujeitos estão em
posição de paridade (quando, por exemplo, o município compra um automóvel, arrenda um edifício para instalar
um serviço, etc)

Mas qual o interesse prático da distinção Direito Público – Direito Privado?


- em determinadas situações, determina as vias judiciais a que o particular lesado pelo Estado ou por uma
autarquia deve recorrer ou vice-versa, isto é, determina o tribunal competente, em razão da matéria, para
apreciar a lide (tribunais judiciais/tribunais administrativos).
- responsabilidade civil decorrente de uma actividade de órgãos, agentes ou representantes do estado está
sujeita a um regime diverso, consoante os danos sejam causados no exercício de uma actividade de
gestão pública ou de uma actividade de gestão privada.

I) Direito Privado

Dentro do Direito Privado podemos discernir a seguinte classificação:

a)- Direito Privado Comum ou Civil – regula as relações entre particulares de um modo geral;

b)- Direitos Privados Especiais – regulam de modo particular determinadas relações entre os particulares
que postulam princípios específicos;

O Direito Privado Comum é constituído pelo Direito Civil, correspondendo os Direitos Especiais ao Direito
Comercial e ao Direito do Trabalho.

a)- Direito Civil

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O direito civil é o ramo do direito que regula, em regra, toda a actividade ou “condição normal” dos
particulares, ou seja, a relação jurídica civil.

Nele encontram-se os princípios gerais do direito, o que é comum a várias disciplinas, ou pelo menos,
tendencialmente a todas.

Ora, o Código Civil é o principal diploma de normas de direito civil.

O primeiro Código Civil foi o Código de Seabra de 1867, tendo sido substituído pelo actual Código Civil
de 1966, reformado em 1976 e actualizado por diversas vezes.

Assim, elaborou-se uma parte geral do direito civil, que se pode dividir em dois domínios:

a)- estudo sobre as normas (a nossa cadeira) – Título I do C.C. “Leis, sua interpretação e aplicação”

b)- estudos sobre as situações / relações jurídicas – Título II do C.C. “Relações Jurídicas”

Dentro do direito civil podemos encontrar subdivisões ou sub-ramos.

Assim, de acordo com a doutrina germânica ou de Savigny de classificação das relações jurídicas,
podemos subdividir, não contando a parte geral, o direito civil em:

- Direito das Obrigações;


- Direitos das Coisas ou Direitos Reais;
- Direito da Família;
- Direito das Sucessões.

O nosso Código Civil adoptou a referida divisão, encontrando-se dividido em cinco livros:

- Livro I – Parte geral;


- Livro II – Direito das Obrigações;
- Livro III – Direito das Coisas;
- Livro IV – Direito da Família;
- Livro V – Direito das Sucessões

Por seu lado, a parte geral do C. Civil tem quatro sub-títulos em consonância com os quatros elementos
da relação jurídica:

- “Das Pessoas” – “Pessoas Singulares” e “Pessoas Colectivas”;


- “Das Coisas”;
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- “Dos Factos Jurídicos”;
- “Do Exercício e Tutela dos Direitos”

A)- Direito das Obrigações

Disciplina a relação jurídica obrigacional, ou seja, as situações pelas quais uma pessoa está vinculada a
realizar em benefício de outra uma prestação.

Obrigação é o “vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização
de uma prestação” (art.º 397º do C.C.).

A prestação traduz-se na conduta que uma pessoa - o devedor - se obriga a realizar para com outra
pessoa – o credor – são estes os sujeitos da relação obrigacional.

Se por exemplo A compra um carro a B, A obriga-se a pagar o preço desse carro. Esse pagamento é a
prestação a que A se obrigou.

O mesmo vale se C pede a D para lhe reparar o veículo, dado que D fica vinculado à obrigação/prestação
de reparar o veículo de C.

Dentro do Direito das Obrigações, o Código Civil tem um título que regula as “obrigações em geral” e um
título referente aos “contratos em especial”.

B)- Direitos das Coisas ou Direitos Reais

Disciplina relações jurídicas em que o bem garantido é uma coisa, ou seja, regula a atribuição das coisas,
de modo que um sujeito fica com um direito oponível a terceiros, tendo a possibilidade de tirar vantagens da coisa.

Direito Real é o “poder directo e imediato sobre uma coisa”, podendo o seu titular “extrair da coisa a sua
utilidade”, ao mesmo tempo que é um direito absoluto (implica um dever geral de respeito ou abstenção por parte
de todas as outras pessoas).

A relação jurídica real é uma relação absoluta que se estabelece entre o titular do direito real e todas as
outras pessoas, cujo objecto mediato é uma coisa.

No âmbito dos direitos reais, ao invés do que sucede no âmbito obrigacional, as partes não podem
livremente fixar o conteúdo desses direitos, porque os direitos reais estão tipificados na lei – consagra-se o
princípio da tipicidade ou numerus clausus.
Tal princípio está consagrado entre nós no art.º 1306º, n.º 1 do C.C.:

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“ Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras
parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não
esteja nestas condições, tem natureza obrigacional”.

Podemos distinguir três tipos de direitos reais:

a)- direitos reais de gozo – conferem “base jurídica ao gozo das coisas” (uso e fruição);

São direitos reais de gozo:

- direito de propriedade;
- usufruto;
- uso e habitação;
- direito de superfície;
- servidão predial;

b)- direitos reais de garantia – garantem a obrigação, mediante a constituição de um vínculo especial
entre o credor e certo bem do devedor – são as chamadas garantias reais;

Constituem direitos reais de garantia:

- consignação de rendimentos;
- penhor;
- hipoteca;
- privilégios creditórios;
- direito de retenção;
- penhora

c)- direitos reais de aquisição – direito real de preferência

C)- Direito da Família

Regula a constituição da família e as relações que se estabelecem no seio desta.

Logo, abrange o direito das relações emergentes do casamento, parentesco, afinidade (procriação) e
adopção - são fonte de relações jurídicas-familiares o “casamento, o parentesco, a afinidade e a adopção” (art.º
1576º do C.C.).

O casamento é um “contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir
família mediante plena comunhão de vida” (art.º 1577º do C.C.).

70
Por seu lado, o parentesco é o “vínculo que une duas pessoas em consequência de uma delas descender
da outra ou de ambas procederem de um progenitor comum”.
Tal noção legal abarca tão só o parentesco consanguíneo ou stricto sensu, em contraposição do
parentesco adoptivo ou em sentido amplo (art.º 1586º do C.C.).

O parentesco determina-se por (art.º 1579º do C.C.):


- linhas
- graus

As linhas podem ser (art.º 1580º, n.º 1 do C.C.):


- recta – quando um dos parentes descende do outro;
- colateral – quando nenhum dos parentes descende do outro, mas ambos procedem de um
progenitor comum (irmãos, tios, sobrinhos, primos)

A linha recta pode ser (art.º 1580º, n.º 2 do C.C.):


- descendente – quando se parte do ascendente para o que dele procede;
- ascendente – quando se parte do ascendente para o progenitor

Na linha recta existem tantos graus quantas as pessoas que formam a linha do parentesco, excluindo o
progenitor (art.º 1581º, n.º 1 do C.C.).
Na linha colateral os graus contam-se pela forma, subindo por um dos ramos e descendo pelo outro, mas
sem contar o progenitor comum (art.º 1581º, n.º 2 do C.C.).

Exemplo:
A
|
B C
| |
D E

Neste caso D e E são parentes em 4º grau; B e C são parentes em 2º grau.

Os limites do parentesco estão definidos na lei – os seus efeitos produzem-se em qualquer grau da linha
recta e até ao sexto grau na colateral (art.º 1582º do C.C.).

A afinidade é o “vínculo que liga cada um dos cônjuges aos parentes do outro” (art.º 1584º do C.C.).

A afinidade não cessa pela dissolução do casamento (art.º 1585º do C.C.).

A adopção é o “vínculo que, à semelhança da filiação natural, mas independentemente dos laços de
sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas nos termos dos artºs 1973.º e seguintes” (art.º 1586º do
C.C.).
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A adopção pode ser (art.º 1977º, n.º 1 do C.C.):
- plena
- restrita

D)- Direito das Sucessões

É o direito que regula a sucessão mortis causa, isto é, a transmissão por morte de uma pessoa para
outras da sua esfera jurídica transmissível, ou de outro modo dito, regula as relações jurídicas sucessórias.

Assim sucede, porque a morte de uma pessoa não determina a transmissão de todas as relações
jurídicas de que era titular.

Com efeito, determinadas relações – as relações pessoais - extinguem-se com a morte do respectivo
titular – são intransmissíveis (art.º 2025º do C.C.)

A sucessão, atendendo ao título pelo qual os sucessores são chamados, pode decorrer de (art.º 2026º do
C.C.):

- lei – sucessão legal


- testamento – sucessão testamentária
- contrato – sucessão contratual – é muito excepcionalmente admitida (art.º 2028º do C.C.).

Dentro da sucessão o autor da herança é aquele cujos bens são transmitidos por sua morte e os seus
sucessores são herdeiros ou legatários, consoante sucedam na totalidade ou numa quota do património do falecido
ou sucedam em bens ou valores determinados (art.º 2030º, nºs 1 e 2 do C.C.).

A sucessão legal pode ser (art.º 2027º do C.C.):


- legítima – quando o falecido não dispõe válida e eficazmente, no todo ou em parte, ou não
manifesta qualquer vontade relativamente aos bens que podia dispor para a morte (art.º 2131º e
segs. do C.C.);
- legitimária – sucessão destinada necessariamente aos herdeiros legitimários por força de lei, mesmo
contra a vontade do autor da sucessão (artºs 2156º e segs. do C.C.);

b) Direitos Privados Especiais

a)- Direito Comercial

O comércio, atento os seus interesses e o escopo lucrativo, é disciplinado juridicamente pelo direito
Comercial.

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Nos termos do art.º 1º do C. Comercial “a lei comercial rege os actos de comércio, sejam ou não
comerciantes as pessoas que nele intervêm”.

Desta noção decorre que a lei comercial regula os actos do comércio.

Actos de comércio são todos os que (art.º 2º do C. Comercial):


- estão especialmente previstos no C. Comercial – são os actos de comércio objectivos;
- os contratos e obrigações dos comerciantes que não tenham natureza exclusivamente civil e o
contrário do próprio acto não resultar – os chamados actos de comércio subjectivos.

Pode também suceder que determinados aspectos não estejam regulados particularmente na lei
comercial, caso em que se deve recorrer ao regime geral dos contratos e actos jurídicos previstos no Código Civil.

Neste sentido aponta o art.º 3º do C. Comercial:


“Se as questões sobre direitos e obrigações comerciais não puderem ser resolvidas, nem pelo texto da lei
comercial, nem pelo seu espírito, nem pelos casos análogos nela prevenido, serão decididas pelo direito civil”.

A actividade comercial tem princípios próprios:

- maior simplicidade das formas;


- maior protecção do credor;
- presunção de remuneração;
- maior necessidade de regulamentação internacional unitária.

O direito comercial está numa relação de especialidade com o direito civil.

b)- Direito do Trabalho

Traduz-se no conjunto das normas jurídicas que regulam as relações jurídicas emergentes do contrato de
trabalho subordinado.

II) Principais ramos do Direito Público

No âmbito do Direito Público podemos indicar vários ramos de direito, mormente:

a)- Direito Constitucional

Como o próprio nome indica o Direito Constitucional refere-se à Constituição.

73
Porém, podemos entender a Constituição com dois sentidos:

- Constituição em sentido formal – respeita ao texto legislativo composto pelo conjunto de normas
hierarquicamente superior no quadro das leis;
- Constituição em sentido material – abarca a estruturação da organização superior do Estado e o
estabelecimento dos direitos e deveres fundamentais das pessoas perante o Estado e outras pessoas munidas de
ius imperii.

Donde que, Direito Constitucional é aquele que regula a estruturação e funcionamento dos órgãos
superiores do Estado e os direitos e deveres fundamentais das pessoas.

b)- Direito Administrativo

Contrariamente ao direito constitucional que se relaciona com os órgãos superiores do Estado, o Direito
Administrativo “respeita aos órgãos de mera execução ou aplicação, e regula a prossecução de interesses públicos
através do exercício de prerrogativas de autoridade pelos referidos órgãos executivos ou administrativos”.

Ou seja, regula a organização e actividade dos órgãos da Admnistração Pública e outros entes públicos
na prossecução de interesses colectivos.

A administração pode ser:

- central;
- local

c)- Direito Financeiro

É o ramo do direito que disciplina a cobrança de receitas e a efectivação de despesas públicas.

d)- Direito Fiscal

Respeita ao pagamento de receitas fiscais – impostos – ao Estado pelos contribuintes, regulando a


relação jurídica fiscal, nomeadamente a definição e aplicação dos tributos.

e)- Direito Criminal ou Penal

Abrange o ramo do direito em que o Estado reage, munido de ius imperii, contra certos actos praticados
pelas pessoas – os crimes – através de penas criminais, nomeadamente, penas de prisão ou penas de multa.

Logo, todo aquele que comete um crime – “todo o facto descrito e declarado passível de pena por lei
anterior ao momento da sua prática” (art.º 1º do Código Penal) pode incorrer em responsabilidade criminal.

74
f) Direito Processual

O direito processual refere-se ao direito que disciplina a forma de resolução dos litígios em tribunal,
regulando a tramitação processual dessa resolução, ou seja, o processo.

O direito processual pode ser:

- direito processual civil – o litígio respeita a particulares, sendo solucionado pelo direito privado – C.P.C.;
- direito processual laboral - o litígio respeita a uma entidade patronal e um trabalhador no âmbito de um
contrato de trabalho subordinado – C.P.T.;
- direito processual administrativo – o litígio estabelece-se entre particulares e o Estado-Administração
Pública, sendo solucionado pelo direito administrativo – E.T.A.F. e L.P.T.A;
- direito processual penal – o litígio estabelece-se entre particulares e o Estado sobre o possível direito de
aplicar ao primeiro uma pena criminal – C.P.P.;
- outros, como o processo tributário, etc.

As questões civis e as questões penais são analisadas e resolvidas nos tribunais comuns:
- os tribunais de comarca;
- os tribunais da Relação;
- o Supremo Tribunal de Justiça

As questões administrativas correm perante os tribunais administrativos:


- tribunais administrativos de círculo;
- Tribunal Central Administrativo;
- Supremo Tribunal Administrativo.

Os tribunais constituem um órgãos de soberania.

Direito Internacional Privado

Indica o direito aplicável em caso de conflito de leis, constituindo um ramo do direito interno.

75
DA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS LEIS

Em sentido amplo, a interpretação pode definir-se como a determinação de qualquer acto ou fenómeno,
aos quais não escapam os actos e disposições jurídicas.

Na verdade, toda a disposição legal é constituída por um conteúdo, integrado por conjunto mais ou
menos vasto de palavras ou dizeres que exprimem um pensamento do legislador.

Contudo, como bem sabemos, as palavras frequentemente tem mais do que um significado, importando
analisar o texto que consubstanciam para determinar o sentido com que tais palavras foram usadas e o
pensamento que quiseram transmitir.

Ora, a tarefa de interpretação da lei traduz-se, nem mais nem menos, na actividade de “determinação ou
fixação do sentido e alcance da lei, ou seu entendimento ou compreensão, isto é, na determinação do exacto e
pleno conteúdo do pensamento nele contido”.

Essa actividade interpretativa deve obedecer a um conjunto de regras que se denomina técnica ou
método de interpretação.

Por seu lado, a aplicação da lei, como o próprio nome indicia, reconduz-se à utilização da lei na resolução
de casos concretos, do caso decidendo.

76
I) DA INTERPRETAÇÃO DA LEI

Como já se referiu, a interpretação da lei é a determinação ou fixação do exacto sentido e alcance de


uma norma, constituindo uma tarefa sempre necessária para aplicar a lei.

A técnica pela qual se procede à interpretação denomina-se hermenêutica.

Podemos discernir várias espécies de interpretação de acordo com diversos critérios:

1) Critério da sua Fonte e Valor

De acordo com o critério que considera o agente da interpretação, isto é, a qualidade do intérprete, há
que distinguir a interpretação:

a) Autêntica

É a interpretação que é feita pelo legislador através de uma nova lei, nomeadamente, por lei de valor
igual ou hierarquicamente superior ao valor da norma que se interpreta (lei interpretada), designando-se tal lei por
lei interpretativa.

A função da lei interpretativa é fixar decisivamente o sentido de outra lei anterior na qual se integra.

A lei interpretativa integra-se na lei interpretada (art.º 13º, n.º 1 do C.C.).

A interpretação autêntica é vinculativa mesmo que esteja errada:

- se a interpretação da lei interpretativa for correcta há uma verdadeira interpretação;


- se eventualmente alterar o sentido da lei interpretada, revoga-a, continuando a vigorar a lei
interpretativa.

A interpretação autêntica é também feita pelos assentos.

b) Oficial

É a interpretação feita por lei de valor hierarquicamente inferior ao valor da norma interpretada.

Pode ser vinculativa no domínio de uma relação de hierarquia (relação Ministro/subordinados do


respectivo ministério), mas essa vinculatividade restringe-se a esse âmbito, ou seja, a interpretação oficial não
vincula os tribunais.

77
Quid iuris nos casos em que os próprios diplomas legais contêm normas que determinam que as dúvidas
são resolvidas por despacho?

Qual o valor destes despachos?

O valor de interpretação autêntica ou o valor de interpretação oficial?

A resposta é-nos dada pelo art.º 112º, n.º 6 da C.R.P. que estatui que nenhuma lei pode conferir a actos
de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar ou integrar qualquer dos seus preceitos.

Consequentemente, a interpretação decorrente dos referidos despachos tem o valor da interpretação


oficial.

c) Judicial

É a interpretação feita pelos tribunais num processo concreto, e que apenas tem valor no próprio
processo e não fora dele, salvo o caso dos assentos.

d) Doutrinária, Doutrinal ou Particular

Por exclusão de partes, é a interpretação que é feita de modo que não os referidos, nomeadamente feita
por juristas.

Não tem qualquer força vinculativa, mas tão só valor de facto e persuasivo, resultante da exactidão dos
princípios em que se baseie, da razão que o intérprete demonstre ter (da sua lógica argumentativa), e do prestígio
do intérprete seu autor.

Ver art.º 6º C.C.

2) Critério da Finalidade que visa atingir

Sabendo nós que a interpretação se destina a fixar o sentido ou o alcance da lei, coloca-se a questão de
saber o que deve entender-se por “sentido de uma lei”.

A este respeito, e de acordo com duas posições fundamentais, podemos distinguir várias correntes de
interpretação:

a) Interpretação Subjectivista e Interpretação Objectivista

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A interpretação subjectivista é aquela cujo objectivo é reconstituir o pensamento concreto do legislador
enquanto pessoa ou pessoas que criaram a lei – trata-se da determinação mens legislatoris.

Logo, a lei deve valer com o sentido que foi querido pelo legislador, isto é, por aquele que a criou,
cabendo ao intérprete procurar, de entre os vários sentidos que a lei comporta, o que corresponde à vontade real
das pessoas que a elaboram.

Por seu lado, a interpretação objectivista é aquela em o intérprete procura determinar o sentido da lei em
si, abstraindo-se da pessoa ou pessoas que a criaram – trata-se da determinação mens legis.

Neste caso, abdica-se da vontade real do legislador, devendo a lei valer com o sentido mais razoável que
o seu texto inculque no espírito do intérprete, o qual não está vinculado ao pensamento do legislador histórico.

b) Interpretação Histórica e Interpretação Actualista

A finalidade da interpretação histórica é procurar reconstituir o sentido que a lei tinha no momento em que
foi elaborada e entrou em vigor, ao passo que a interpretação actualista tem como fim determinar o sentido que a
lei tem no momento em que está a ser aplicada (pode suceder que os sentidos sejam diferentes por alteração das
circunstâncias ou do próprio sentido das palavras).

A interpretação subjectivista corresponde à interpretação histórica e a interpretação objectivista


corresponde à interpretação actualista.

Legalmente, o Código Civil não pretendeu tomar parte exclusiva por alguma das posições quanto ao
método de interpretação a seguir, limitando-se a consagrar no seu artigo 9º que:

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento
legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada, e
as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da
lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções
mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

Assim, afastou-se do subjectivismo porque prescinde da letra da lei para atender à vontade do legislador
(art.º 9º, n.º 1 do C.C.), e afasta-se do objectivismo porque estabelece que a interpretação não deve cingir-se à
letra da lei, mas que a sua finalidade é reconstituir o pensamento legislativo, atendendo às circunstâncias em que a
lei foi elaborada (art.º 9º, n.º 1, 1ª parte do C.C.).

Consagra, ainda, a interpretação actualista pois determina que se deve ter em conta “as condições
específicas do tempo em que é aplicada” (art.º 9º, n.º 1, in fine do C.C.).
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Mas, ao falarmos de interpretação temos necessariamente que conhecer os elementos de que o
intérprete se pode socorrer para determinar o sentido da lei, isto é, os meios ou instrumentos de que o intérprete
deve servir-se na fixação do sentido da lei.

Para o efeito vamos estudar vários Elementos da Interpretação, que se complementam entre si e
constituem fases ou momentos diversos de uma só e mesma operação – a interpretação da lei - nomeadamente:

- elemento literal, textual, gramatical ou filológico;


- elemento lógico, teleológico ou racional;
- elemento sistemático;
- elemento histórico;
- elementos complementares;

a) Elemento Literal, Textual, Gramatical ou Filológico

Este elemento da interpretação é constituído pelas palavras da lei, correspondendo à letra da lei.

Naturalmente, é de supor que o autor da lei, bom conhecedor do que deve ser a língua portuguesa e da
terminologia jurídica, procurou cuidadosamente as palavras mais adequadas para exprimir na norma o seu
pensamento.

Ora, sabendo nós que o legislador exprimiu o seu pensamento por meio de certas palavras, é necessário
apurar o sentido com que foram empregues no respectivo texto.

É esta a primeira fase da tarefa interpretativa, e a partir é conduzida a tarefa do intérprete.

Verificado o seu significado, importa analisar a “estrutura das frases, atendendo à posição ou função dos
vocábulos nas orações e nos períodos, com vista a determinar o ou os possíveis sentidos” do preceito legal.

Deve, também, considerar as palavras em conexão e não isoladamente.

Assim, o intérprete deve procurar determinar o sentido das palavras da lei a interpretar, ou seja, tem
aquele que “ler a lei e ver o que aí se diz”.

A interpretação deste elemento designa-se interpretação literal, gramatical ou exegese.

Na sequência do estudo deste elemento, no século XIX surgiu em França a Escola Exegética que
defendia a prevalência do respeito do texto da lei na tarefa interpretativa.

80
Legalmente o legislador consagrou este elemento como um necessário elemento interpretativo, mas
entendeu que o mesmo não é suficiente (art.º 9º, n.ºs 1, 1ª parte, e 2, do C.C.):

“A interpretação não deve cingir-se á letra da lei, (...)”;

“Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei
um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.

Exemplo: o artigo 51º do C.C. fala em casamento de dois estrangeiros em Portugal e no casamento de
dois portugueses no estrangeiro.

À letra poderia entender-se que o C. Civil permite o casamento de duas pessoas do mesmo sexo.

Porém, tal é proibido pelos artºs 1577º e 1628º do C.C..

Assim, este elemento sendo necessário, não é suficiente.

b) Elemento Lógico, Teleológico ou Racional

Efectuada a análise da letra da lei e averiguado o seu sentido gramatical, deve o intérprete considerar os
demais elementos relevantes para determinar o sentido real da lei, a saber, os elementos extra-literais ou extra-
textuais da lei.

Assim, de o intérprete penetrar no espírito da lei, no pensamento que a determinou e informa.

Isto é, deve procurar “todas as potencialidades de transmissão de pensamento que a frase legal encerra”,
de modo a que essas “potencialidades” sejam reveladas.

No dizer da lei, deve “reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo” (art.º 9º, n.º 1 do C.C.),
constituindo o elemento lógico os meios de que o intérprete se deve servir para o efeito.

Assim sucede porque as normas legais contêm, muitas vezes, expressões com significados diversos,
consoante são empregues na linguagem comum ou na terminologia jurídica.

Por exemplo, a palavra “ausência” juridicamente significa desaparecimento de uma pessoa,


acompanhada da falta de notícias, da falta de representante legal ou curador, e da necessidade de prover acerca
da administração dos bens, enquanto que é distinto o seu sentido comum.

O mesmo vale com outros termos, por exemplo:


- “defeito”;
- “erro” – lapso na manifestação da vontade ou falsa representação da vontade;
- “obrigação” – dever ou relação jurídica de crédito.
81
- “coisa” – em sentido normal é tudo o que tem uma natureza corpórea ou material e em sentido jurídico
“tudo o que pode ser objecto de relações jurídicas”;
- “causa” em sentido normal é tudo que origina um efeito e em sentido jurídico é tudo o que é idóneo ou
adequado a produzir um efeito, não natural, mas jurídico.
- “resolução” em sentido normal é a chegada a uma solução e em sentido jurídico é colocar fim de modo
unilateral e fundamentado a uma relação contratual

Se o intérprete atendesse apenas ao elemento gramatical não era possível determinar o alcance da lei,
tendo que recorrer-se ao elemento lógico, que alguns autores subdividem em elemento racional, elemento
sistemático e elemento histórico.

É necessário que a norma seja compreendida no sentido que melhor corresponde às finalidade que com
ela se pretendem atingir.

No domínio da lógica, existem já processos de dedução jurídica tipificados para determinar o sentido e o
alcance da lei, nomeadamente:

- as regras relativas às relações entre mais e menos – justificam-se pela justificação lógica da sua
solução para casos que não o previsto legalmente – são os chamados argumentos por maioria da
razão ou a fortiori;
- as regras referentes às relações entre meios e fins;

1)- Relações entre Mais e Menos:

- a lei que permite o mais permite o menos – é o argumento a maiori ad minus – se por exemplo é
lícito alienar, será lícito hipotecar; se a lei permite que se venda a totalidade da propriedade de um
imóvel, igualmente permite que se venda uma sua quota parte em compropriedade ou o usufruto do
mesmo;

- a lei que proíbe o menos, proíbe o mais – é o argumento a minori ad maius – se por exemplo for
proibido hipotecar, por maioria de razão será proibido vender; a norma que proíbe o depositário usar
a coisa, só por si proíbe que ele a pudesse consumir ou alienar;

2)- Relações entre Meios e Fins:

- a lei que permite o fim, permite os meios necessários à consecução desse fim – se a lei atribui a
alguém um direito, é suposto existir algum meio de o exercer; se a lei que autorizar a captação de
água em certo prédio permite obviamente a entrada no prédio e que nele se façam as obras
necessárias para captar a água;

82
- a lei que proíbe o fim, proíbe necessariamente os meios que a ele conduzem – se for proibido o
consumo de heroína por tóxico-dependentes, deverá considerar-se proibida a sua venda aos
mesmos;

- a lei que permite os meios, permite o fim a que eles necessariamente conduzem – se a lei consente
a construção de uma estrada entre duas povoações, permitirá que as pessoas circulem nela;

- a lei que proíbe os meios, proíbe o fim a que eles necessariamente conduziriam – se a lei proíbe a
produção de certos componentes químicos, será proibido o fabrico das coisas que os integrem;

Outro processo de dedução lógica é o argumento a contrario sensu ou argumento a contrário:

- considerando certa norma como excepcional, a regra geral será contrária, pelo que todos os casos
não abrangidos pela norma excepcional estão sujeitos ao regime contrário;
- quando uma norma limita a sua previsão a certas hipóteses, além dessas hipóteses não se aplica tal
estatuição

Por exemplo, o art.º 947º, n.º 1 do C.C. determina que a doação de imóveis só é válida se constar de
escritura pública; logo se for doado um móvel aplica-se a regra inversa, e a validade formal da respectiva não
depende da sua formalização por escritura pública.

Doutra forma não se entenderia que o citado artigo só se tivesse referido aos “bens imóveis”.

Todavia, o argumento a contrario sensu padece de deficiências, nomeadamente nos casos em que as
normas particulares contêm linhas de princípios gerais, cujo intuito do legislador não é regular casos próximos do
caso regulado de modo diverso.

Por exemplo, o art.º 655º do C.P.C. estabelece que “o tribunal colectivo aprecia livremente as provas e
responde segundo a convicção que tenha formado acerca de cada facto quesitado”; porém esta norma não
significa que o juiz singular não aprecie livremente as provas.

Com efeito, o art.º 655º do C.P.C. estatui sob a forma de preceito particular um princípio geral de todo o
processo.

Assim, a utilização do argumento a contrario sensu só é lícita quando o espírito que está na base do
preceito tem um carácter excepcional e, portanto, se é levado a concluir que todos os outro casos estão sujeitos à
regra inversa.

83
Na fixação do sentido lógico sobreleva a consideração do elemento racional, isto é, da razão justificativa
ou razão de ser da lei.

Corresponde à ratio legis, e trata-se de uma razão teleológica, isto é, referente ao fim da lei, à finalidade
que o legislador pretende atingir.

Importa, pois, conhecer a sua finalidade ou objectivo, o “para que” e o “porquê” da lei.

Tomemos como exemplo o art.º 149º do C.C. que dispõe:

“São anuláveis os negócios jurídicos celebrados pelo incapaz depois de anunciada a proposição da acção
nos termos da lei de processo, contanto que a interdição venha a ser definitivamente decretada e se mostre que o
negócio causou prejuízo ao interdito”.

Este preceito regula o valor dos actos praticados pelos indivíduos contra os quais corre em tribunal uma
acção de interdição, mas antes de decretada a respectiva sentença.

Para que os actos sejam anuláveis é necessário que causem prejuízo ao interdito.

A que momento temporal deve atender-se para aferir desse prejuízo?

Ao momento em que o acto foi praticado ou ao momento em que a questão é apreciada pelo tribunal,
bastando que se tenha tornado prejudicial por força de circunstâncias posteriores?

A razão de ser do artigo leva-nos à conclusão de que a apreciação do prejuízo se deve reportar ao
momento da prática do acto, pois “o requisito do prejuízo visa evitar que, à volta dos interdicendos se forme um
vácuo, que estes sejam postos como que em quarentena pelos restantes indivíduos” porque ninguém quereria
contratar com aqueles sabendo que o negócio podia ser anulado, sem mais.

c) Elemento Sistemático

Como vimos já, a ordem jurídica constitui um sistema de elementos, nomeadamente normas jurídicas,
que se encontram coordenadas e homogêneas entre si, não podendo encerrar contradições, e que é perpassada
por um conjunto de princípios fundamentais.

Pelo que, a lei a interpretar tem que ser sempre encaixada no sistema em que se integra, considerando
os seus princípios gerais.

É neste sentido que se deve recorrer ao elemento sistemático, que é constituído por:

- pela colocação no sistema (pelo facto de a lei se enquadrar em certo capítulo pode obter-se conclusões
várias sobre o sentido da lei )
84
- pelas disposições que com a lei a interpretar se relacionam por regularem certas matérias , isto é, pelas
outras normas, que são normas contíguas à norma interpretada – o contexto da norma – e normas não contíguas à
norma interpretada – lugares paralelos.

Donde que, as leis são interpretadas umas pelas outras, ou seja, cada norma e conjunto de normas
funciona relativamente às demais como elemento sistemático de interpretação.

Legalmente o legislador consagrou este elemento da interpretação da lei no art.º 9º, n.º 1 do C. Civil, ao
estatuir que “A interpretação (...), mas deve reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo
sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico (...)”.

d) Elemento Histórico

Na sua tarefa interpretativa, o intérprete deve, ainda, atentar à evolução que deu origem à lei, à sua
história.

A história da lei pode ser:

- história próxima e história remota;


- história legal (evolução da regulamentação legal da matéria) e história social.

Dentro deste elemento inserem-se:

- a “história do direito” – as disposições anteriores à norma a interpretar, reguladoras da mesma


matéria;
- as “fontes da lei” – diplomas legais e estudos jurídicos em que o legislador se inspirou;
- os “trabalhos preparatórios” – os estudos, relatórios, pareceres, críticas, projectos e anteprojectos
que serviram de base à lei: no caso de leis da Assembleia da República os debates da lei são
publicados no Diário da Assembleia da República;
- preâmbulo ou relatório dos decretos-leis ou decretos;
- occasio legis – o conjunto das circunstâncias da sociedade que determinaram o aparecimento da lei,
com o seu conteúdo – “as circunstâncias em que a lei foi elaborada” (art.º 9º, n.º 1, parte final, do
C.C.).

e) Elementos Complementares

Neste elementos enquadramos por exemplo o direito comparado.

Além dos elementos referidos, podemos discernir algumas regras essenciais da tarefa interpretativa:
85
- presume-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu
pensamento em termos adequados (art.º 9º, n.º 3 do C.C.);
- presume-se que na lei não há normas, frases ou mesmo só palavras inúteis;
- a lei não impõe impossíveis;
- onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir – é uma mera presunção podendo o
intérprete concluir que o legislador usou uma expressão geral de mais, não pretendendo abarcar
nela determinados casos particulares.

3) Critério do Resultado

Mas será que o recurso aos elementos referidos basta para que o intérprete fique em condições de
indicar o verdadeiro sentido da lei?

Será que a letra da lei traduz claramente aquilo que o legislador pretende dizer, tudo o que quis dizer e só
o que quis dizer?

Ora, a relação entre a letra e o espírito da lei pode assumir diversas modalidades.

Assim, considerando o seu resultado a interpretação pode ser:

- interpretação declarativa
- interpretação extensiva
- interpretação restritiva
- interpretação enunciativa
- interpretação abrogante

I) Interpretação Declarativa

A interpretação diz-se declarativa quando se verifica que existe coincidência entre a letra e o espírito da
lei, sendo as palavras inteiramente adequadas para exprimir o pensamento legislativo.

Isto é, é aquela que fixa como verdadeiro sentido da norma o sentido ou um dos sentidos literais,
cabendo o sentido da lei dentro da sua letra.

Pelo que, o legislador disse aquilo que efectivamente quis dizer.

A interpretação declarativa pode ser:

a)- interpretação declarativa ampla ou lata


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Tem lugar quando a interpretação toma como exacto o sentido gramatical mais lato ou amplo dos vários
sentidos de extensão desigual da lei, ou seja, a palavra é tomada no seu sentido mais amplo.

Exemplo: quando se fala em “indíviduo”, este termo pode ser utilizado para designar as pessoas do sexo
feminino e as do sexo masculino ou apenas as pessoas do sexo masculino – caso se opte pelo primeiro sentido a
interpretação é ampla ou lata.

Exemplo: quando o art.º 362º do C.C. estatui que “documento é todo o objecto elaborado pelo homem
com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto” o termo “homem” vale com um sentido mais
lato dos dois que tem (ser humano e ser humano masculino) – faz-se uma interpretação declarativa lata daquele
normativo;

b)- interpretação declarativa restrita – quando a interpretação toma como exacto o sentido gramatical
mais restrito dos vários sentidos de extensão desigual da lei;

II) Interpretação Extensiva

Tem lugar nos casos em que havendo uma desconformidade ou não coincidência entre a letra e o
pensamento legislativos, o intérprete, através dos elementos utilizados, chega à conclusão de que o legislador
disse menos do que o que queria dizer, isto é, conclui-se que a letra da lei é mais restrita que o seu espírito – “o
legislador minus dixit quam voluit” (o legislador disse menos do que aquilo que queria).

A letra fica àquem do espírito da lei, tendo atraiçoado o pensamento legislativo.

Nesse caso, o intérprete deve ampliar o texto legal, dando-lhe um alcance mais extenso do que o
directamente contido nas suas palavras, de modo a abranger todos os casos que o legislador pretendeu
contemplar, sem o ter conseguido.

A este respeito determina o art.º 11º do C.C. que “as normas excepcionais não comportam aplicação
analógica, mas admitem interpretação extensiva”.

A interpretação extensiva não se confunde com o alargamento do campo de aplicação de uma norma
efectuado por outras normas, nomeadamente por remissão, como sucede com o art.º 939º do C.C. que manda
aplicar as normas da compra e venda aos contratos onerosos pelos quais se alienam bens ou se estabelecem
encargos sobre eles enquanto conformes com a sua natureza e não contraditórios com as respectivas normas
legais.

É exemplo de interpretação extensiva aquela segundo a qual a proibição de venda de avós ou pais a
filhos ou netos sem consentimento dos demais prevista no art.º 877º do C.C. se deve aplicar extensivamente aos
bisavós, pois deve alargar-se tal proibição a todos os ascendentes.
87
Outro exemplo: o art.º 2181º do C.C. dispõe quanto ao testamento de mão comum que:
“Não podem testar no mesmo acto duas ou mais pessoas, quer em proveito recíproco, quer em proveito
próprio”.

Neste artigo especificam-se as modalidades em que não é admitido o testamento de mão comum:
- proveito recíproco;
- proveito próprio

Mas, a letra da lei não abrange as situações em que os intervenientes disponham simultaneamente a
favor de pessoas diferentes – A dispõe a favor de B e C a favor de D.

Contudo, o sentido deste artigo é excluir em absoluto a intervenção de mais do que um disponente no
testamento.

Donde que, o texto daquele artigo deve ser corrigido, em nome do pensamento legislativo, no sentido de
abranger aquela modalidade (disposição simultânea a favor de pessoas diferentes) – interpreta-se extensivamente
aquele preceito.

III) Interpretação Restritiva

O intérprete chega à conclusão de que a letra da lei vai além do seu espírito, ultrapassa-o.

Ou seja, “limita a norma aparente”, por considera que o texto, a letra da lei vai além do seu sentido – “o
legislador maius dixit quam voluit” (o legislador disse mais do que aquilo que queria).

Neste caso, deve proceder-se a uma interpretação restritiva e reduzir a disposição legal à sua verdadeira
dimensão, limitando o alcance da norma legal àquilo que através da norma se pretendeu regular de acordo com o
pensamento legislativo que o intérprete reconstituiu.

Por exemplo, diz a lei que os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos (art.º 123º do
C.C.).

Todavia, esta limitação da capacidade de exercício de direitos do menor não pode abranger os menores
emancipados plenamente.

Donde que, temos que interpretar restritivamente o conceito de menor, e ler menor não emancipado onde
no art.º 123º se fala em menor, dado que os menores emancipados, em princípio, adquirem plena capacidade de
exercício de direitos (art.º 133º do C.C.).

IV) Interpretação Enunciativa


88
Tem lugar nos casos em que o intérprete extrai de uma determinada norma uma regra ou princípio que
ela não directamente não revela, mas que implicitamente ou virtualmente contém.

Ou seja, é aquela em que o intérprete deduz da norma interpretada outras normas, afins ou periféricas,
usando, entre outros, os métodos de dedução lógica referidos.

Exemplo: uma lei que reconhece um direito, legitima os meios indispensáveis ao seu exercício.

V) Interpretação Abrogante

É a que tem lugar quando se conclui que a norma não tem conteúdo válido, não tem já campo de
aplicação – “o intérprete não mata a regra, verifica que ela está morta”.

Exemplo: Dum “Código de Posturas” de uma Câmara Municipal do século XIX constava a seguinte norma
(reguladora do estacionamento!): “Nas argolas da parede principal dos Paços do Concelho só podem prender-se as
bestas dos vereadores”.

Se não foi expressamente revogada, essa norma tem, hoje, que ser objecto de uma interpretação
abrogante, porque actualmente os Vereadores deslocam-se em automóveis seus ou das Câmaras.

Em princípio esta espécie de interpretação é ilícita.

Contudo pode verificar-se em alguns casos:

a)- casos meramente académicos (incompreensibilidade total da norma)

b)- quando existem duas normas da mesma lei, da mesma data e que entram em vigor na mesma data,
que sejam contraditórias.

Nesta hipótese o intérprete deve resolver a contradição, e quando tal não for possível deve sacrificar a
norma que considere menos adequada, fazendo uma interpretação abrogante.

89
Hipóteses Práticas:

1)
António vem sendo, há longas semanas, acordado a meio da noite por chamadas telefónicas feitas por
alguém que invariavelmente lhe pergunta se costuma dormir bem.
Tendo reconhecido a voz de Alexandre, quer saber se pode apresentar queixa crime contra ele, com
fundamento no art.º 100º do Dec. Lei n.º 400/97, de 14/4 (C. Penal), nos termos do qual “quem se introduzir na
habitação de outra pessoa, contra a vontade expressa ou presumida de quem de direito, ou nela permanecer
depois de intimado a retirar-se, será punido com pena de prisão até 120 dias”.
Para o efeito, invocou o Decreto Regulamentar 11/99, de 12/1, que esclarece que a expressão “introduzir-
se na habitação” deve ser entendida como toda a violação da privacidade do domicílio, haja ou não presença física
por parte do agente.

a)- Considere o tipo de interpretação que foi efectuada pelo referido Decreto Regulamentar.

b)- Suponha que não existia o referido decreto regulamentar e que era consultado um professor
catedrático de Direito Penal, que emitiu um parecer sobre o sentido daquele artigo.
Que valor deve ser atribuído a este parecer no que concerne à interpretação do citado preceito do Código
Penal?

Resposta:

a)
Estamos no âmbito da matéria da interpretação da lei.
Na verdade, toda a disposição legal é constituída por um conteúdo, integrado por conjunto mais ou
menos vasto de palavras ou dizeres que exprimem um pensamento do legislador, cujo significado plúrimo
determina a necessidade de analisar o texto da lei para determinar o sentido com que as palavras foram usadas e
o pensamento que quiseram transmitir.
Assim, a tarefa de interpretação da lei traduz-se na actividade de “determinação ou fixação do sentido e
alcance da lei, ou seu entendimento ou compreensão, isto é, na determinação do exacto e pleno conteúdo do
pensamento nele contido”, de acordo com um conjunto de regras que se denomina técnica ou método de
interpretação.
Importa, pois, determinar ou fixar o exacto sentido e alcance de uma norma para aplicar a lei.
Ora, existem várias espécies de interpretação de acordo com diversos critérios.
Quanto ao critério da sua Fonte e Valor, isto é, de acordo com o agente da interpretação ou qualidade do
intérprete, a interpretação pode ser autêntica, oficial, judicial ou doutrinal, divergindo o respectivo valor.
A interpretação Autêntica é feita pelo legislador através de uma nova lei, nomeadamente, por lei de valor
igual ou hierarquicamente superior ao valor da norma que se interpreta (lei interpretada), designando-se tal lei por
lei interpretativa, cuja função é fixar decisivamente o sentido de outra lei anterior na qual se integra.
A lei interpretativa integra-se na lei interpretada (art.º 13º, n.º 1 do C.C.), sendo a interpretação autêntica
é vinculativa mesmo que esteja errada: se a interpretação da lei interpretativa for correcta há uma verdadeira

90
interpretação; se, eventualmente, alterar o sentido da lei interpretada, revoga-a, continuando a vigorar a lei
interpretativa.
Ora, neste caso o Decreto Regulamentar do Governo, tendo um valor hierárquico inferior ao da Norma
que se interpretou, um artigo de um Decreto-Lei, logo concluímos que não se trata de interpretação autêntica.
A interpretação Oficial é a que é feita por lei de valor hierarquicamente inferior ao valor da norma
interpretada, podendo ser vinculativa no domínio de uma relação de hierarquia (relação Ministro/subordinados do
respectivo ministério).
Porém, essa vinculatividade restringe-se a esse âmbito, ou seja, a interpretação oficial não vincula os
tribunais nem os demais destinatários da norma.
Desde logo, a interpretação efectuada pelo decreto regulamentar do Governo, podia tê-lo sido porque
esse decreto foi emanado ao abrigo da competência regulamentar do Governo, ou poder legislativo em sentido
amplo.
Efectivamente, o Governo é o principal órgão com poder regulamentar a quem “compete, no exercício de
funções administrativas fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis”, mediante, entre outros,
emissão de Decretos Regulamentares – são promulgados pelo Presidente da República (art.º 134º, al. b) da
C.R.P.).
Os decretos regulamentares destinam-se a possibilitar a aplicação ou execução da norma, isto é, regulam
a execução das leis gerais, devendo indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a
competência subjectiva e objectiva para a sua emissão (art.º 112º, n.º 8 da C.R.P.).
Os regulamentos revestem a forma de decreto regulamentar quando tal for determinado pela lei que
regulamentam, e quando se trate de regulamentos independentes (art.º 112º, n.º 7 da C.R.P.).
Pelo facto de os decretos regulamentares serem promulgados pelo Presidente da República e as
resoluções do Conselho de Ministros e as Portarias não o serem os primeiros têm valor hierarquicamente superior
em relação aos segundos e, dentro deste, a resolução prevalece sobre a portaria.
Assim sendo, a interpretação que o decreto regulamentar do Governo fez do art.º do C. Penal é uma
interpretação oficial, porque é feita por um lei de valor hierárquico inferior ao do Decreto-Lei.
Pelo que, essa interpretação não pode vincular os tribunais e fundamentar a apresentação de queixa
crime contra Alexandre.

b)
No que respeita à interpretação do art.º do c. Penal efectuada por meio de um douto parecer de um
professor catedrático, atendendo à qualidade deste, trata-se de uma interpretação Doutrinária, Doutrinal ou
Particular, porque feita por exclusão de partes, por lei de valor hierárquico superior, igual ou inferior ao da lei que
se interpreta, nem pelos tribunais, no âmbito de um processo concreto.
É a interpretação feita, nomeadamente feita por juristas.
Esta interpretação não tem qualquer força vinculativa, mas tão só valor de facto e persuasivo, resultante
da exactidão dos princípios em que se baseie, da razão que o intérprete demonstre ter (da sua lógica
argumentativa), e do prestígio do intérprete seu autor.
Donde que, muito menos poderia fundamentar a acusação contra Alexandre.
Sucede mesmo que a má interpretação de um artigo pode fundamentar a responsabilidade do autor
dessa interpretação (art.º 6º C.C.)

91
II)

Em 10 de Novembro de 2002, Joana permutou com Manuel um terreno de que era proprietária na
Nazaré por uma casa de que este era proprietário em são Pedro de Moel.
Tal negócio foi celebrado por documento assinado por ambas as partes.
Hoje, Joana arrepende-se e invoca a nulidade do referido contrato, aplicando por analogia ao caso em
questão o art.º 875º do C.C.
Terá razão?

Resposta:

O contrato de permuta, ou comummente designado Troca, é tal como o contrato de compra e venda um
contrato oneroso, sendo diverso deste na medida em que não é pago um preço em dinheiro, mas antes efectuada
uma troca de bens em espécie.
O contrato de compra e venda de imóveis tem que ser celebrado por escritura pública, sob pena de
nulidade.
Ora, aparentemente, não existindo regras específicas que regulem o contrato de permuta, Joana
entendeu ser aplicável ao caso omisso e não regulado na lei uma norma reguladora de um caso análogo, nos
termos do art.º 10º, n.º 1.
Contudo, assim, não pode suceder por várias razões.
O motivo fundamental prende-se com o facto de o art.º 875º do C.C. ser uma norma excepcional.
Como vimos já, uma norma excepcional é aquela que consagra um regime jurídico oposto ao que decorre
do regime regra, isto é, contraria directamente o regime geral.
Ora, o art.º 875º do C.c. ao exigir a celebração da compra e venda de um imóvel por escritura pública
está a consagrar um regime oposto àquele que se aplica à generalidade dos contratos, previsto no art.º 219º do
C.C., que consagra o princípio da liberdade de forma.
Assim sendo, nunca o art.º 875º poderia ser aplicado por analogia ao contrato de permuta, não regulado
directamente na lei.
Na verdade, o art.º 11º do C.Civil dispõe que “As normas excepcionais não comportam aplicação
analógica, mas admitem interpretação extensiva”.
Pelo que, as normas excepcionais não podem ser aplicadas a outros casos além dos directamente nelas
previstos.
Também não poderia interpretar-se extensivamente este artigo.
Contudo, aquele negócio não era válido, por vício de forma por força do alargamento do campo de
aplicação de uma norma efectuado por outra norma, nomeadamente por remissão, como sucede com o art.º 939º
do C.C. que manda aplicar as normas da compra e venda aos contratos onerosos pelos quais se alienam bens ou
se estabelecem encargos sobre eles enquanto conformes com a sua natureza e não contraditórios com as
respectivas normas legais.

Na ciência do direito surgiram várias correntes doutrinárias:

92
- Jurisprudência dos Conceitos – releva os elementos lógicos da interpretação, a indução de grandes
noções e princípios e dedução dessas noções de soluções particulares;

- Jurisprudência dos Interesses – releva o aspecto teleológico da lei, ponderando os interesses em


causa em cada norma e os que a lei pretendeu valorizar e sacrificar.

93
DA INTEGRAÇÃO DA LEI

Como vimos já, o nosso ordenamento jurídico é constituído por um vasto conjunto de leis.

Porém, esse conjunto de leis, por mais vasto que seja, nunca consegue abranger e contemplar
directamente todas as situações da vida social que exigem uma resposta jurídica.

Efectivamente, por vezes surgem situações da vida que têm que ser tuteladas juridicamente, mas a
respectiva solução jurídica não se encontra directamente da lei, isto é, os casos em questão não estão regulados
directamente no texto da lei.

Mas porque que é que tal acontece?

Assim sucede, porque a vida real, o dia-a-dia, é sempre mais rica e variada em hipóteses e
acontecimentos do que a imaginação do legislador em os prever, por mais que este seja dotado, desencadeando-
se situações que aquele não conseguiu prever e/ou regular no momento em que elaborou a lei, ou que, pelo
menos, aquele quis legislar.

Nos casos em que o julgador se confronta perante uma situação real ou relação social não regulada por
qualquer norma jurídica estamos perante as chamadas lacunas da lei ou casos omissos.

Para tal é necessário que o caso a regular respeite à ordem jurídica, e não à ordem religiosa, moral,
social, ética, ou outras.

Assim, lacuna da lei é uma “incompleição do sistema normativo que contraria o plano deste”.

A lacuna pode ser de:

a)- previsão – falha a previsão de um caso que deve ser juridicamente regulado

b)- estatuição – há a previsão de um caso, mas não se estatuíram os correspondentes efeitos jurídicos.

Mas como deve o intérprete/julgador proceder quando os diplomas normativos não contêm a previsão de
um caso da vida?

Significa tal facto que tal situação não tem qualquer relevo para o Direito? Que não é um caso jurídico?

Que o juiz se deve abster de julgar e apreciar esse caso?

Desde logo, encontramos a resposta para esta questão no art.º 8º, n.º 1, do C.C., que exclui a hipótese
de o juiz recusar o julgamento alegando a falta ou a obscuridade da lei:

94
“O tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou a obscuridade da lei ou invocando dúvida
insanável acerca dos factos em litígio”.

Logo, o tribunal tem resolver juridicamente tal situação.

Não obstante assim ser, o tribunal só é obrigado a julgar os casos que devam ser juridicamente
apreciados, isto é, que mereçam tutela jurídica, pois seria inadmissível que, por exemplo, um tribunal tivesse que
decidir um caso em que uma pessoa vinha exigir de outra que esta o cumprimentasse na rua.

Ora, perante um caso omisso, revelado pela interpretação de uma norma e descoberta do seu sentido e
alcance relevante para o direito, a actividade que procura resolver juridicamente tais situações denomina-se
Integração da lei (o julgador deve integrar a lacuna da lei nos termos legais).

A este respeito reza o art.º 10º do C. Civil que:

“1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.
2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso
previsto na lei.
3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se
houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.”.

Deste normativo decorre que a integração das lacunas da lei pode fazer-se por duas formas ou segundo
dois processos normativos:

a)- analogia

b)- “segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do
sistema”.

a)- Analogia

A primeira tarefa do intérprete/julgador consiste no recurso à analogia, aplicando-se ao caso omisso a


norma reguladora de um caso semelhante – existe um caso análogo regulado por lei.

Isto é, deve procurar uma norma que regule um caso análogo.

Por exemplo, quando se iniciou a navegação aérea, não existiam, naturalmente, leis que a regessem;
pelo que, durante algum tempo foram aplicadas à navegação aérea as regras da navegação marítima.

Contudo, não basta, encontrar vagas semelhanças entre o caso omisso e o caso regulado para
fundamentar o recurso à analogia.

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Antes se exige que as razões justificativas do regime fixado para a situação legalmente prevista se
mostrem válidas e adequadas para a questão não prevista, de modo a poder concluir-se que das mesmas ou
idênticas razões devem derivar iguais consequências, ou seja, sempre que a razão de decidir no caso omisso e no
caso previsto seja a mesma.

Dentro da analogia, podemos distinguir entre:

1)- analogia legis, imediata ou de primeiro grau e analogia iuris, mediata ou de segundo grau

A analogia legis é a que consiste na aplicação directa do regime do caso previsto ao caso omisso.

Por exemplo, considerar o princípio do art.º 165º do C.C., segundo o qual as pessoas colectivas (de fim
não lucrativo – art.º 157º) “respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou
mandatários, nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus
comissários” e aplicá-lo, com as devidas adaptações, às sociedades, porque não obstante terem fim diferente têm
estrutura semelhante que postula a sujeição ao mesmo regime nesta matéria.

Por seu lado, a analogia iuris traduz-se na procura na regulamentação de um ou vários casos da
afirmação de um princípio mais geral, que não está expressamente enunciado e se aplica a todos os demais casos
que caibam no seu âmbito.

2)- analogia da lei e analogia do direito

A analogia distingue-se da interpretação extensiva:

- na analogia o legislador não pensou ou quis alargar a solução legal ao caso omisso, o qual tem as
mesmas características essenciais do caso omisso – pressupõe uma lacuna da lei, uma omissão do caso
decidendo; conduz à aplicação de uma lei a casos que ela não contempla nem na letra nem no espírito ;

- na interpretação extensiva conclui-se que o legislador disse menos do que aquilo que queria dizer –
pressupõe que o caso está previsto no texto da lei; limita-se a aplicar a lei a situações deficientemente abrangidas
na sua letra, mas compreendidas no seu espírito.

Ora, a propósito desta distinção e das normas jurídicas excepcionais, o legislador consagrou uma
importante solução legal no art.º 11º do C.Civil:

“As normas excepcionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva”.

Pelo que, as normas excepcionais não podem ser aplicadas a outros casos além dos directamente nelas
previstos.

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Por outro lado, também, as regras penais, que definem os crimes e estabelecem as penas não podem ser
aplicadas por analogia, em nome da defesa contra eventuais abusos de poder, nos termos do art.º 1º, n.º 3, do C.
Penal:
“Não é permitido o recurso à analogia para qualificar um facto como crime, definir um estado de
perigosidade ou determinar a pena ou medida de segurança que lhes corresponde”.

Assim, proíbe-se a analogia in malem partem e permite-se a analogia in bonam partem.

b) criação da norma de acordo com o espírito do sistema

Nos casos de lacunas rebeldes à analogia, isto é, nos casos em que o intérprete não encontra para o
caso omisso norma análoga (aplicável por analogia), deve proceder-se de acordo com a norma que o próprio
intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.

Tal norma não é fixada subjectivamente, consoante as pessoas em causa, não podendo nunca ofender o
espírito do sistema.

Antes essa norma é fixada de forma objectiva, de acordo com os princípios gerais do ordenamento
jurídico português, devendo ser elaborada a norma mais adequada não para o caso omisso em si mesmo,
atendendo às suas particularidades, mas para o género de casos em que ele se integra, completando assim “o
sistema legal onde se mostra que o legislador o deixou por acabar”.

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DA APLICAÇÃO DA LEI

A tarefa de aplicação da lei implica:

- determinação da norma aplicável, ou seja, enquadrar o caso decidendo na previsão de certa norma;
- fixação da estatuição correspondente;

Na determinação da norma aplicável é necessário considerar a norma e o facto, tendo a primeira que se
ajustar ao segundo.

A tradução dos factos em linguagem jurídica designa-se qualificação.

Se eu dou a B uma coisa em troca de uma certa quantia pecuniária qualifica-se tal factualidade como um
contrato de compra e venda.

A análise dos factos para serem juridicamente regulados denomina-se subsunção – os factos subsumem-
se à norma e a norma aplica-se aos factos.

Ora, a aplicação da lei decorre da subsunção dos factos à norma, seguida da determinação da norma
aplicável e, por fim, da fixação da sua estatuição.

A determinação da norma aplicável abrange:

- selecção da norma – encontrar a norma cuja previsão quadra os factos.


- controlo da sua validade e vigência – as normas a aplicar têm que estar em vigor, salvo se forem
aplicadas como normas passadas segundo as regras de aplicação da lei no tempo, e têm que ser
válidas, ou seja, não se podem formar de modo ilegal ou inconstitucional ou contrárias as normas
hierarquicamente superiores.

Relacionada com a tarefa de selecção da norma aplicável está:

- aplicação das leis no tempo


- aplicação das leis no espaço

I) Aplicação das Leis no Tempo

Quando uma lei entra em vigor numa determinada sociedade tal não significa que essa lei vigore
indefinidamente para sempre, podendo ser revogada por outra lei posterior.

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Pelo que, em princípio, se aplica o princípio fundamental de que “a lei nova revoga a lei antiga”.

Mas, será que a lei nova que revoga uma lei antiga nunca mais se aplica para o futuro? Será que as
normas jurídicas nunca se aplicam ao passado?

Ora, se uma lei nova revoga uma lei anterior, consequentemente estatuirá um regime jurídico diferente
para a mesma espécie de situações.

Se assim é, coloca-se a questão de saber por que lei se deve regular a situação constituída no domínio
da lei antiga que se mantém depois da entrada em vigor da lei nova ou que, na vigência desta, é apreciada.

Exemplo 1: Determinada lei vem a admitir o divórcio num país onde até então não era permitido.

Aplica-se a nova lei só aos casamentos celebrados após a entrada em vigor dessa lei ou também aos
celebrados anteriormente?

Exemplo 2: A e B celebram um contrato de compra e venda de um imóvel num momento em que a lei
não exigia para a respectiva validade qualquer formalidade especial.
Um mês depois é publicada e entra em vigor uma lei nova que exige a celebração daquele negócio por
escritura pública.

Se o contrato entre A e B for apreciado pelo tribunal depois de vigorar a lei nova deve ou não ser
considerado válido?

Em ambas as situações a relação jurídica contacta com duas ou mais leis que se sucedem no tempo e
estatuem regras jurídicas diferentes para a mesma situação.

Qual a lei que se deve aplicar?

Actualmente, o problema da aplicação da lei no tempo tem que solucionar-se pela interpretação da lei
nova, de modo a saber até onde a lei nova se quer aplicar.

Por vezes, o legislador prescreve expressamente as regras que vão regular a aplicação temporal da nova
lei, através do chamado direito ou disposições transitórias.

Na verdade, a lei nova pode ter preceitos especiais sobre a sua aplicação no tempo, como é o caso da lei
preambular do C. Civil:

“A aplicação das disposições do novo código a factos passados fica subordinada às regras do artigo 12º
do mesmo diploma, com as modificações e os esclarecimentos constantes dos artigos seguintes” (art.º 5º).

Também podem aplicar-se regras gerais que constituem critérios próprios de certos ramos do direito:

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- no direito processual vigora a regra de que a lei nova é de aplicação imediata;

- no direito penal vale o princípio da aplicação da lei mais favorável ao agente – quer seja a mais nova ou
a mais antiga que entrar em vigor à data da condenação do criminoso.
Exemplo: descriminalização do cheque de garantia

Contudo, assim não sucede na maior parte dos casos, não existindo preceitos especiais aplicáveis tendo,
nessa hipótese que procurar-se a solução legal do problema nos artºs 12º e 13º do C.Civil, que dispõem quer o
princípio geral, quer as soluções específicas.

1)- Princípio Geral

A regra geral aplicável a qualquer ramo do direito está prevista no art.º 12º, n.º 1, do C.C. que estabelece:
“A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam
ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destine regular”.

Desde logo, não havendo regra particular, nem critério específico de um ramo do direito, vale o princípio
universal segundo o qual a lei nova é de aplicação imediata.

Relacionado indissociavelmente com este princípio está um outro, a saber, o princípio da não
retroactividade da lei ou da proibição da retroactividade da lei, já consagrado no domínio da Carta Constitucional
de 1826 e do Código Civil de 1867.

Em primeiro lugar, uma norma é retroactiva quando valora de novo um facto passado, antes valorado
diferentemente pela lei vigente no tempo em que se verificou, atribuindo-lhe consequências diferentes, mormente
quando mais desfavoráveis ao destinatário da mesma norma.

Presume-se que a lei nova é mais adequada.

Se não fosse retroactiva poderia colocar-se em causa a segurança dos actos já praticados e afectar-se-ia
negativamente a previsibilidade das consequências das condutas que a existência de regras possibilita.

Dentro da retroactividade podemos discernir três graus:

a)- 1º grau: privação para o futuro das consequências que a lei antiga ligou ao facto

Se a lei nova exige que o arrendamento comercial seja celebrado por escritura pública e determina que
os arrendamentos, mesmos celebrados validamente, passam a ser ineficazes a partir da entrada em vigor desta lei,
o arrendatário tem que restituir o imóvel e deixa de pagar a renda;

b)- 2º grau: anulação mesmo das consequências passadas dos factos

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No caso anterior, a lei nova obrigava a restituir as rendas já pagas;

c)- 3º grau: anulação de uma categoria muito especial da lei antiga, a saber, os casos julgados.

Trata–se da reabertura dos processos já julgados e seu julgamento à luz da lei nova.

A retroactividade de 3º grau é inconstitucional já que dos artigos 281º e 282º da C.R.P. resulta que a
declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de uma norma não pode ofender casos julgados;
logo, a fortiori a revogação de uma norma válida não pode ofender casos julgados.

Legalmente, também, em matéria penal se proíbe expressamente a retroactividade das leis


incriminatórias – princípio da não retroactividade da lei penal mais desfavorável e princípio da retroactividade da lei
penal mais favorável (art.º 2º do C. Penal).

Efectivamente as regras penais incriminadoras não podem ser retroactivas, em nome do princípio da
legalidade.

Nem podem ser aplicadas sanções não previstas em lei anterior.

Contudo, o referido princípio da não retroactividade previsto no Código Civil não é absoluto.

Significa, antes, que, em regra, a lei não tem eficácia retroactiva, isto é, rege para o futuro e deve
respeitar os factos passados, os factos verificados antes da sua entrada em vigor, não atingindo situações que se
devam considerar consumadas.

Cada facto deve, pois, ser regulado pela lei vigente ao tempo da sua verificação, nomeadamente:

- aplicando-se a lei nova aos factos ocorridos após a sua entrada em vigor

- aplicando-se a lei antiga aos factos ocorridos anteriormente à entrada em vigor da lei nova, ou seja, na
vigência da lei antiga

Porém, em certos domínios pode haver leis retroactivas.

Pode na própria lei ser “atribuída eficácia retroactiva”, isto é, determinar-se que certa lei se aplica ao
passado; contudo “presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a
regular”, isto é, que há a intenção de respeitar os efeitos jurídicos já produzidos pelos factos que a lei se destina a
regular.

Admite-se, pois, a retroactividade de 1º grau.

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Mas, a norma jurídica não regula apenas factos; regula, também, as suas consequências ou efeitos,
muitos dos quais relativos a factos anteriores à vigência da nova lei.

A este respeito, consagrou o n.º 2 do citado art.º 12º do C.C. que:

“Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre
os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa factos novos; mas, quando dispuser directamente
sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem, entender-se-á que a lei
abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.

Este normativo procura complementar o princípio geral da não retroactividade da lei.

Com efeito, consagra-se nesse artigo a distinção entre factos e efeitos, consequências ou situação,
nomeadamente entre:

a)– lei que se destina a regular as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou
sobre os seus efeitos

A lei aplica-se só aos novos factos da espécie prevista, isto é aos factos que venham a ocorrer após a
sua entrada em vigor.

b)- lei que se refere directamente ao “conteúdo de certas relações jurídicas” já constituídas abstraindo-se
dos factos.

A lei nova aplica-se não só às relações jurídicas que se constituam “ex novo”, mas também às próprias
relações já constituídas e que subsistam à data de início de vigência da nova lei.

Pelo que, o intérprete tem sempre que determinar se a lei nova é:


- uma lei “reguladora de factos”, isto é, “do acontecimento ou evento a partir do qual se constitui a relação
jurídica”

aplica-se só aos factos novos

- uma lei “do conteúdo de relações jurídicas”, isto é, “reguladora de direitos e deveres de que são titulares
os respectivos sujeitos”

independentemente dos factos que originaram a relação jurídica, a lei aplica-se às relações “nascidas à
sombra da lei antiga e que se mantêm na vigência da lei nova”.

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Assim, como resolver os exemplos atrás indicados?

Exemplo 1:

A resposta à questão de saber se a lei nova que admite o divórcio se aplica só aos casamentos ocorridos
após a sua entrada em vigor ou aos celebrados anteriormente encontra-se na 2ª parte do artigo 12º, n.º 2 do C.C. –
“mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe
deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua
entrada em vigor”.

Logo, nova lei é imediatamente aplicável a todos os casamentos, incluindo os celebrados antes da
entrada em vigor da nova lei, pois tratar-se de uma disposição que vem regular os conteúda da relação jurídica
matrimonial, atribuindo aos cônjuges um direito que até aí não tinham, sem o fazer depender de qualquer facto.

Exemplo 2:

Se a lei nova exige a formalização da compra e venda de imóveis por escritura pública e a lei anterior
nada exigia, a lei nova, enquanto “lei reguladora de factos” aplica-se só aos novos contratos, isto é, aos que sejam
celebrados após a sua entrada em vigor.

2)- Regras Específicas

O princípio geral da não retroactividade da lei sofre uma excepção prevista no art.º 13º, n.º 1 do C. Civil:

“A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo
cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por
actos de natureza análoga”.

Segundo este artigo, a lei interpretativa é a que procede à interpretação autêntica, ou seja se destina a
fixar o sentido decisivo de uma lei anterior obscura ou ambígua.

A lei interpretativa é posterior à lei interpretada e integra-se na lei interpretada, formando com ela um
todo.

Para que a lei nova seja realmente interpretativa é necessário que se verifiquem dois requisitos:
a) a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta;
b) a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da nova controvérsia e seja tal que o
julgador ou intérprete sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e à aplicação da lei.

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Ora, a lei interpretativa é retroactiva e actua sobre o passado.

Tudo se passa como se a lei interpretativa tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada
aplicando-se, consequentemente, aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor.

Assim, prescreveu o legislador a eficácia retroactiva da lei interpretativa, ou seja, retroage à data da
entrada em vigor da lei interpretada.

Admite-se, deste modo, a retroactividade de 1º grau e a retroactividade de 2º grau.

Todavia, considerando as perturbações e consequências nefastas da aplicação retroactiva da lei a todos


e quaisquer factos passados e relações já consumadas, ressalvam-se os efeitos já produzidos “pelo cumprimento
da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de
natureza análoga”, isto é, aqueles direitos já definitivamente fixados por decisão judicial ou por convenção dos
interessados.

Logo, não se admite a retroactividade de 3º grau (sentença passada em julgado) e casos análogos (actos
de natureza análoga).
Caso Prático:

António celebra com Bento um contrato de empreitada, que deve ser cumprido dentro de três meses.
Logo no mês seguinte surge uma lei que regula em termos diversos os poderes e vinculações do dono da
obra e do empreiteiro.

À luz de que lei deve o contrato executar-se?

Caso Prático:

Em 2001, Bernardo praticou um furto qualificado então punido com pena de prisão de 2 a 5 anos.
Em 2003, aquando do seu julgamento está em vigor uma lei que pune aquele facto com uma pena de
prisão 3 a 6 anos.
Qual a lei aplicável?

Caso Prático:

Hugo, proprietário de um prédio que não tem saída para a via pública, constituiu uma servidão de
passagem pelo prédio de João por documento particular rubricado por ambas as partes, nos termos do art.º 1510º
do Decreto Lei n.º 205/99.
Dois meses depois foi publicado um decreto lei, nos termos do qual, para efeitos do citado artigo, não
bastava a rubrica das partes, exigindo-se a sua assinatura completa.

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É ou não válida a servidão constituída?

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II) Aplicação das Leis no Espaço

Respeita às situações que estão em conexão com diversas ordens jurídicas nacionais ou internacionais
locais, surgindo um conflito de leis que impõe determinar a ordem jurídica aplicável à situação.

Para o efeito recorre-se às normas de direito internacional privado, contidas nos artºs 14º a 65º do C.C..

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