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ESCOLA SUPERIOR DOM HELDER CÂMARA

PROGRAMA DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

Fagner Alexandrino da Silva

O significado da “selfie” no âmbito da sociedade do entretenimento

Belo Horizonte

2015
Fagner Alexandrino da Silva

O significado da “selfie” no âmbito da sociedade do entretenimento

Trabalho de Filosofia apresentado ao programa de


Graduação em Direito da Escola Superior Dom Helder
Câmara como requisito parcial de avaliação.

Orientador: Prof. Rogério Monteiro Barbosa.

Belo Horizonte

2015
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................................4
2 A SELFIE NO ÂMBITO DA SOCIEDADE DO ENTRETENIMENTO..........................................5
2.1 O termo “cultura”.........................................................................................................................5
2.2 A civilização do espetáculo..........................................................................................................7
2.3 Conceito e história da “selfie”.....................................................................................................8
2.4 Descrição de cases.......................................................................................................................9
2.5 O significado da “selfie” na sociedade atual..............................................................................10
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................................12
4 REFERÊNCIAS................................................................................................................................13
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1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem por objetivo compreender o fenômeno das “selfies” e seu

significado em meio a uma sociedade que se encontra em uma vertiginosa decadência cultural

e que cede cada vez mais espaço para uma existência superficial na qual é mais importante

representar experiências do que efetivamente vivenciá-las.

Visando aumentar a compreensão de tal fenômeno, serão apresentados dois cases que

envolvem a produção de selfies e que chamaram a atenção da mídia global. O primeiro refere-

se ao autorretrato feito pelo presidente americano, Barack Obama, junto ao primeiro ministro

britânico, David Cameron, e à primeira ministra dinamarquesa Helle Thorning-Schmidt,

durante o funeral do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela. O segundo case tratará da

selfie produzida pela apresentadora americana Ellen Degeneres durante a festa do Oscar de

2014. Notar-se-á que ambas as fotografias refletem, na realidade, uma sociedade que busca de

forma desenfreada o entretenimento, por vezes, em detrimento da cultura, sendo que esta será

vislumbrada na acepção do renomado escritor peruano Mario Vargas Llosa.

Além dos cases que foram brevemente apresentados, serão abordados o significado do

termo “cultura”, sua evolução histórica e seu significado na sociedade atual. Tal sociedade

também será analisada no que tange a sua relação atual com o mundo das artes. Ademais, será

apresentada a evolução histórica dos autorretratos até os dias atuais e o que estes significam

para a sociedade contemporânea.

Em síntese será demonstrado que as selfies são o símbolo de uma sociedade que
supervaloriza o entretenimento em detrimento da busca pelo conhecimento, e que, portanto,
não passam de meras representações efêmeras da realidade desprovidas de valor.
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2 A SELFIE NO ÂMBITO DA SOCIEDADE DO ENTRETENIMENTO

2.1 O termo “cultura”

O significado da palavra “cultura” é algo complexo de se definir visto que varia


expressivamente segundo o sujeito que a define. A palavra é de origem latina e advém do
verbo “colere” que possui dois sentidos: cultivar ou instruir. Ela também deriva do
substantivo “cultus” que significa cultivo ou instrução. A palavra está intimamente ligada ao
meio agrário, no qual há o cultivo da terra a fim de que ela possa produzir frutos. Esse
vocábulo também designa o desenvolvimento humano por meio da educação e da instrução.
Segundo o professor de antropologia da Religião e da Ética na Universidade Católica de
Brasília, José Lisboa Moreira de Oliveira, são inexistentes os grupos humanos que sejam
desprovidos de cultura e não existe nenhum indivíduo que não traga consigo uma bagagem
cultural (OLIVEIRA,p.1). Oliveira entende o termo cultura como:

As ideias que são os conhecimentos, os saberes e as filosofias de vida. A crença que


consiste em tudo aquilo que se crê ou se acredita em comum. Os valores, ou seja, a
ideologia e a moral que determinam o que é bom e o que é ruim. As normas que
englobam tanto as leis, os códigos, como os costumes, aquilo que se faz por
tradição. As atitudes ou comportamentos, isto é, maneiras de cultivar os
relacionamentos com as pessoas do mesmo grupo e com aquelas que pertencem a
grupos diferentes. A abstração do comportamento, a qual consiste nos símbolos e
nos compromissos coletivos. As instituições que funcionam como uma espécie de
controle dos comportamentos, indicando valores, normas e crenças. As técnicas ou
artes e habilidades desenvolvidas coletivamente. (OLIVEIRA, p.2)

Percebe-se que o conceito de cultura é realmente muito abrangente. Contudo, um dos


aspectos da cultura que será abordado neste artigo será o das ideias que, como dito
anteriormente, concernem os ditos “conhecimentos”, “saberes” e “filosofias de vida”. Mario
Vargas Llosa (2013), em sua obra “A civilização do espetáculo: uma radiografia do nosso
tempo e da nossa cultura” constrói o significado do termo “cultura” na sociedade atual.
Contudo, o escritor restringe o termo ao mundo das ideias, mais precisamente, ao mundo das
artes e da literatura.

Llosa (2013) inicia sua obra apresentando o vocábulo sob a perspectiva de outros
grandes pensadores que igualmente refletiram acerca do significado da palavra “cultura”, tais
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como: T.S. Eliot, George Steiner e Guy Dubord. Conforme Eliot, a “alta cultura”, ou seja,
aquela voltada para o mundo das artes e o cultivo da sensibilidade para sua devida apreciação,
é algo que está em um vertiginoso processo de decadência. Essa cultura, que segundo Eliot, é
patrimônio de uma elite que possui um importante papel no que tange sua preservação, já
estaria desaparecendo em sua época devido aos limites presentes entre as classes sociais que
paulatinamente foram se deteriorando. Eliot considera que a massificação da cultura,
evidenciada no discurso de que a educação deve ser universalizada, acaba empobrecendo-a
visto que a torna cada vez mais superficial (LLOSA, 2013, p.13). Segundo Llosa, a cultura à
qual se referia Eliot está morrendo em nossos dias:

A cultura “livresca” a que Eliot se referia exclusivamente em seu livro vai perdendo
vitalidade e existindo cada vez mais à margem da cultura de hoje, que rompeu quase
totalmente com as humanidades clássicas – hebraica, grega e latina -, limitadas
agora a alguns especialistas quase sempre inacessíveis em seus jargões herméticos e
sua erudição asfixiante, quando não em teorias delirantes. (LLOSA,2013,p.19)

Outro pensador citado por Llosa foi Steiner. Steiner associa o termo cultura à
religião. Todavia, o crítico literário não vincula a cultura à religião devido ao fato de ter sido
esta durante séculos a guardião do “conhecimento” e, portanto, aquela que soube desenvolver
a “disciplina” para lidar com ele. Steiner se refere ao fato de a cultura possibilitar, assim como
a religião, a transcendência do ser humano mesmo no seio de um povo tão sanguinário, basta
olhar para o passado, assim como o foi o povo europeu. (Llosa, 2013, p.15-17).

Finalmente, Llosa apresenta as ideias de Guy Dubord acerca da cultura. De acordo


com Dubord, a sociedade passou por um processo de alienação fruto do capitalismo. A
obsessão pelo consumo fez com que a principal preocupação dos indivíduos estivesse voltada
para a aquisição de objetos, em sua maioria inúteis e dispensáveis, ao invés de se
preocuparem com questões de cunho social, espiritual ou humano. Na concepção de Dubord,
o homem, assim como os objetos materiais que consome, tornou-se também uma “coisa”,
conforme se pode constatar no seguinte extrato:

A aquisição obsessiva de produtos manufaturados, quem mantenham ativa e


crescente a fabricação de mercadorias, produz o fenômeno da “reificação” ou
“coisificação” do indivíduo, entregue ao consumo sistemático de objetos, muitas
vezes inúteis ou supérfluos, que as modas e a publicidade lhe vão impondo,
esvaziando sua vida interior de preocupações sociais, espirituais ou simplesmente
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humanas, isolando-o e destruindo a consciência que ele tenha de outros, de sua


classe e de si mesmo [...] (LLOSA,2013, p.20)

O capitalismo, na visão de Dubord, não foi benéfico para o mundo da cultura, pois
até mesmo as experiências de contato com esse mundo, tornaram-se de certo modo apenas
mais um “objeto” ou “mercadoria”. As escolhas dos indivíduos passaram a ser pautadas nos
modismos determinados pelo capitalismo e nesse contexto, as experiências de caráter cultural
passaram a ser banalizadas. Sendo assim, a vivência foi substituída pela representação e a
vida tornou-se um “espetáculo” que o consumidor cria e do qual se alimenta de ilusões (Llosa,
2013, p.22).

2.2 A civilização do espetáculo

Vivemos em uma sociedade que valoriza acima de tudo o entretenimento como meio
de escapar do tédio e como consequência o esforço intelectual que propicia o enriquecimento
cultural foi gradativamente sendo deixado de lado pela maioria das pessoas. Por esse motivo,
os intelectuais perderam o lugar de destaque que possuíam. (LLOSA, 2013, p.29-31)

Diante da desvalorização do mundo das ideias, as imagens passaram a ter um papel


relevante na sociedade, visto que são, por vezes, um divertimento passivo e as ideais que
transmitem são cada vez mais generalizadas e superficiais e por isso, são “fáceis” de
entendimento. Llosa constata que:

Hoje vivemos a primazia das imagens sobre as ideias. Por isso os meios
audiovisuais, cinema, televisão e agora a internet, foram deixando os livros para trás,
que, a se confirmarem as previsões pessimistas de George Steiner, dentro de não
muito tempo estarão mortos e enterrados. (LLOSA, 2013, p.41)

Nota-se que a imagem ganhou grande importância na sociedade atual e que o mundo
da cultura, na acepção de Llosa, tem sido cada vez mais abandonado e dado lugar a
experiências desprovidas de sentido. Um reflexo disso é o chamado fenômeno das “selfies”.
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2.3 Conceito e história da “selfie”

No ano de 2013, a palavra “selfie” entrou para o dicionário Oxford, um dos mais
conhecidos no mundo e, além disso, foi nomeada como “palavra do ano”. Isso se deve ao fato
de que seu uso na língua inglesa teve um aumento de 17.000% (BBC, 19/11/2013). Além
disso, não se pode negar que os falantes da língua de Shakespeare têm grande facilidade em
criar novas palavras quando são confrontados com novas situações no âmbito social, político
ou tecnológico se comparados com falantes de outras línguas.

O termo “selfie” nada mais é do que uma fotografia informal, mais precisamente um
autorretrato feito por meio de um celular ou webcam e que é imediatamente compartilhado
nas redes sociais. O fenômeno ganhou proporções que nunca tinham sido imaginadas nas
redes sociais e muitos foram os que tentaram explicá-lo do ponto de vista sociológico ou
psicológico dado que o autorretrato já existia há muito tempo em nosso meio.

Segundo Luciano de Sampaio Soares (2014), mestre em Comunicação e Linguagens


pela UTP (Universidade Tuiuti do Paraná), o primeiro autorretrato surgiu no ano de 1839,
quando o pioneiro da fotografia americano Robert Cornelius direcionou a câmera para si
mesmo e a partir daí outros grandes fotógrafos também passaram a fazê-lo. O fotógrafo Nadar
(1820-1910), célebre por fotografar grandes nomes de sua época, tais como a atriz Sarah
Bernhardt e o escritor Victor Hugo, realizou inúmeros autorretratos no intuito de mostrar a si
mesmo e ao mundo as características que considerava importantes em sua personalidade.
Além disso, o seu “Autoportrait Tournant”, ou seja, seu autorretrato rotatório, também revela
igualmente seu desejo de demostrar seu domínio da arte e da técnica fotográfica. (SOARES,
2014, p.182-184).

Outro grande fotógrafo que recorreu aos autorretratos para divulgar sua arte foi
Robert Mapplethorne. Mapplethorne foi muito perseguido nos Estados Unidos devido ao seu
envolvimento com a subcultura gay sadomasoquista de Nova Iorque e sua produção
fotográfica retrata aspectos de seu sexo e sexualidade em suas obras. Na capa de seu livro
“Certain People: a book of portraits”, o autor apresenta dois autorretratos que revelam suas
identidades masculina e feminina. (SOARES, 2014, p.184-185).

Outro trabalho fotográfico interessante foi o da fotógrafa Cindy Sherman que fez
autorretratos não no intuito de retratar à si mesma, mas sim os diversos estereótipos da mulher
no âmbito da sociedade e da cultura americana. Sherman fazia fotos de si mesma, porém
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vestia-se como outras mulheres presentes em filmes ou outros grandes veículos de


comunicação da mídia norte-americana da década de 70. Seu objetivo era questionar como a
mulher se via nesses estereótipos da mídia de massa. (SOARES, 2014, p.187).

Nota-se que as “selfies” apresentadas até o momento são providas de sentido e visam
promover a reflexão dos indivíduos acerca de algum aspecto cultural, social ou político.
Contudo, o acesso à dispositivos fotográficos à grande parte da sociedade deu à praticamente
quase todos a possibilidade de realizar autorretratos que em sua maioria são uma mera
idealização da realidade e são consumidos de maneira irracional por um público que deixa-se
afogar em um mar de imagens que dá vazão ao desejo natural dos seres humanos de buscarem
aquilo que é mais “divertido”.

2.4 Descrição de cases

O fenômeno da “selfie” se alastrou na sociedade atual, prova disso é que o Instargram


detectou 60 milhões de “selfies” publicadas nos seus três primeiros anos de sua existência.
(VEJA, 23/11/2013). Além disso, tal fenômeno foi popularizado por celebridades e até
mesmo figuras políticas conhecidas mundialmente.

No ano de 2013, uma selfie que gerou muita polêmica na Casa Branca foi a do
presidente Barack Obama, no funeral de Nelson Mandela, junto à dinamarquesa Helle
Thorning-Schmidt e também com o primeiro-ministro britânico David Cameron. Segundo a
revista americana de economia Forbes, o funeral de Mandela estava previsto para se tornar um
local de espetacularização da mídia geopolítica. (FORBES, 30/12/2013). Houve muitas
críticas quanto à adequação de tal comportamento em um evento solene, além disso, houve
especulações quanto aos aspectos políticos de tal decisão, sem falar no aspecto privado da
vida amorosa do presidente americano. Percebe-se que os sujeitos presentes na foto, por
alguns momentos, deixaram de viver o momento fúnebre no qual se encontravam para buscar
o entretenimento, que por sua vez, tornou-se também uma diversão para a sociedade ocidental
dado que a fotografia ganhou um destaque bem maior do que a própria morte de um dos
líderes políticos mais importantes da história mundial.

Um exemplo mais recente de repercussão de “selfies” que causou frisson no mundo


foi o protagonizado na festa do Oscar no ano de 2014. Durante a celebração, uma das
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apresentadoras mais célebres dos Estados Unidos, Ellen Degeneres, tirou uma foto de si
mesma com diversas estrelas de cinema, dentre elas: Brad Pitt, Angelina Jolie e Bradly
Cooper. Segundo Maurice Levy, diretor da empresa Publicis, a fotografia poderia ter seu
valor estimado em 2,2 bilhões de reais. Esse valor tão absurdo decorre do fato de ela ter sido
maciçamente compartilhadas em redes sociais e ter ganhado milhares de paródias. (FOLHA
DE SÃO PAULO, 08/04/2014).

2.5 O significado da “selfie” na sociedade atual

Como o fenômeno da “selfie” poderia ser explicado em meio aos demais indivíduos
que não são celebridades, políticos ou figuras de renome nacional ou internacional? A
jornalista, mestre em Comunicação e Artes, Doutora em Psicologia Social pela PUC de São
Paulo, Simonetta Persichetti, em seu artigo “Dos elfos aos selfies”, afirma que existe em torno
do retrato e do autorretrato um caráter ficcional que permite às pessoas a construção de
diversos personagens com base em si mesma. Este seria um modo de escapar de sua
“existência original”. (PERSICHETTI, 2013, p.160). A jornalista afirma que:

Estamos o tempo todo ritualizando e recriando boa parte da vida cotidiana. Os


papéis se alternam, e a fotografia acaba por se tornar um dos meios utilizados para
firmar essa ideia e dar concretude ao que estamos vendo. A visão é medida pelo
nosso conhecimento, pela nossa construção de mundo a partir das representações. E
as representações refletem ou imitam a realidade social. (PERSICHETTI, 2014,
p.160).

Nota-se pelo discurso de Persichetti que as “selfies” são representações da realidade


que, por sua vez, são fruto da necessidade de recriar a vida cotidiana. Poderia afirmar-se que
há um descontentamento por grande parte dos indivíduos em relação ao seu cotidiano e daí
surge o desejo de retratar a realidade para que ela possa “ser” ou “parecer” mais interessante
do que realmente é. No caso das “selfies”, há um retorno imediato por parte daqueles que têm
acesso às fotos compartilhadas que acabam por corroborar, na maioria das vezes, o nível de
relevância da fotografia publicada.

Depreende-se que a “selfie” poderia ser considerada um novo “produto” da


civilização do espetáculo sob a ótica de Llosa. Tal civilização, segundo Llosa, deseja escapar
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de uma vida “entediante” e ocupar todo o seu tempo ou grande parte dele na busca pelo
entretenimento. A diversão passa a ser o valor supremo (LLOSA, 2013, p.29). Sendo assim, a
“selfie” e o que nela é retratado não passam de experiências vazias de significado. O escritor
relata que a visita a pontos turísticos na atualidade, pontos estes que já foram considerados
verdadeiras fontes do saber, não passa de uma distração na atualidade:

[...] essas visitas de multidões a grandes museus e monumentos históricos clássicos não representam
um interesse genuíno pela “alta cultura” (assim a chamam), mas mero esnobismo, visto que a visita a
tais lugares faz parte da obrigação do perfeito turista pós-moderno. Em vez de despertar seu interesse
pelo passado e pela arte clássica, exonera-o de estuda-los e conhecê-los com um mínimo de
competência. Um simples relance basta para lhe dar boa consciência cultural. (LLOSA, 2013, p.25).

Um fato curioso e ao mesmo tempo espantoso acaba confirmando o que Llosa


afirmou acerca do modo como a sociedade atual vivencia suas viagens turísticas que poderiam
supostamente enriquecê-la culturalmente. Diversos visitantes dos pontos turísticos mais
visitados na França adotaram o curioso hábito de portar consigo o chamado “pau de selfie”.
No entanto, este objeto foi proibido na França. Segundo o jornal francês RFI (Radio France
Internationale), o acessório que permite que a fotografia de si mesmo com ângulos maiores do
que o permitido pelo próprio corpo foi, pela primeira vez, proibido em um monumento na
França, mais precisamente, no Palácio de Versalhes. Esse acessório já era proibido em
museus nos Estados Unidos e na Austrália. O motivo de tal proibição reside no fato de que
obras de arte poderiam ser danificadas e outros visitantes poderiam se tornar vítimas desse
acessório visto que alguns locais são estreitos. (RFI, 09/03/15).

O uso de tal objeto, que se tornou indispensável para milhares de pessoas, traduz a sua
preocupação exacerbada em retratar o momento ao invés de vivenciá-lo de forma plena.
Segundo o filósofo Rafael Barbosa, mestre em filosofia pela FAJE (Faculdade Jesuíta), a
imagem de si mesmo “precisa ser perfeita, pouco importa a maneira como ela foi feita,
tampouco as circunstâncias da construção dela” (BARBOSA, 2015). Ainda segundo Barbosa,
há na sociedade atual uma supervalorização do “eu” que se tornou a instituição máxima.
Segundo o filósofo, a cultura do selfie nada mais faz que gerar sintomas. Portanto, o “pau de
selfie” nada mais seria do que “a busca pela melhor imagem de nós mesmos” (BARBOSA,
2015).

Pode-se concluir que as circunstâncias da produção de autorretratos deixaram de ter


relevância para a sociedade atual que valoriza acima de tudo a necessidade de retratar suas
experiências pessoais, que poderiam ser fonte de enriquecimento cultural, mas que se tornam
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vazias de significado na medida em que tais circunstâncias passam a ser ignoradas no âmbito
de uma “cultura que transforma tudo em imagem de si mesmo” (BARBOSA, 2015).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sociedade atual passa por um momento de perda de valores, que por sua vez já não
são mais comuns, visto que vivenciamos o individualismo. Um dos valores perdidos foi a
cultura, compreendida nesta pesquisa como o cultivo da sensibilização para apreciação das
artes, e que gradualmente vai sendo desvirtuada pela busca pelo entretenimento.

O entretenimento também gera “cultura”, porém esta é extremamente superficial e


efêmera. A cultura relacionada ao mundo das artes e que ainda tenta resistir aos avances do
entretenimento, já foi algo bastante compartilhado pelas sociedades dos séculos passados e
lhes auxiliava na compreensão mais profunda da(s) realidade(s). Atualmente, a sociedade tem
por meta escapar da realidade e por essa razão, encontra meios de reconstruí-la. A partir do
desejo exacerbado de reconstrução da realidade, a “selfie” ganha enorme destaque no âmbito
de diversas sociedades.

O fenômeno da “selfie” nos revela o quanto o “parecer” tornou-se extremamente


mais importante do que o “ser” visto que grande parte dos autorretratos publicados não passa
de reconstruções idealizadas da realidade e da imagem do próprio indivíduo que sente a
premente necessidade de criar outras realidades que possam suplantar os fatos reais de sua
existência e, de certo modo, tirá-lo do anonimato.

Nesse processo de produção constante de fotos de si mesmos, os indivíduos acabam


por negligenciar a reflexão crítica acerca da sociedade em que vivem e geram entretenimento
esvaziado de sentido para os demais. Aparentemente, este ciclo está longe de acabar. Resta-
nos torcer para que ele seja tão efêmero quanto os milhares de autorretratos publicados
diariamente que em questão de minutos, horas ou dias desparecem de nossas memórias visto
que a mente humana tende a descartar as informações consideradas de pouca ou nenhuma
relevância.
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REFERÊNCIAS

BARBOSA, Rafael B. A cultura do selfie.Domtotal, Brasil. 16 jan. 2015. Disponível em:<


http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=4786>. Acesso em: 25 out.2015.

BBC. “Selfie” named by Oxford Dictionaries as word of 2013. In: <


http://www.bbc.com/news/uk-24992393>. Acesso em 28 out.2015.

FOLHA DE SÃO PAULO. 'Selfie' do Oscar vale R$ 2,2 bilhões, diz especialista em marketing In: <
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0606200008.htm#_=_>. Acesso em 01 nov.2015.

FORBES. “What Obama's Mandela Funeral Selfie Tells Us About The Web In 2014”. In: <
http://www.bbc.com/news/uk-24992393>. Acesso em 28 out.2015.

OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. O conceito antropológico de cultura. UCB-


Universidade Católica de Brasília, Brasília. Disponível em: <
https://www.ucb.br/sites/000/14/PDF/OconceitoantropologicodeCultura.pdf >. Acesso em: 27 out.
2015.

PERSICHETTI, Simonetta. Dos elfos aos selfies. In____________Comunicação:


Entretenimento e Imagem. São Paulo. Pleiáde, 2013, p.155-164.

Radio France Internationale. Palácio de Versalhes já proíbe “pau de selfie”. In: <
http://www.brasil.rfi.fr/cultura/20150309-palacio-de-versalhes-ja-proibe-pau-de-selfie >. Acesso em
28 out.2015.

SOARES, Luciano de Sampaio. Do autorretrato ao Selfie: um breve histórico da


fotografia de si mesmo. Ciência e Cultura, n.48, p.179-193, Curitiba, 2014.

VARGAS LLOSA, Mário. A civilização do espetáculo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.


14

VEJA. "Selfie" é nova maneira de expressão. E autopromoção.


In:<http://www.bbc.com/news/uk-24992393>. Acesso em 28 out.2015.

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