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Quatro anos podem soar como pouco tempo — Trump perdeu a tentativa de
reeleição em novembro de 2020 —, mas o conjunto de políticas públicas e o
estilo de comando do principal líder populista de direita do mundo produziram
profundos efeitos não só nos EUA como no mundo — e no Brasil, em
particular. Ao menos parte dos aspectos da Era Trump devem seguir gerando
repercussões, mesmo após a saída do republicano da Casa Branca.
Se não inaugurou o estilo, Trump foi o maior expoente de uma política feita a
partir da comunicação rápida e direta com o eleitorado via redes sociais, em
termos que muitas vezes contrariavam a liturgia do cargo e a hierarquia do
partido.
America First
O primeiro, "America First", ou Estados Unidos primeiro, foi o motor para ações
tão variadas quanto o protecionismo econômico, que levou à guerra comercial
com a China e respingou até em produtos brasileiros, a ruptura com entidades
multilaterais, como a Organização Mundial da Saúde, que os EUA largamente
financiavam, ou a construção de um muro na fronteira com o México, para
barrar a imigração ilegal.
O segundo mote, do governo "da lei e da ordem", mostrou seus efeitos tanto no
elogio a ações policiais eventualmente truculentas - e no desmonte dos
mecanismos de punição a policiais abusadores - quanto, na retomada de
execuções de prisioneiros federais (a gestão Trump levou a cabo o maior
número delas em 120 anos) e no sucesso em emplacar na Suprema Corte e
em outros órgãos judiciais do país maiorias conservadoras, que podem reverter
decisões históricas como a legalização do aborto no país.
Além disso, apenas com uma ordem executiva, Trump reduziu drasticamente
duas áreas federais de proteção ambiental em Utah, em 2017. As áreas
também foram abertas para mineração e extração de petróleo, atividades
vedadas antes.
Trump também editou uma medida executiva em que autorizava o aumento em
30% da extração de madeira em parques nacionais, justificando que a medida
seria uma forma de reduzir o risco de incêndio ao retirar madeira das florestas,
um argumento contestado por ambientalistas.
Ainda na gestão Trump, a Agência de Proteção Ambiental abriu o menor
número de processos criminais contra empresas que tenham descumprido a
legislação de meio ambiente do país em 30 anos.
A orientação da gestão federal era de primeiro tentar negociar diretamente com
as empresas quando alguma irregularidade fosse descoberta em fiscalização,
sem necessariamente fazer autuações.
As ações de Trump representaram uma guinada em relação à política do
antecessor, Barack Obama.
Obama sabia que o sentimento geral dos americanos era contrário às ações de
combate ao aquecimento global quando percebidas como um fardo carregado
apenas pelos EUA. Por isso, enquanto implementava medidas ambientais
internamente, o presidente americano passou a fazer pressão para que outros
países também se comprometessem com metas ambiciosas.
Em seu livro de memórias, Obama menciona ter invadido uma reunião dos
Brics, bloco de países composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do
Sul, durante negociação climática em Copenhague para forçar o compromisso
desses países com corte de emissões.
Ao abandonar essa arena e reverter ações domesticamente, Trump deixou de
representar uma das principais fontes de pressões globais no tema.
A partir de 2019, movimento parecido passou a acontecer no Brasil. Bolsonaro
garantiu que não demarcaria novas terras indígenas, determinou que fiscais
ambientais não mais destruíssem tratores e veículos de madeireiros autuados
em flagrante em desmatamento ilegal, sugeriu que a Amazônia pegava fogo
naturalmente ou por atuação dos indígenas e se posicionou a favor da
mineração em áreas protegidas.
A aplicação de multas caiu em mais de 30% na Amazônia e recuou à metade
no Pantanal.
Em dezembro, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
mostraram que entre agosto de 2019 e julho de 2020 a Floresta Amazônica
registrou a maior devastação em 12 anos
Protecionismo à americana
A Era Trump marca o retorno com força do protecionismo ao partido
Republicano, em substituição à agenda neoliberal de Ronald Reagan.
Em 2016, a campanha do republicano compreendeu que havia entre
trabalhadores fabris americanos, desempregados após a partida da indústria
ou a perda de competitividade, um sentimento de abandono por parte de
sindicatos e do partido democrata, que também havia abraçado a globalização
da produção.
Trump prometeu devolver a eles seus empregos e salários, e com isso ganhou
apoio em áreas cruciais como Michigan e Pensilvânia, onde agora acabou
derrotado. Uma vez no poder, Trump tentou cumprir as promessas.
"O que vimos é um protecionismo ao estilo americano, cheio de tarifas
específicas e barreiras sanitárias, o que põe por terra o discurso do livre
comércio", diz Rafael Ioris, especialista em relações América Latina-EUA da
Universidade de Denver, no Colorado.
Ninguém foi mais taxado por Trump do que a China, o que levou a uma guerra
comercial entre os dois países.
Ao mesmo tempo, o governo americano precarizou a atuação da Organização
Mundial do Comércio (OMC), que perdeu condições de arbitrar disputas entre
países.
Ainda no início do mandato do republicano, suas políticas econômicas
atingiram o Brasil.
Trump criou uma sobretaxa para aço e alumínio, em uma tentativa de proteger
a siderurgia americana. Foram quatro anos de idas e vindas com essa tarifa,
colocada em prática sempre que o momento político do republicano exigia,
como próximo às eleições de novembro.