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Suely A. Marques-Aguiar 1
Cláudia C. S. Melo 2
Gilberto F. Souza Aguiar 3
João Alberto L. Queiróz 1
ABSTRACT. Preliminary survey of the m amm a lian fauna in the Anaj ás·Muaná
region, M arajó Island, Pará State, Br azil. A short in ventory ofthe mammali an fauna
occurring in an area of lhe Marajó Island was perfo rmed during the rainy season. [n
addition to captures by using Sherman and Tomahawk traps, and mi st-nets, indirect
evidence was consi dered, e.g. findin g of body fragments of specimens, vocali zati on,
and testimonies fram local people. A tolai or 57 species (22 families) was recorded.
None ofthem is presently considered as criticall y endangered according to the IUCN
criteria. First confirmed record for lhe fruit-eati ng bat Platyrrhinus brachycephalus
(Ro uk & Carter, 1972) in the Maraj ó archipe lago. Addi ti onal surveys condu cted in
both wet and dry seasons are required fo r impravin g lhe pra fi le of ri chness and
diversity of mamma l species in that region.
KEY WORDS. Ma mmals survey, Marajó Island , Amazoni a
território é tida como pri oritári a para inventári os imedi atos e pl anos de conservação,
em virtude de desmatamentos, principalme nte de madeiras nobres e palmei rais
(CAPOBIANCO et aL. 200 I ).
VIVO ( 1996) e S ILVA JR. ( 1998) relatam que a baixa amostragem constitui
o maior obstácul o à caracterização da diversidade mas tofaun ística no Bras i I g lo bal-
mente. É també m este o caso particular da foz do Amazonas . Os in ve ntári os
ex istentes deri va m de co le tas feitas em pontos iso lados, di spe rsos e m áreas a mplas
(ÁVILA- PIRES 1958; PICCINI 11974; RE IS & SCHUBART 1979; M OK et aL. 1982) o u
direc ionado para algum as ordens, com abordage m biogeográfica recente de prima-
tas que inclui ilhas menores adjacentes - Caviana, Mex iana e Guru pá (A YRES el alo
1989; PERES 1989; FER A DES 1994; FERNANDES et aL. 1995).
O o bj etivo deste trabalho consiste e m apresentar um quadro sucin to e ini cial
da di versidade e status de conservação da mastofauna em uma extensão do centro-
sudeste da ilha de M araj ó.
MATERIAL E MÉTODOS
Área de estudo
Trecho de cerca de 30 km de extensão em linha reta e ntre as nascentes dos
rios Anaj ás (O1009'38"S, 49°38 ' 34"W ) e Atuá (OI°16' 04"S, 49°2 1'25"W ), muni cí-
pi os de Anajás (microrreg ião do Furo de Breves) e Muaná (mi crorregião do A ra ri ),
estado do Pará, Bras il (Fig . I ). Paisagens do percurso: mata de te rra fi rme, várzea,
campos e capoeira.
Atividades de campo
A expedição sucedeu-se de 19 a 29 de j aneiro de 1998 (estação c hu vosa) ,
com oito di as de amostragem. No inve ntári o se ad m itiram q uatro categori as de
reg istros: (a) captura; (b) ac hado de partes co rpo rais; (c) reg istro indire to por
membro da equipe (p.e. av istamento, vocali zação); (d) relato da popul ação loca l.
Para marsupi ais, roedores e lago morfos se utili zaram arm adilhas de captura
viva (20 Sherman e 10 Tomahawk) no espaço de cinco di as . As iscas con istiram
de pas ta de ame ndoim , emu lsão de Scotch e porções de macaxeira e abacaxi.
Para a captura noturna de morcegos se utili zaram redes de ne blina suspensas
até cerca de três metros de altura do solo, atende ndo-se a proced ime ntos-pad rão para
táxo ns neotropicais (WILSON et alo 1970 ; MARQ UES 198 5a, b; GEORGE el aL. 1988 ;
O VERAL & M ASCARENHAS 1993; ASCORRA et aL. 1996; VOSS & EM MONS 1996 ;
WILSON et aL. 1996) e considerando-se a difere nciação de paisagens. Nove redes
permaneceram abertas entre 18:00 e 24:00 h nos se is prim eiros di as. Nos últim os
dois di as, este pe ríodo foi ampliado, procedendo-se à coleta de 18: 00 h de um di a
às 6: 00 h do di a seguinte. O trabalh o diurn o consistiu na ex pl oração de abri gos , e.g.
troncos de árvores e fo lhas de palmeiras.
Para todos os táxo ns se ass umiu como válido o achado de partes cOl'porai
(carcaças, crâni os, pós-crânios, caudas) de indi víd uos mortos , naturalme nte o u
vítimas de caça. Consideraram -se também observações de me mbros da eq ui pe e
depoimentos de cerca de 30 ribeirinhos da região, especialme nte sobre a presença
Estado do Pará
N
Escllln aproximrulfl
I: (0000
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A in ves ti gação da biodiversidade não se restringe à contagem de organi smos
e mapeamento de sua distribuição geográfica. Tais procedimentos , porém , são
indispensáveis à determinação dos modos de influências e ntre espéc ies - e das
relações destas com seus ecossiste mas -, para um a posterior compreensão dos meios
e istemas de adaptação . ão pode haver ecologia apl icada (con ervação e rec upe-
ração de ecossistemas) sem base teórica firme, a qual não se obtém sem explo ração
descritiva (V A ZOLl I 1970, 1977).
Os mamíferos ex ibem pronunciada variação de tamanho, peso , dieta, hábitat,
meios de locomoção e comportamento soc ial (CABRERA 195 8; NowAK 1991 ;
WILSON & REEDER 1993; FONSECA el ai. 1996; EMMONS 1997). Inventários
deta lhados requerem longa permanê ncia em campo, mais de um a visitação - de
preferência ate ndendo-se à sazonalidade - sendo raros os estudos nos quais o esforço
de amostragem foi suficiente para saturar as curvas cumul ati vas de espécies (SILV A
et aI. 200 1). A lém da diversidade morfofuncional na classe, bem como de nicho, as
técnicas de coleta variam de orde m para ordem. As limitações metodológ icas
incluem ainda a exigibilidade de uso de instrumental diversificado e múltipl o
métodos de amostragem, notadamente para grupos que têm por hábitat as malas
neotropicais (VOSS & EMMONS 1996; EMMO S 1997 ; SIMMO S & VOSS 1998).
No presente inventári o preliminar, que cobriu menos de 10Cfl do territóri o
da ilh a de Marajó, e restrito à estação chuvosa, verifico u-se a ocorrência de 57
espécies de ma míferos, distribuídas em 22 famílias, em todas as orde ns descri tas
para a Amazônia, exceto Sire ni a. O número de indivíduos capturados foi de 327,
dos quais quase a totalidade (97%) quirópteros. A área compreendida inc lui pontos
tidos como de importância para a conservação da mas tofauna (CAPOBIANCO er aI.
200 I). A tabela I lista os táxo ns, seus no mes comun s e a forma de evidenciação de
ua ocorrência. Abaixo, sucin ta abo rdagem desses táxons e de outros de ocorrênc ia
presumível , ao lado de notas sobre status de conservação (BERNARDES er aI. 1990 ;
Fo SECA erai. 1994; HILTON-TAYLOR 2000).
Didelphimorphia
A maioria dos mars upi ais neotrop icais possui hábi tos noturnos e suas popu-
lações costumam sofrer drásticas flutuações de dens idade, o que dificu lta sua coleta
e até mesmo seu simples avistamento (Voss & EMMONS 1996). Houve registro
direto de uma espécie (Didelphis marsupialis Linnaeus, 1758 , muc ura, gambá) e
indireto de duas outras (Chi ronecles minimus (Zimmermann , 1780), mucura d'água ,
e Philander opossum (Li nnaeus, 1758), muc ura q uatro-olhos). D otado de cauda
prêensi l, D. marsupialis pode locomover-se e m meio a partes arbóreas altas ,
guardando distância do solo. A equipe capturou um macho e uma fêmea com três
filhotes. C. minimus foi apenas avistado, sem captura. EMMONS ( 1997) relata baixa
densidade desta espécie em grande parte de sua distribuição. Moradores referiram
P. opossum, mas também em baixa densidade.
Tabela I. Taxons de mamíferos com registros , (1) Número de indivíduos capturados (para
quirópteros , número de machos entre parênteses) ; (2) número de fragmentos corporais
encontrados no percu rso; (3) observação por membro da equi pe , ou registro de vocalização;
(4) relato de morador/caçador.
Táxons Nomes comuns 3
Didelphimorphia
Didelphidae
Chironectes minim us (Zimmermann, 1780) Mucura d'ág ua X
Didelphis marsupialis linnaeus, 1758 Mucura, gambá 5
Philander opossum (linnaeus, 1758) Mucura quatro-olhos X
Xenarthra
Bradypodidae
Bradypus variega tus Schinz, 1825 Preguiça-benti nha
Mirm ecophagidae
Cyclopes didactylus (Linnaeus, 1758) Tam andua í X
Tamandua tetradactyla (Linnaeus, 1758) Mambira, tam anduá-de-colete X
Dasypodidae
Cabassous un;c;nctus (Linnaeus, 1758) Tatu rabo-de-couro X
Dasypus seplemcinctus linnaeus. 1758 Tatu í X
Dasypus novemcinctus Linnaeus, 1758 Tatu-galinha 13
Chiroplera
Noctilionidae
Noctilio leporinus (Linn ae us, 1758) Morce go pescador 3 (3)
Phyllostomidae
Trachops cirrhosus (Spix, 1823) Morcego
Choeroniscus minor (Peters, 1868) Morcego 1
Glossophaga soricina (Palias, 1766) Morcego 3 (3)
Lonchophylla thomasiJ .A. Allen, 1904 Morcego 1
Carollia perspicillata (Linnaeus, 1758) Morce go 66 (19)
Rh inophylla pumilio Peters, 1865 Morce go 4 (1)
Ametrida cen turio Gray, 1847 Morcego 6 (6)
Artibeus cinereus (Gervais, 1856) Morcego 22 (12)
Artibeus concolor Peters , 1865 Morcego 2 (1)
Artibeus gnomus Handley, 1987 Morcego 2
Artibeus jamaicensis Leach, 1821 Morcego 32 (12)
Artibeus lituratus (Olfers, 1818) Morcego 11 (5)
Artibeus obscurus Schinz, 1821 Morcego 84 (38)
Artibeussp. Morcego 7 (4)
Platyrrhinus brachycephalus (Rouk & Carter, 1972) Morcego 1 (1)
Platyrrhinus helleri (Peters, 1866) Morcego 7 (2)
Sturnira lilium (E. Geoffroy, 1810) Morcego 14 (4)
Stumira tildae de la Torre, 1959 Morcego 2 (1)
Vroderma bilobatum Peters, 1866 Morcego 24 (5)
Uroderma magnirostrum Davis. 1968 Morcego 1
Vampyressa bidens (Dobson, 1878) Morcego 1
Desmodus rotundus (E. Geoffroy, 181 0) Morcego vampiro 23 ( 15)
Primates
Callitrichidae
Saguinus midas (Linn aeus, 1758) Sagüi, sauim
Cebidae
Alouatta belzebul (Linnaeus, 1766) Guariba X X
Aotus in/ulatus (Kuhl, 1920) Macaco-da-noite X
Cebus apella (Linnaeus, 1758) Macaco-prego 2 X
Saimiri sciureus (Linnaeus, 1758) Macaco-de-che iro X
Carn ivora
Felidae
Leopardus pardalis (Linnaeu s, 1758) Jaguatirica 2 X
Puma concolor(linnaeus, 177 1) Suçuarana X
Panthera onca (linnaeus, 1758) On ça pintada X
Mustelidae
Eira barbara (linnaeus, 1758) Irara X
Lontra longicaudis (Olfers, 18 18) Lontra X
Procyonidae
Nasua nasua (linnaeus, 1766) Quati 4
Procyon cancrivorus (G. Cuvier, 1798) Guaxinim
Continua
Tabela I. Continuação.
Táxons Nomes comuns 2 3
Cetacea
Delphinidae
Sotalia f1uvialilis (Gervais & Deville. 1853) x x
Perissodactyla
Tapiridae
Tapirus terrestris (linnaeus. 1758) Ant a x
Artiodactyla
Tayassuidae
Peeari tajaeu (linnaeus. 1758) Caititu
Tayassu pecari (Unk. 1795) Queixada x
Cervidae
Mazama americana (Erxleben. 1777) Veado-vermelho
Rodentia
Sciuridae
Sciurus aestuans Linnaeus. 1766 Esquilo. quatipuru
Erethizontidae
Coendou prehensilis (Unnaeus. 1758) Coendu x
Dasyproctidae
Dasyprocta fuliginosa Wagler. 1832 Cotia cinza x
Dasyprocta 'eporina (Unnaeus. 1758) Cotia vermelha x
Agoutidae
Agouti paea (Unnaeus. 1766) Paca 5
Hydrochaeridae
Hydrochaeris hydrochaeris (Unnaeus. 1766) Capivara x
Echimyidae
Proeehimys sp. Rato soiá
Lagomorpha
Leporidae
Sy/vilagus brasiliensis (Unnaeus. 1758) Coelho comum x
Primates
Tanto cebídeos quanto calitriquídeos possuem representantes no arquipélago
de M arajó (FERNAN DES et ai. 1995). Na área de am ostrage m, reg istro de cinco
espéc ies, corroborando as coleções de referência do MPEG e do MNRJ (Museu
Nacional, Ri o de Janeiro): Alouatta belzebul (Linn ae us, 1766) (guariba) , Cebus
apella (Linnaeus, 175 8) (macaco-prego), Saimiri sciureus (Linnae us , 1758) (maca-
co-de-cheiro), Aotus inf ulatus (Kuhl , 1920) (m acaco-da-noite) e Sag uinus midas
(Linnaeus, 1758) (sagüi , sauim). A equipe capturou apenas um indivídu o de S.
midas , abatido com arm a de fogo. Trata-se de espécie domesticáve l que pode te r
sido introduzida com o influxo human o. Presença da subespécie S. miclas niger j á
referida por FERNANDES et ai. ( 1995) mas sem relato para as de mai s ilhas maio res
(Cav iana, M ex iana e Gurupá). Mai or primata encontrado no Bras il , di stribuído e m
vári as reg iões do país mas quase ex tinto em estados do Nordeste, A. belzebu l teve
sua oco rrência constatada pelo reconhecimento da e mi ssão vocal carac te rísti ca de
espéc imes nas imediações dos pontos de amostragem . Depoimento de ribeirinhos
reforçou o ac hado, j á ante ri ormente estabelecido por FERNANDES (1994). U m
indi vídu o de Ceb us apella foi avi stado pela equipe, e recolhidos do is fragmentos
de crâni o. A. infu latus fo i relatado por moradores e S. sciureus av istado. As
s ubespécies A. belzebul ululata e C. apella robustus, que constam e ntre as 29
refe rê ncias de mamíferos bras ileiros sob perigo de ex tinção seg und o a IUCN
(HILTON-T AYLOR 2000), são de improvável ocorrência no arquipélago marajoa ra
M IRAN DA-NETO (1 993) e E ISENBERG & REDFORD ( 1999) sugere m outros táxo ns:
Rodentia e Lagomorpha
Sete espéc ies de Rodentia e uma de Lagomorpha. Apenas dois indi víd uos
capturados (Sciurus aes fuans L innae us, 1766, esquilo, quatipuru ; e Proechimys sp .,
rato so iá), nenhum de les com armadi lha, por razões simil ares às descritas para
marsupi a is.
Dentre as espéc ies com base alime ntar de frutos e casta nhas se destacam, ao
lado de S. aestuans, Dasyproc fa fuliginosa Wagler, 1832 (coti a cinza, prime iro
reg istro provável na ilha, re lato de morador) e Dasyprocta leporina (L innaeus,
1758) (coti a vermelha , observação por membro da equipe).
Registro de Coendou prehensilis (Linnaeus , 1758) (coendu), Hydrochaeris
hydrochaeris (Linn aeus, 1766) (capivara) , relatadas por mo radores , e AgoU fi paca
(Linnaeus, 1766) (paca) pelo achado de ci nco crânios. Hydrochaeris hydrochaeris
e A. paca são pe rseguidas como obj eto de caça por sua carne saborosa, mas não se
e ncontram ameaçadas. Também relatada a ocorrê nc ia de Sy lvilagus brasiliensis
(Linnaeus, 175 8) (coelho comum).
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