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Caroline por sua vez, não desenhou nada mais além de poucos traços não
figurativos. Souza (2011) aponta que o desenho se apresenta ao psicanalista como
uma espécie de linguagem cifrada, a ser decifrada por uma certa postura de
observação. E que as imagens são uma forma de comunicação de afetos, onde o
psicanalista tem, por vezes, a função de “acolher este código de linguagem e
comunicação e tentar encontrar um sentido” (Souza, 2010, p.209)
De acordo com o pai de Caroline, a queixa principal advinha da escola – de
onde estava afastada, caracterizado por seu “mau comportamento”, como por
exemplo, beliscar a professora e não obedecer. Mas que em casa demonstra um
comportamento normal.
“... A rapidez com que se estabeleceu um laço transferencial entre nós: ela
parecia querer seduzir-me, dirigindo-me uma clara demanda de amor (ou de
tratamento) ” (Dadoorian, Oliveira e Chan, 2010, p.399). De acordo com
Vasconcelos, Rebouças e Albuquerque (2017) o que sustenta a análise, seja de
adulto ou infantil, é a transferência. Entendida enquanto uma relação que se
estabelece de forma espontânea e atual entre analisando e analista. Sendo a partir
dessa relação que o analista escuta o inconsciente do analisando. O que o
analisando endereça ao analista é a sua fantasia fundamental, construída a partir da
incógnita lançada pela posição ocupada no desejo dos pais (Chemama e
Vandermersch, 1995 apud Vasconcelos, Rebouças e Albuquerque, 2017, p.55).
Ainda de acordo com Vasconcelos, Rebouças e Albuquerque (2017) é somente
quando o sujeito está sob transferência, é que existe o sinal de entrada em análise,
pois há um desejo de suposto saber na demanda de análise, associado ao sintoma.
Entretanto, o psicanalista precisa distinguir o motivo pelo qual é procurado, uma vez
que a demanda trazida pelos pais é diferente daquela trazida pela criança.
“... entretanto, bastou que eu lhe perguntasse sobre a escola e suas feições
se modificaram instantaneamente. Apagou-se o sorriso, que deu lugar a uma
expressão, a um só tempo, triste e zangada, com a testa franzida e os lábios
cerrados” ” (Dadoorian, Oliveira e Chan, 2010, p.399). Para a psicanálise, a relação
entre o lugar que a criança é colocada por seus pais e o sintoma que ela apresenta
como resposta aos sintomas da família, representa a verdade do desejo parental. O
sintoma da criança é a forma de lidar com o tempo lógico da constituição subjetiva
que ela está atravessando. Ou seja, a criança não responde passivamente aos
modos de investimentos dos outros, é alguém que endereça a si ativamente, os
impasses familiares que lhe antecederam. (VASCONCELOS, REBOUÇAS E
ALBUQUERQUER, 2017, p.56).
Caroline manifestava sua dificuldade de suportar o término das sessões, sentido por
ela como um abandono de minha parte, invertendo nossas posições: era eu quem
anunciava que o tempo se esgotava; era ela, então, que me expulsava da sala e se
trancava lá dentro; ou escapava para outra sala e não permitia que eu entrasse [...]
quando eu pedia para entrar, ela não permitia. Eu aguardava então, do lado de fora, o
(inevitável) momento em que Caroline saía, para verificar se eu ainda estava à sua
espera. Toda esta atuação era vivida por ela com muita angústia, muito choro, muitos
gritos, apesar de minha fala repetidamente lhe assegurar que eu estaria ali para recebê-
la novamente na semana seguinte, para lhe garantir que esta separação não consistia
num sinônimo de abandono. Houve ocasiões em que ela chegou a me bater, deixando
clara a função defensiva de sua agressividade. (DADOORIAN, OLIVEIRA E CHAN,
2010, p.400-401)
Ainda de acordo com Maranhão e Vieira (2017) o brincar é efeito da
estruturação do aparelho psíquico, que pode revelar os sintomas da criança e suas
formas de sofrimento. E, embora brinquem espontaneamente, sua origem não é
espontânea. Pois o brincar só é possível a partir dos primeiros encontros e
desencontros do sujeito com o Outro no início da sua vida. Vidal (1992) apud
Maranhão e Vieira (2017) assinala que o que interessa ao psicanalista é o manuseio
que a criança faz do seu corpo e dos seus brinquedos durante as encenações
fantasmáticas, de forma que o corpo do analista também entra no circuito pulsional a
partir da vontade da criança. O analista assume a posição de alguém suficiente que
oferece à criança uma trajetória simbólica com a qual lida com sua insuficiência,
abrindo espaço e dando tempo para que as fantasias inconscientes apareçam e a
criança possa trabalhar sua fantasmática na brincadeira.
pentear os cabelos, apontar um lápis, ou mesmo urinar e lavar as mãos, estas são
obviamente atividades que requerem um certo olhar materno sobre a criança. Em
outras palavras, é preciso que uma mãe ofereça a seu filho alguns cuidados básicos,
relativos à higiene, passando pela aparência física, e chegando à educação
propriamente dita. No caso de Caroline, sua mãe demonstrava uma dificuldade
evidente de empreender esta tarefa, o que fazia com que a filha se engajasse numa
verdadeira “busca por uma mãe”, na qual obteve resultados parciais (transferenciais)
em análise. O medo do desamparo e de se desintegrar, expressos por Caroline,
apontavam esta falha da maternagem (DADOORIAN, OLIVEIRA E CHAN, 2010,
p.403)
REFERÊNCIAS