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Pensar a Educação em Revista

Educação e Condição Docente

Educação e condição docente

Jussara Bueno de Queiroz Paschoalino1


Universidade Federal do Rio de Janeiro
E-mail: jussarapaschoalino@fe.ufrj.br

1. Introdução

Ao refletir sobre a educação e as condições de trabalho docente uma gama de


imbricações ocorre e, ao mesmo tempo, permite mergulhar na polifonia capaz de ressoar
nos mais diferentes timbres. Com esse entendimento, a delimitação inicial parte da
provocação das análises sobre qual educação está sendo pensada.

Considerando que a educação faz parte de todo o processo de desenvolvimento do ser


humano, que desde o nascimento cada criança depende totalmente do outro e da
maneira como será inserida no mundo pela educação, nesta lógica, portanto, só se torna
humano no convívio com os outros, nos parâmetros estabelecidos histórica e
culturalmente. Nesse sentido, todos os momentos partilhados podem ser interpretados
como momentos ricos em aprendizado (MATURANA, 1999).

Com essa compreensão, é possível inferir que, enquanto há vida, há também


aprendizados e, consequentemente, transformações na pessoa. Em contrapartida, outro
enfoque de educação também se tornou essencial na formação da pessoa, a educação
escolar. Educação escolar se insere numa dialética, em que estão postas demandas
diversas, que envolvem relações simultâneas. Assim ela se efetiva nos encontros de
professores e de estudantes, que necessitam de conjecturas físicas e de materialidades
capazes de facilitar a aprendizagem. Entretanto, essas condições de aprendizagens
exigem muito mais do que isso e tomam conotações que extrapolam os arsenais que
compõem as instituições educacionais e se inserem nas dimensões próprias do humano.

1
Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Avaliadora de
Cursos de Graduação Presenciais e EaD - Basis/Mec/Inep. Coordenadora do Grupo de Estudo e Pesquisa
Professor Gestor - GPPG. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Trabalho e Educação,
atuando principalmente nos seguintes temas: Formação de professores, educação, ensino-aprendizagem,
trabalho e educação, gestão, educação a distância e trabalho docente. Link para o Lattes:
http://lattes.cnpq.br/1537250371879200

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Nessa lógica, professores e estudantes se envolvem numa aventura do aprender, em que


as condições de cada pessoa também estão em jogo.

Vale salientar que essas perspectivas, além daquelas que imprimem ao ser humano a sua
condição específica - seja ela na ordem socioeconômica, cultural, também trazem as
marcas das mudanças e podem ser elencadas no estado físico e psicológico dos sujeitos
da educação. Dessa maneira, ao analisar a educação e as relações estabelecidas pelos
docentes, vários prismas foram se abrindo e reforçando a ideia de que as inter-relações
humanas são complexas e mutáveis. Vale destacar que a própria educação escolar vem
paulatinamente se modificando ao logo dos anos.

Com esse entendimento, as análises dos movimentos da educação se modificam com o


tempo, pode-se perceber que ações extremamente rígidas e pautadas em valores que
aceitavam o sofrimento do aprendiz como forma de aprendizagem foram e continuam
sendo muito questionadas. E hoje se constata totalmente o inverso, que apregoa um
discurso de que aprender se efetiva pela satisfação, como também pela diversão. Nesse
emaranhado de compreensões sobre o papel da educação nos tempos atuais, os objetivos
de que a emancipação do humano se efetive têm caráter essencial.

Nesse sentido, a educação escolar tem uma função social determinada de garantir que os
conhecimentos historicamente construídos possam ser aprendidos e colocados em
prática. Já no ponto de vista legal a Lei de Diretrizes Bases da Educação de número
9394, publicada em 1996, determinou que: “a educação escolar deverá vincular-se ao
mundo do trabalho e à prática social” (BRASIL, 1996). Essa perspectiva promove a
dimensão teleológica da educação, que se insere no pensar e na atuação da emancipação
das pessoas que a ela acorrem.

Dessa forma a educação coloca para todos a posição de eternos aprendizes, de melhoria
da condição do humano e, sobretudo, das condições das relações postas na sociedade.
Isto posto, a oportunidade de aprendizagem não poderia ficar limitada aos estudantes,
mas especialmente deveria ser uma condição necessária para todos os professores pela
própria dinâmica da vida. O direito à educação contínua foi expresso nos documentos
legais desde a Constituição Federal Brasileira, que determinou a sua garantia para todos
(BRASIL, 1988). Assim, ficamos diante de paradoxos, pois cada vez mais se alcança
níveis de escolaridades que superam em muito os indicadores do passado, em que a

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educação escolar se destinava a um grupo bastante restrito, entretanto, a democratização


da educação ainda não alcançou os patamares da sonhada qualidade.

O documento final da CONAE, que originou a Lei de número 13.005, de 25 de junho de


2014, determinou o Plano Nacional de Educação – PNE, para a vigência até 2024. O
PNE 2014 deixou evidente a questão da qualidade ao utilizar por cinquenta e uma vezes
o termo qualidade, para designar qual a educação que se espera alcançar (BRASIL,
2014).

Pensar a qualidade da educação, além de ser o objetivo expresso nas normas legais,
também constitui um desejo por parte dos professores. Nenhum professor sai da sua
casa com o intuito de realizar um trabalho malfeito. Nesse sentido, o que se constata
seria exatamente o contrário, mesmo diante de adversidades enfrentadas pelos
professores, assiste-se aos seus legítimos esforços, que são empreendidos diariamente
por estes profissionais para que a educação aconteça da melhor forma possível. Diante
dessas considerações torna-se necessário ampliar o olhar para a realidade que os cerca
em dados sobre a educação no Brasil.

Nesse contexto, como dizia Saramago (1998), para pensar a ilha será necessário sair
dela, para repensá-la. Muito se fala da educação sem, contudo, ver as reais condições
em que ela se efetiva. Pelo site do QEduc (FUNDAÇÃO LEMANN E MERITT, 2020),
com dados do Censo Escolar/INEP de 2020, pode-se averiguar a realidade das escolas
públicas do Brasil, em que mais da metade não têm acesso ao esgoto via rede pública
(53% dos casos). Essa problemática de infraestrutura básica também foi salientada nos
dados que constataram que 30% não possuíam água via rede pública, 24% não tinham
acesso à coleta de lixo periódica e 4% ainda não possuíam energia via rede pública
(FUNDAÇÃO LEMANN E MERITT, 2020). Essas condições de saneamento básico se
encontram em patamares inaceitáveis, principalmente quando se pensa num espaço
destinado à formação plena do humano.

As comprovações das condições desfavoráveis das escolas ainda ressoam de forma mais
evidente quando os dados são relativos às várias ausências que acontecem em suas
instituições. Nessa perspectiva, os números do Censo de 2020 possibilitaram
compreender que outras dificuldades faziam parte do cotidiano das escolas públicas.
Assim, nas múltiplas faltas de condições das estruturas físicas das escolas ressalta-se a
ausência de bibliotecas em 69% delas (FUNDAÇÃO LEMANN E MERITT, 2020).

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Essa verificação fere a dimensão educativa de oferecer um espaço de leituras e de


conhecimentos com livros, como também a determinação legal que definiu que:

Art. 1º As instituições de ensino públicas e privadas de todos os sistemas de


ensino do País contarão com bibliotecas, nos termos desta Lei.
Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se biblioteca escolar a coleção de
livros, materiais videográficos e documentos registrados em qualquer suporte
destinados a consulta, pesquisa, estudo ou leitura.
Parágrafo único. Será obrigatório um acervo de livros na biblioteca de, no
mínimo, um título para cada aluno matriculado, cabendo ao respectivo
sistema de ensino determinar a ampliação deste acervo conforme sua
realidade, bem como divulgar orientações de guarda, preservação,
organização e funcionamento das bibliotecas escolares.
Art. 3º Os sistemas de ensino do País deverão desenvolver esforços
progressivos para que a universalização das bibliotecas escolares, nos termos
previstos nesta Lei, seja efetivada num prazo máximo de dez anos, respeitada
a profissão de Bibliotecário, disciplinada pelas Leis nos 4.084, de 30 de junho
de 1962, e 9.674, de 25 de junho de 1998 (BRASIL, 2010, s/p).

O prazo para efetivação da lei terminou em 2020, ano do Censo analisado, em que os
dados aqui retratados deixaram evidências de que a lei não saiu do papel. Diante desse
cenário, outras ausências faziam parte dos cotidianos que compunham a escola pública,
como 66% delas não possuírem laboratórios de informática e nem quadras de esportes.
Esses números tornaram-se ainda mais expressivos quando se verificou que 91% das
escolas públicas brasileiras não possuíam laboratório de ciências (FUNDAÇÃO
LEMANN E MERITT, 2020). Tais dados representam algumas das facetas da educação
que afetam diretamente as condições dos docentes no exercício do seu trabalho e
repercutem na aprendizagem dos estudantes. Diante desse panorama torna-se factível
entender que as várias nuances e políticas educacionais que interferem nas condições
dos docentes ressaltam que a educação no Brasil não está sendo valorizada como
deveria.

Para refletir sobre essa temática da educação e as condições do trabalho docente dez
textos foram escolhidos e analisados. Importante dizer que as escolhas partem do
interesse do momento e que a opção por uma referência parte apenas de uma seleção
dentre várias publicações de excelência, para repensar a educação e, sobretudo, para
compreender a questão posta.

Assim, os sete primeiros textos trazem a perspectiva de ser professor, os desafios e sua
constituição, que se efetiva num processo de formação contínua. As condições de
trabalho foram pensadas a partir da concepção de trabalho solidário de equipe, e quando
estes aspectos não acontecem o sentimento de frustração e desânimo pode levar ao

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adoecimento com o aparecimento de diversas síndromes (PASCHOALINO, 2009). Os


outros três textos tratam das condições excepcionais que marcam as condições dos
docentes na atualidade.

1.1 A complexidade e os desafios de ser professor

Para pensar a educação escolar, a figura do professor é essencial. E, nesse contexto, ao


se referir à atuação do professor, a complexidade de ações se faz presente. Esse
profissional que trabalha na incerteza da relação com o outro (TARDIF; LESSARD,
2005), numa perspectiva inter-relação constante, se expõe num tensionamento, que se
evidencia frequentemente em vários campos, desde o argumentativo à, principalmente,
capacidade de ouvir o outro.

Para elucidar essa dimensão do fazer do professor, o primeiro texto escolhido possui um
título provocativo ao trazer a condição docente, que a autora denominou de primeiras
aproximações teóricas (TEIXEIRA, 2007). A autora, de forma poética, elucidou o seu
objetivo de tocar na docência. As aproximações com a profissão professor, na qual
muito se fala, foram propostas por Teixeira (2007) ao trazer as implicações desse
trabalho importante para a sociedade, que, no entanto, não está conseguindo efetivar o
devido reconhecimento a esse profissional. Dessa forma, a autora procurou dar destaque
às evidências da própria constituição do ser docente, que só existe na relação com seus
estudantes. Nessa relação recíproca entre professores e estudantes, as reações são
instituintes e se manifestam na incerteza do convívio com o outro.

Nesse convívio inter-relacional os sujeitos docentes e discentes deixam ressaltadas as


marcas da temporalidade, que se relacionam a partir das dimensões diversas do humano,
que envolvem os aspectos socioculturais, econômicos, corporais, psíquicos, éticos,
estéticos e políticos.

[...] na docência estão presentes o passado, o presente e o futuro, na


esperança que aporta no devir da vida em sua floração na infância, no
adolescente, no jovem, para o qual o conhecimento, trazido ao ato
pedagógico, é relevante. Na textura da relação docente estão, pois,
imbricados o velho e o novo, o projeto e a memória, o havido e o devenir, o
atrás e o adiante. Por isso, a relação docente/discente contém sempre a
esperança. Inserida na cultura, esta relação é mediada pelo conhecimento
(TEIXEIRA, 2007, p. 431).

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A idealização de compreender as relações postas nas escolas nos patamares de harmonia


e mútuas aprendizagens muitas vezes se percebe esgaçada. E toda relação que deveria
ser pautada por esperanças muitas vezes se percebe numa lógica de conflito, em que as
condições que passam a conviver nem sempre correspondem ao trabalho sonhado pelo
professor. Dos conflitos inerentes às múltiplas interações vividas pelos professores
também se constatam preocupações e responsabilizações que acentuam as difíceis
condições do trabalho docente.

Em outro texto que analisa esse trabalho docente, que se modifica nas relações,
Paschoalino (2010) elucidou os vários entimemas que passaram a definir a docência ao
longo da história humana. Compreendo por entimema um silogismo de lógica, que não
precisa ser falado, mas sua perspectiva de verdade já está inserida no próprio conceito
da palavra. Assim, a palavra professor, ao ser proferida, já traz em si uma carga intensa
de significados e, portanto, de vários entimemas. Estes entimemas, apesar de terem sido
construídos socialmente, em determinado tempo histórico, não ficaram restritos a eles.
Destarte, importa evidenciar que muitos entimemas ainda povoam as concepções
arraigadas de ser docente, que transitam entre a perspectiva de ser mestre, do estigma do
sacerdócio, da dimensão do trabalhador, e até mesmo da condição atual de
desvalorização deste profissional.

A autora enfatiza que ser professor ganhou uma conotação pejorativa de ser sofredor. O
silenciamento diante das dificuldades torna mais difíceis as relações vividas.

O silenciamento desses professores, na tentativa de neutralizar a situação


insustentável, marcada pela indisciplina dos alunos e até mesmo pela
violência gerada nos intramuros da escola, deixava-os com medo e
paralisados em suas ações. O sentimento profundo de incapacidade
transparecia nesses professores, que apesar de toda a sua formação não
conseguiam ver o seu trabalho efetivado positivamente. O desconcerto entre a
intenção da docência e o que concretamente realizava deixava uma lacuna
abismal (PASCHOALINO, 2010, p.9).

Essa lógica do entimema se inseriu na prerrogativa de que as condições docentes são


inóspitas e não apontavam saídas. Nesse cenário, a leveza e a beleza da docência se
desfaziam num castelo de areias, em que o professor, na grande maioria das vezes, se
percebia sozinho na tarefa de educar.

No trabalho solitário, pouco valorizado e com extrema cobrança de responsabilização


pelas aprendizagens dos estudantes, esses professores corriam de uma escola a outra,

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num trabalho intenso, com o intuito de conseguir um vencimento digno, para fazer
frente às suas despesas.

Os professores sem tempo para si, sem tempo para o lazer e até mesmo para conseguir
efetivar as suas formações contínuas muitas vezes adoeciam e começavam a manifestar
diversas síndromes, inclusive a Síndrome do Burnout.

Ao apresentar a pesquisa realizada, a autora destacou a importância de romper com o


silenciamento e construir novos entimemas de valorização do professor. “A concretude
desse sofrimento silenciado pelos professores se expressou como sendo algo tocável,
que extrapolava o domínio das emoções e se corporificava” (PASCHOALINO, 2010, p.
11).

As análises tecidas no artigo possibilitaram o entendimento de que era preciso repensar


as condições de trabalho dos docentes e realizar as buscas por soluções coletivas, para
que o empoderamento do professor pudesse acontecer e novos entimemas fossem
construídos. Nessa lógica de se pesar a educação e as condições dos docentes, o terceiro
texto foi escolhido e tem o título “Crise da escola e os dispositivos de compensação
identitária”, do autor português José Alberto Correia, que, ao trazer dados de pesquisas
realizadas em Portugal, permitiu analisar as condições dos docentes no Brasil. Assim, as
sucessivas crises no campo educacional, especialmente da escola, reverberam de forma
intensa nas subjetividades dos professores, que passam a viver as solidões na profissão.
As narrativas de professores viabilizaram a compreensão das análises das crises que
envolviam esses profissionais. Dessa maneira, se constataram as ações assumidas

[...] pelos professores que procuram legitimar-se através da aceitação tácita


de que a criatividade inspirada constitui o referencial privilegiado que
legitima e justifica a sua acção profissional; apesar de habitarem as
“margens” dos espaços escolares, a exclusão destes professores, é encarada
como condição a preservar para produzir uma mudança e uma inovação
permanentes, consideradas imprescindíveis para que as subjectividades se
possam exprimir na sua autenticidade (CORREIA, 2010, p. 51).

Isolados e fragilizados os professores se submetiam às condições de seu trabalho e


deixaram evidentes os seus sofrimentos. O antídoto para essa situação seria a
organização dos docentes, o trabalho coletivo e marcado por solidariedades mútuas.

Correia (2010) refletiu sobre as duas palavras que podem definir as condições de
trabalho dos professores, que foram solidão e solidariedade, dessa forma analisou a

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necessidade da mudança nas atitudes docentes. Nessa lógica, o autor advertiu sobre a
importância do trabalho coletivo.

As condições dos docentes também podem ser melhor compreendidas a partir do quarto
texto escolhido, com o título “Firmar a posição como professor, afirmar a profissão
docente”, do autor Nóvoa (2017). Esse texto é instigante, pois apresentou as condições
dos docentes, que também se processam na sua formação.

Nóvoa (2017) reiterou de forma argumentativa a importância da formação de


professores, que necessitava de reflexões e, sobretudo, ações, ao compreender que ela se
tratava de “[...] um problema político, e não apenas técnico ou institucional” (NÓVOA,
2017, p. 1111). Nesse sentido, elabora um termo novo para designar o espaço
privilegiado da formação docente como “Casa Comum” (NÓVOA, 2017, p. 1116). A
Casa Comum se constituiria nas intercessões de ações, que se efetivam nas
universidades, nas escolas e nas políticas públicas capazes de fortalecer os diálogos e
nesse “entre-lugares” formar os professores na sua profissionalidade.

Não pode haver boa formação de professores se a profissão estiver


fragilizada, enfraquecida. Mas também não pode haver uma profissão forte se
a formação de professores for desvalorizada e reduzida apenas ao domínio
das disciplinas a ensinar ou das técnicas pedagógicas. A formação de
professores depende da profissão docente. E vice-versa (NÓVOA, 2017, p.
1131).

As condições de formação docente são determinantes para que este profissional possa
atuar de maneira que compreenda o contexto que o cerca. Com este entendimento a
formação de professores se alicerça na sua valorização.

A partir desse pensamento, o quinto texto escolhido trata-se do livro “Os sete saberes
necessários à educação do futuro”, do autor Edgar Morin (2000), que apresentou a
complexidade das condições que cercam as relações humanas. A educação
compreendida no âmbito do humanas está envolta pela imprevisibilidade e a
inconstância. Esse livro torna-se essencial para todo professor repensar a sua profissão e
suas atuações estabelecidas a partir da complexidade que o cerca, mesmo sem fazer uma
única menção a esse profissional. Nesse contexto, os argumentos impressos no livro vão
paulatinamente analisando a educação e as condições que interferem na sua realização,
sem, contudo, evidenciar o trabalho do professor. Por outro lado, ao apresentar os
diversos saberes necessários à educação do futuro, o autor extrapola o campo conhecido

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e factível das determinações centradas em conteúdos programáticos e que delineiam a


profissão professor para analisar as condições capazes de formar pessoas pensantes.

[...] a sala de aula deve ser um local de aprendizagem do debate argumentado,


das regras necessárias à discussão, da tomada de consciência das
necessidades e dos procedimentos de compreensão do pensamento do outro,
da escuta e do respeito às vozes minoritárias e marginalizadas. Por isso, a
aprendizagem da compreensão deve desempenhar um papel capital no
aprendizado democrático (MORIN, 2000, p. 112-113).

Morin (2000) elucidou cuidadosamente as diversas condições por que perpassam o


humano para atingir o conhecimento. “O conhecimento do conhecimento, que comporta
a integração do conhecedor em seu conhecimento, deve ser, para a educação, um
princípio e uma necessidade permanentes” (MORIN, 2000, p. 31). A lógica proposta
pelo autor sai do reducionismo de pensar a educação que se efetiva apenas nas relações
biunívocas para compreender as complexidades de aspectos que envolvem toda a gama
de conhecimentos. A beleza do conhecimento transcrita por Morin (2000) nesse livro
enfatizou que ele se constrói e se renova constantemente, num emaranhado de relações,
em que tudo contribui e ao mesmo tempo impacta a humanidade.

Nesse sentido, a outra escolha de, também, um livro se deu a partir do centenário do
educador Paulo Freire, que deixou um legado para a educação. Assim, o livro
“Pedagogia da autonomia - saberes necessários à prática educativa”, de Freire (1996),
trouxe a definição primordial da condição docente que será sempre a sua relação com os
discentes. Nele, o autor desenvolve um capítulo sobre as várias dimensões que o ensinar
exige.

[...] nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se


transformando em reais sujeitos da construção e reconstrução do saber
ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo. Só assim
podemos falar realmente do saber ensinado, em que o objeto ensinado é
aprendido na sua razão de ser e, portanto, aprendido pelos educadores
(FREIRE, 1996, p. 13).

A reciprocidade da condição de ensinar estava colocada numa dinâmica em que a


pedagogia da autonomia deveria se efetivar. No segundo capítulo o autor, ao elucidar
que, “ensinar não é transferir conhecimento” (FREIRE, 1996, p. 47), marcou
definitivamente o objetivo da educação escolar, que não pode se limitar ao que autor
denominou de educação bancária. Vale lembrar que a concepção argumentada pelo
autor se refere ao conceito de concepção:

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[...] “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece


aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los.
Margem para serem colecionadores ou fichadores das coisas que arquivam.
No fundo, porém, os grandes arquivados são os homens, nesta (na melhor das
hipóteses) equivocada concepção “bancária” da educação (FREIRE, p. 21).

Essa afirmação Freire pode ter constituído em crítica quando foi proferida. No entanto,
na atualidade, em que os meios tecnológicos estão presentes, as informações e
conhecimentos são abundantes e muitos chegaram a acreditar que a docência está com
os dias contados. Entretanto, cada vez mais o trabalho relacional do professor se faz
necessário, com a possiblidade de analisar os fatos e sobretudo de interpretar a
realidade.

Com esse entendimento, no terceiro capítulo: “Ensinar é uma especificidade humana”


(FREIRE, 1996, p. 35), ao argumentar sobre as condições dessa dimensão, o autor foi
cuidadosamente trabalhando cada aspecto e desmitificando a neutralidade que perpassa
o conhecimento.

Como prática estritamente humana, jamais pude entender a educação como


experiência fria, sem alma, em que os sentimentos e as emoções, os desejos,
os sonhos devessem ser reprimidos por uma espécie de ditadura reacionalista.
Nem tampouco jamais compreendi a prática educativa como uma experiência
a que faltasse rigor em que se gera a necessária disciplina intelectual
(FREIRE, 1996, p. 53).

A educação e as condições dos docentes são analisadas nesse paradoxo em que a


afetividade, as emoções são molas propulsoras em relação à necessidade do rigor e da
disciplina intelectual. Assim, a educação escolar não pode prescindir da educação
humana em toda a sua totalidade.

As veredas para compreender a educação e as condições dos docentes são fascinantes e


realizar as escolhas de alguns textos fez sobressair um sentimento de incompletude de
repensar também os diferentes professores e suas diversas atuações. Neste sentido,
apesar de a etapa do Ensino Médio fazer parte da Educação Básica, as condições de
trabalho dos docentes são distintas.

Para refletir sobre as condições que interpelam os professores do Ensino Médio, o artigo
denominado “O olhar docente sobre as condições de trabalho no Ensino Médio”, dos
autores Danilo Marques e Vera Lúcia Nogueira, analisou uma pesquisa realizada em
sete estados brasileiros. A pesquisa foi pautada nos dados de um survey e para o artigo

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em questão foi considerada a participação de 1.805 sujeitos professores que atuavam o


Ensino Médio (MARQUES; NOGUEIRA, 2020).

O artigo realizou uma revisão bibliográfica, ao elencar elementos constitutivos e


impactantes na condição de trabalho desse grupo específico de professores. As
categorias de análise se pautaram pelos atributos relacionadas aos aspectos sociais, à
situação funcional, à formação inicial e também continuada, à carreira e às perspectivas
frente à profissão (MARQUES; NOGUEIRA, 2020).

As análises da pesquisa realizada possibilitaram compreender que os professores que


atuavam no Ensino Médio eram majoritariamente do gênero feminino e que as tarefas
domésticas se sobrepunham ao trabalho profissional. Diante desse cenário de sobrecarga
de trabalho, os principais apontamentos sobre as condições de trabalho docente
revelaram a insatisfação e a pouca valorização.

Excetuando a forte presença dos aspectos salariais, percebeu-se que, por


exemplo, o acesso a ações de formação, a diminuição do número de
estudantes em sala de aula e o apoio técnico foram manifestações que se
corresponderam. Nesse sentido, infere-se que a valorização preconizada pelos
docentes muito corresponde à valorização entendida pelas escritas
acadêmicas e manifestações sindicais (MARQUES; NOGUEIRA, 2020, p.
19).

A falta de investimento nas condições de trabalho dos docentes foi explicitamente


reiterada nessa pesquisa. Os professores participantes indicaram algumas ações que
poderiam minimizar os efeitos negativos em relação ao trabalho, no entanto, faltam
políticas públicas para a valorização desses profissionais.

O sétimo e último texto dessa parte reflete também sobre as condições dos professores
do Ensino Médio, diante das metas do Plano Nacional de Educação (2014-2024),
expressas na Lei (BRASIL, 2014). Os autores Gilvan Luiz Machado Costa e Maria da
Graça Nóbrega Bollmann publicaram o artigo denominado “Formação e condições de
trabalho do professor do Ensino Médio no Brasil”, que partiu dos pressupostos dos
indicadores educacionais relacionados à valorização do professor do Ensino Médio
previstos nas metas 15 a 18 do Plano Nacional de Educação – PNE (2014-2024). Os
autores em suas reflexões consideraram que “a reforma contida na Lei 13.415/2017
silencia, em aspectos absolutamente indispensáveis, a qualidade social do Ensino
Médio, que reivindica uma formação integral” (COSTA e BOLLMANN, 2018, p. 50).

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Com essa percepção os autores supracitados mostraram o distanciamento dos aspectos


legais evidenciados no PNE, que se contrapõem diante da flexibilização curricular
proposta para o Ensino Médio. As análises salientaram que a formação superior dos
professores do Ensino Médio nem sempre correspondia à disciplina lecionada,
evidenciando

a necessidade de elevar de, aproximadamente, 58% para 100% o percentual


de professores do Ensino Médio das escolas estaduais com formação superior
de licenciatura na mesma disciplina que leciona, ou bacharelado na mesma
disciplina com curso de complementação pedagógica (COSTA e
BOLLMANN, 2018, p. 50).

Considerando que a formação adequada foi denotada como um fator importante para
efetivar as condições da docência, importante salientar que outros aspectos também
foram destacados. Assim, a desvalorização do professor foi um aspecto que se
averiguou, principalmente no que diz respeito ao baixo valor do vencimento básico e
intensa carga horária de trabalho. Os dados permitiram a conclusão de que, pelo
indicador do Esforço Docente, 1/4 dos professores das escolas estaduais tinha mais de
300 alunos e atuava em jornadas de três turnos, inclusive em duas ou três escolas e em
duas ou mais etapas (COSTA e BOLLMANN, 2018).

Os autores concluíram que “somente com todos os professores valorizados e


prestigiados e com sólida formação teórica, pode-se vislumbrar a garantia a todos os
jovens brasileiros do direito social à conclusão do Ensino Médio” (COSTA e
BOLLMANN, 2018, p. 51).

Essa prerrogativa da valorização docente vem sendo argumentada sucessivamente tanto


em documentos legais, como também em artigos científicos, no entanto a tão sonhada
valorização tem ficado apenas nos discursos.

Nesse sentido, os sete textos escolhidos traçaram um panorama de que a educação


esperada ainda está no horizonte, apesar dos múltiplos esforços empreendidos pelos
professores para a formação do humano. De condições precárias e de pouca valorização,
principalmente no Brasil, os dados analisados permitiram concluir a necessidade de
políticas públicas que realmente possam garantir a valorização do docente.

Nessa reflexão sobre as condições dos docentes, que se manifestam na desvalorização


da profissão, os outros três textos escolhidos trazem situações que impactam ainda mais
o trabalho do professor na atualidade. No primeiro, das questões atuais que perpassam a

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educação e as condições dos docentes, a situação do trabalho sem vínculo foi analisada
na pesquisa realizada pela autora Amanda Moreira da Silva, (2019) ao trazer uma
problemática do nosso século, com o título “A uberização do trabalho docente no
Brasil: uma tendência de precarização no século XXI”.

Silva (2019) discorreu cuidadosamente alicerçada em referenciais teóricos para


comparar a situação da flexibilidade do trabalho e da perda de direitos com a adoção das
corporações que se designam de Uber.

[...] a uberização é mais uma forma de extração de mais-valia através da


exploração baseada em um controle político e ideológico de novo tipo sobre a
força de trabalho. São reestruturações que se inserem na própria dinâmica do
capitalismo do século XXI por meio da redução dos custos da força de
trabalho, ampliação da precarização das profissões e intensificação do
trabalho de forma perversa, e que se baseiam na dificuldade da condição de
reprodução do trabalhador, fazendo com que se submeta a qualquer forma de
ocupação que gere renda para sua subsistência (SILVA, 2019, p. 237).

Se a uberização representa uma negativa de direitos dos trabalhadores, que vem sendo
expressa em alguns campos da economia, especialmente no transporte, ao transpor essa
lógica para a educação a perversidade toma dimensões mais acentuadas.

Silva (2019) argumentou a condição de uberização do trabalho docente no Estado de


São Paulo, que assumiu a característica da intermitência e descolamento das realidades
escolares. Essa configuração de contratação de professores se realiza de modo irregular,
em oposição ao que prevê a Constituição Federal Brasileira (1988), que explicita apenas
duas formas de inserção: por concurso público ou uma seleção simplificada para atender
a uma necessidade temporária excepcional.

O professor nesta relação, apesar de receber o nome de eventual, tem características


bem diferenciadas daqueles que pertencem ao quadro da escola e que possuem a
formação adequada para a disciplina a ser trabalhada. Os professores nessa condição
possuem outras atitudes, pois não fazem parte da escola. Eles ficam à espera da falta do
docente efetivo da escola, para que eles possam serem chamados para cobrir as horas de
atividades com estudantes independentemente da sua formação.

[...] o professor eventual, ao ser chamado para ministrar aulas de disciplinas


aleatórias, alheias às de sua formação, vivencia uma constante
impossibilidade de escolha. Ele está sempre disponível às necessidades do
sistema de ensino, torna-se um simples “operacionalizador da aula”,
“tampando buracos” com o objetivo de manter a máquina funcionando, ou
seja, não deixar os alunos, de cujas turmas o docente se ausentou, sem um
professor naquele horário. Esses aspectos concernentes ao professor eventual

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remetem à necessidade da polivalência ou multifuncionalidade (SILVA, 2019,


241).

Aos poucos, os processos de precarização vistos em outras profissões vão se


aproximando dos professores. E ao se pensar nos mecanismos legais que se
estabeleceram desde a LDB (1996), a perspectiva do professor gestor, capaz de pensar e
agir coletivamente em determinada escola, no aspecto singular do construir e reconstruir
o seu Projeto Político Pedagógico, o que se presencia é exatamente o contrário.
Paschoalino (2017) salientou a importância do trabalho coletivo do professor gestor, que
conhece e atua na realidade de sua escola. No entanto, a precarização crescente no
âmbito da educação também se vê envolta de mecanismos de “charterização”, como
colocou Freitas (2016) sobre a situação que vem ocorrendo em alguns estados
brasileiros, em que se retiram do professor gestor a direção de sua escola e a repassam
“[...] para operadoras charters na forma de terceirização por contrato de gestão”. Essas
empresas também atendem as demandas de enviar professores.

Diante desse cenário, o segundo texto escolhido discute a realidade da formação de


professores, com o título “A Resolução CNE/CP N. 2/2019 e os retrocessos na
formação de professores” (GONÇALVES; MOTA; ANADON, 2020). O título
sugestivo já evidencia a reflexão a ser discorrida. A condição do docente se efetiva na
formação inicial, em que o currículo, campo de disputa e de poder, elege os
conhecimentos a serem trabalhados. Na perspectiva da Resolução número 2 de 2019, os
retrocessos apontados pelos autores se coadunam com a falta de diálogo, que impõem
mudanças, sem possibilitar o tempo de organização, efetivação e sobretudo de avaliação
da resolução anterior.

[...] a nova legislação prevê avaliações de dois em dois anos dos cursos e dos
formandos das licenciaturas de modo a identificar se as DCNs vêm sendo
atendidas. Estabelece-se assim um enorme controle sobre a prática do
professor formador nos cursos de formação docente, uma vez que terão que
desenvolver os conteúdos previstos na BNC-Formação, de modo que seus
licenciandos possam obter sucesso no ENADE e, assim, manter os cursos em
funcionamento e conceder aos estudantes o direito de atuar profissionalmente
(GONÇALVES; MOTA; ANADON, 2020, p. 374-375).

As políticas e normativas educacionais impactam a formação docente e, sobretudo, as


suas condições de trabalho, que consequentemente também interferem na atuação
profissional. Nesse sentido, a organização de cada universidade frente à formação de
professores será o diferencial.

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As reflexões trazidas até agora foram pontuando a complexidade que envolve a


educação e as condições dos docentes, entretanto, o fato novo ocorrido em 2020 trouxe
inúmeras mudanças para a educação. Conviver com a educação em tempos de pandemia
tem exigido dos professores ações e muito discernimento para continuar o seu trabalho.
Uma gama de pesquisas e textos expressa as análises desse momento conflituoso,
marcado pelo medo, a insegurança e a falta de condições para a realização plena do
trabalho docente.

A pandemia do Coronavírus possibilitou entender a fragilidade do humano e também


das políticas públicas capazes de garantir a vida digna. Morin (2020) enfatizou que as
incertezas vivenciadas nesse momento difícil já trazem em si muito do já esperado no
modo como a sociedade estava vivendo.

A escola envolta aos acontecimentos da sociedade também padece com uma diversidade
de sentimentos. As aulas foram suspensas presencialmente, mas a escola permanece
aberta para os diversos fins, como orientações de estudo, acolhimento às famílias,
inclusive para a distribuição de alimentos. A aproximação com as famílias deixou a
certeza de que a pandemia evidenciou a desigualdade social. Em contrapartida, as aulas
remotas enfatizaram várias dificuldades que perpassavam a sociedade. A intensificação
do trabalho docente tem atingido a beira do impossível para a sanidade do professor,
que se desdobra entre a casa e suas obrigações profissionais. Além de vários aspectos
que interferem na lógica do ensino remoto, como conviver com a tecnologia, muitas
vezes, limitada, com o espaço de trabalho superposto, com as inúmeras atribuições das
relações estabelecidas nos espaços restritos de várias casas, ainda se acrescentam dois
ingredientes impetuosos: o medo da doença ou o fato de ter que conviver ela.

Destarte, o terceiro e último texto que foi escolhido trouxe toda essa problemática da
educação em tempos pandêmicos. O texto “Trabalho remoto, saúde docente e greve
virtual em cenário de pandemia”, escrito por vários autores, apresentou várias análises
que envolvem as condições de trabalho dos docentes nos tempos atuais. Assim, a
publicação do artigo foi o “[...]resultado da parceria entre academia e sindicato de
professores da rede particular de ensino (SINPRO-Macaé) para realização de pesquisa
sobre saúde e trabalho remoto de professores durante período de pandemia e
pós-pandemia (SOUZA et al., 2021, p.3).

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As análises foram cuidadosamente tecidas nas várias dimensões do trabalho docente,


nas suas condições de efetivação, inclusive em relação aos gastos financeiros para os
professores para o exercício das aulas remotas.

[...] docentes encontram-se submetidos às novas exigências e mudanças na


organização do trabalho, tais como ritmo de trabalho, sobrecargas laborais,
burocracia, controle (remoto) de turma e, ainda, o tipo de gestão e
ferramentas para controle e desenvolvimento do trabalho, algo que
recrudesceu com o advento do trabalho remoto. Para dar conta de todas as
tarefas, é necessário realizar atividades fora da jornada formal de trabalho,
como gravar aulas, disponibilizá-las em plataformas digitais e atender
aluno(a)s por aplicativos como o Whatsapp, muitas vezes, em grupos criados
pela própria coordenação escolar. Quanto à configuração das salas de aulas
virtuais, duas realidades paradoxais podem coexistir: aulas remotas
superlotadas ou completamente esvaziadas, considerando interesses,
impedimentos e dificuldades tecnológicas, entre outros aspectos relacionados
ao trabalho remoto escolar, que necessitam ser melhor conhecidos (SOUZA
et al., 2021, p. 5-6).

Todo esse entrelaçamento de ações realizadas pelos meios de informação e


comunicação impactou muito o trabalho docente e, consequentemente, as condições dos
professores ficaram mais agudizadas pela intensificação e precarização em relação à
inserção do trabalho remoto. A pandemia descortinou um cenário imprevisível para a
educação, que está solidificada numa conjectura de relações mútuas e de aproximações.
Entretanto, o isolamento social imposto, para garantir a própria vida, foi se adequando
em ações diferenciadas, em sobrecarga de trabalho dos docentes.

Nessas circunstâncias, muitas situações constituíram em desafios postos aos


professores, que paulatinamente se reinventaram a partir das dificuldades. Mesmo num
cenário fúnebre e de grandes inquietações, novos saberes passaram a ser exigidos dos
docentes, que tiveram de se adaptar frente às demandas solicitadas. Essa compreensão
de um novo modelo educacional foi se delineando, sendo muitas das vezes marcadas
pelo individualismo das câmeras fechadas por parte dos estudantes, durante as aulas em
que os professores se esforçavam em atitudes solo, com o intuito de se aproximar dos
estudantes. A frequência não pode ser exigida e a participação dos alunos ficava
restrita aos seus interesses do momento. Dessa forma, vale novamente lembrar de todas
as diversas manifestações humanas diante da possibilidade da doença ou até mesmo
com a realidade de seu aparecimento e inclusive com as suas consequências. O medo, as
inseguranças e a intensidade de problemas psicólogos começaram a se manifestar e a
trazer para a aula remota essas particularidades destes tempos pandêmicos. As
condições de trabalho do professor foram significativamente alteradas, pois, “[...] se

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trata de uma nova e complexa configuração do trabalho que se aprofunda no contexto de


pandemia e faz uso exacerbado da tecnologia, articulando novos modos de controle,
extração de sobretrabalho e do mais-valor social” (SOUZA, 2021, p.10).

Neste cenário várias inquietações povoam as mentes dos docentes, que não sabem como
será o momento pós-pandemia. O professor, sendo um profissional inter-relacional, terá
que mediar muitos conflitos e traumas, que foram gradativamente abalando os seres
humanos, diante do medo de adoecer e de morrer. A capacidade do medo de paralisar se
reverbera também na aprendizagem, nas produções de trabalhos escolares e nas relações
humanas.

Considerações

A educação que é essencial ao ser humano vem tomando proporções gigantescas de


informações, de fakes news, de controvérsias e, sobretudo, de desvalorização, quando se
refere à educação escolar. O professor que já se encontrava na berlinda e muitas vezes
criticado pela sua escolha profissional se percebe numa outra relação ainda mais difícil.
O uso das tecnologias para interagir com os estudantes demanda vários aspectos que
não podem ser minimizados, como o aspecto financeiro, que afasta um contingente
dessa possibilidade de aprendizagem.

Se todo esse panorama parece desanimador, principalmente em relação às condições de


trabalho do docente, será preciso voltar-se à poesia do ato de educar, das interações com
as pessoas e com o conhecimento, na possibilidade de mediar novas aprendizagens e de,
sobretudo, acompanhar e presenciar o crescimento do humano.

A educação possibilita essa transformação do humano, da sociedade, mesmo que de


forma gradual. Assim, o papel do professor que acredita, que luta para que a educação
aconteça e possa modificar a vida de seus estudantes continua sendo o desafio posto,
que nunca poderá ser um exercício na solidão do seu trabalho, pois apreendemos uns
com os outros.

Com essa compreensão, mesmo de forma utópica - e se precisa dela para viver -, será
necessário esperar que uma nova forma de ver e atuar possa acontecer, em que os
sentimentos possam ser considerados válidos, em detrimento a uma racionalidade,
muitas vezes cruel e discriminatória.

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Neste sentido, a perspectiva de que o trabalho do professor e as suas condições de


trabalho possam ser efetivados fica expressa como um sonho no horizonte, em que a
educação escolar fez e está fazendo falta em vários sentidos. Com essa compreensão, a
educação escolar se realiza na interação e o papel do professor é fundamental.

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