Você está na página 1de 502

Livraria Drasileira

de
Tancredo de Barros Paiva
132, RUA DO LAVRADIO , 132
Annuncia ás terças feiras no
Jornal de Commercio
Rio de Janeiro

67

SA 60 50.10

Harvard College Library


N
ACADE
CHRISTO

TAS

THE GIFT OF

EDWIN VERNON MORGAN

( Class of 1890)

AMERICAN AMBASSADOR TO BRAZIL


11
O BRAZIL E A INGLATERRA

OU

O TRAFICO DE AFRICANOS .

i
{
.

O BRAZIL E A INGLATERRA

OU

O TRAFICO DE AFRICANOS

PELO CONSELHEIRA

Tilo Franco de Almeida

PRECEDIDO DE UMA CARTA

DOI COMELHEIRO

José Feliciano de Castilho Barreto e Noronha.


n
i
l
e
F

RIO DE JANEIRO

Typographia → PERSEVERANÇA rua do Hospicio n. 91 .

1868 .
1

SA 6050010
HARVARD COLLEGE LIBRARY
GIFT OF
EDWIN VERNON MORGAN
OCT . 22, 1915.
LIVRO I.

ATÉ 1822 — INDEPENDENCIA DO BRAZIL .


@
PREFAÇÃO .

A leitura de algumas obras, sobre o trafico de africanos no


Brazil, tenta -me a coordenar algumas notas acerca deste objecto, e a
publical-as sem pretenção alguma, nem ainda a de escrever um
livro .
Dedicando seu trabalho á S. A. Imperial o Principe Napoleão ,
um escriptor francez disse, que assim procedia, porque S. A.
Imperial sabe dizer corajosamente a verdade, e tambem ouvil-a
quando é necessario. Sigo o exemplo, e dedico estas ligeiras
notas aos que comprehendem a verdade, e sabem ouvil-a e
dizel-a.
A verdade, porém , é o contrario do que se tem escripto na
Europa, quando se repete com lord Palmerston (Camara dos
Communs em 1864) , que o trafico fôra abolido, não pela inicia
tiva do governo brazileiro, mas porque a Inglaterra á isso o
constrangera ; e que, supprimido, não estava comtudo extincto no
coração dos brazileiros, que só espreitavam opportunidade para
revivel-o.
A verdade é o contrario do que têm escripto, quando affir
mam , que, excepto a Hespanha, mostrou -se Portugal sempre o
mais obstinado em illudir a execução sincera das estipulações dos
tratados de Pariz em 1814 e 1815 , de sorte que só a força pôde
vencer sua má vontade.
A verdade é o contrario do que tem sido escripto , quando pre
venidas imaginações emprestam á sociedade brazileira esta fórmula
philosophica o branco nasceu para mandar e repousar, o negro
7
para obedecer e trabalhar ; e est'outra fórmula economica :
porque o branco nasceu para o mando é o negro para obediencia
absoluta , este só pode existir como machina, como escravo, e aquelle
é naturalmente o senhor; ora , se o branco) degradar -se-hia traba
lhando, cumpre ao negro o dever de trabalhar para fazel-o viver.
A verdade é o contrario do que têm escripto , quando accusam
os brazileiros de substituirem , depois do bill Aberdeen, o trafico
dos africanos pelo dos indios - pelles vermelhas - que viram (!!... )
vendidos sob a vista das autoridades, e até pelos indios Muras e
Miranhas, nos mercados de Cametá (Para) e Ega (Amazonas) !
Partos semelhantes, filhos espurios de imaginação brilhante po
rém hostil, tem sido offerecidos pela imprensa á curiosidade e
ignorancia européas, em dezenas de brochuras e livros, em que o
caracter e costumes brazileiros são assombrados pelo menos, e
quasi sempre vilipendiados, jogados á mofa das turbas ávidas do
maravilhoso , dos quadros negros e tenebrosos, sem que da nossa
parte tenhamos restabelecido a verdade, a realidade, espancadas
pelos contos phantasticos e romanticos.
E depois de proclamarem -se apostolos da verdade, depois de
reconhecerem que a abolição do trafico altera a economia do tra
balho, tornando indispensaveis grandes esforços para attrahir a
colonisação, concluem os livros , que tenho lido, confessando 0
intento de impedir a corrente da emigração européa para o
Brazil, e felicitando-se, se pelo menos conseguirem reter na Europa
20 % dos emigrantes, que a morte espera entre nós !
A abstenção dos brazileiros, illustrados de estudar e refutar pela
imprensa tão injustos accommettimentos ao nosso caracter, costu
mes e interesses ; consentindo que nosso passado gema sob a ty
rannia da ignorancia maldizente e malfazeja ; deixando sob o pó
das bibliothecas e archivos documentos de subido valor, concorre
não só para que os estrangeiros de boa fé ignorem a verdade e
realidade dos factos, como abandona-os ás calumnias dos especula
dores.
Brazileiro, tenho sentido amargores por tantas ingratidões imme
recidas, até que, fazendo das fraquezas força , e correndo risco de
prejudicar pela minha insufficiencia a mais santa das causas, re
colhi-me ao gabinete e sem interesse algum bastardo classifiquei as
seguintes notas, que provam os esforços, medidas, e leis dos go
vernos portuguez e brazileiro relativamente ao trafico dos africanos,
e que convencem de que temos sido constante e iniquamente ca
8
lumniados e tratados, principalmente pelo governo britannico. As
notas são pobres, porém sinceras , verdadeiras, patrioticas, brazi
leiras . Não sei se serão lidas ; se o forem mais de uma illusão
desaparecerá, mais de uma injustiça ficará patente, mais de uma
injuria apagada , mais de uma offensa vingada.
A obsequiosa carta, que recebi do Sr. conselheiro José Feliciano
de Castilho Barreto e Noronha , escripta no estylo que só aos
Castilhos foi pela Providencia liberalisado, dispensa-me de
repetir mal o que elle tão magistralmente diz em traços largos e
frisantes.

Côrte , 21 de outubro de 1868 .

T. FRANCO D'ALMEIDA .
1
!
Illm . e Exm . Sr. conselheiro Tito Franco de Almeida.

Devo a V. Ex . cordiaes agradecimentos pelo prazer que


me causou com a leitura deste primeiro volume da sua im
portante obra O Brazil e a Inglaterra ; ou o trafico de
africanos.
Affirma-me V. Ex . que ella se comporá de quatro livros ,
relativos aos successos que se deram : - no 1.0 até a sepa
:

ração do Brazil ; no 2.º até á abdicação do Sr. D. Pedro I ;


no 3.º até á maioridade do Sr. D. Pedro II ; no 4.º,
d'esse período em diante .
Observo mais ser se plano historiar os excessos é violen
cias da Grã -Bretanha para com os povos de lingua portu
gueza ; estribando sempre suas argumentações, não em affir
mativas vagas, suspeitas de patriotica parcialidade , mas sim
em documentos e monumentos pouco manuseados e conhecidos.
D'estes preferiu V. Ex. sempre, na parte que me foi per
mittido compulsar , os emanados das proprias irrecusaveis
fontes britannicas.
Este seo primeiro livro , em relação ao Brazil autonomo,
deve pois ser considerado como o magestoso atrio do templo ;
como uma introducção magnifica, habilitando os leitores para ,
convenientemente preparados, accompanharem o historiador na
estrada por onde lhe praz conduzil-os .
11
Antevejo que, no terreno em que se collocou, V. Ex . ou
nesta , ou em obra complementar, se verá em frente de uma
grande questão social, ante a qual se não acovardará o seo
caracter, analogo ao seo appellido , e tratal-a -ha sob diversos
aspectos, não só theoricos senão praticos : como christão
como philosopho como liberal e como brazileiro como
estadista de uma nação exclusivamente agricola e inter-tropical.
E ' problema complexo ; mas que, para espiritos de esphera
superior, se me não antolha insoluvel.
Este seo livro parece ter em mente, por em quanto , com
pendiar sobretudo as provas dos procedimentos iniquos da
Inglaterra, sempre injusta e ingrata para as duas briosas na
ções-irmans, separadas sim pelo Atlantico , mas sempre unidas
por laços do mais puro affecto .
A este resultado chega V. Ex., nas paginas que me coube
admirar, com inexcedivel methodo, rigorosa documentação ,
concludente raciocinio, clareza triumphante, e a singeleza de
desambicioso estylo, constitutiva de um dos primeiros requi
sitos d'este genero .
Dando exemplo de lealdade , digno de imitação , e felizmente
já hoje não raro, V. Ex., longe de revolver hostilmente
as cinzas de meos e seos avós, trata sempre nossos communs
antepassados com a justiça e veneração a que tem jus nação ,
grande até pela sua pequenhez , e cuja historia é uma das
mas brilhantes e honrosas , entre as dos povos christãos.
Este livro é feito para arrastar convicções . Ostenta -se a de
monstração de cada uma de suas theses sempre tão abundante
e irrecusavel, que o espirito mais prevenido se lhe renderia.
A historia d'esse povo d'alem - Mancha, como em tempos
antigos e modernos, tendo sido quem para o desenvolvimento
da escravidão prestou mór contingente — a reluctancia com que
elle a principio acceitou a idea da emancipação — a conserva
ção no seo territorio , ainda hoje, de serviços perpetuos,
verdadeiramente captiveiros — a anterioridade de Portugal na
redempção dos captivos, e na abolição gradual da instituição
- interesseiro impulso d'Albião , quando só abraçou as
12
doctrinas emancipadoras, ao aventar nellas a ruina de nave
gações estrangeiras e de estrangeiras colonias - a figura do
governo inglez, desde então, mascarado de cavalleiro andante,
de D. Quixote da Dulcinea Fusca o successivo esforço de
Portugal, desde quasi dous seculos, para tornar branda e suave
a sorte dos negros os tratados promovidos pela Inglaterra,
e logo sempre illudidos ou desrespeitados a estranha pro
tecção, sempre egoista e pesada, que ella nos prestou — a
inutilidade dos nossos protestos C
a singular theoria de uma
reciprocidade ... unilateral - a força brutalmente empregada ,
a prepotencia arverada em dictatorial direito , - tudo isso vem
magistralmente evidenciado nos artigos d'este seo magnifico
libello , corroborado por tão irrefragaveis documentos , e tão
valiosos raciocinios , que um só momento se não pode pôr
em duvida o veridicto da opivião .
Desde largo tempo , nutro as mesmas ideias, que V. Ex.
expende em relação à Grã-Bretanha, e que tive occasião de.
externar em diversas conjuncturas, taes como: n'um largo
discurso que proferi, em qualidade de Relator da Commissão
Diplomatica , na Camara dos Deputados, em Portugal, (discurso
sobre o qual assentou a votação da lei, que alli abolio as
Conservatorias estrangeiras ); — n’uma Memoria, composta de 47
artigos , que nesta côrte publiquei , sob o cryptonymo Publicola ,
por occasião da burla britannica , denominada Commissão an
glo -brazileira, creada pela convenção de 2 de junho de 1858 ;
numa extensa appreciação das recentes viagens do Dr. Li
vingstone pelo interior da Africa, analysadas pelo conselheiro
D. José de Lacerda, etc. Não pode pois deixar de concordar
com V. Ex. em todos os pontos quem ja pela mesma face
(posto que muito menos habilmente) os encarou.
A estas simples palavras de agradecimento e sympathia de
vêra eu talvez limitar -me : e assim m'o aconselharia tambem
o receio de que me supponha a insania de imaginar eu que
algo diria de novo a quem nestas, como em outras materias, é
mestre . Mas, sendo isto uma singela conversação entre nós
ambos ; havendo plena harmonia em nossos pensamentos,
13
não obstante a superioridade da expressão d'elles, em seos
labios ; faça V. Ex. de conta , nas palavras que vai ler , que
só ouve um fervoroso apoiado, d'aquelles a que, em seos
triumphos oratorios , os ouvidos de V. Ex . se tem affeito.
Reproduzindo aliás antigas ideas e palavras minhas sobre esta
materia , não parecerei talvez importuno a quem a está tão
nobremente aprofundando.
Sim , Exm. Sr.; tenho para mim que, atravez dos tempos
e das vicissitudes, o ambicioso leopardo, ainda não satisfeito
de haver cravado as garras n’um quinto da redondeza, bruma
de inveja, ao ver que ainda não são seos os terminos da
terra, e que ainda existem regiões não subjugadas ao seo com -
mercio , á sua navegação, á sua industria, ao seo exclusivo
dominio ; regiões não privativamente occupadas de servir, in
riquecer, endeusar o morgado da humanidade, o civis roma .
nus, o filho d'Albião .
Nação, onde a probidade individual é exemplar, distingue-se
por exemplar improbidade collectiva. Alli as maximas hones
tas que ' regem o cidadão, convertem -se nas de um corpo cor
rompido e corruptor, quando regem o governo ! Fechemos
olhos á sua triste historia, em relação com Os outros povos,
e circumscrevamo -nos ao circulo que a V. Ex . approuve tra
çar : Portugal e Brazil .
Pela astucia e ferocidade de panthera, escolheram elles bem
o emblema do leopardo; mas pela perspicacia e agudeza de
vistas, não lhes caberia menos o emblema do lynce. Seria
esta longa-vista a suprema qualidade dos governos inglezes, se
outra se lhe não avantajasse : a de conjurarem habilmente em
seo proveito os que a previsão lhe segreda serem , embora
longinquos, horisontes de perigos .
A nossa mais antiga e infiel alliada cravou olhos attentos
no mappa mundi ; mediu e calculou terras e destinos ; previu
a ameaçadora grandeza de nossos filhos, oriunda da legitima
grandeza de nossos paes ; estremeceu ; poz mãos à obra. Dis
cipula ahi de Machiavel (pois ella acceita todas as escolas,
como todos os principios , e todos os factos, que lhe appro
14
veitem) , leu o disticho · Dividindo, imperarei! Promoveu um
primeiro gravissimo fraccionamento ; e irá, de divisão em
divisão, até millionesimas dynamisações, se tanto lhe convier.
0 procedimento da Grã -Bretanha, salvas as modificações inhe
rentes á natureza dos solos , tem sido sempre o mesmo para com os
dous paizes, Portugal e Brazil , antes e depois da separação deste
(nem quero injuriar o imperio, nem mentir á historia, empregando
a palavra independencia ). Coacções, estratagemas, extorsões , in
sultos, deslealdades, violações e tyrannias, tudo 'isso tem sido
empregado, em gráu igual — já contra o reino-unido de Portugal,
Brazil e Algarves - já contra o imperio do Brazil e o reino de
Portugal com suas transatlanticas possessões.
Hoje, está posto a nu o programma britannico . Nação orgu
Thosa, cujo interesse deveria ser o consentir o engrandeci
mento das que pertende e costuma premar e espremer, lida
antes em promover o seu anniquillamento, como se para ella
sómente o sol devesse luzir. E porque vias procura hoje a
realisação d’este seu desiderandum para com o Brazil e Por
tugal ? Eis aqui, segundo parece, os fementidos raciocinios do
inglez :
BRAZIL. « Este imperio tem em si os germes da maior pros
peridade ; cumpre esmagar-lhos.
<< Paiz novo, immenso, sem commercio proprio, sem indus
tria, sem navegação, deve, e largos annos deverá, sua riqueza
á agricultura : caffé, assucar, algodão, fumo, etc. Estes productos
da terra precisam o trabalho do homem ; precisam -no sobretudo
na estação do anno em que o sol queima o trabalhador. Só a
raça africana (humanas salamandras) é propria para taes ser
viços, a que a constituição das outras se não presta ; essa raça
é naturalmente ignava e frouxa; deixada a si, não intende
que o trabalho seja lei de Deus , mas do diabo. Depois de im
pedida a introducção d’estes obreiros, libertemos os que existem
de suas lidas ; e eis-ahi coroado o nosso plano ; o Brazil dos
brazileiros é insustentavel sem agricultura ; a agricultura insus
tentavel sem braços idoneos ; inutilizados estes, crearemos um
Brazil impossivel .
15
« E depois, temos ainda outra missão : arruinar o Brazil é
metade do caminho ; complemento, é deshonral-o . Gritaremos
ao mundo que este imperio é o valhacouto da ferocidade ,
um antro de Caco , uma quadrilha de anthropophagos ; que é
para delicias do minotauro , que a Africa o alimenta de carne
humana ; que, refractario ás leis do Christo e da civilisação ,
não imita os povos da Europa, que dos seus codigos riscaram
palavra , por muitos seculos admittida . Faremos fortuna com
o rechino d'estas phrases estridulas ; e teremos summo cuidado
de evitar se pondere : que a escravatura para os povos da
Europa era um simples ramo de mercancia , uma excrescencia ;
em quanto a lei do trabalho nesta região americana torna in
dispensavel a cooperação dos negros; que o Brazil está ainda
todo proporcionalmente despovoado, e não tendo quatro por
cento dos habitantes que tem a Europa, em milha quadrada ;
que não obstante isso, já não é captiveiro essa instituição ,
tal qual elle, desde annos bastantes, se appresenta no imperio
americano ;-que ao Brazil, e só a elle, é devida a sua progressiva
diminuição ; -que finalmente nada ha mais nobre que os inces
santes exforços emancipadores feitos por uma sociedade , que
em grande parte nessa emancipação anteve suicidio . »
Resolveu-se o problema, quanto ao Brazil : arruinado, des
honrado. Tornemos a ouvir o inglez :
PORTUGAL . « A Europa é por elle simplesmente orlada. Essa
facha de terra, continando só com a Hespanha e o mar, não
tem proporções para estender -se e engrandecer -se (tanto que
nem sequer a sua Olivença, por nós affiançada, lhe foi resti
tuida ). Sua grandeza futura está nas duas Africas, na Asia ,
na Polynesia . Já cortámos uma aza á aguia ; cortemos-lhe a
outra .
« Ahi, a escravaria nos não pode servir de pretexto , por
que, successivamente abolida , ja nos dominios portuguezes não
haverá um captivo , no anno de graça de 1878. Ahi portanto ,
outro , e mais violento ainda , deve ser o plano : infrene expo
liação ! As armas contra o Brazil são da escravidão , sem ter
ritorio ; contra Portugal, do territorio, sem escravidão .
16
« Já não é d'agora que vamos preparando o terreno para
irmos paulatinamente expulsando o pavilhão das quinas, de
todos os torrões onde fora heroicamente cravado . Todos os
meios nos tem servido : seducção ardil concessão
extorsão propaganda - força , tudo isto nos tem ido
variamente servindo de titulo para nossas acquisições.
« A ilha de Bolama, na Alta Guiné, e embocadura do Rio
Grande, ilha cuja soberania Portugal obteve em 1607 , tem sido
cubicada por nós, repetindo tentativas de apossamento em 1792 ,
1842 e 1847 ; e agora torna-se precisa uma arbitragem , de que
se está tratando, e ainda veremos se nos é possivel evital-a .
« A ilha portugueza de Fernando Pó viu , desde 1827, a
nossa invasão ; fundámos alli a colonia de Clarencetown, e
apoderamo- nos emfim d'essa , a mais util e septentrional das
ilhas de Guiné, proximas á costa , na bahia de Biaffa .
« Foram os portuguezes os descobridores, em 1502, e se
nhores de Santa Helena. Passou para os hollandezes, em tempo
do dominio hispanhol; mas depois da restauração, a posição
era magnifica ; ficámos com a ilha .
« Tristão da Cunha descobriu em 1498 a ilha da Assumpção .
Tanto essa , como o Archipelago , ainda honrado com o seu
nome, são hoje da corôa britannica .
« Dobrar o Cabo da Boa Esperança foi presentear- nos com
a chave da Africa , sendo Portugal quem assim nos entregou
essa optima estação e magnifico arsenal para nossas frotas do
Atlantico e mar das. Indias, e vasto territorio .
« Na nossa India trans-gangetica e costa de Malabar, com
que Vasco da Gama abordou em 1498 , cá estão incorporados
immensos solos, taes como o reino de Malaca , Dabul, Cananor,
Cochin ( onde Affonso d’Albuquerque , por mandado do Sr.
D.Manoel, levantou a primeira forlaleza de Portugal, construida
na India ) .
« A melhor parte da nossa India cis- gangetica , na costa de
Coromandel, foi portugueza ; e Calecut é capital da presidencia
de Madras.
« Molucas, muito antes descobertas pelos portuguezes, e de
17
cujo archipelago estes, em 1551 , tomaram a capital, Geildlo,
ficando desde então seu rei sujeito a Portugal, tiveram -nos
alguns annos depois de 1809 por dominadores .
« Descobriu D. Lourenço d'Almeida, em 1507, as Maldivas,
cujo rei em 1512 se fazia tributario do rei luso, para parte
d'ellas estar hoje obedecendo a um principe, vassallo nosso .
« Bombaim, obtida em 1530 do radjah de Sourah, porto
magnifico da costa occidua, cá veio, sob pretexto de dote da
Sra. infanta D. Catharina, a misera, ou antes como preço de
serviços que não prestamos.
« Ainda ultimamente renovámos invasões em Bolola , fazen
do-as partir da proxima Serra Leða, sem sermos provocados,
e estando em plena paz com OS nossos vizinhos . Já vamos
contestando a soberania portugueza até no Zaire, e nos ter
ritorios ao norte do Cabo Padrão. Já temos praticado violen
cias, e protestado contra a occupação portugueza para o norte
de Ambriz, e estamos em vesperas de traduzir nossas injustas
ameaças em actos mais positivos. Em todas as longinquas
possessões d'aquella corða temos frequente e impunemente
praticado actos de verdadeiro dominio, quando não de vanda
lismo.
« Temos creado uma eschola , de que foi porta-voz o Dr.
Livingstone, a qual defende a commoda doctrina de que,
não podendo o natural soberano exercer temporariamente
jurisdicção effectiva e pratica em certo ponto , seja qual for o
motivo, fica esse territorio primi capientis ; é licito invadil-o,
subjugar os habitantes, e d'elles fruir as vantagens com que
possam concorrer para mais proveitoso trafego da nação in
vasora .

« Vamos pois caminhando com firmeza. Protocolos, auto


nomia, tratados, justiça, soberania, tudo é vão ; é força a
medida do direito. Dentro em alguns annos, todas as posses
sões portuguezas serão nossas.
« E isto urge, com effeito . A Africa portugueza , com seu
uberrimo solo, offerece esplendido prospecto de futuro proxi
mo. Até a parte oriental desse rico emporio vai ser posta ás
18
portas dos mercados da Europa. Subjugado, daqui a poucos
mezes, o isthmo de Suez, dar -se -ha nova transformação mer
cantil, como a operada pelo dobrar do çabo Tormentoso . Mo
çambique se mudará para o Mediterraneo. Então as minas
dessa opulenta região, e de todas a primeira, a agricultura,
tornarão riquissimo o paiz que as possuir . Oh ! Aferrando a
maior e melhor parte do mundo , mostrar -lhe -hemos como nos
sabemos vingar da cruenta ironia do
( penitus toto divisos orbe britannos. »
E serão levados ao cabo tão iniquos projectos, se estes são
os que realmente a Inglaterra no animo revolve ? Esperemos
que não. No seculo actual, nem sempre o arbitrio é já om
nipotente . Começa a tornar-se intoleravel a situação de pupi
lagem em que nações mais fortes pretendem conservar outras,
tão soberanas como ellas . Deixem cada um governar sua casa,
como lhe approuver ! Paizes que tanto blazonam de liberdade
e tolerancia, não sejam , para com os outros , intolerantes e
tyrannos !
Bem razão tem V. Ex. , no assumpto a que mais particu
larmente se applicou, em contestar todas as falsas allegações,
aventadas pelos inglezes, em materia de captiveiro, e suas
consequencias .
Foi Portugal a primeira potencia da christandade, que em
colonias suas aboliu o trafico da escravatura, e a propria es
cravidão dos negros ; e nem repisarei o que V. Ex. muito
acertadamente pondera a este respeito, confrontando os actos
dessas éras passadas com OS da Grã-Bretanha, tão reluc
tante em acceitar o exemplificado abrandamento da sorte dos
africanos.
Pelo volver dos tempos, appareceu emfim à escola eman
cipadora . Vira a Inglaterra propôr no seu parlamento a abo
lição do trafico 20 annos antes de ousar, pela primeira vez,
proclamal-a . Dado este passo ; e reconhecendo que o trabalho
livre de suas colonias ficaria esmagado pelo trabalho escravo
das outras, com o qual não poderia concorrer, dando -se assim
19
golpe de morte no seu commercio e navegação , começou logo
a sua cruzada negrophila , provavelmente pelo profundo hor
ror que lhe causava o cerceamento dos direitos civis e poli
ticos de nossos irmãos, os pretinhos — tão aptos para governo,
como o provam os Dahomeys, os Congos, os Liberias, os
Haytis, e agora os Estados Unidos.
E antes de passar além , é aqui logar de, com V. Ex., es
pantar-me deste accesso de britannica ternura , cujo objectivo
unico é a costa da Mina, e que desconhece outras analogas,
e muito mais proximas e sympathicas, miserias.
O captivo é hoje apenas um servidor permanente. Se esta
permanencia e condição justificam a attitude dos enamorados
de pretos d’Africa, quizera eu a explicação desse delirante e
fanatico ardor de liberdade dos selvagens libyos (e para quem
o captiveiro é, não raro , melhoramento de sorte) , e o desam
paro de lastimas eguaes, senão maiores , das quaes deveriam
algumas inspirar a europeos maior gráo de sympathia .
Emquanto a Inglaterra exigia de nós imperiosamente a al
forria dos nossos escravos, porque razão não decretava com
egual autoridade e altivez , á Russia , a liberdade dos servos
adstricios á gleba , na mesma Russia e Polonia ! Será por se
ter conhecido em Sebastópoli quanto valem canhões mosco
vitas ?
Porque consente a escravidão em lugares da India ! Temerá
os Nana-Sahibs de campanario ?
Porque permittio aos EstadosUnidos serem , por iniciativa
propria e como fructo de uma guerra intestina , elles que
abolissem a instituição ; elles, sim , que lhe prohibiam a vio
Jação da sua bandeira , e a busca dos seus navios ! Será
porque João Bull não brinca com o Mano Jack ?
Porque supportou tão mansamente o regresso ao trafico , re
cem -tentado por Napoleão III ; e, no caso do Charles et Geur
ge, o negreiro insulto ás quinas, destinado para resurtir con
tra o prudente leopardo sem unhas ! Será por dominar Cher
burgo ao canal da Mancha ?
Em que merecem menos a paixão da fashion britannica os
20
trinta mil escravos , annualmente exportados da Barbaria e
Egypto ! os cincoenta mil, vendidos pelos vassallos do
Iman de Mascate , levados em navios arabes , de Zanzebar e
outros portos da costa de leste d’Africa para a Arabia, Per
sia, India, Java e outras regiões ! as formosas georgianas e
circassianas, vendidas como gado immundo, em feiras ignobeis,
para provimento de prostibulos ! Será porque nenhum desses
mesquinhos pede á terra productos coloniaes , analogos aos de
possessões britannicas ?
Porque razão até não liberta a Inglaterra da temporaria
escravidão os seus trabalhadores de minas, soldados e marujos,
maltratados operarios, oppressos irlandezes , e tanta outra pun
gente desgraça que lá tem por sua casa, e que lhe devia tocar
mais de perto !
Não ; esses todos não são nossos irmãos . Irmãos ! são apenas
os que alli vêm da praia fronteira ajudar em trabalhos agri
colas, semelhantes aos que se fazem em alheias colonias con
currentes ,
Ao menos, O que é certo é que nem a historia de Portu
gal nem a do Brazıl apresenta , em periodo algum , um só facto
de concidadão vendido . Para gloria do progresso inglez, as
suas praticas nasceram de mais longe ... para irem mais
longe tambem .
No periodo saxonio , exportaram - se escravos da Grã-Bre
tanha para o continente . O papa Gregorio I viu no mercado
de Roma moços inglezes , escravos, á venda. Geraldo Cam
brense, Guilherme de Malmsbury e outros, accusavam OS an
glo -saxonios de que vendiam criadas e filhos aos estrangei
ros, especialmente irlandezes , pratica seguida depois da con
quista normanda ; e ainda hoje falam os jornaes inglezes de
mulheres vendidas por seus maridos, ou trocadas , em feiras
de porcos, e com cordas ao pescoço á guisa de cabresto , por
potes de cerveja. Lê -se nos canones de um concilio de
Londres : Let no one from henceforth presume to carry on
that wicked traffic by which men in England have been hi
therto sold like brute animals, etc., etc.
21
Não aponto estes factos historicos como desairosos á Ingla
terra, mas só como comprobativos de que, se ella, mais que
ninguem, precisa apasiguar a consciencia, vergada ao peso de
implacaveis remorsos, então cumpre dar maior extensão à sua
cruzada libertadora —não opprimindo os fracos- nem fugindo
dos fortes.
Pondo termo a este incidente, repetirei que é injusto cons
tranger a prostrar, de um golpe, instituição de seculos ; a abrir
subitanea uma lacuna , impossivel de preencher ; a'anniquillar
interesses vastos, fundamentaes, e ligados com a fé publica ;
a destruir a seiva que gira nos principaes ramos de um Es
tado. Não ha circumspecção bastante para sem receio passar
do inoffensivo regimen das theorias ao perigoso labyrintho
das praticas .
Nisto bem poderia ser a impaciencia - imprevidencia, a viva
cidade — temeridade. Altas capacidades inglezas, antes que a
torrente arrastasse tudo, homens de muito saber, muito criterio,
muita piedade, e muito bom senso, defenderam na propria In
glaterra (em quanto a intolerancia o não vedou) que o assumpto,
em suas applicações a dados paizes, não era tão liquido como
os fogosos pertendiam .
Os esforços de Wilberforce foram largo tempo impotentes
contra a adversa argumentação . Quando sir W. Dolben apre
sentou o seo bill para regular o trafico , até que abolido fosse,
decaiu ainda de sua tentativa. A questão da abolição succum
biu no debate a repetidas derrotas até 1804, quando Wilber
force obteve a final escassa maioria na camara baixa ; mas
não passoù o bill na dos lords, e no seguinte anno até na dos
communs foi o projecto rejeitado. Antes do bill de 25 de
março de 1807, os actos preparatorios, taes como a ordem do
conselho de 1805, etc. , foram do executivo ; e as discussões
do parlamento haviam sempre dado victoria aos anti-abolicio ,
nistas . Não sejamos injustos para com o parlamento britan
nico . Não eram os interesses, mas convicções nada indecoro
sas que induziam tantos estadistas a opporem-se á suppressão
do trafico. Porque razão o que hontem foi em Inglaterra pa
22
)
triotico, hade hoje ser no Brazil · abominavel ? Dar-se -ha caso
que ‘o vicio e a virtude pendam das latitudes ?
Se porém é indubitavel que no espirito esclarecido de mui
los tem pairado duvidas, posto não raro mentirem labios ao
Orebro, ainda mais indubitavel é que o governo brazileiro e
os altos poderes do estado pensaram e obraram como quem
que: leal e definitivamente a abolição do trafico, tornando
assin mais nobre o seo procedimento, mais flagrante a bri
tannica injustiça .
Esquecidos do meio seculo de lucta entre elles mesmos sobre
este assumpto, lançam os inglezes o seo exemplo em rosto aos
brazileiros. Despreze-se embora o lado odioso da increpação,
mas obse:ve-se quanto a comparação, em these, é descabida.
A Bretanha aspira a civilizada, desde o tempo de Cesar, e
os seos Egberto e Ethelwolf são dos annos 800 e 836 do
nascimento de Christo ; o Brazil tem pouco mais de tres
seculos, em vez de onze ou vinte .'
A Inglaterra tem possessões, por todo o universo derramadas ;
o Brazıl não possue palmo de terra, fóra da America.
A marinha britannica todos os mares assoberba ; a brazileira
escassamente faz a cabotagem do imperio.
0 commercio britannico dicta leis ao mundo ; é nullo o
desta parte da America.
As fontes da riqueza do reino-unido são variadissimas: 0
seo carvão e o seu ferro, e em segunda linha o seu estanho,
chumbo e cobre suas admiraveis estradas sua rede de
caminhos de ferro , tornando vizinhos de paredes e meias os
cidadãos de tres reinos sua colossal industria , mórmente no
fabrico do panos , lans, estofos, tecidos de algodão , seda e linho ;
fabricas de fiar; metallurgia de todo o genero ; manufactura
de armas , quinquilheria , ourivesaria , relojoaria ; branquea
rias, alcaçarias, etc ., - finalmente é Londres , sob o aspecto
commercial, a ponta de um immenso funil ; quantas operações
mercantis redemoinham no globo inteiro, por mais que tumul
tuem e girem , lá vão todas concluir-se na tal ponta do funil,
denominada Londres . E o Brazil ! ?
23
1
1

Tem pois a Inglaterra duzentas cordas no seo arco, e o


Brazil só uma, a riqueza do solo , e essa mesma se romperá,
desde que lhe arrebatarem os meios de a fazer vibrar : os braços .
A comparação torna-se portanto inadmissivel: é das taes
paridades, á moda da reciprocidade dos tratados inglezer.
Talvez o que para uma das nações significasse superabundania
de luxo, fosse, para a outra, força de indeclinavel necessidide.
E todavia o Brazil, pondo de parte tão vitaes considerações,
e com abnegação nunca egualada, tem praticado os mais hon
rosos actos .
Todo este seculo como o mostra a collecção das leis, está
cheio de provas do proposito de ir adoçando a esravidão ;
e depois, da resolução, de cumprir'a promessa feita em 1826
de prohibir o trafico pelos subditos brazileiros em Africa.
Passando por sobre innumeraveis outras disposições, algumas
recordarei ora preparatorias do grande golpe ora reve

ladoras do systhema de humanidade no tratamento dos captivos


não poucas protectoras da liberdade finalmente anniquil
ladoras do trafico africano. Não comprehenderei mais que o
espaço de uns trinta e tantos annos.
A provisão de 4 de junho de 1813 libertou os escravos
pertencentes ao sequestro aos jesuitas.
Apenas concluido o tratado de 22 de janeiro de 1815, teve
o governo logo cuidado de o ratificar pela carta de 8 de
junho ; e já antes, o alvará de 24 de novembro de 1813 ( que
ulteriores disposições ratificaram e ampliaram ) regulára a ar
queação das embarcações e outras providencias, destinadas a
suavisar as miserias d'esse transporte .
Tambem para a melhor execução do tratado de 22 de janeiro
de 1817 se expediu o aviso de 17 de fevereiro.
Provisão de 27 de outubro 1817 manda promover o casamento
dos escravos .
Alvará de 26 de janeiro de 1818 estabelece penas asperas con
tra os que fizessem commercio illicito de escravos : e provi
dencia a respeito d'aquelles que, em virtude de taes determi
nações, ficassem livres.
24
Desde esses tempos, multiplicam-se as disposições tendentes
a afastar do serviço publico a escravidão , e a desanimal- a .
Por exemplo :-0 aviso de 28 de abril, resolução de 23 de
maio de 1821, prohibe aos empregados do arsenal do exer
cito , fortaleza da Conceição e fabrica da polvora , terem es
cravos seos, trabalhando nas repartições.- Disposição identica,
á Intendencia da Marinha, por aviso de 17 de agosto de
1830, e a todas as repartições, por portaria de 20 de abril
de 1825.- A resolução de 25 de janeiro de 1831 (ampliada a
todas as provincias pela de 20 de setembro de 1831 ) pro
hibe escravos como operarios ou serventes nas estações pu
blicas, em quanto houver ingenuos ou libertos.- A resolução
de 30 de novembro de 1841 obrigou um concessionario de
loteria a não ter escravos na sua fabrica.- A ordem de 27 de
julho de 1843 mandou despedir escravos da alfandega.— 0
decreto de 16 de outubro de 1844 subjeita a taxa mais forte
os operarios de typographias , sendo escravos.- Os avisos de
12 de setembro e 24 de novembro de 1849 expulsam os es
cravos do arsenal de guerra , e o de 2 de outubro de 1849
do de marinha .
Tres avisos de 1821, e portaria de 7 de fevereiro de 1825
estabelecem o processo e o destino dos libertos .
A lei de 20 de outubro de 1823 incumbe aos presidentes
das provincias promover o bom tratamento dos escravos .
As leis de 1 de outubro de 1828 e 12 de agosto de 1834
ordenam ás camaras municipaes communiquem as assembléas
provinciaes os maos tratamentos e crueldades praticadas com
escravos .
O codigo criminal (16 de dezembro de 1830) a quem redu
zir á escravidão pessoa livre , pune com prisão , nunca por
menor tempo que o injusto captiveiro, e mais um terço , e
multa .
A portaria de 21 de maio de 1831 liberta os escravos intro
duzidos por contrabando, e processa os infractores ; e nova prova
de interesse para com este objecto , dá-a o aviso de 22 de
agosto do mesmo anno .
25
A lei de y de novembro de 1831 é terminante , importando
extincção geral do trafico , dispondo ficarem livres quantos
entrarem nos portos , e serem os importadores punidos com
a pena corporal do art. 179 do codigo criminal.
O regulamento de 12 de abril de 1832 (ainda melhorado
em 1834 , 35 e 36 ) é o complemento severo d'aquella lei.
A ordenação de 13 de novembro de 1833 protege a liber
dade, renunciando á meia siza dos escravos libertados.
A lei de 3 de dezembro de 1841 estabelece a forma de
julgamento do contrabando de escravos,
O aviso de 26 de março de 1842 incumbe ao curador
geral dos africanos livres, prover a bem d'elles .
O decreto de 2 de outubro de 1843 determina ás estações
navaes que obstem ao trafico.
A circular de 15 de março de 1845 estabelece a compe
tencia das justiças ordinarias do paiz para processos sobre
trafico illicito .
Não é descabido citar aqui (pelos principios de direito pu
blico , que encerra) o protesto de 22 de outubro de 1845
contra o acto do parlamento britannico, que subjeitou os na
vios brazileiros aos tribunaes do almirantado .
E tambem , para appreciação da moralidade do britannico
horror de encommenda , aqui citarei o aviso de 24 de feve
reiro de 1847 (Gazeta Official n.º 88, 2.0 vol.) sollicitando
esclarecimentos sobre ESCRAVOS DE INGLEZES e allemães na côrte .
Orą chego, pela successão chronologica , ao fecho da abobada
(completado pelos decretos de 14 de outubro e 14 novembro
1850), a lei de 4 de setembro de 1850, obra do sempre
lamentado estadista Eusebio de Queiroz . Essa lei deu o golpe
mortal no trafico , por meio das unicas providencias efficazes,
que foram as internas e vigorosas, levadas a tal ponto que
até pelo temor de parcialidades do jury , parte integrante,
segundo a constituição, dos tribunaes ordinarios do imperio ,
chegou a crear -se um tribunal e um julgamento excepcional.
Escusado é relatar as subsequentes providencias, entre as
quaes figuram regulamentos e decretos para execução da lei
26
de 1831, tornada, ainda mais effectiva pela de 5 de junho
de 1854 , onde se estabelece a competencia das auditorias da
marinha, até quando a perseguição dos delinquentes se não
realize no acto do desembarque ; e se castiga tanto o brazileiro
como o estrangeiro residente no imperio , dono , capitão, piloto ,
ou interessado em embarcação occupada no trafico . Tudo o
mais é palido, em presença da lei de 1850.
Nos ultimos tempos bão-se libertado milhares de escravos ;
orders religiosas, além de alforrias parciaes, deram o decisivo
passo de libertarem o ventre da escrava ; e o difficil problema
vai sendo resolvido .
Como se tem pois ousado affirmar que o Brazil faltou a
compromissos ? Já a tendencia dos actos do legislativo e exe
cutivo manifestava desde largas eras a intenção de acabar com
o trafico. Vê-se que, a despeito da utilidade da escravidão nestes
logares, a liberdade tem sempre sido generosamente protegida ;
que as leis e os regulamentos vão muito além das obrigações
contrahidas ; que, desde que a Grã-Bretanha rompeu , de facto,
os tratados, praticando actos de todas suas clausulas attenta
torios, dava jus á outra parte contratante para os lançar a
desprezo egual ; que todavia assim não ha succedido, pois na
sua legislação procedeu o Brazil como se fosse obrigado a res
peital-os, e a exaggerar- lhes os principios, ou como se a abolição
fosse grande interesse seu.
E não obstante, bom é ponderar que em relação ao Brazil ,
a questão está deslocada : o que no Brazil existe não é cousa
que se pareça com as idéas concomitantes do termo escravidão.
Não é raro , na historia dos povos, ver as cousas prejudicadas
pelas palavras. Cada periodo apaixona-se por uma palavra, ora
justa, ora van, ora incomprehensivel, ora perigosa ; o turbilhão
da moda arrasta -nos, e lá vamos todos machinalmente para
onde Deus quer.
A moda agora exige confundirmos a chamada escravidão
dos nossos dias, com a real escravidão dos passados tempos ,
para podermos assoprar os retumbantes epithetos de trafico
execravel, nefando e nefario ! torpe, infame, vil, indigno, mal
27
dito. Cumpre porém ter a coragem de apregoar que, ao menos
no Brazil , a instituição está longe da natureza da antiga e
anathematizada.
() escravo grego e romano (branco, e muitas vezes illustrado)
havia muitos casos em que não adquiria propriedade ; não
tinha direito de casar ; seu senhor infligia- lhe todo o castigo
corporal ; matar seu escravo não se considerava delicto ; a
condição deste era inferior á do animal domestico ; homem
não ; cousa .
Será esta a posição do chamado escravo no Brazil ? Agui
adquire propriedade, em certos casos ; forra - se, qualquer que
seja seu valor, pelo preço geralmente baixo, da avaliação ju
dicial ; casa ; passa sem restricção, de escravo , a gosar as re
galias de cidadão, franqueando-se - lhe illimitadamente quasi todas
as posições ; o tratamento, nascido da brandura dos costumes
(e até da valia da propriedade) é todo paternal, da parte do
senhor; os proprios castigos corporaes, excepto insignificantes
correcções domesticas, pertencem á auctoridade publica ; existe
um funcionario tutelar destinado a protegel-o ; manda a legis
Sação interpretar sempre em favor da liberdade ; o assassinio do
escravo pelo senhor é punido como homicidio ; o escravo bra
zileiro não é cousa , mas homem .
Seja porém como fôr, a Inglaterra, insaciavel , considera ainda
pouco o immenso que nesta materia, aliás de regimen interno,
ha sido praticado pelo Brazil . Ella, que se arvora em tutora
dos pretos africanos no Brazil, que responderia a quem styg
matizasse o seu procedimento para com os homens brancos da
Irlanda ? Acceitaria tratados para produzirem effeitos em Dublin
ou Londonderry ?
Todavia Portugal e Brazil, interpretando como de humani
dade a questão do captiveiro, concordaram em permittir que
negocios internos seus se decidissem por convenções interna
cionaes ; a Inglaterra bem sabe que, arpoando o primeiro elo,
arrasta a cadeia inteira ; concedam-lhe qualquer principio, e
não pasmem das consequencias que delle sabe extrahir.
Após annuaes , diarias, violencias inauditas, concordou o go
28
verno inglez em que se appreciassem as mutuas reclamações de
governos particulares, entre Inglaterra e Brazil , pois ao lado
das justissimas do imperio, lá forjicaram tambem contra elle
certas descabidas exigencias, de que a alta parte contractante
resolvera sacar o grande partido , ensinado pelo fabulista ...
digo, pelo historiador :
Ego primam tollo, nominor quia Leo ; (PARDUS)
Secundam, quia sum fortis, tribuetis mihi ;
Tum , quia plus valeo , me sequetur tertia ....
Malo afficietur, si quis quartam tetigerit ;
ao que depois respondeu o Brazil , admirado :
Sic totam prædam sola improbitas abstulit !
Com aquelles reservados projectos annuiu a Inglaterra a
uma convenção destinada a pôr termo ás taes reciprocas re
clamações. Levava em mira, libertar-se das consequencias de
justos e valiosos protestos ; consagrar d'est’arte com apparen
cias de direito as suas brutalidades de facto ; inutilizar dili
gencias contrarias, dando-lhes tempo curtissimo e insufficiente
para se authenticarem ; predispor futuros, appresentando alga
rismos fabulosos de reclamações dos seos ; fazer assim, ainda
em cima, vergar enormemente em seo proveito a balança
da liquidação .
A convenção de 2 de junho de 1858, creando uma com
missão anglo -brazileira, incumbiu-a de resolver definitivamente
as reclamações que , (N. B. ) , um ou outro dos dous governos
considerasse não decididas, ou não bem decididas.
Trabalhou essa commissão , durante os curtos mezes conce
didos , e quando faltavam onze dias para seo termo legal ,
surge um acto de fé punica , um procedimento de verdadeira
diplomacia britannica : uma convenção internacional, annulla -a
a Inglaterra unilateralmente ! zomba-se das esperanças , direitos ,
esforços e despesas de grão numero de brazileiros ; suspen
dem-se os trabalhos preparados em virtude de um tratado ;
nega-se até effeito ás sentenças proferidas, e passadas em jul
gado, segundo as prescripções que já para ambos os paizes
constituiam lei !
29
Quem foi o digno porta-voz d'este novo attentado diploma
tico ? Cumpria que fosse, e foi, o nunca assaz alamado Sir
William Dougal Christie .
Qual o motivo real da annullação do acto ? Dei xemos am
bages e declinatorias : o motivo foi o mais sordido com que
um acto reprovado se podesse conspurcar . Foi o ter o go
verno inglez reconhecido a erro dos seus calculos ; que apezar
de exhibir as suas reclamações promptinhas, e de ter negado a
septecentas brazileiras tempo para se legalizarem, o resultado era
o inverso do imaginado ; isto é, reconheceu que o Brazil
tinha mais alta a sua concha da balança ; que longe de se
1
vasar o seu erario nas margens do Tamisa , muito maior
somma era
a que o anglo tinha a satisfazer para indemni
zação dos subditos brazileiros cruelmente expoliados. Até isto
se pretendeu explicar com faiscas de esperteza : Cartouche foi
condiscipulo de Voltaire.
Qual o pretexto ? Eu sei ? puerilidades. Eis-aqui os argu
mentos de Lord Palmerston , para justificar o seu firman :
- « Que foi agora que o governo brazileiro se saíu com
reclamações por perdas de brazileiros envolvidos no trafico . )
Isto quando todos os ministros do Brazil , desde a separação
protestaram contra os abusos da prepotencia britannica, em
tal materia ., Quia plus valeo .
- « Que não podia a commissão occupar-se do que fóra
praticado em virtude de um acto do parlamento. » . Como
se uma commissão mixta, em vez de regular-se pela sua lei
organica , se regesse pelas leis internas de um dos paizes ;
como se o outro fosse obrigado a dobrar cerviz á legislação

alheia, até nas disposições nominalmente attentatorias da sua


dignidade e da sua independencia . Quia nominor Leo .
« Que a convenção não abrangêra as questões de presas . »
- Diz ella, logo no seu introito , ser a commissão creada
para resolver definitivamente sobre as « reclamações recipro
camente feitas, desde a data da declaração da independencia
do Brazil , e que ainda estão pendentes, ou consideradas por
um ou outro dos dous governos como não decididas, » Desde
30
que se dicer 1.º que o Brazil permanentemente declarou , a
contar da separação, que protestava contra os apresamentos
iniquos, 2.o que a nenhuma questão de outro genero se podia
alludir na convenção , quando esta affirma existirem reclamações
pendentes, do Brazil contra a Inglaterra , pois (a não ser uma
insignificancia ) nenhumas ha de origem diversa, todos os com
mentarios enfraqueceriam a evidencia du embuste. Quia sum
fortis.
« Que o inglez procedeu dentro da esphera do poder que
tinha, e totalmente rejeita a pertenção do Brazil » Sim ;
terreno de direito e justiça, illusão ; do poder, e da força , abuso !
E ' uma convenção em que ambas as partes pactuaram uma
cousa ; pede uma dellas a sua observancia , chama a outra a
isto pertenção, e rejeita -a com supercilioso desdem . Ter -se-ha
visto assim abusar de uma situação mais prospera ou poderosa ,
mas nesses raros casos sempre houve o pudor de phantasiar
pretextos. Aqui foi desnecessario . Malo afficietur, si quis
quartam tetigerit.
E desappareceu Christie, e morreu Palmerston , mas nem
resurgiu a convenção ao menos, nem sequer está apagado ainda
do codigo das leis inglezas o borrão, denominado Brazilian
slave-trade act. Estas tradições n’aquella terra perpetuam - se ;
por mais obvia que a indignidade seja , palavra d'aquelles reis
não volta atraz .
Muitos outros desenvolvimentos me estão acudindo ao bico
da penna, mas importa retrahil-a , pois talvez já demasiado haja
abusado da paciente attenção de V. Ex., do que supplico
benevola desculpa , apadrinhado pelo momentoso do assumpto.
Sim . E ' momentoso para todos os paizes de lingua portu
gueza que se ufanam de suas tradições que são ciosos
de sua autonomia que não invejam as qualidades de outra
alguma raça no orbe que nunca usurparam um palmo de
terreno alheio que tem jus de exigirem egual respeito ao
seo que tomam justiça e fraternidade como base de todas
as relações sociaes - que aspiram a conservar brilhante o seu
talher de ouro, no convivio das nações.
1

31
Contra toda a especie de tyrannias, nossos povos se affize
ram a reagir ; brandamente, quando possivel ; com energia,
quando inevitavel .
Se abusos intoleraveis continuarem a victimar- nos, cumpre
repelli-los , venham d'onde vierem . Estamos para isso em bom
seculo : a opinião vale força, o bom direito exercitos. O des
potismo vacilla, quando ante si encara, não rebanhos, mas
homens. Chegado o dia, esses homens appreciam-se ; não se
contam ; Leonidas suspendem Xerxes .
Bom e patriotico serviço é pois este da sua penna illustrada.
Importa aos nossos concidadãos conhecerem a fundo questões,
tanto mais graves, quanto esse passado é arcada de aqueducto
do porvir ; prepare-se elle para nos transportar as suas aguas
deliciosas da Carioca em vez das lodosas do Cocyto . O río
amargo levava as ondas ao Acheronte, compostas de lagrymas
dos culpados e arrependidos ; não venham nossos filhos a
pagar, nem arrependimentos seos, nem culpas nossas .
Vozes , como a de V. Ex. , merecem ser escutadas, e sel’o-hão .

De V. Ex .

collega, admirador, obrigado


José Feliciano de Castilho Barreto e Noronha.

Rio de Janeiro, 6 de octubro de 1868.

32
LIVRO 1.

(Até 1822.- Independencia do Brazil.)

I. — Ao Christianismo, á Igreja Catholica


Apostolica Romana , aos Santos Padres e Varões
illustres , que seguem , ensinam e propagam a
doutrina do Crucificado , devem - se as primei
ras, as melhores armas contra a escravidão .
Alexandre em 1200 , Pio il em 1482 , Paulo III
em 1557 , Urbano vil em 1639 , e Benedicto XIV
em 1741 condemnaram a escravidão ; obede
ciam á lei eterna —quæcumque vultis ut fa
cient vobis homines et vós facite illis (* ) .
E S. Gregorio Magno assim resume a dou
trina da Igreja :

Visto que o . Redemptor e o Creador quiz

( * ) S. Matheus VII , 12.


2

encarnar na humanidade, afim de quebrar pela


graça da liberdade á cadêa da nossa escravi

dão , e restituir-nôs á nossa primitiva liber


dade , é obrar bem e somente restituir o be
neficio da liberdade original aos homens que

a natureza fez livres , e que as leis humanas


tem curvado ao jugo da escravidão (*).”
E o bispo de Orleans accrescenta ( **) :
Póde-se - dizer , que a igreja desde a sua
origem nunca cessou de trabalhar á seu modo ,
pacificamente, mas com obstinação , em abolir
a escravidão ; e modernamente acabamos de
vêr cinco papas , fieis ás tradições do seu
grande e santo predecessor , condemnarem suc
cessivamente o vergonhoso trafico, que alimen
tava a escravidão . Tende como certo , vós que
calumniaes todos os dias a igreja, que si a
igreja reprova a vida licenciosa , e a agitação
desregrada e criminosa dos espiritos , ella preza ,
e muito , a liberdade humana , pois a liberdade ,
nos planos de Deos , que não fez o homem um
escravo imbecil , a liberdade é o ponto de par
tida de toda virtude , de toda grandeza moral ,
de toda civilisação , de todo 'progresso, e
igreja, verdadeira mãe da civilisação humana,
a igreja , que creou as sociedades modernas ,

(*) Epist. VI, 12.


( **) Carta ao Clero da sua Diocese .
deplora tudo que degrada , e atalha em sua
marcha a humanidade, filha de Deos, e aben
çôa tudo que a liberta, a aperfeiçoa e a le
vanta. Eis o espirito evangelico e o espirito da
igreja .
Esta doutrina , pregada do alto do throno
pontifical nos seculos XIII , XV , XVI, XVII e
XVIII, prova que durante os ultimos seculos,
em que as potencias maritimas entregavam - se
ao trafico e auferiam lucros de tão degradantes
operações , a igreja não guardava silencio appro
vador, não deixava de protestar, como calum
niosamente assevera C. Expilly .

II. - E a Inglaterra ?
Quinhentos annos depois (seculo XVI) a
Inglaterra... convertida pelos antigos escravos,
chegando ao apogeo do poder, não enrubecerá
por sua vez de reduzir homens á escravidão ?
Sobre esse immenso continente da America do

Norte , que recebe da Providencia como dom ,


tão magnifico quanto inesperado , ganho á me
tropole pelos mesmos a quem proscreveu , a
Inglaterra no seculo xvii imporá a escravidão .
No seculo xviii imporá ainda a escravidão .

No seculo XVIII empregará navios no trans


porte de escravos ; fará do monopolio deste
transporte objecto da sua ambição , e no mo
4

mento do tratado de Utrecht uma das condições


da paz da Europa. Pela convenção , de 26 de
maio de 1713 ... recebe de S. M. Catholica,
por 30 annos, o ignobil privilegio de transpor
tar á America hespanhola 144,000 peças da In
dia , mediante 33 ), piastras por cabeça , e
outras muitas vantagens ... Assim a raça , que
foi a primeira na Europa em soffrer a escravi
dão, e a ultima em sahir della , devia ser a
‫ܕܕ‬

primeira em impol-a as outras nações (*) .


Os conselhos, maximas e lições, pois, do
Christianismo , encontraram na Inglaterra o mais
valente adversario dos seculos passados até o
actual , neutralisando com seu poder e in
fluencia a evangelica doutrina da emancipação ,
violando os mais santos preceitos , barbari
sando populações innocentes e inoffensivas, e
estragando -lhes a indole e a consciencia .

III . - Succederam -se as gerações , innoculan


do-se assim nesses povos o pernicioso virus da
escravidão , porque a Inglaterra tornou - a uma
das condições da sua existencia , um dos prin
cipios constitutivos da sua organisação social,
e ainda mais --- de todas as suas relações eco
nomicas .

(*) COCHIN L'abolition de l'esclavage.


5

Os estados do Sul da America ingleza, por

exemplo , foram os que melhor herdaram as


maximas da metropole , considerando a escra
vidão como clausula - sine qua non — da sua

industria , riqueza e civilisação, e ainda ha


pouco levantando exercitos , ferindo sanguino
lentas batalhas , exhaurindo-se em gigantescos

esforços para sustentar essa triste herança, e


com applauso da propria Inglaterra !

IV.- Não é tudo : a Inglaterra, que armou-se


cavalleiro da emancipação africana , conservou
a escravidão dessa mesma raça , até 1838 , nas

suas colonias de Antigôa , Barbadas , Montserrat ,


Nevis , S. Christovão, Tortola , Anguille, Bahamá,
Bermudas, Dominica , Grenada , Santa Lucia ,
S. Vicente , Tabago, Mauricia , Jamaica , Trindade,
Honduras , Goyanna e Cabo da Bôa Esperança !

V. - Ainda mais : depois de ostentar tantos


esforços pela extincção do trafico ; depois de
abolir a propria escravidão , continuou sua ma
rinha, até de guerra , nesse trafico, continuou
seu governo e parlamento a conservar a escra
vidão na India ! No mesmo anno de 1833 , em
que foram votados os actos 3 e 4 Will . 4. c . 73
abolindo a escravidão nas colonias britannicas,
foram tambem votados os actos 3 e 4 Will . 4
2
6

de 28 de agosto prorogando a existencia da


companhia da India até 30 de abril de 1854 ,
onde lê -se no artigo 89 o seguinte :- A escra-'
vidão será abolida o mais cêdo possivel . -— “ Mas,
accrescenta Warren , fallando da India ingleza,
até hoje nenhuma providencia appareceu á tal
respeito ; a epoca promettida ainda não chegou ;
a philantropia ingleza não se move, e nessa
triste parte do mundo , em que o poder bri
tannico dominou do modo mais tyrannico, os
paes e as mães , consummidos pela miseria,
vendem as filhas para ...

VI .--Não deve admirar, que a Inglaterra


assim proceda depois da abolição do trafico e
da escravidão, e depois das solemnes declara
ções , que ella propria provocára nos congres
sos de Vienna , Aix-la-Chapelle, Verona, etc. A
sua philantropia apenas inculca -se aos estran
geiros ; porém na sua propria casa a civili
sação marcha sempre vagarosa , conserva-se
muito tempo em cazulo . Inferiores aos pro
prios africanos, que só vendiam os negros
que capturavam na guerra e na caça , os In
glezes deram em espectaculo ao mundo con
tristado a venda de seus proprios filhos (*) !

(*) LINGARD .
7

No tempo de Cromwell, 1655 , foram á força


mettidas em embarcações 1,000 moças irlan
dezas , que foram transportadas á Jamaica e
ali vendidas como escravas ! E ' difficil encon

trar nos povos barbarescos infamia de tal qui


late .

VII . - Ainda hoje, o direito , que o senhor


(maitre) pode adquirir legalmente ao serviço per
petuo de qualquer individuo , subsiste em seu
inteiro vigor. A philantropia britannica esta
belece uma distincção engenhosa ; o contrato
de serviço perpetuo , diz ella , é nullo quando
celebrado com um escravo , mas válido com
um homem livre, sui-juris, porque , si este póde
obrigar-se ao serviço por um anno, póde tam
bem fazel-o por 100 annos , perpetuamente ; 0
contrato é o mesmo que o dos aprendizes por
7 ou mais annos (*).
Melhor fôra que a Inglaterra francamente dis
sesse, que permitte que os homens livres ven
dam perpetuamente a liberdade, isto é, que
se escravisem .

VIII. - Em 1767 a assembléa legislativa de


Massachussetts votou direito prohibitivo sobre

(* ) BLACKSTONE Commentarios.
8

entrada de escravos , mas o governo britannico


não sanccionou a lei . O mesmo aconteceu com
a Pensylvania, New Jersey , e Nova Inglaterra.
Em 1772 a Virginia pedio ao rei , que fosse
prohibida a importação de escravos, porque esse
trafico era contrario aos principios de humanidade;
não foi attendida .

E , segundo Wheaton , um dos pontos em que


os Estados Unidos se firmaram para sua sepa

ração e independencia foi a recusa da Ingla


terra em prohibir e extinguir o trafico, que

ella adorava tanto , que pagava 100 libras na


"
.

Africa por um escravo vivo , em quanto punia


com 30 apenas ao que matasse algum (* ) !

IX . -No reinado de Guilherme e Maria da


va - se como razão de possuir negros escravos
serem elles pagãos ! ... principio de propriedade
originaria na Inglaterra. Em 1772 sómente , na
celebre questão James Sommersett , foi decidido
que o negro pagão , transportado á Inglaterra,
não era mais obrigado ao serviço do senhor
americano , ou ao de qualquer outro .
Eis ( facto : James Sommersett foi escravi
sado e vendido na Africa, e depois na Vir
ginia para onde havia sido transportado. Le

(*) PITT - Discursos.


9
vado pelo senhor, Mr. Stuart, para Inglaterra
em 1769, alli fugio . Preso foi levado para
bordo afim de ser conduzido á Jamaica e lá
vendido.

Lord Mansfield expedio então ordem de ha


beas-corpus, para que o respectivo capitão o
apresentasse, e declarasse por que motivo es

tava elle detido .


A corte do banco do rei, depois de apro
fundada discussão em um longo processo , em

que o caso foi arguido em tres differentes


sessões , unanimemente decidio , em 1772, que
o motivo era insufficiente, e que James Som
mersett fosse posto em liberdade.
Argumentou -se no tribunal com o inconve

niente de libertar 14,000 pretos, que existiam


então na Inglaterra , ao que respondeu lord
Mansfield — fiat justitia ruat cælum .
Em consequencia desta sentença é que fo
ram realmente considerados livres OS escra

vos, que aportassem á Inglaterra . Entretanto


o parlamento continuou á reconhecer e á re
gular a escravidão dos negros n'aquelle pro
prio paiz, até que só em 1833 foram decla
rados immediatamente livres todos os escravos

transportados ao solo inglez .

X .-- Portugal antecipou -se muito em decretar


10

uma tal medida . Desde 1676 declarava , que


eram forros ipso jure os pretos e escravos
resgatados com o dinheiro da redempção dos
captivos.
Em 1680 firmava a doutrina de que são
mais fortes as razões pela liberdade do que
pela escravidão.
Em 1759 acrescentava em lei , que a causa
da liberdade não admittia estimação por ser
de valor inestimavel .
Em 19 de setembro de 1761 , onze annos
antes da decisão sobre James Sommersett , e
72 annos antes da lei de 28 de agosto de
1833 , o governo portuguez ordenava :- “ que
os pretos e pretas , que chegassem aos reinos
de Portugal e Algarves, ficassem libertos e
forros, sem necessidade de outra alguma carta
de emancipação ou alforria , nem de outro
algum despacho, alem das certidões dos admi
nistradores e officiaes das alfandegas dos lu
gares , onde portassem, os quaes (administra
dores e officiaes) ficariam suspensos se demo
rassem taes certidões por mais de 48 horas;
e que toda pessoa que os contivesse em su
jeição , vendesse ou comprasse , soffreria as
penas estabelecidas contra os que faziam car
ceres privados , e sujeitavam ao captiveiro ho
mens livres .
11

Em 1773 , quando W. Wilberforce escrevia


apenas pela primeira vez contra o trafico, 671
annos depois que Santo Anselmo debalde o con
demnava em um Concilio celebrado em Lon
dres , e depois que o papa Leão x proclamou
que não somente a religião christã mas a mesma
natureza gritava contra a escravidão, em 1773 ,
66
repito , já o rei de Portugal ordenava - que
depois de ter obviado aos grandes inconve
nientes , que aos seus reinos se seguiam de se
perpetuar nelles a escravidão dos homens pre
tos ... não permittindo nem mesmo o direito,
de que se tinha feito tão grande abuso , que aos
descendentes dos escravos, em que não ha
mais culpa que a da sua infeliz condição de
captivos, se estenda a infamia do captiveiro além
do termo que as leis determinam, contra os
que descendem dos mais abominaveis · réos dos
atrocissimos crimes de lesa magestade, divina
e humana ; e considerando a grande indecen
cia, que as ditas escravidões inferiam aos seus
vassallos, as confusões e odios que entre elles
causavam , e os prejuizos que resultavam ao
estado de ter tantos vassallos lesos , baldados e
inuteis, quantos eram aquelles miseraveis , que
a sua infeliz condição fazia incapazes para os
officios publicos, para o commercio, para agri
cultura, e para os tratos e contratos de todas
12

as especies ... ordenava : quanto ao preterito ,


que todos os escravos ou escravas, quer nas
cidos de concubinatos, quer de legitimos ma
trimonios ... cuja escravidão proviesse das visa
vós, ficassem livres ainda que as mães e avós
tivessem vivido no captiveiro ; quanto ao futuro ,
que todos quantos nascessem do dia da publi
cação d'aquella lei em diante , nascessem , por
beneficio della , inteiramente livres , posto que as
mães e avós tivessem sido escravas ; que todos
os sobreditos, por effeito da paternal e pia pro
videncia por Sua Magestade libertados , ficassem
habeis para todos os officios , honras e digni
dades , sem a nota distinctiva de libertos, que
a superstição dos romanos estabeleceu nos seus
costumes, e que a união christã e a sociedade
>>
civil tornaram intoleravel.

XI. — Onde o governo da Inglaterra apresenta


documentos identicos, dos quaes fossem estes

copia ? Em 1773 não só occupava -se ella no


mais extenso trafico , que lhe vedava ouvir e
menos seguir os conselhos do Christianismo e
da igreja romana , como o grande ministro de
D. José í lhe não tolerava a applicação da sua
tradicional politica á Portugal, que então pedia ,
exigia , não dava satisfações ao leopardo bri
tannico .
13

O acto do governo portuguez foi pois com


pletamente espontaneo, contrariou mesmo a .

politica ingleza , cuja ambição era então vazar


em todos os povos os infelizes africanos es
cravisados, cujo transporte alimentava a sua
industria e commercio .

Esse acto do poderoso marquez de Pombal


foi eloquente protesto da humanidade, foi grito
de dôr sincera pela sorte dos desherdados da
sua primitiva liberdade , foi estrondosa mani
festação de que Portugal , que nunca renegou
a fé de seus avoengos, seguia as doutrinas que
a igreja romana , os santos padres e varões
illustres , ensinavam , pregavam e propagavam .
A philantropia, portanto , dos nossos avós , tra
duzia - se em factos , quando a da Inglaterra
espalhava e impunha por toda a parte o tra
fico e a escravidão .

XII . — Em quanto , em 12 de maio de 1793 ,


a academia real das sciencias de Lisboa pre
meava memorias como a de Luiz Antonio de
Oliveira Mendes, — “ cujo programma era deter

minar com todos os seus symptomas as doenças


agudas e chronicas, que mais frequentemente
acommettem os pretos recem - tirados d’Africa,
examinando as causas da sua mortandade de

pois da sua chegada ao Brazil , se talvez a mu


3
dança do clima, se a vida mais laboriosa, ou
se alguns outros motivos concorriam para tanto
estrago, e finalmente indicando os methodos
mais apropriados para evital-o, prevenindo-o,
e curando - o, tudo isto deduzido da experiencia
mais sisuda e fiel ;” – o que provava a boa
direcção impressa aos espiritos ; a Inglaterra
occupava -se de auferir os maiores lucros, dos
quaes participava o proprio governo , a propria
magestade . e por tal modo que Canning pro
feria no 1.º de março de 1799, no parlamento
inglez , estas memoraveis palavras:
“ Nesta casa se, observou en favor do trafico
de escravos , que a prohibição , que delle se
fizesse aos subditos britannicos , não acarretaria
a sua total extincção , porque os de outras nações
o continuariam a fazer. Cabe-me á este respeito
dizer que é por todos conhecido, que diminuto
e quasi nenhum é elle entre as outras nações :
a Inglaterra, por assim dizer, exerce o seu mo
nopolio.

XIII . - Já em 1778 declaravam os negociantes


de Bristol e Liverpool , que o thesouro britan
nico percebia de direitos de escravos 256,000
libras esterlinas !

XIV . - O Dr. Robertson em 1772 , successor


15

de Granville Sharp , Thomaz Clarck em 1780,


W. Wilberforce em 1787 , acompanhados de
alguns outros, ainda que poucos , homens de
coração, viram seus esforços baldados em todo o
seculo passado e quasi durante a primeira
decada do actual, porque o governo e parla
mento da Inglaterra procuravam primeiro pejar
de negros escravos moços as suas colonias para
depois dar diversa expansão ao seu tradicional
egoismo.

XV.- Em 1778 os ditos negociantes de Bristol


e Liverpool dirigiram ao parlamento petições em
favor da abolição do trafico e da escravidão.
Desses documentos consta , que os inglezes com
pravam annualmente na Africa 30,000 escravos ,
dos quaes 10,000. eram para as colonias bri
tannicas , e 20,000 para venderem as outras
nações . Só a Jamaica recebeu 600,000 escravos
desde 1700 a 1786 !
.

E de tanto proveito para a Inglaterra era o


trafico , que o proprio acto 23 de Jorge il c. 31
fundamenta as medidas sobre esse objecto nos
lucros e vantagens, como se lê no preambulo ,
que contém esta confissão nas seguintes linhas :
" Visto como o trafico d'Africa é muito van
tajoso para a Gram - Bretanha, e necessario para
supprir os seus estabelecimentos coloniaes com
16

sufficiente numero de pretos por preços razoa


veis , e deva por isso continuar ... etc.

XVI.- Se fôra sincero o novo pronunciamento


da Inglaterra contra a escravidão , porque o acto
de 6 de fevereiro de 1807 , executado no 1.º
de janeiro de 1808 , apenas contra o trafico ,
não fôra extensivo á abolição da escravidão
em suas colonias ? Dizem os negociantes de
Bristol e Liverpool, - porque vedava-lhe o in-'
teresse , pois a exportação de suas manufactu
ras, alimentadas pelos braços escravos , já em
1778 orçava por 800,000 libras esterlinas, e a
importação por 1.400,000 libras ! O que se
ria em 1807 e 1808 ?

Porque, decretando a Pensylvania e a Con


venção nacional franceza a abolição da escra
vidão , ainda no seculo passado, não o fazia a
Inglaterra nem mesmo em 1807 ?
Longe disso , contentava -se com O acto
• Consolidated slave law --votado em 1784 per

mittindo que os escravos podessem adquirir


peculio !

XVII.— Mas, se a Inglaterra preparou-se até


1807 para decretar a abolição do trafico ; se
preparou -se até 1833 para declarar libertos os
escravos de suas colonias ; se preparou -se ainda
17

até 1838 para declarar inteiramente livres esses


mesmos libertos ; se até hoje ainda não está
preparada para libertar os milhares de es
cravos da India : como exigir que as outras
nações não tenham o mesmo cuidado ? Res
ponde a todas estas interrogações o visconde de
Chateaubriand, no congresso de Verona.— “ Pa
rece , disse elle, que a Inglaterra tinha medo
de que o commercio, a que tinha com tanta pena
renunciado, cahisse nas mãos de outra nação ...
A Inglaterra queria obrigar a França , Hes
panha , Portugal e Hollanda a mudar de repente
o regimen de suas colonias, sem que lhe im
portasse indagar se estes paizes tinham o gráo
de preparação moral necessario para dar li
berdade aos seus escravos , e abandonar assim
á graça de Deos a propriedade e a vida dos
brancos. O que ella tinha feito , todo mundo
devia fazer , embora trouxesse esse passo
a ruina da navegação , e a miseria das colo
nias .
Na ruina da navegação e na miseria das
colonias estrangeiras é que estava realmente
o movel dos esforços da Inglaterra. Se o go
verno britannico fosse guiado pelos reclamos da
humanidade , pelas lições do Christianismo , não
seguiria uma politica para si e outra para as
nações estrangeiras.
18

XVIII. -- Se Portugal não pôde seguir o


exemplo da França em 1794, tambem não teve
que arrepender -se e retroceder como ella em 1802 .
Sentindo absoluta falta de população, consentia
no trafico, somente por durissima necessidade ;
ainda assim , esforçava -se por tornar branda ,
quanto possivel , a sorte dos africanos.
Pelo alvará de 18 de março de 1684 , por
exemplo, determinava a arqueação dos navios
empregados no trafico; ordenava que tivessem
os mantimentos necessarios para que os negros
comessem trez vezes no dia ; regulava o trata
mento quando doentes ; exigia que houvesse a
bordo um capellão para dizer missa e assistir
aos moribundos, etc. , etc. , tudo com commi
nações de penas rigorosas .
Pelo alvará de 11 de janeiro de 1758 or
denava que os navios conduzissem sómente os
negros , que a sua arqueação comportasse .
Pelo alvará de 22 de janeiro de 1810 esta
belecia, que ao chegarem os negros fossem
lavados, vestidos de roupas novas , e sustentados
de alimentos frescos; que pelo livro da carga ,
certidão da matricula da equipagem , arqueação
do navio , vistoria, etc. , se averiguasse se du
rante a viagem tinham tido os mantimentos ne
cessarios e determinados, a quantidade e qua
lidade da aguada e o tratamento das molestias,
19

se estas appareceram abordo ou se foram le


vadas pelos negros ... além de outras provi
dencias salutares .
Estas e outras muitas medidas humanitarias
seriam ditadas pelos conselhos da Inglaterra ?
Ella decretaria outras , e mais adquadas, para
suavisar as consequencias do trafico, a que
tão desenfreadamente se entregava ?

XIX . — John Turnbull publicou em Londres


um livro que intitulou : -4 voyage round World
in the years 1800 , 1801 , 1802 , 1803, e 1804 .
Nesse livro ha o seguinte paragrapho :
“ Uma boa parte da cultura do Brazil é
feita por escravos dos lavradores , e deve
confessar -se que, se algum estado de cousas
póde justificar o commercio da escravatura,
o brando tratamento , que o agricultor brazi
leiro dá aos seus escravos , seria sem duvida
uma razão para isto . Os escravos no Brazil
são tratados quasi como filhos da familia, e
ha o maior cuidado em baptisal-os e instruil-os
nos elementos da fé christã pelo menos. Po
der-se -hia . aqui propôr a questão : se os es
cravos ganham ou não infinitarnente mais com
a troca da sua barbara liberdade por estas
2
vantagens d'instrucção e protecção segura.
0 juizo não pode ser suspeito ; é de um
20

inglez , testemunha ocular da nossa sociedade


nos primeiros annos deste seculo . Compare-se
aquella noticia com a dos horrores , que todos
os escriptores denunciam na escravatura bri
tannica , e será apreciada a distancia que vai
da philantropia portugueza e . brazileira á da
Inglaterra .

XX Esboçada a situação legal e real do

trafico e da escravidão no principio deste seculo ,


convém tambem traçar succintamente o estado
das relações politicas entre as côrtes de Por

tugal e Inglaterra.
Seculos havia , que a Inglaterra considera
va -se na posse , mansa e pacifica, dos estados
portuguezes , pelas grandes e melhores propi
nas que delles auferia .

XXI. - 0 tratado de 1642 , pelo qual a In


glaterra reconheceu a independencia de Por
tugal , que não podia impedir , deu-lhe as
seguintes vantagens : vingar-se dos ciumes que
a França lhe causava por terra , e a Hollanda
por mar ; vingar - se da Hespanha , e augmen
tar o seu commercio ... tudo isto sem com
pensações, é para firmar somente a amizade e
harmonia entre os dois paizes.
Entretanto , nove annos depois , o almirante
24

Black bloquea o porto de Lisboa , quer en

tral-o por força, e toma-nôs 15 navios bra


zileiros , á pretexto de que Portugal havia dado
asylo á dois principes infelizes, sem que por
modo algum interviesse na revolução da In
glaterra !
Dous annos depois manda a Inglaterra de

gollar em publico cadafalso a Pantaleão de Sá ,


irmão do conde de Penaguião, camareiro mór ,

e embaixador de Portugal em Londres ! David


Hume qualifica esse acto de crime horrendo ,
que insultou o direito publico e das gentes .

XXII. — Apesar de tamanhas afrontas Por


tugal celebrou ainda o tratado de 1654 , com
grandes promessas, que foram logo esquecidas
e contrariadas quer pelo acto do parlamento
em 1660 , conhecido pelo nome de —
-- Tonnage
and Poundage — quer pelo acto de navegação.
Mas as vantagens para a Inglaterra foram
reaes e effectivas ; estimulou Portugal para não
reunir-se á Hespanha, a quem ella fez uma
guerra que tanto a enriqueceu ; e sem ter pas
sado pelas difficuldades de expulsar os hol
landezes do Brazil gozou do commercio deste
grande paiz . Sem compensação da prestação de
um só auxilio á Portugal , por mar ou por terra ,

aproveitou-se de todos os nossos recursos .


4
22

XXIII.- Em 1662 novas estipulações diplo

maticas de paz e casamento da infanta D. Ca


tharina com Carlos II , nas quaes , ratificados
e confirmados os tratados anteriores , Portugal
cedia com a infanta — dois milhões de dote ;,
a cidade, fortaleza e territorios de Tangere ;
o porto , ilha e territorios de Bombaim na India
oriental ; todas as praças, fortalezas e territo
rios de que haviam-se apossado os hollande
zes , excepto Mascate ; a praça e porto de Gale
na ilha de Ceylão ; privilegios aos inglezes,
iguaes aos dos proprios portuguezes, em Gôa ,
Cochim , Dio, Bahia , Pernambuco , Rio de Ja
neiro , em todo senhorio do Brazil , em todos
os dominios portuguezes nas Indias occiden
taes !

Em compensação S. M. Britannica promettia


trazer sempre no coração as cousas e convenien
cias de Portugal, defendendo - o quando atacado
ou invadido !
Não decorreu muito tempo , que o desprezo

e pezares , supportados por aquella infeliz prin


ceza , mostrassem toda valia do coração bri
tannico !

XXIV . - Em 1703 novo tratado , conhecido


pelo nome de Methuen , o qual , á * pretexto de
abrir os mercados inglezes aos vinhos portu
23

guezes , que — particularmente os do Douro —

contendo qualidades peculiares não podem temer


concurrencia , sacrificou á industria ingleza a
sorte e futuro da industria e da agricultura
do reino , cuja decadencia começou ao passo
que melhoravam e progrediam as das outras
nações da Europa ( *)

XXV.- No Investigador Portuguez , publicado


em Londres , em dezembro de 1814 , encon
tram-se estas linhas como resumo dos tratados :

A differença é de 37 artigos não reci


procos a 33 communs ; mas si reflectirmos que
entre estes ultimos vão comprehendidos muitos
artigos de pura formalidade em todos os tra

tados , como paz firme e amizade perpetua,


livre commercio , bom tratamento aos subditos
e navios em termos genericos, estipulações para
o caso de ruptura, promessa de observar os
tratados, promessa de ratifical-os, ratificação

dos tratados antigos que se torna em vanta


gem d'aquella nação á que elles eram mais

favoraveis, estipulações do principio da neu


tralidade armada em tempo que os portugue
zes nem pensavam em valer-se della , condi

ções ordinarias na cessão de praças , estipulações

(*) PEREIRA DA SILVA – Fundação do imperio .


24

que ficam sendo absurdas hoje por se ter sup


posto a paz perpetua entre a Inglaterra e a
Hollanda, e entre Portugal e a Hollanda ; fica
mais que evidente a desproporção entre os arti
gos não reciprocos e os que o são ; e como o
peso das concessões commerciaes onerosas para
Portugal se acha nos dois primeiros tratados
de 1642 e 1654 , e pelo contrario nestes dois é
que se não encontra concessão mercantil em

favor dos portuguezes, excepto a apparentemente


reciproca da neutralidade armada, de que elles ,
como já disse, nem pensavam aproveitar-se ..
a Inglaterra não tinha mais do que desfructar
os beneficios concedidos , e nenhuma concessão
que illudir.

E mais adiante esta synthese : - “ Os tratados


anteriores á partida de S. A. Real para o
Brazil , parecem mais um aranzel de privile
gios para os negociantes, generos e navios estran
geiros, do que um contrato bilateral entre duas

nações independentes. "

XXVI . —Estes ajustes, que recordam a par


tilha do leão , entregaram Portugal á Gram - Bre
tanha, que ainda assim aquinhoada procurava
abusar sempre da nossa boa fé, amizade e leal
dade ,o que levou Jefferson a dizer ao gover
nador Langdon , em 1810, -- que somente á
25

Portugal permanecia fiel a Inglaterra porque o


tratado de Methuen tinha reduzido Portugal á
uma verdadeira e proveitosa colonia da Gram -Bre
tanha. ”

XXVII.--Uma serie de acontecimentos sinis

tros (*), uns de que o governo era culpado,


outros que procediam de causas invenciveis ,
trouxeram a côrte portugueza ao estado de ser
reputada pelas outras da Europa não só como
de forças mui fracas , mas até como privada de
todos os recursos nacionaes, medindo-se a sua

graduação e influencia politica por escala mui


inferior á que realmente tinha direito a mo
narchia portugueza .

XXVIII . Entre mil factos eis o eloquente


documento de um :
66
Lisboa , 25 de janeiro de 1805. – Senhor. Se
eu não respeitasse a nação portugueza , tanto
quanto faço , passaria talvez em silencio a pu
blicação indecente , que se fez no supplemento
da Gazeta de Lisboa de hoje , do manifesto do
Principe da Paz , datado de Madrid aos 2 de
dezembro de 1804 .

Porém , Senhor , zeloso da boa opinião de


uma nação leal, que a minha considera e estima,

(*) CORREIO BRAZ LIENSE - Londres:


26

é justo que proteste de maneira official e osten


siva contra a inserção de um libello tão in
digno , como é o de que fallo , visto que a folha
de Lisboa é o unico jornal que circula em Por
tugal, que é publicado debaixo da sancção e
submettido á censura do governo, e por con

sequencia acha-se revestido de um caracter offi


cial, que faz acreditar no publico tudo quanto
ali se imprime .
Outra vez repito , Senhor, zeloso da boa
opinião desta nação , não posso ser indefferente
ao que ella pensa da minha ; e o que pensaria
ella si um ministro de S. M. Britannica

vendo publicar , debaixo de um caracter de


authenticidade, as negras calumnias, que fer
vem nesse manifesto , confessasse tacitamente
por seu . silencio a realidade dos abominaveis

crimes de que são accusados os seus compa

triotas ? Que julgaria ella si um ministro de


de S. M. Britannica se não indignasse de

vêr os inglezes accusados do horroroso crime


de deixar morrer de fome os seus prisioneiros

de guerra , ou de os forçar a entrar no ser


viço dos seus batalhões contra a patria desses
mesmos prisioneiros ; si se não indignasse de
os vêr denunciar á Europa como outros tantos
objectos de odio universal, com epithetos escan
dalosos, tirados das cloacas revolucionarias mo
27

dernas, e ao mesmo tempo aviltantes do antigo


e valoroso povo hespanhol (a quem bastava
mostrar -lhe um inimigo para excitar o seu

ardor ) e offensivos da nação generosa contra a


qual se dirigem ?
Não , Senhor , nós não fazemos morrer de
fome os prisioneiros ; não os forçamos a servir
nos nossos renques . Se a Hespanha acha -se de
luto pelos que tem morrido, desde que uma
medida de precaução prescreveu a necessidade
da detenção de certos navios de guerra desta
nação pelos crusadores britannicos, persuadam
se aqui, Senhor, que este luto é tambem ge
ral e sincero na Inglaterra e que todos o tra
zemos no fundo do coração . Não , Senhor, não
temos as mãos tintas no sangue innocente, e
todos dariamos do nosso para tornar a dar a
vida ás victimas de um cruel acaso , que não

cessamos de deplorar.
“ Eis aqui, Senhor , os pontos principaes ,
sobre que reivindico a honra ultrajada da
minha nação , esperando que receba as ordens de
Sua Magestade sobre o castigo exemplar, que creio
tenho o direito de pedir ao governo portuguez , dos
editores ou impressores, que tivessem , sem que
elle o soubesse sem duvida, dado lugar na
dita gazeta á inserção deste libello infamatorio
da honra do seu augusto alliado.
28

Tenho a honra de ser com a mais alta

consideração , Senhor , de V. Ex. muito humil

de e obrigado criado, Roberto Estevão Fitzgerald .


Ao Sr. de Araujo , secretario d’estado dos ne
gocios estrangeiros .

XXIX . - Tal era o modo como olhava - se para


o governo portuguez , escreve o Correio Brazi
liense, que o ministro britannico suppunha-se
com direito de impedir, que fosse publicado
na gazeta de Lisboa um documento historico

e authentico , qual o manifesto de guerra de


uma nação belligerante contra outra , manifesto
aliás publicado ao mesmo tempo até nas pro
prias gazetas inglezas!

XXX.-- A situação de Portugal, porém , estava


condemnada a peorar .

Eram previstas as consequencias da batalha


de Friedland , e das negociações de Tilsit. Na
poleão, desembaraçado do norte, fixaria sem
duvida os olhos na peninsula, procurando ini
migos á Inglaterra , ou combattendo os alliados
desta , que tambem seus inimigos reputava .
Propoz ao governo portuguez : 1.° que se
preparasse em termo breve para a guerra contra
Inglaterra ; 2.° que fechasse todos os portos

aos inglezes ; 3. que reunisse os seus navios


29

de guerra aos francezes e hespanhoes ; 4. ° que


sequestrasse todas as propriedades inglezas ; 5. °
que detivesse todos os inglezes, que existissem
em Portugal .

XXXI.-- Entre as garras do leopardo inglez


e as da aguia franceza, o governo portuguez
desagradou a ambas aquellas cortes , aceitando
as trez primeiras propostas , e regeitando as
duas ultimas .
Para comprazer com a Inglaterra deixou
apromptar e partir quatro comboyos com os
inglezes e seus haveres , com isenção completa
de direitos para o numerario, joias e alfaias,
que representavam valor superior á 100 mi
lhões de cruzados.
Para comprazer com a França declarou em
22 de outubro de 1807 , que unia - se á Sua
Magestade o imperador dos francezes e rei da
Italia , assim como á S. M. Catholica, na causa do
Continente , afim de acelerar a paz maritima;
fechou todos os portos aos navios inglezes, e
vinte e sete dias depois ordenou o sequestro
das propriedades inglezas, e a detenção dos sub
ditos da mesma nação , que estavam em Por
tugal .

XXXII. -O ministro britannico em Lisboa re


5
30

tirou - se com toda legação para bordo da es

quadra de Sir Sydney Smith ; ordenou o blo

queio do porto de Lisboa ; começou logo a to


madia dos navios mercantes portuguezes , toma
dia que se estendeu ás quatro partes do mun
do e continuou por muito tempo .

O governo inglez enviou logo uma expedi


cão , ao mando do general Beresford , para to
mar a ilha da Madeira , como tomou um mez
talvez depois, que a familia real portugueza

por ella passou para o Brazil, ilha essa que


a Inglaterra conservou até 3 de outubro de

1814 ! ... apezar de reiteradas reclamações a


que respondia com o pretexto da duração da
guerra com a França, da fraqueza dos seus le

gitimos donos , seus alliados , e das garantias


que nasciam dos pactos contrahidos !
Além desta expedição ainda o governo in
glez expedio ordens para tomar Gòa na India,
Macáo na China , etc., etc.

XXXIII.— Napoleão por seu turno lançou a


celebre ameaça , diante de todo o corpo diplo
matico reunido, de que a casa de Bragança ha
via cessado de reinar .

Mandou sequestrar os navios portuguezes nos


seus portos e nos da Hollanda ; enviou os pas
saportes á embaixada portugueza , e determinou
31

que o general Junot apressasse as marchas para


invadir e tomar conta de Portugal.

XXXIV . - Aos 22 de outubro , no mesmo

dia em que o principe regente declarava unir


se á França e Hespanha contra Inglaterra , as
signava -se em Londres uma convenção entre
Portugal e Inglaterra sobre a transferencia , para
o Brazil , da sede da monarchia portugueza ,
e occupação temporaria da ilha da Madeira pe
las forças britannicas.

XXXV . — Cinco dias depois respondeu a Fran


ça com os tratados de Fontainebleau , repartindo
os dominios portuguezes entre ella e a Hes
panha.

XXXVI. - Posteriormente até a Russia , al


liada da França , resolveu por um ukase alte
rar o tratado de 1798 com Portugal, prohibin
do toda a importação dos productos portuguezes
na Russia , e toda expedição de seus navios e
mercadorias para Portugal por connivencia des
te com a Inglaterra !

XXXVII . Ardendo entre estes dous fogos

o principe regente de Portugal abraçou- se com


a Inglaterra, que ao menos não ameaçava o
32

throno bragantino ; e resolveu refugiar -se no


Brazil para onde partiu na manhã de 29 de
novembro de 1807. Não era cedo , porque no
dia immediato entrava Junot em Lisboa .

XXXVIII. — Annunciando a partida para o


Brazil , o principe regente manifestou o cons
trangimento da sua posição .
“ Tendo procurado, dizia no decreto de 26
de novembro , por todos os meios possiveis con
servar a neutralidade de que até agora têm
gozado os meus fieis e amados subditos , e ape
zar de ter exhaurido o meu real erario , e de
todos os mais sacrificios a que me tenho su
jeitado , chegando ao excesso de fechar os portos
dos meus reinos aos vassallos do meu antigo e
leal alliado , o rei da Gram -Bretanha, expondo o
commercio dos meus vassallos á total ruina , e
a soffrer por este motivo grave prejuizo nos
rendimentos da minha corôa, vejo que pelo
interior do meu reino marcham tropas do im
perador dos francezes e rei da Italia , a quem
eu me havia unido no continente , na persua
são de não ser mais inquietado, e que as

mesmas se dirigem á esta capital . tenho re


solvido ... pas
sar com a rainha , minha senhora

e mãe , e com toda a real familia para os esta


dos da America ... "
33

66
XXXIX . Aprecie quem puder , escreve o

conselheiro Pereira da Silva (*) o estado desgra


çado do povo portuguez . Por um lado Junot se
apoderava da cidade de Lisboa e de varios pon
tos importantes do reino ; nomeava empregados
para tomar conta dos arsenaes, erario e rece
bedoria de rendas ; arrecadava a prata e the
souros da patriarchal e igrejas opulentas ; se
questrava os bens e propriedades da corða , os
patrimoniaes da casa real e os particulares dos
fidalgos e pessoas que haviam fugido com o
regente ; dispunha da tropa portugueza ; fixava
as quantias e designava os objectos com que
cada uma das povoações devia de contribuir
para os gastos da guerra , sustento do seu exer
cito e emprestimo ao seu governo . Por outro
lado occupava D. Francisco Tarancos, com uma
divisão hespanhola , a cidade do Porto e a pro
vincia de Entre- Douro e Minho, e dava nova
fórma á administração da fazenda publica. Con
siderando desde logo aquella parte de Portugal
como annexada á corôa hespanhola , governa
va -a tão livremente como o general francez , fal
lando cada um delles em nome do seu governo ,
e subordinando os cidadãos ás novas autorida
des, que creavam e nomeavam á sua vontade

(*) Fundação do imperio .


34

sem que lhes importassem as leis do paiz , sobre


que faziam pesar o seu jugo de conquistadores.
Não ficaram o Alemtejo , Algarves, e parte me
ridional da provincia da Extremadura livres da
invasão e dominio dos estrangeiros. Entrou por
seu territorio o marquez del Soccorro à frente

de tropas tambem hespanholas. Seguio a mes


ma linha de comportamento que Junot e Ta
rancos . Estabeleceu o seu poderio como em
preza de guerra Fundou á capricho a sua au
toridade e o seu governo .

XL . — Parecia , pois , que entravam em execu


ção os tratados de Fontainebleau, que extinguiam
a autonomia do reino de Portugal, despojando
da corôa os duques de Bragança e partilhando
todo territorio . Tocava á el -rei da Etruria , com
o titulo de rei da Luzitania Septentrional, as pro
vincias de Entre- Douro e Minho com a cidade

do Porto ; ao principe da Paz, com o titulo de


principe dos Algarves, o Alemtejo e o Algarve ;
mas um e outro sob o protectorado da Hes
panha, que com a França entre si dividiriam o
resto !

XLI. Alguns annos depois (15 de dezem

bro de 1820 ) encontra -se novamente desenha


do o triste quadro de Portugal em tão apertada
35

conjunctura no manifesto do seu governo aos


soberanos e povos da Europa :

“ A ruina da sua povoação , dizia este do


cumento , começada pela emigração dos habi
tantes que seguiram á seu principe , ou pro
curaram escapar á suspeitosa desconfiança ou
á perseguição systematica do inimigo, augmen
tou -se pelas duas funestas invasões de 1809
e 1810 , e pelas perdas inevitaveis de uma
dilatada e porfiosa guerra ... 0 commercio e
a industria , que nunca pódem devidamente
prosperar senão a sombra benefica da paz,
da segurança e da tranquillidade publica ,
tinham sido não só desprezados e abandona
dos , mas até parece que de todo destruidos...
A agricultura ... jazia em mortal abatimento

e sómente offerecia ao espectador admirado o


triste quadro da fome e da mizeria . ”

XLII. – A seguinte tabella das exportações


das manufacturas portuguezas de 1796 a 1807 ,
e de 1808 a 1812 é prova eloquente dos
soffrimentos e decadencia de Portugal :
Annos. Milhões. Mil -cruzados.
1

1796 6 106 /
1797 7 160 /
1798 10 329
1799 14 80 %
44

seus inimigos ; ora accusando de fraqueza e


de corrupção os generaes de sua mais illimi
tada confiança ; já espalhando noticias falsas ,

-
e indignas da fidelidade dos seus vassallos e
do valor dos seus exercitos ; e já finalmente
induzindo os povos á desprezarem e talvez mal
tratarem as pessoas que tranzitam pelos reinos
portuguezes, encarregadas de commissões im
portantes, civil ou militarmente , sendo-lhes
aliás devido soccorro e protecção ; e desejando
S. A. Real estreitar cada vez mais os vin
culos que unem a corôa e os vassallos dos
seus reinos aos interesses da corôa e vassallos
de S. M.Britannica e de S. M.Catholica , e inutili
zar todo o effeito, que os inimigos se proponham
obter por aquelles meios : -declarava delicto
de inconfidencia (*) todo escripto 'e todo facto ,
com que algum , indigno por sua conducta do
nome portuguez , pretender macular de qualquer modo
o credito dos gabinetes e leaes vassallos de SS . MM . Bri
tannica e Catholica' emquanto elles não fôrem
declarados inconfidentes pelos seus respectivos
governos ; ordenando que no juizo da inconfi
dencia , intendente geral da policia e seus de
legados se inquerisse ex -officio e se recebessem
denuncias destes crimes, que serão punidos como

(*) Falta de fidelidade devida ao Soberano.


45

delictos contra a real pessoa e contra a segurança


dos reinos de S. A. Real... "
i

LIII. - Nem o decreto de 17 de abril, in


a

validando os termos , que os negociantes ingle


te

zes assignaram em 1807 para reexportarem suas


fazendas das alfandegas portuguezas, porque ,
OS
diz o decreto , isso havia sido ordenado por
11
uma medida politica , que sempre o principe re
es
gente se propôz, que não houvesse de ter effeito
como desde logo o fez declarar á côrte de Londres.

ES
LIV . – Nem ainda as cartas regias entre
38 gando aos inglezes exercito , marinha, fazenda
e governo de Portugal !
0

LV. - Detenho- me no tratado de commercio


e navegação , celebrado em 19 de fevereiro de
1810, como a synthese das pretenções da am
biciosa e exigente Britannia (*).
Mal fôra conhecido esse tratado escreveu o

Correio Braziliense, impresso em Londres


“ O bom conceito , que faziamos do actual
ministro dos negocios estrangeiros no Brazil, e

a boa opinião que temos da sua probidade, nos


tinham predisposto a favor deste tratado ; sen
do informados de que seus inimigos politicos

(*) Veja -se o tratado no fim do volume, nota B.


7
36

1800 9 606 %
1801 10 30 %
1802 8 616 )2
1803 6 936 |2
1804 8 449 4.
1805 6 311 %
1806 4 799 %.
1807 2 936 !
1808 0 568
1809 1 129
1810 1 79
1811 0 974

1812 0 995

Estes algarismos provam as calamidades de


Portugal; parou o commercio , fecharam -se as
fabricas, e definhou a agricultura. Junot em
1807 , Soult em 1809 , e Massena em 1810 mos

traram o preço da alliança de Portugal com


a Inglaterra.

XLIII . Se a influencia britannica era

sentida em Portugal desde tempos immemo


riaes, o que não seria em circumstancias tão
deploraveis ? Como pezaria ella no animo do

principe regente , a quem se apresentava como


anjo tutelar para salvar-lhe a corða e os do

minios , aliás por sua propria causa amea


çados ?
37

Não podia ser mais propria a occasião para


que a Inglaterra provasse , que trazia sempre
no coração as cousas e conveniencias de Por

tugal que por ella tudo arriscaya , cumprindo


lealmente as promessas do tratado de 23 de
junho de 1661. Nada a impedia de demons
trar a amizade e desinteresse pelo alliado, que

tornava aleatorias as quinas com lustre co


nhecidas em todas as partes do mundo .
Enganar-se-hia quem o esperasse . A's dôres
de Portugal responderá sempre a Inglaterra com
o mais gelado egoismo, com a mira unica em
arrancar -lhe novas vantagens e beneficios , que
saciem sua immensa ambição .

XLIV . – A prova está na intenção com que


o governo britannico aconselhára ao principe re
gente que partisse para o Brazil — “ conselho
que envolvia o projecto , que nutriam os homens
de estado da Inglaterra , de empregarem todos os
esforços para que se abrissem ao commercio britan
nico os portos do Brazil , fechados até então aos

estrangeiros pela metropole, e que promettiam


mercados novos e importantes à sua industria e
genio emprehendedor (*) .
1

XLV.- A prova está na propria convenção de

(*) LORD PALMERSTON sessão do parlamento, no 1.0 de junho


de 1829.
6
38

22 de outubro de 1807 , cujo artigo 7.º estipulára


que- “ quando o governo portuguez estivesse
estabelecido no Brazil, se procederia á negociação
de um tratado de auxilio e de commercio entre o
governo portuguez e a Gram - Bretanha .

XLVI. - A prova está em que não tardou


muito tempo , depois do principe regente partir
para o Brazil, que todos ficassem sorprendi
dos de verem , que as embarcações britannicas ,
que bloqueavam Portugal, obstando a entrada

dos navios portuguezes do Brazil , India , etc. ,


os tomassem como se estivessem em guerra com

Portugal ; e longe de os deixar voltar para os


portos donde vinham , ou para os Açores , ou para
onde os capitães preferissem , sendo dominios
alliados ou portuguezes, pelo contrario conduzis
sem- os para Inglaterra , deixando tomar e queimar
no decurso das viagens , pela esquadra franceza ,
o navio Princeza da Beira , que da Bahia ia para
Lisboa , e deixando perder por seus officiaes e
tripolação, (e por estes mesmos insultarem abordo

uma donzella que ia casar - se em Lisboa ) , o navio


Hercules na costa da Irlanda. Outros chegaram
aos portos de Inglaterra , mas foram entregues
aos seus donos depois de ali gastarem mais do
que valiam ( *) .

( *) Investigador Portuguez .
39

XLVII . - Voltando á convenção de 22 de ou

tubro , nella estão ainda as provas da fé com


que a Inglaterra tratava o governo portuguez ,
fé denunciada a todas as nações nas seguintes

restricções e declarações da sua propria rati


ficação :
" O preambulo da convenção... principia por
uma supposição , qual é a que se acha nas se
guintes palavras Tendo feito communicar á S.
M. Britannica ... a sua determinação de fa

zer transferir para o Brazil a séde e a fortuna


da monarchia portugueza, antes do que acceder á
totalidade das ditas (exigencias). S. A. Real
sim prometteu sempre á S. M. Britannica ,
já directamente, já por meio dos respectivos
ministros, não acceder á proposição da appre
hensão das pessoas e confiscação dos bens ; mas
nunca disse que antes queria transferir para o
Brazil o assento da monarchiu portugueza do que
acceder á todas as proposições (*).

(*) Os lugares, em que acha-se feita e repetida esta promessa,


são os que segueni :
Um officio para o ministro portuguez em Londies , de 12 de
agosto de 1807 : « Ordena-me S. A. Real que expresse á
V. S. a sua firme resolução de não assentir jániais á confiscação
dos bens... mas S. A. Real espera , em reciprocidade desta tão
justa como decorosa acção, que esse governo não dê ordens aos
seus commandantes das forças maritimas para fazer hostilidades
sobre navios portuguezes... »
- Outro officio de 20 : « Os bens dos inglezes não hão de ter pe
40

“ Tão pouco considerou jámais S. A. Real


que a clausura dos portos podesse justificar
S. M. Britannica a excital -a a usar de repre

salias , occupando a ilha da Madeira ou qualquer


outra colonia portugueza . S. A. Real em todas
as occasióes desta negociação mostrou sempre
estar persuadido que S. M. Britannica reconhe

rigo algum ... S. A. Real está determinado mais depressa a


perder o seu supremo dominio neste puiz do que sacrificar os su
jeitos britannicos e seus cabedaes Reservo escrever á V. S.
em outra occasião para tratar nessa corte sobre o modo com que
ella poderá contribuir para a segurança da familia real protegendo
com as suas forças navaes a sua retirada ...))
- Outro officio de 7 de setembro : -- « Devo participar a V. S.
para que o communique verbal e confidencialmente á esse minis
terio, que S. A. Real tomou a resolução de mandar apromp
tar a sua marinha para o caso de ser urgente a sua retirada e
da real familia. Dous acontecimentos podem obrigar á esta reso
lução .. a determinação de uma conquista ... a pretenção de
introduzir tropas no paiz para guarnecer as costas debaixo do pre
teato da amizade , o que seria para a monarchia mais perigoso do
que a conquista. »
- Outro officio de 23 : - « S. A. Real está firme em não
assentir á proposição a respeito da apprehensão de pessoas e
confiscação de bens ... »
O principe rege nte escrevendo directamente ao rei da Ingla
terra deu-lhe seguranças analogas.
Na nota de 17 de outubro á lord Strangford disse : - ( que
os subditos inglezes ficariam illesos na sua liberdade pessoal e
propriedades
Em nenhum dos lugares citados se diz , que S. A. Real
preferiria transferir - se para o Brazil a acceder a proposição feita
pela França , antes positivamente se affirma e repete , que só em
ultima extremidade é que tomaria o partido de abandonar o reino
de Portugal.
41

ceria, que só circumstancias mui imperiosas


e irresistiveis é que poderiam obrigal-o á clau
sura dos portos aos navios inglezes ; e o exemplo
de 1801 ( *) , em que a Gram-Bretanha assentio
á um igual passo , tranquillisava S. A. Real ,
assim como o reconhecido caracter e moderação

de S. M. Britannica , e não menos o commum


interesse de ambas as monarchias : como , pois ,

pódem ter lugar os termos do preambulo - e


considerando que um tal acto de hostilidade— até
as palavras , não deixaria de produzir aquelle
effeito e como podem ter lugar os termos
passo a qué nunca poderia suppôr -se que dera o
seu consentimento ? Quando , ainda que S. M.
Britannica não expresse este consentimento ,
elle se devia presumir tacitamente dado , pois
que a presente convenção deve ser fundada
neste motivo ? E ' pois evidente, que estas ex
pressões do preambulo não podem servir de
base á convenção , que tem por objecto con
servar intacta a monarchia portugueza , a ilha
da Madeira , e as mais possessões ultrama
rinas (**) .

XLVIII . - 0 governo britannico desprezou

( * ) Tratado de Badajós em 6 de junho de 1801 , art. 2. °.


( ** ) Vide a convenção, e o desenvolvimento articulado das res
tricções na ractificacão - no fim do volume, nota A.
42

as restricções e condicções da ratificação da


convenção , na qual inculcando intenção de
proteger o seu fiel alliado quiz obrigal- o á
concessões indecorosas,

E de que serviam os protestos de Portugal ?


Preferindo abraçar -se com a Inglaterra - sym
bolo vivo do mais descarnado egoismo— devia
66
lembrar -se do juizo de Warren (*) a cons

ciencia de ter grande poder , e sobre tudo a


certeza da impunidade, a tem animado a com
metter insolencias e oppressões, que , segundo a
expressão de Shakspeare , fazem chorar os anjos .
Goldsmith ainda é mais expressivo . 66 A In

glaterra , diz elle , costuma tratar seus amigos


como o caçador aos seus cães de caça , porque

julga que não é mister senão assobiar para


tel- os a seus pés (**).

XLIX . - 0 principe regente ainda não pa


recia amestrado pela experiencia . Acabrunhado
pelas tristes circumstancias, que o envolviam ,
e que a falta de perspicacia , previdencia e
animo do seu governo não podera em tempo
remover , mais do que nunca era impotente
para resistir ao governo britannico .

( * ) A India Ingleza.
( **) England uses friends as a hunts-man his pack ,
For she thinks, when she likes, she can whistle them back .
L.-Não citarei o alvará de 4 de maio de
1810, creando na cidade do Rio de Janeiro,
um juiz conservador para processar e sentenciar
as causas dos inglezes, revivendo assim no Brazil
o alvará de 20 de outubro de 1656 .

LI. — Nem as ordens de 27 de junho e 20


de julho, levantando o sequestro nas fazendas,
effeitos, bens , direitos e acções dos inglezes ,
quando o governo britannico aprezava em todos
os mares navios e propriedades portuguezas e
brazileiras , e tudo conservava em seu poder.

LII . - Nem o decreto de 20 de março de


1809 ordenando " que , não tendo sido até
então sufficientes para destruir as perfidas ma
chinações do feroz inimigo do continente, e de
seus perversos emissarios, que por tantos e tão
estranhos modos tem procurado semear a dis
cordia e a desconfiança entre os fieis vassallos
portuguezes e os das nações alliadas , nem os
tratados solemnes, que os ligam para defeza
commum , nem os repetidos e efficazes auxi
lios, que ellas tem prestado e prestarão inde
fectivelmente , para desempenho de seus mu
tuos deveres e reciproca conservação , ora sup
pondo nos gabinetes dos alliados vistas e pre
tenções de que só se tem mostrado capazes os
44

seus inimigos ; ora accusando de fraqueza e


de corrupção os generaes de sua mais illimi

tada confiança ; já espalhando noticias falsas,


e indignas da fidelidade dos seus vassallos e
do valor dos seus exercitos ; e já finalmente
induzindo os povos á desprezarem e talvez mal
tratarem as pessoas que tranzitam pelos reinos
portuguezes, encarregadas de commissões im
portantes, civil ou militarmente, sendo-lhes

aliás devido soccorro e protecção ; e desejando


S. A. Real estreitar cada vez mais os vin
culos que unem a corôa e os vassallos dos
seus reinos aos interesses da corôa e vassallos

de S. M. Britannica e de S. M.Catholica , e inutili


zar todo o effeito , que os inimigos se proponham
obter por aquelles meios : declarava delicto

de inconfidencia (*) todo escripto 'e todo facto,


com que algum , indigno por sua conducta do
nome portuguez , pretender macular de qualquermodo
o credito dos gabinetes e leaes vassallos de SS . MM . Bri
tannica e Catholica ' emquanto elles não fôrem
declarados inconfidentes pelos seus respectivos
governos ; ordenando que no juizo da inconfi
dencia , intendente geral da policia e seus de
legados se inquerisse ex -officio e se recebessem
denuncias destes crimes , que serão punidos como

(*) Falta de fidelidade devida ao Soberano.


delictos contra a real pessoa e contra a segurança
dos reinos de S. A. Real ...

LIII . -Nem o decreto de 17 de abril, in


validando os termos , que os negociantes ingle
zes assignaram em 1807 para reexportarem suas
fazendas das alfandegas portuguezas , porque,

diz o decreto , isso havia sido ordenado por


uma medida politica , que sempre o principe re
gente se propôz, que não houvesse de ter effeito
como desde logo o fez declarar á côrte de Londres .

LIV . – Nem ainda as cartas regias entre


gando aos inglezes exercito , marinha , fazenda
e governo de Portugal !

LV . - Detenho -me no tratado de commercio


e navegação , celebrado em 19 de fevereiro de

1810 , como a synthese das pretenções da am


biciosa e exigente Britannia ( * ) .
Mal fôra conhecido esse tratado escreveu o

Correio Braziliense, impresso em Londres :


“ O bom conceito, que faziamos do actual
ministro dos negocios estrangeiros no Brazil , e
a boa opinião que temos da sua probidade, nos
tinham predisposto a favor deste tratado ; sen
do informados de que seus inimigos politicos

( *) Veja-se o tratado no fim do volume, nota B.


46

pretendiam atacal- o por este acto enchemo-nos


de indignação, porque conheciamos a desvanta
gem em que se achava o negociador braziliense
á respeito do inglez ; assim estavamos determi
nados á emprehender a sua defeza ; mas em
fim apparece um tratado que, se fosse expresso
em outros termos, o tomariam por uma capitu
lação , e vemos que por melhor que seja nossa
vontade não temos por onde o defender...
Era merecida esta apreciação. Ajuste, em
que todas as vantagens eram para a Inglaterra
sem compensações para o Brazil e Portugal ;
em que era decretada a superioridade da con
dição dos inglezes , de sorte que os naturaes
do nosso paiz pareciam e eram tratados como
estranhos em sua propria casa , devia ser qua
tificado de verdadeira capitulação , ditada por
inimigo vencedor.
A philantropia britannica ostentava -se sem re
buço, impedindo a prosperidade do Brazil, hu
milhando o principe regente, seu alliado e seu
amigo, escarnecendo dos brios da nação portu
gueza, envolvida por sua causa em uma tre
menda guerra de 7 annos !
E tudo isto para tornar permanentes e per
petuas a amizade , paz e harmonia entre os dous
povos e os dous soberanos !
A pretexto de reciproca liberdade de com
47

mercio e navegação o governo britannico abu


šava da nossa fraqueza , 'repudiava o bom sen
so, despresava a opinião culta dos contempo
raneos e da historia !

LVI. —Reciprocidade ! Em quanto eram fran


queados á Inglaterra todos os portos, mares e
dominios portuguezes, ella apenas concedia -nos
essa franqueza nos portos e mares da Asia, e
em toda a extensão que era ou poderia vir a
ser para o futuro permittida á nação mais fa
vorecida ! Isto promettido por uma nação, na
qual predominavam os actos de navegação de
Cromwell, cujo commercio com o estrangeiro
estava crivado de monopolios e restricções,
com taxas sobre os objectos mais necessarios á
vida, com pezadissimas contribuições indirec 1

tas e com os mais vexatorios direitos alfande


gaes !

LVII. — Reciprocidade! Em quanto os in


glezes podiam adquirir e possuir livremente to
dos quantos bens moveis e de raiz quizessem
nos dominios portuguezes e brazileiros, os por
tuguezes e brazileiros só poderiam alugar e afo
rar na Inglaterra, e nunca por maior tempo do
que 99 annos !
A desigualdade era a mesma quanto á esta
48

belecimento de lojas e armazens, á tranzito ,


etc.

LVIII. — Reciprocidade ! Em quanto todos os


generos , mercadorias e artigos, quaesquer que
fossem , da producção, manufactura , industria ,
ou invenção dos dominios e vassallos britan

nicos eram admittidos nos portos e dominios


portuguezes , em compensação a Inglaterra con
cedia -nos o mesmo que á nação mais favore
cida , isto é, prohibição completa , confiscação

infallivel, como succedia á todos os objectos


manufacturados no estrangeiro !
E para que ninguem podesse illudir-se com
tal philantropia e reciprocidade , a adminis
tração ingleza immediatamente confiscou os pri
meiros objectos manufacturados em Portugal e

no Brazil, que foram enviados aos seus portos :


palitos para dentes e rolos de fumo.

LIX . Reciprocidade! Em quanto era esta

tuido, que os inglezes tivessem privilegio de


nomear magistrados especiaes, juizes conserva
dores, para julgar e decidir todas as suas causas,
sendo sua autoridade e sentenças respeitadas ,
a Gram -Bretanha obrigava -se a applicar aos por
tuguezes e brazileiros suas proprias leis e por
seus proprios magistrados !
49

S. A. Real o principe regente , de Por


tugal , diz o artigo 10 do tratado , desejando pro
teger e facilitar nos seus dominios o commercio
dos vassallos da Gram - Bretanha, assim como as

suas relações e communicações com os seus


proprios vassallos , ha por bem conceder - lhes o
privilegio de nomearem e terem magistrados
especiaes para obrarem em seu favor como
juizes conservadores , n'aquelles portos e cidades
dos seus dominios , em que houverem tribunaes
de justiça , ou possam ser estabelecidos para o
futuro . Estes juizes julgarão e decidirão todas
as causas , que. forem levadas perante elles ,
pelos vassallos britannicos , do mesmo modo que
se praticava antigamente, e a sua autoridade e
sentenças serão respeitadas. E declara -se serem
reconhecidas e renovadas, pelo presente tra
tado , as leis , decretos e costumes de Portugal
relativos á jurisdicção do juiz conservador ...
Em compensação destas concessões a favor dos
vassallos britannicos , S. M. Britannica obri
ga -se a fazer guardar com a mais estricta

e escrupolosa observancia aquellas leis pelas


quaes as pessoas e a propriedade dos vassallos
portuguezes, residentes nos seus dominios, são

assegurados e protegidos, e das quaes elles , em


commum com todos os outros estrangeiros, gosam
do beneficio pela reconhecida equidade da juris
50

prudencia britannica , e pela singular excellencia


da sua constituição ...

LX . — Não ; antigamente os inglezes não no


meavam magistrados ou juizes especiaes . A carta
régia de 29 de outubro de 1450 designava para
juiz dos inglezes á Fernão Rodrigues, juiz da
alfandega de Lisboa ; e o alvará de 20 de ou
tubro de 1656 fazia a mercê á nação ingleza de

um conservador que julgasse das suas causas,


mas esse juiz era nomeado pelo soberano por
tuguez, era um magistrado portuguez , foi então
o Dr. Gaspar de Lemos Galvão, desembargador
da casa da supplicação . As ditas causas deviam
ser processadas e sentenciadas com os recursos
de appellação ou aggravo para a casa da suppli
cação , que era ainda tribunal portuguez .
A Gram -Bretanha conseguio , pois , em 1810

arrancar á dignidade e soberania do principe


regente o que nem em 1656 havia conseguido !

LXI. Reconhecida equidade da jurispru

dencia e singular excellencia da constituição


dos vencedores de Drogheda (Irlanda) que , en
tregue pelos que a defendiam com promessas
de terem a vida salva , vio os soldados ingle
zes passar a fio de espada todos os prisionei
ros , durando a horrivel matança cinco dias ,
51

depois do que voltaram as armas contra os pa


cificos cidadãos, trucidando até mais de mil
que haviam-se refugiado na cathedral ! Nem os
executores de tanto morticinio excederam as
instrucções, porque estas consistiam --- em ata
car, matar ; destruir e anniquillar todos os re
beldes , seus adherentes e cumplices ; queimar,
devastar, saquear, consummir, demolir todos os
lugares , cidades , povoações e casas donde os
rebeldes tinham recebido soccorros , e matar
todos os individuos em idade de poder servir
nas armas (*) !! ...
XLII . — Reconhecida equidade da jurispru
dencia e singular excellencia da constituição da
Gram - Bretanha , cujos instinctos lord Longhbo
roug assim descreveu no parlamento em 1791 :
“ A ambição desenfreada e a requintada inso
lencia que se tem apoderado dos conselheiros de
Sua Magestade tem produzido tantos excessos em
todas as partes do mundo , que acarretarão
infallivelmente a ruina do nosso imperio . Como
animaes carnivoros procuramos cada uma das re
giões do globo para immolarmos victimas (**) . '
XLIII.- Reconhecida equidade da jurispru
(*) LINGARD - Civil ward in Ireland .
( ** ) AZUNI – Direito Maritimo.
52

dencia e singular excellencia da constituição da


Inglaterra, que ao assignar esse tratado ainda
sentia os effeitos da selvajaria na sua legis

lação , na qual encontrava - se estatuto, deter


minando que fosse escravisado o vagabundo ;
alimentado com pão e agua , pequena cerveja ,

e refugo dos alimentos ; que trouxesse anneis


de ferro ao pescoço , braços e pernas ; que fosse
constrangido , até com pancadas e outros meios ,

á qualquer obra por mais vil que fosse ( * ) !

LXIV . – Reconhecida equidade da jurispru


dencia e singular excellencia da constituição
da Gram -Bretanha, que o Investigador Portuguez
assim commenta :

“ O navio Balsemão, capitão Estevão Alves ,


sahindo de Pernambuco em 29 de março de

1811 , com uma carga de generos destinados


para Londres , chegou em 16 de maio pelo
meio dia , defronte da ilha de Wight , no Canal ,
e querendo o seu capitão proseguir a viagem
com segurança , tomou ali um piloto para o
levar ás Dunas ( quando só era obrigado a
tomal-o mesmo nas Dunas, para proseguir d'ali
para Gravesend ), o qual , em a noite desse

mesmo dia, ás 10 horas , fazendo luar e mo

( * ) BLACKSTONE - Commentarios.
derado vento, o encalhou em Selsey Bill , perto
de Portsmouth , não obstante as representações
do dito capitão para virar de bordo mais cedo
advirtindo-lhe que o navio era mui veleiro . En
calhado, appareceram logo a bordo dous botes
de Selsey e uma chalupa de Cowes , a offere
cerem seus serviços para ajudar a desencalhar
o navio ; appareceram tambem, como é costume,
negociantes d'aquelles portos, revestindo- se com
as varias capas de authorisação do governo de
Lloyd's, alfandega, ou correspondente do navio
para alcançarem as noticias, nota da carga,
e se apoderarem da consignação do navio, para
qualquer caso que sobreviesse. Desencalhado na
madrugada do dia seguinte, logo que a maré
encheu , sem tirar alguma carga , ou cortar al
gum cabo, porque nunca esteve em perigo , e
com espia de um ancorote, foram nisto em
pregados os dous botes de Selsey, e , como 0
leme do navio saltou fóra das femeas, foi em
pregada a chalupa de Cowes em o conduzir a
Mother-Bank, em Portsmouth , lugar mais se
guro para poder metter o leme . O serviço feito
por esta gente reduz-se, quanto aos de Selsey,
a serem empregados dous botes por duas horas
em espiar o ancorote ; e a chalupa, em ajudar
a governar o navio na distancia de tres legoas.
Pediram estes homens, por paga dos seus ser
8
54

viços, 400 libras entre todos, e o capitão lhes


offereceu 200 libras . Não querendo elles rece
bel - as, foi- lhes proposto, que se decidisse este
negocio por arbitros entendidos , ao que se ne
garam , e os de Cowes poseram uma acção no
tribunale côrte do almirantado , embargando o
navio , que esteve tres dias sem descarregar ,
até se dar fiança pelo que fôsse julgado ; e os
de Selsey recorreram aos magistrados do dis

tricto , que lhe julgaram 400 libras , ao que se


não quiz assentir por terem os de Cowes en
trado em acção no tribunal competente : e vindo
afinal as acções de ambos perante o dito tri
bunal , depois de muitos juramentos destas partes ,
o juiz , Sir William Scot , com audiencia de
dous mestres da casa ou tribunal dos pilotos ,
sentenciou que o navio e carga pagassem 1,250
libras, que são réis 4 :500000 ( moeda forte)
aos ditos homens , sendo este julgado trez vezes
mais do que eles pediram , seis ou mais vezes do
que elles mereciam , e 5 ou 6 por cento do
valor do navio , carga e frete !... "

LXV . – Reconhecida equidade da jurispru


dencia , e singular excellencia da constituição
de um povo que , segundo os depoimentos que
se acham no—The British Colonisation of New Ze
land, Londres , 1837 , matava os aborigenes das
55

ilhas da Nova Zelandia , para traficar com suas


cabeças, porque , sendo ellas objecto de curio
sidade, eram vendidas por enormes preços (*) !
Reconhecida equidade da jurisprudencia , e

singular excellencia da constituição ingleza ,


quando em 1817 era ali decretada a suspen
)

são do Habeas Corpus, enviando o ministro do


interior aos condados manufactureiros espiões,
que provocaram crimes que mereceram o ca
dafalso ! ... quando por occasião de Sir Ja
mes Mackintosch propor, em 21 de maio de
1823, a supressão da pena de morte no sim
ples furto em casa habitada , declararam os res
peitaveis jurisconsultos britannicos, e sua hu
manitaria opinião prevaleceu , que , votada se
melhante abolição , ninguem poderia viver com
segurança em sua casa ! ... quando finalmente
até a poucos annos condemnava -se nos tribu

naes inglezes á morte quem cortava uma ar


vore ! ... quem nos caminhos publicos appa
recia com a figura tisnada !...

LXVI. – Reconhecida equidade da jurispru


dencia , e singular excellencia da constituição
da Gram -Bretanha , em um tempo , em que ella
recusava todas as reformas , tolerava todos os

(") AZUNI - Direito Maritimo.


56

abusos, defendia todos os fanatismos, perseguia

tudo quanto era liberal (*) !...

LXVII. Reconhecida equidade da juris

prudencia , e singular excellencia da constitui

ção da Gram - Bretanha , que ainda hontem com


mettera horrores com os habitantes da Irlanda
e da Jamaica (**) !

LXVIII.— Não ; não era a reconhecida equi


dade da jurisprudencia , e a singular excellencia
da constituição da Gram -Bretanha quem arran
cava ao principe regente a disposição do artigo
10 do tratado ; era , sim , a pressão do governo
britannico , que ainda transluz dos seguintes topi
cos de uma carta do conde de Linhares ao marquez

de Aguiar, ambos ministros do principe regente


em março de 1809 :

“ Lord · Strangford ... não quiz por muito


tempo ouvir cousa alguma, e cingia -se á dizer
me, que esperava uma resposta cathegorica so
bre ratificar- se ou não o tratado ... Ajuntava a
ideia de que não era já tempo para mudar cousa
alguma, e que o escrupulo de consciencia tinha

(*) CONDE JOHN RUSSELL - Ensaio sobre a historia do governo e


constituição britannica .
(**) Vide o resumo dos seus' jornaes no fim deste volume
nota C.
57

vindo tão tarde, que julgava indecencia e falta de


consideração para seu amo ... Quanto aos ou
tros artigos nada pude conseguir ; persuada -se
V. Ex. que não ha outro remedio senão arriscar
mil desgraças... Tenho muito susto das con
sequencias de todas as intrigas, que se levan
tarão no momento actual, e talvez vejamos per
der o fructo das attenções, que pedi á S. A.
Real mandasse praticar a favor dos inglezes...
e muito temo que S. A. Real só conheça toda
a extensão do mul quando o mesmo já seja sem
remedio... Espero que V. Ex. medite no que
acabo de escrever- lhe para que S. A. Real
se decida' a não correr risco de um gravedesgosto
com a Gram - Bretanha !...

LXIX . - Celebrado sob tamanha pressão , que


seria o tratado de alliança e amizade , concluido
no mesmo dia , nez , e anno em que o do
commercio ? Borges Carneiro nas côrtes portu
guezas , fallando deste ultimo, em sessão de 7

de julho de 1821, disse que --- “ dirigia -se espe


cialmente á dignidade da nação
sustentar a
vergonhosamente aviltada pelo ministro que tal
tratado celebrára .

Sim , 'vergonhosamente vilependiada , mas pela


Inglaterra, que , segundo Jefferson , pouco
se lhe dá de ser ou não um acto contrario
58

ás regras da moral ; o que unicamente , antes

de pratical-o , consulta, — é se acaso por meio


delle poderá saciar ou a ... rapacidade e
espirito de pirataria de súa marinha , ou se
delle póde provir outro qualquer effeito ana
logo que mais firme e fortifique sua posi
ção ... que sustenta ás escancaras , e com

tanto despejo , que é seu direito tudo quanto


puder por quaesquer meios haver... o que
fez com que lord Lansdown exclamasse ainda
em pleno parlamento , em sessão de 2 de no
vembro de 1797 : - “ Mister é que trabalhemos ,
sobre tudo, em reconquistar o bom conceito da
Europa ; nós o temos perdido por falta de
moderação , pelo orgulho que nos fascina, e
pela nossa rapacidade ! ... "
Celebrado sob tão grande pressão , e com
uma nação como a Inglaterra , repito , o tra
tado de alliança e amizade devia ser deploravel
para Portugal e Brazil.

LXX.— Eis ó artigo 10 , primeiro documento


historico do gabinete do Rio de Janeiro sobre
trafico de africanos :

“ S. A. Real o principe regente de Portu


gal, estando plenamente convencido da injus
tiça e má politica do commercio de escravos ,
e da grande desvantagem , que nasce da neces
sidade de introduzir e continuamente renovar
59

uma estranha e facticia população para entre


ter o trabalho e industria nos seus dominios r

do sul da America , tem resolvido de coope


rar com S. M. Britannica na causa da huma
nidade e justiça , adoptando os mais eſficazes
meios para conseguir em toda extensão dos
seus dominios uma gradual abolição do com
mercio de escravos . E movido por este prin
cipio , S. A. Real o principe regente de Portu
gal se obriga a que aos seus vassallos não será
permittido contiņuar o commercio de escravos
em outra alguma parte da Costa d'Africa , que
não pertença actualmente aos dominios de S. A.
Real , nos quaes este commercio foi já descon
tinuado e abandonado pelas potencias e esta
dos da Europa, que antigamente ali commer
ciavam ; reservando com tudo para os seus proprios
vassallos o direito de comprar e negociar em escra
vos nos dominios africanos da corôa de Portugal.
Deve porém ficar distinctamente entendido, que
as estipulações do presente artigo não serão
consideradas como invalidando ou affectando
de modo algum os direitos da corôa de Portu
gal aos territorios de Cabinda e Molembo, os
quaes direitos foram em outro tempo disputa
dos pelo governo de França, nem como limi
tando ou restringindo o commercio de Ajuda e
outros portos d’Africa ( situados sobre a costa
60

commummente conhecida na lingua portugueza


- Costa da Mina — ), e que pertencem , ou a
que tem pretenções a corôa de Portugal, estando

S. A. Real o principe regente de Portugal


resolvido a não resignar, nem deixar perder as
suas justas e legitimas pretenções aos mesmos,
nem os direitos de seus vassallos de negociar com
estes lugares , exactamente pela mesma maneira que
elles até aqui o praticavam .

LXXI. — Deduz-se desta estipulação , que o


principe regente estava resolvido a cooperar
para a abolição do trafico , porém gradualmente ,
e que , com esse fim prohibia desde logo esse
commercio em todas as partes africanas, que
não pertenciam aos seus dominios .
Esta medida, assim previdentemente limita
da , estava de accordo com os conselhos de
Canning . “ Si a escravidão continúa ainda,
disse elle, não é por vontade do governo , é
sim por necessidade. Não digo que é preciso
manter tão odioso systema ; é preciso porém
que seja gradualmente extincto. Não deve
mos olhar para as atrocidades senão como
objecto que pertence ao tempo passado ; cum
pre não reviver odios extinctos, nem fazer
recriminações aos que não são culpados,
ainda que interessados, nem reputar os colo
61

nos carregados de crimes ou commettendo


atrocidades .

LXXII .—Em dous artigos secretos annexos ao


tratado prometteu, em compensação , a Gram
Bretanha empregar seus bons officios e inter
posição para obter a restituição, á corôa de
Portugal, dos territorios de Olivença e Juru
menha , e igualmente, quando se negociasse uma
paz geral, ajudar e apoia com toda sua in
fluencia as tentativas , que a côrte de Por
tugal podesse então fazer para procurar o res
tabelecimento dos antigos limites da America
portugueza do lado de Cayenna, conforme a
interpretação que Portugal tem constantemente dado
ás estipulações do tratado de Utrecht. Em vista
disto o principe regente abolio completamente
o trafico de africanos nos estabelecimentos de
Bissau e Cacheu, unica excepção prohibitiva
em todos os dominios portuguezes na Costa
d’Africa .

LXXIII .-- Como cumpriu a Inglaterra estas


solemnes estipulações ? Desmentiria o juizo de
Jefferson— “ de que, se em seu seio se agglo
mera um sem numero de homens distinctos
pela fidelidade com que guardam seus con
tractos e ajustes, e cumprem seus deveres par
62

ticulares, com tudo nenhum governo , como o


britannico , ha no mundo tão destituido desses

principios de boa fé, que ninguem hoje póde


deixar de reconhecer como necessaria aos ho

mens, ás sociedades e a todos os governos ? !...


O mundo inteiro sabe como a Inglaterra pro

cede no cumprimento de seus ajustes ; nenhuma


fidelidade tem guardado em suas allianças

com os povos da Europa desde que começou


a distinguir -se pelo seu commercio e corrup
ção . Assim procedeu comnosco .

LXXIV.- “ Pelo artigo 10 deste tratado, es


creve o Dr. Antonio Pereira Pinto (*), obri

gou -se o principe regente a abolir gradualmente


o trafico d'escravos ... Este pensamento , aliás
generoso e philantropico , porém não convenien
temente sazonado , e concluido, além disso , sob a

pressão de circumstancias todas desfavoraveis ao


reino de Portugal, marcou , como era de prever,

a data de futuras contestações, e immediata


mente trouxe graves perigos ao commercio por
tuguez . Na verdade , aquella impolitica con
cessão afigurou -se desde logo á Inglaterra como
dando-lhe azada opportunidade d'extinguir a
escravatura nas terras do Brazil ; e pois o seu

(*) Apontamentos para o Direito Internacional.


63

cruzeiro começou a aprezar navios dentro dos li


mites designados pela dita convenção, como para
gens, em que o trafico d'escravos era admittido,
dispondo outrosim dos carregamentos aprezados ,
sem a menor interferencia dos seus legitimos donos.”

LXXV.- De parte o engano de attribuir ao


governo britannico o desejo de extinguir no Bra
zil a escravatura , que sustentava em seu pro

prio territorio , quando apenas cuidava elle dos


meios que podessem garantir-lhe o monopolio
commercial, o escriptor brazileiro podia acres
centar, em apoio do seu juizo , o que em 6 de
novembro de 1838 escrevia lord Glenelg :
Todo aquelle, dizia este, que reflectisse
sobre a natureza humana e a historia da es

cravidão , devia contar que uma tal reforma


não se faria sem inconvenientes. "
Podia citar o exemplo da propria Inglaterra ,
repetindo com lord Grey em 1853 — “ que es
tava geralmente admittido , que a medida da
abolição da escravidão votado em 1833 fôra
desgraçadamente defeituosa . ”

Podia finalmente repetir com a commissão


de inquerito , nomeada em 1812 , á pedido de
lord Stanley — “ que a raridade dos braços, o
alto preço dos salarios, arruinaram muitas e
grandes propriedades, especialmente na Jamai
64

ca , Goyanna e Trindade, diminuindo os pro


ductos da exportação . ”
Estes juizos insuspeitos evidentemente pro
vam , como disse o principe de Talleyrand , -
que não se pode repentinamente levar á boni
resultado uma reforma , que altera o trabalho
em todas as suas applicações , sem muito es
tudo , muitas cautellas, muita previdencia e
muito tempo .

Assim procedera a Inglaterra ; mas assim não


queria que procedessemos como demonstram
todos os seus actos prosteriores á nossa phi
lantropica promessa de 1810 .

LXXVI.-- Eis aqui factos :


Assignado e ratificado o tratado, principiou
logo a marinha britannica a commetter atten
tados , e tão repetidos , que até outubro de 1810
foram aprezados na Costa d'Africa, e condem
nados , em Goréa , 2 navios, 2 brigues , e 8 es

cunas portuguezas e hespanholas, além de 2


navios , 3 brigues, e 2 escunas aprezadas e de

tidas para serem processadas e condemnadas ,


como foram , por autoridades meramente bri
tannicas, em processo summarissimo e tumul
tuario !

Taes foram as primeiras demonstrações da


alliança, amizade , lealdade e fidelidade da In
65

glaterra para com Portugal e Brazil , depois


do tratado de 1810 , e no mesmo anno da sua
celebração !
Só na Costa de l'Este, vulgarmente conhe
cida por—Costa de Mina , - expressamente no
tada no tratado como um dos lugares permit
tidos ao commercio de africanos, o cruzeiro
britannico aprezou os seguintes navios portu
guezes : da praça da Bahia - escuna Marianna,
de José da Silva Senna , tomada no alto mar ;
brigue Calypso, de Guilherme José Ferreira , to
mado no
mesmo anno quando negociava no
porto de Onim ; bergantim Prazeres, de Luiz
José Gomes, tomado no mesmo porto ; dito Lin
deza, de José Cardoso Marques, tomado no
mesmo porto ; sumaca Carvalho, de Antonio Es
teves dos Santos, tomada no mesmo porto ; ber
gantim Piedade, de Antonio Ferreira Coelho ,
tomado no mesmo porto, mas depois cedido
para transporte de gente ; dito Fragatinha, de
Manoel da Rocha Fonseca, tomado no Porto
Novo , e tambem cedido para transporte de gente ;
brigue Feliz Americano, de José Gomes Pereira,
tomado no mesmo porto, e para aquelle fim
cedido ; dito Desengano , de José Tavares França,
do mesmo modo ; dito . Destino, de Antonio Luiz
Ferreira ,' do mesmo modo ; bergantim S. João
zinho , de Raymundo José de Menezes, tomado
66

quando comprava canôas no cabo Corso ; da


praça de Pernambuco - galera Marianna , de An
tonio da Silva e Cunha, tomada no alto mar ;
sumaca S. Antonio , de José Bento Fernandes,

tomada no porto de Onim ; depois de tomada


foi solta , porque os africanos estavam com be
xigas, e a humanidade britannica desappareceu
diante do perigo do contagio . Esta sumaca já
havia sido tomada anteriormente , e vendida na
Serra Leða a José da Silva Senna, de quem a

comprou Fernandes ; -- da praça do Rio de


Janeiro — bergantim Venus, tomada em Badagre ,
etc., etc.
Em agosto ou setembro de 1811 os cruzado

res inglezes foram aos portos de Onim , Bada


gre e Porto Novo, todos na Costa de Mina , e
revistaram todas as embarcações portuguezas,
que ali encontraram . Em Onim estavam os

bergantins Nau - Lendia e Tiberio, e o brigue


;

Calypso ; tomaram este á pretexto de que o casco


era inglez ! Em Badagre estavam — a escuna Fra
gatinha , os brigues Boa - Hora e Victoria, e o
bergantim Venus ; tomaram este ultimo á pretexto
de que tinha conduzido alguns africanos fóra
do cabo de Palmas ! Em Porto -Novo estavam-

os brigues Paquete Infante , Triumpho da União


e o bergantim Bom - Successo. Nenhum tomaram .
Em janeiro de 1812 voltaram aos mesmos
67

portos , e tomaram tantas quantas embarcações por


tuguezas encontraram , declarando nessa occasião

que só podiamos negociar no porto da Ajuda!


Era momento azado para exclamar com Jef
ferson :--" Bôa fé da Gram - Bretanha !... A punica

fides da nova Carthago ! ... da amiga protectora


de Copenhague ! ... (*) da nação que nunca ad
mittio um só capitulo de moral em seu codigo
politico !...

LXXVII . - Em agosto de 1813 o Investigador


Portuguez publicava a seguinte noticia :

( *) Eis como um escriptor , que tenho á vista, descreve o facto


de Copenhague :
« Não querendo o soberano de Dinamarca adherir ao systema
continental contra a Inglaterra , que Bonaparte impôz a Europa, e
tendo o firme proposilo de fazer respeitar a stricta neutralidade
que adoptára , descançava em profunda seguridade, e só se arreceiava
da visinhança das tropas francezas, que teriam o fito de despojal- o
do territorio de Holestein e obrigal-o a entrar nessa liga , que tanto
assustava ao poder britannico.
« Pelo anno de 1807 grandes aprestos navaes se fizeram na In
glaterra, e no seu meiado duas grandes divisões maritimas deram
á vela. O segredo destas expedições tão grandes e fortes, que levavam
não menos de 15,000 homens de tropas de desembarque, alvorotou
o publico inglez . Um dos ministros dessa época no parlamento se
vangloriou de que o objecto dessa grande acção estivesse portanto
tempo vedado ao conhecimento do publico, e accrescentou que elle
era tal que quando conhecido grande espanto e admiração causaria !
(( Destas divisões uma, no principio de agosto de 1811 , foi cruzar
no grande Belt, e a outra se apresentou na entrada do Sund, em
frente do castello de Kronenbourgo , onde ferrou panos e ancorou :
ao passo que isto succedia , ante o governo de Dinamarca , por parte
da Gram- Bretanha se apresentou o seu enviado Francis Jackson,
68

Sentimos profundamente começar o artigo


Inglaterra pela exposição de um novo insuko
feito á bandeira portugueza pela chalupa de
guerra ingleza Silph , a qual tomou e con
duzio ' á Barbadas o navio portuguez Santa
Anna Aguia , que ia do Maranhão para Cana
rias , sómente porque o commandante d'aquella
chalupa suspeitou , que era destinado para a
Africa , afim de importar d’ali escravos ! Não
faremos reflexão alguma sobre este e outros
insultos , que a marinha ingleza tem feito á

bandeira portugueza : limitar- nos -hemos só


mente ' á supplicar com o mais profundo res
peito e com a mais viva instancia á S. A. Real

exigindo delle uma estreita alliança com o seu paiz , e que toda
sua armada lhe fosse entregue. Em troca The promettia , passada a
necessidade que tinha , a restituição de seus navios, a garantia de
suas colonias e subsidios , e no caso de recusa ameaçou -n com o
emprego das forças que tinha em frente do seu territorio !
« O principe real houve de rejeitar com firmeza e indignação taes
proposições. Não obstante esta recusa o ministro britannico pro
curou ainda negociar sobre estas bases ; mas vendo que se pretendia
evitar esta 'negociação, passou para bordo da esquadra ingleza , e o
resultado foi o desembarque de tropas, e sem declaração e causa
para guerra, a invasão do territorio dinamarquez , o bombordeamento
de Copenhague, a destruição de parte desta rica e florescente ci
dade, a entrega desejada da armada dinamarqueza por meio de
capitulação, a destruição de seus arsenaes , a limpa de tudo quanto
foi susceptivel de transporte e que estes continham , e pouco depois
uma declaração formal de guerra , e a tomada de suas colonias !
« A armada constava de 18 náos de linha , 15 fragatas, 6 brigues
e 25 barcas canhoneiras... »
69

o principe regente, nosso senhor, que se digne


tomar aquella atitude , que convém ao alto de
coro , honra e dignidade da sua corôa , ao
bem dos seus insultados e fieis vassallos ;
que não tolere por mais tempo que se viole
com tanta impudencia os seus direitos e a fé
dos tratados. Diremos ao governo inglez , que
sempre temos defendido , que se elle não põe
termo á procedimentos tão arbitrarios, tão in
justos e tão escandalosos , elle e a nação in
gleza devem contar com a desesperação e odio
da nação portugueza , unica em quem os in
glezes tem achado honra, amizade, valor, e
soffrimento ; mas cuja desesperação e odio
serão proporcionaes á tantos soffrimentos, e
á esse valor , amizade e honra sem exemplo
na historia do mundo .
Muito pouco se davam os inglezes e a In
glaterra com o odio , e muito menos com os
soffrimentos dos portuguezes e de Portugal.
Warren diz , “ que os inglezes em geral e seu
governo são detestados e não tem amigos fóra
do proprio paiz, como toda a Europa o sabe . "
LXXVIII . Mas, de parte os sentimentos
que podiam inspirar actos tão escandalosos, é
claro que a simples promessa de gradualmente
extinguir o commercio de africanos, que expres
10
70

samente continuava legalisado pelo tratado de


19 de fevereiro, era sufficiente para que a
Inglaterra désse pasto á sua rapacidade nas
propriedades dos subditos do seu alliado .
0 proprio ministro inglez no Rio de Janeiro,
lord Strangford, escreveu uma carta ao consul
inglez , na mesma cidade residente, estranhando
as prezas , que eram feitas, na Costa de Mina ,
em nossos navios, e accrescentava: — “ que lhe
parecia, que a Gram - Bretanha não estava de
accordo com semelhante procedimento, nem dava
ao artigo 10 a intelligencia, que lhe davam na
Serra Leôa , e que para aclarar e decidir ne
gocio de tanta consideração promettia quanto
antes representar ao ministerio britannico .
Ignoro se o fez, sei porém que os attentados
continuaram , multiplicaram -se e requintaram
em impudencia e insolencia .

LXXIX .—Apenas, pela secretaria do almi


rantado, fôra expedida a seguinte ordem , em
2 de maio de 1811 :
66
Senhor , tenho ordem dos lords commis
sarios do almirantado, para remetter-vos com
esta , afim de serem distribuidos pelos corsarios
que estão debaixo de vossas ordens , vinte pa
peis impressos, relativos ao trafico d’escravos,
e em explicação dos principios que tem guiado
71

a côrte do almirantado nas suas sentenças sobre


vazos empregados no mesmo trafico... John Bar
low . Ao muito honrado almirante ...

LXXX . – Eis um dos impressos :


“ Memorandum . Parece , pelos extractos dos
tratados de alliança e amizade entre a Gram
Bretanha e Portugal , que nenhum trafico dos
portuguezes é legal em escravos sendo feito em
qualquer parte da Costa d'Africa, que não es
teja actualmente debaixo do dominio da corôa de
Portugal. Parece mais, que para dar a qualquer
vaso um titulo á protecção da bandeira por
tugueza, no emprego mesmo deste limitado tra
fico d'escravos, é necessario que elle seja --ou
construido nos dominios de Portugal, ou con
demnado como presa em uma côrte do almi-,
rantado portuguez ; que em qualquer destes
casos deve ser propriedade de vassallos por
tuguezes , e que o mestre , e trez quartas partes
da equipagem sejam tambem vassallos portu
guezes...

LXXXI. — Nunca a prepotencia procurou le


gitimar -se mais sem rebuço !
Não contentes com os actos de pirataria no
mar, nem com o illegal arbitrio de visitar,
tomar e condemnar os navios de uma potencia
72

estrangeira , independente , amiga e alliada , as


autoridades britannicas alteravam e augmen
tavam as estipulações do tratado celebrado apenas
um anno antes , limitavam a propriedade por
tugueza , e procuravam assim legitimar os roubos
que constantemente commettiam os cruzadores
inglezes no mar, e que seus tribunaes sanccio
navam !

É verdade, que a côte de appellações, to


mando conhecimento do aprezamento do Calypso ,
declarou : - “ que não podia condemnar, como

boa preza , navio algum de outra potencia empre


gado no trafico , que era perniittido e admittido
pela mesma potencia , ainda que contrario ás
leis da Inglaterra ; mas este mesmo prin
cipio ficou invalidado pelo seguinte accrescen
tamento : — " com tanto porém que a propriedade
d'aquella embarcação e sua carga fósse bona fide
de vassallos d'aquella potencia , accrescen

tamento que não só deixava subsistente aquelle


memorandum interpretativo da corte do almiran
tado, como sanccionava -o , e abria de par em
par as portas por onde deviam passar os cor
sarios inglezes para impunemente commetterem
novos attentados (*) !

(*) 0 tribunal Supremo de appellação, em audiencia de 15 de


dezembro de 1814, decidio que fosse restituido o Calypso e res
pectiva carga aos reclamantes.
73

LXXXII. - E para que nenhuma duvida


restasse da intenção da Inglaterra em limitar a
propriedade portugueza , quanto ao commercio
d'escravos, ahi está a decisão da camara do
conselho de Whitehall , de 26 de dezembro de
1811 , em resposta à representação dos nego
ciantes portuguezes , residentes e estabelecidos
na cidade de Londres, que se queixaram dos
aggravos, que diariamente soffriam :
“ Os lords do Comité , tendo tomado em con
sideração, que parte da licença publicada pelos
lords do thesouro de Sua Magestade em 4 de ja
neiro de 1811 , que autorisa e ordena aos commis
sarios das alfandegas em Inglaterra e Escossia ,
que aquelles navios portuguezes , que até aqui
tem entrado como vasos portuguezes nos portos
da Gram -Bretanha se possam considerar em todos
os respeitos como taes , ainda que não tenham
sido construidos em algum dos territorios , ou
possessões pertencentes ao governo portuguez
(como se quer no artigo 5.º do tratado de com
mercio com o regente de Portugal , de 19 de
janeiro de 1810) , uma vez que os ditos vasos
pertençam á vassallos portuguezes e naveguem
conforme a lei : suas senhorias são de opinião
que, nas actuaes circumstancias, não convém
que esta relaxação do artigo 5.º do tratado portu
guez e da 2.° secc . do Act . 51 Geo . III cap . 47 ,
74

que providencia a devida execução d'aquelle


artigo, se continue além de um dado periodo ;
recommendam portanto , que faça-se saber , que
desde e depois do dia 1. ° de julho de 1812 ,
nenhum vaso se deixará entrar em porto algum
da Gram -Bretanha, como vaso portuguez, que
não seja construido em paiz pertencente á S. A.
Real o principe regente de Portugal . . .

LXXXIII . -Sobre esta decisão accrescentou o


Investigador Portuguez :
“ Os vassallos portuguezes acham , com bas
tante surpreza sua , pela resposta dada, que não
só não podem residir e viajar em Inglaterra do
mesmo modo , que os vassallos britannicos o
fazem nos dominios portuguezes, isto é , sem
importunar as competentes secretarias, todos os
trez mezes, pedindo licença para esse fim , o
que é contra a reciprocidade expressa no dito
tratado, nem deixar de pagar os direitos que
pagavam d’antes como estrangeiros, e que não
são expressamente excluidos por acto algum
precedente do parlamento ; mas até se lhes
declara , que desde o 1. ° de julho de 1812 em
diante ficarão privados de poder navegar para
os portos de Inglaterra em navios seus, que
não sejam de construcção portugueza , graça esta
que os ditos negociantes tinham pedido para
75

contrabalançar a falta de reciprocidade que


induzia a mal entendida estipulação do artigo 5.º
do dito tratado , e que por espirito d'aquella
mesma reciprocidade lhes fôra concedida , e
agora lhes é negada ou declarada não existir,
ao mesmo passo que supplicam o cumprimento
de privilegios, que os vassallos britannicos gozam
e gozaram sempre nos dominios de Portugal , e
adquiriram de novo no Brazil. Quaesquer que
sejam os motivos, que deram lugar á esta re
pulsiva resposta, que defere aos mencionados
aggravos com um novo aggravo , é doloroso ao
individuo portuguez vêr, que no Reino-Unido
elle não tem as vantagens , nem a consideração,
que o individuo inglez tem nos estados por
tuguezes.

LXXXIV . Tinha razão aquella folha portu


gueza , aliás constante apologista de quanto era
inglez , desde que a Inglaterra nem um artigo
do tratado de commercio jámais cumprira ; mas
baseando -se aquella decisão no artigo 5.º do dito
tratado era legal.
E’ , porém , esta legalidade fundada no tratado
de commercio que estipulava vantagens para
um e outro lado , -como no citado artigo 5.ºo
mesmo valor de gratificações e drawbacks sobre
a exportação dos generos e mercadorias em
76

navios portuguezes e inglezes, como a igualda


de de direitos nos portos de uma e outra nação ,
-é esta mesma legalidade , quanto ás vanta
gens reciprocamente concedidas ao commercio ,
que prova a illegalidade com que a Inglaterra
de motu proprio extendia ao tratado de amizade
e alliança , ao commercio de africanos, que não
era para seus portos, em que ella não concedia
vantagens, a disposição do referido tratado de
commercio ! E com a maior prepotencia seus
tribunaes sanccionaram as piratarias da sua
marinha !

LXXXV . - Lord Strangford mesmo, em pre

sença de tão repetidos e inqualificaveis attenta


dos , fingindo ignorar o memorandum da corte do
almirantado (Lxxx ) declarou em 2 de janeiro
de 1815 - " que o governo britannico jamais

pretendeu , como falsamente se tem allegado , que


os navios de construcção estrangeira , navegando
com bandeira portugueza e sendo pertencentes á

vassallos portuguezes, seriam sujeitos á serem


tomados ou molestados de qualquer maneira pelos
cruzadores britannicos ; e que as condições ne
cessarias para caracterisar um navio portuguez ,

especificadas no artigo 5.º do tratado de com


mercio , somente diziam respeito aos navios por
tuguezes , que commerciassem com os portos da Gram
77

Bretanha , e que nelles reclamassem os favores e


isenções a que tem direito em virtude do dito
tratado.

LXXXVI. O citado memorandum da côrte do

almirantado e a jurisprudencia dos tribunaes


inglezes fizeram , que continuassem os attentados

dos cruzadores , as condemnações de navios e


cargas , os despojos da propriedade portugueza .
A pretexto de que queriam beneficiar os selva
gens d’Africa damnificavam , arruinavam os
seus alliados do Brazil e Portugal !

LXXXVII.— Multiplicando-se as queixas da


nossa parte sem resultado , principiaram os re
sentimentos a fazer explosão . Propondo -se, por
exemplo , a sahir do porto de S. Salvador da
Bahia algumas embarcações para a Costa de
Mina, e pedindo ao governador a necessaria
licença , este, antes de concedel-a , resolveu
obrigar os mestres e respectivos donos á assi
gnarem termo de que , no caso de serem apre
zados, nada requereriam aos tribunaes ingle
zes para não reconhecerem a sua competencia e
jurisdicção illegaes. Mas este protesto , eloquen
te e nobre, ficou inteiramente neutralisado com
o procedimento do ministro brazileiro , em Lon
dres , o conde de Funchal . ( LXLIV-LXLVIII ) .
11
78

LXXXVIII. Os prejudicados não deixa

vam de protestar , e representar ao soberano


contra as depredações de que eram victimas .
O corpo ' do commercio da praça da Bahia ,
directores de quatro companhias de seguros, e
muitos negociantes denunciaram esses attentados,
em 1813 , em duas successivas representações :
“ A importante materia , diziam , que os sup
plicantes levam ao supremo conhecimento de
V. A. Real não é uma questão particular en
tre vassallos, não é o negocio de uns pou
cos, não é a reparação de insultos e de fac
tos individuaes : é um negocio que pelas suas
consequencias está constituido em negocio de
todos ; é um facto em que tem parte o pun
donor e o brio nacional ; é finalmente um
attentado contra a bandeira , e a independencia
portugueza , violada e invadida em suas mes
mas propriedades. Trata -se dos interesses do
commercio do Brazil, destes interesses essen
cialmente connexos com as finanças e o patri
monio do estado ; trata -se da dignidade e do

decoro da nação desattendida em menoscabo


da boa fé e da santidade das sancções publicas ;
trata -se emfim da gloria de V. A. Real...

LXXXIX . Eis o desenvolvimento destas as

serções na primeira representação :


79

Os supplicantes ha mais de um anno, que


tem sido aggredidos em suas propriedades pelos
vazos de guerra da Gram - Bretanha , que nave
gam os mares da costa occidental d’Africa ;

o giro do seu trafico e do seu commercio so

bre aquella costa tem sido não só restringido ,


mas sequestrado, e até anihilailo por meio de
aprezamentos arbitrarios e inteiramente contra

rios á letra das estipulações entre os governos


portuguez e inglez, estipulações que os tribu
naes e officiaes da marinha da Gram -Bretanha
tem inteiramente interpretado á seu caprichoso
arbitrio , e atacadas e aggredidas assim as pro

priedades portuguezas nas embarcações, que em


bandeiradas com o pavilhão nacional flutuavam
no remanco da boa fé ; a aggressão e o atten
tado é commum á nação, cuja prosperidade e
mantença no Brazil deriva em grande parte
dos recursos, que este mesmo commercio lhe
franquêa para a cultura dos generos do paiz ,
e para o seu consumo e sahida .

“ Quando V. A. Real houve por bem de ajustar


com S. M. Britannica os tratados de commercio
e de alliança , assignados em 19 de fevereiro
de 1810 , as soberanas e providentes medidas
de V. A. Real abrangeram logo todos os ramos
da fortuna da nação ... V. A. Real, que por
aquelles tratados se declarou unido aos senti
80

mentos de humanidade e de justiça de S. M.


Britannica, para o fim de abolir - se o trafico e nego
cio da escravatura ... concebeu todavia que esta
abolição não podia para logo conseguir-se por
um effeito repentino e prompto . por isso
que a ordem geral das cousas, que tem rece
bido o cunho dos seculos, não é possivel que
assim se transtorne e mude sem riscos de maio
res subversões.
“ Pacteou V. A. Real com S. M. Britannica que
os seus vassallos continuariam a comprar e a ne
gociar em escravatura em todos os portos situa
dos n'aquella parte da Costa d'Africa, conhe
cida na lingua portugueza pelo nome de—Costa
de Mina — assim como em todos aquelles que
constituem dominios proprios da corôa de Por
tugal, e isto exactamente e pela mesma ma
neira porque até então o faziam , pois que não
era da sua real intenção limitar ou restringir
este commercio nos sobreditos portos . Em con
sequencia desta estipulação, descancando os
supplicantes na boa fé da intelligencia litteral
do citado artigo , ajustado e fundado na mais
sublime conveniencia da ordem presente das
cousas com as magnanimas intenções de V. A.
Real para'o futuro, continuaram elles no trafico
e permuta da escravatura , proseguiram na ex
pedição de suas embarcações para aquelles por
81

los , e clareando -as com os competentes passa

portes e mais despachos do governo ... as fi


zeram navegar á sombra do pavilhão portuguez
e da protecção do tratado .
“ Mas , não obstante , os navios de guerra de
S. M. Britannica tem registrado, aggredido, tomado
e aprezado as embarcações portuguezas , assim as
que tem encontrado sobre a — Costa de Mina,
como ainda outras que navegam além d'aquelles
mares , e colorando seus aprezamentos com pretex
tos e arbitrariedades subversivas de todas as
maximas do direito maritimo , tem conduzido

ao porto da colonia da Serra Leôa , e á outros


da denominação ingleza , os vazos portuguezes
constantes da relação junta ( *) , e ahi , denega
das todas as reclamações, repellidos todos os pro
testos que em semelhantes casos são admissiveis ,
ainda em estado de guerra , tratados os officiaes
e tripolações com o desabrimento de inimigos e re
movidos até de requererem em juizo ; os tribunaes
e autoridades inglezas tem julgado e condem
nado por boas prezas as especificadas embar
cações ; e esta mina , que saltou ao ar contra
a santidade da boa fé dos ajustes, e contra a
attenção e a dignidade, que devem as nações
e os governos , .. levou na sua explosão a

(*) Infelizmente não pude encontrar esta relação.


82

fortuna de muitos particulares e de muitas fa


milias , paralysou o commercio do Brazil sobre a
Costa d'Africa , ' e tirou á circulação geral o
importantissimo cabedal de dous milhões de
cruzados com outras consequencias de gravis

simo prejuizo para o estado e para o Brazil,


quaes são a diminuição da marinha mercantil, o
principio da destruição da lavoura do tabaco , a
decadencia de toda a outra lavoura brazilica pela
falta de braços tão fortes ... a diminuição dos
direitos , dizimos e impostos que pagam o tabaco ,

as aguas-ardentes , e outros effeitos, em troco


dos quaes se importa tambem o ouro em pó ,
que vem augmentar a circulação do numerario ,
e ultimamente a anihilação das rendas reaes ...
“ Permitta V. A. Real que os supplicantes ...

enumerem os pretextos de que se tem prevale


cido os tribunaes e officiaes da marinha da

Gram -Bretanha para aprezarem , confiscarem e


condemnarem as embarcações portuguezas :
1. • PRETEXTO . Os vazos portuguezes , que

são originariamente de construcção e fabrico


estrangeiro ou não portuguez, posto que pos

suidos , navegados e administrados por vasal


los portuguezes , não podem empregar -se no com
mercio da escravatura .

“ Este pretexto aproveitou para serem to


madas e condemnadas por boas prezas a galera
83

Urbano, e a escuna Volante, que se achavam


fundeadas no porto de Cabinda, e o brigue
Calypso no porto de Onim , aquellas por serem
de construcção americana, e este inglez , acres
cendo de mais contra as primeiras o terem
sido esquipadas em Liverpool , o que falsa
mente pretextou a sentença , porquanto a galera
Urbano foi esquipada na Bahia e d’aqui se
guio rota para Cabinda , e a escuna Volante
se esquipou e preparou em Lisboa , e escalan
do pela Bahia partio para o mesmo destino.
66
Mas , ainda que os cascos sejam original
mente de construcção e fabrico estrangeiro, não
se póde negar que , pela compra voluntaria e
legitimamente feita nos dominios portuguezes
e por vassallos de V. A. Real sem nenhuma
associação de subditos de outra potencia, as
ditas embarcações se haviam tornado proprie
dades portuguezas , nacionalisadas por aquelle
acto e pelo dominio , possessão e administração,
a que passaram, de vassallos portuguezes , pois
que é maxima incontestavel em todo direito
publico e universal , que a cousa que passa
à novo dominio , legitimamente adquirido,
participa da natureza e dos privilegios d'aquelle
ou d'aquelles que em forma legal obtiveram
a sua posse e senhorio , maxima esta que serve
de fundamento não só para as tranzacções
84

entre particulares, mas em que se estribam


todas as grandes tranzacções politicas entre as
ņações e os governos .
Nem se pode colorar o aprezamento e con
demnação dos vazos apontados tergiversando o
paragrapho ultimo do artigo 5.º do tratado de
commercio e navegação ... como foi tergiver
sado pelo tribunal do almirantado da Serra
Leôa na sua sentença condemnatoria proferida
contra a galera Urbano, em que se diz :
que o vazo perdeu a protecção da bandeira por
66
não ser de construcção portugueza , e se haver es
quipado e preparado em Liverpool ” — tergiver
sação que não pode ter lugar ( Lxxxv ) por
quanto as altas partes contractantes tiveram em
vista definir e deierminar no dito artigo o que
se entendia por embarcações portuguezas e
britannicas - quanto ás que devem ser admitti
das nos portos de uma e outra nação , e quanto
á regulação dos direitos declarados no mesmo ar
tigo ; e, ainda quando não fosse este o sen
tido e intelligencia litteral da estipulação, não
se pode colher em hypothese diversa , segundo
os principios da boa razão, que por ella se
perinittam e autorizem semelhantes aprezamen
tos, que atacam de frente a boa fé, com que
sempre se entendem serem feitos todos os con
tractos, e que facultariam aos navios portu

}
85

guezes a liberdade de iguaes aprezamentos


contra os vasos britannicos em caso identico

de construcção e fabrico estrangeiro.


“ Em asserção da obvia e litteral intelligen
cia do citado artigo vem maravilhosamente a
nota official do marquez de Wellesley ao em
baixador de V. A. Real em Londres, datada em

5 de janeiro de 1811, e o parecer da Com


mittee do conselho privado na mesa do com

mercio e plantações , tomado em 26 de de


zembro do mesmo anno á respeito dos navios
portuguezes de construcção estrangeira .
" De tudo o que, se conclue evidentemente
que as embarcações portuguezas, que não forem
originalmente de construcção e fabrico estran
geiro, ou que sendo até casco estrangeiro , não
tiverem sido aprezadas pelos navios de guerra
ou por aquelles que estiverem munidos de cartas
de marca , e condemnadas por legitimas prezas

nos tribunaes competentes, não serão admitti


das nos portos da Gram - Bretanha para serem
consideradas como propriedade portugueza , o
que de nenhuma fórma nem expressa nem ta
citamente autorisa os officiaes da marinha in

gleza para poderem aprezar , confiscar , e con


demnar aquelles vazos que, sendo de casco
estrangeiro , navegavam embandeirados com o

pavilhão portuguez , e qualificados pelos pas


12
86

saportes e despachos legaes do seu governo, que


demonstram que o dominio e administração do
vazo, sua carga e negociação é toda de vassal
los portuguezes, porquanto a respeito destes
vazos só ha a repulsa de entrada nos portos da Gram
Bretanha , e nada mais .
“ 2. PRETEXTO . Os negociantes portuguezes
admittem e se associam em suas negociações de
escravos com subditos inglezes, o que é contra
rio ás leis da Gram-Bretanha , que prohibem
que nenhuns vassallos inglezes possam nego
ciar ou ter parte no commercio da escravatura.
“ Deste pretexto se serviram os officiaes da
fragata de guerra Indiana para registrarem ,
aprezarem e condemnarem para as ilhas de S.
Thomaz e da Providencia o brigue Falcão e o
bergantim Bom Amigo, aquelle fazendo viagem
da Bahia á ilha de Cuba , e o segundo na sua
volta desta ilha para Pernambuco , embarcações
que para ali tinham navegado á venderem es
cravos dos dominios portuguezes .
“ O que legitima qualquer vazo e negocia
ção , e mostra na ordem publica a sua natureza,
pessoas por conta de quem se fez a expedição
e os interessados no casco , carga e empreza,
são as justificações prestadas legalmente , perante
as autoridades , e pelas quaes ellas tomam co
nhecimento se ha ou não associação de subditos
87

estrangeiros, e se a negociação é conforme á


lei . Depois destas justificações, sobre as quaes
se passam os despachos e o passaporte , que per
mittem a sahida do vazo e o destino da negocia
ção, o que plenamente a verifica são os livros
do navio , as cartas de ordens, e todas as mais
instrucções que costumam acompanhar o vazo
e sua carga .
66
Quando um navio de guerra quer reconhe
cer a propriedade e boa fé da bandeira , com
que se cobre uma embarcação mercante , exa
mina seus despachos, passaportes e mais papeis ,
e se os julga em regra , (julgado que não é
de puro arbitrio mas que deve determinar- se

pela boa fé reciproca ) , o mantem na sua ban


deira ; ora os officiaes da fragata de S. M. Bri
tannica , que registraram os mencionados bri

gues , não se contentando com a apresentação


dos despachos , passaportes , livros , e mais pa
peis que se produziram , e que removiam toda
sombra de duvida de associação estrangeira no
casco, carga e negociação , arbitraria , capricho
samente se figuraram duvidas e desconfianças ,
e sem attenção à sua propria dignidade , des
prezando a santidade dos regulamentos mariti
mos universalmente adoptados , e ludibriando
assim a firma e o sello das autoridades portu
guezas , tomaram , confiscaram , e conduziram hos
88

tilmente para os portos da dominação ingleza as


apontadas embarcações com o pretexto de ahi se
examinar e purificar a natureza da negociação ;
de tal forma eram concludentes os despachos e
mais papeis do brigue Falcão, que o proprio
almirantado da ilha de S. Thomaz , para onde
elle foi conduzido , não pôde dispensar-se de o
julgar por má preza , julgado de que os offi
ciaes da fragata captora tiveram o despejo de
interporem appellação para a suprema côrte
do almirantado de Londres, do que bem se
mostra sua insaciavel sêde de prezas, ou tal
vez o abuso de sua poderosa influencia mari
tima. E ainda quando á respeito das apontadas
embarcações houvessem algumas bem fundadas
desconfianças de associação estrangeira , que nem
uma havia absolutamente , meios tão violentos e
tão hostis não são os legitimos, nem os adop
tados pelas nações civilisadas, e amigas, para
se conhecer do facto, e se os despachos de qual
quer navio produzidos em regra o não affian
çam , então acabada está a boa fé e segurança
maritima .
“ 3. ° PRETEXTO . As embarcações portuguezas
compram e commerciam em escravos nos portos
não comprehendidos na denominação da Costa
de Mina , segundo as estipulações no artigo 10
do tratado de amizade e alliança , a qual costa
89

os officiaes da marinha ingleza demarcavam


ora do cabo de trez Pontas até cabo Formozo ,
ora limitavam ao porto d'Ajuda , ou aquelles
onde tremulasse a bandeira portugueza .
66
Este pretexto , por isso que é o mais in
determinado , e o que offerece maior aberta
para se fazerem prezas, é tambem aquelle de
que mais se tem servido os officiaes da ma
rinha da Gram Bretanha para muito á seu
salvo colorarem sua cobiça e arbitrariedade.
“ A primeira restricção da - Costa de Mina - deu
lugar ao aprezamento e condemnação da escuna
Marianna e do bergantim Venus, aquella encon
trada á vela defronte do porto de Jaque -Jaque ,
e este fundeado no porto de Badagre.
“ A segunda restricção deu lugar ao apreza
mento dos bergantins - Americano, Destino e Des
engano , comprando escravos em Porto Novo; do
bergantim Prazeres e das sumacas Lindeza e
Flôr do Porto , na franquia de Onim ; e do ber
gantim S. Joãosinho , comprando canoas em cabo
Corso ...

Aquella parte da costa occidental d'Africa


que se estende de norte a sul, e a que na
lingua portugueza se chama - Costa de Mina— ,
sempre se entendeu desde o cabo de Palmas até
Cabo Formozo , e a nação portugueza , que foi
a primeira que com tanta affouteza e gloria
90

visitou aquellas costas , ainda é ciosa dos nomes


com que ella mesma as appellidou , á proporção
que suas descobertas se avançavam , e que se
adquiriam novos conhecimentos...
“ A--Costa de Mina ---sempre se marcou desde
cabo de Palmas até Cabo Formozo ; o teste
munho das mais antigos e experimentados na
vegadores d'aquella costa assim o juram no de
poimento junto , e por lembrança immemoravel
entre os negociantes do Brazil , sempre assim se
entendeu e appellidou na nossa lingua. E' nesta
fé que os supplicantes proseguiram em seu com
mercio para os diversos portos d'aquella costa,
que as negociações se traçaram , e que o governo
veio assim autorizar e legitimar as negocia
ções, pois que os despachos e passaportes é o
acto porque o governo não só permitte a sa
hida da embarcação e seu destino , mas julga
conforme a lei , e a cobre com o seu sello . E a
não se entender, que todos os portos para que
se despacharam as embarcações em questão
se comprehendiam na letra do citado artigo do
tratado , que diz : e outros portos d’Africa si
6 tuados sobre a costa commummente chamada na
66
lingua portugueza a-Costa de Mina— " é claro
que nem o governo expediria os passaportes, nem
os negociantes os pediriam , ainda com dissi
mulação, porque aventurando -se a commerciarem
91

contra o disposto no tratado, se sujeitariam ao


risco e contingencia de não sortirem effeito suas
emprezas , mas antes de perderem seus vazos
e empregos: e esta concordancia da boa fé com

que as autoridades deram os passaportes, e com


que os negociantes os pediram e se cobriram
com elles para fazerem seu trafico , parece dar
aos supplicantes duplicada acção para recla
marem por uma competente indemnisação e res
sarcimento .

“ Para se conhecer até que ponto os offi


ciaes da marinha ingleza tem levado a sua ar
bitrariedade, á este respeito, basta ponderar, que
no tempo em que tomaram a escuna Marianna
não duvidaram proferir, que a- Costa de Mina- ,
ou os portos designados no tratado por este
nome collectivo, se entendia desde cabo de
Tres Pontas até cabo Formozo ; mas vendo
depois que as embarcações portuguezas limi
tavam com effeito aquella nova demarcação de
-Costa de Mina— , proclamaram que a expressão
do tratado se entendia restricta ao porto
d'Ajuda, ou aquelles onde tremulasse a bandeira
portugueza , interpretação esta tão violenta e
tão forçada, que não cảrece de refutação. E a
tantas tergiversações do espirito d'aquelle citado
artigo do tratado tem recorrido as autoridades
inglezas para legitimarem os excessos de vio
92

lencia, perpetrados pelos officiaes da marinha


de guerra , na tomadia dos vazos portuguezes ,
que o tribunal do vice -almirantado de Serra
Leôa ousa declarar em sua sentença condem
natoria contra a escuna Marianna, que a julga
bem feita preza — " por ser uma embarcação
(formalia verba) illegalmente esquipada, guarne
cida, navegada e empregada para proseguir no
negocio d'escravos africanos, contrario ao tra
tado de amizade e alliança entre S. A. Real e
S. M. Britannica , e cujo negocio por motivo de
humanidade tem sido abolido pela maior parte
das nações civilisadas, e não é ao momento actual
legalmente autorisado por alguma— " fundamento
este que tambem se reproduzio na sentença
condemnatoria contra a galera Urbano. Que se
concilie este enunciado tão positivo , tão geral,
e tão terminante , e que sempre suppõe uma
deliberação já universalmente proclamada por
todos os governos da Europa com o que se
-estipula no citado artigo do dito tratado !
Mas, Senhor, ainda , no caso negado, que
os negociantes portuguezes tivessem transgredido
a estipulação expedindo suas embarcações , e
comprando escravos fóra dos portos entendidos
por-Costa de Mina— , resultava d’qui direito ou
acção legal para que os tribunaes e officiaes da
marinha ingleza, constituindo-se arbitros das car
93

tas geographicas , e demarcando a seu sabor o que


se entende ou não por esta ou aquella costa , e
constituindo - se outrosim por interpretadores e
despensadores do tratado , resultava d qui direito
solido para aprezarem , confiscarem , e condem
narem os vazos portuguezes , que se cobriam com
a bandeira da nação , que navegavam legitimados
pelo seu governo, e que , pertencendo á uma
potencia amiga e alliada , estavam nas circums
tancias de reclamarem a protecção da marinha
da Gram Bretanha , e não de a temerem como
inimiga ? Havia razão , ou é conforme á recipro
cidade da justiça , que as nações se devem umas
ás outras, obrigar os vazos amigos, que estão
fundeados em um porto franco , a levantarem
ferro e sahirem precipitadamente dentro de tempo
curto e prefixo, e interromper e fazer assim ca
ducar suas negociações em gravissimo prejuizo
e até em ruina total dos ' proprietarios e car
regadores, que haviam consignado neste objecto
avultadissimos cabedaes ? E não o praticaram

assim os officiaes da marinha ingleza contra


os vazos portuguezes , que se mencionam no
mappa , e que não conduziram , á colonia de
Serra Leða talvez por que o emprego de sua
pequena força não bastava á tanto ? E não tem
elles levado a sua violencia e hostilidades ao

excesso de apanharem os proprios bens dos


13
94

mestres , officiaes e tripolação, obrando assim


contra os vassallos de V. A. Real o mesmo que
obrariam contra os subditos de um governo ini
migo, aprisionados no conflicto da guerra ? São
permittidos estes remedios de facto, sem terem
precedido intelligencias, declarações e ajustes
precisos entre os governos ? Não são estes actos
tendentes a desconcertar os animos , e a pro
duzir consequencias da maior monta para o
espirito publico , facil de arrojar -se pelo trans
torno da fortuna de muitas familias ? E póde-se
crêr, que o zelo dos direitos da humanidade e
o desejo de melhorar a sua sorte os tem con
duzido á tamanhos despotismos ? Elles que , em
vez de reduzirem á condição de libertos os
captivos que tem encontrado ·nas embarcações
portuguezas, como parecem inculcar , os levam
forçosamente á colonia de Serra Leôa , e ahi ,
trocado o nome de escravos no de criados , os
fazem servir as suas lavouras, e ao engrandeci
mento de sua população, e aos trabalhos da vida
civil ? ...

LXL.— São eloquentes estas linhas , que aliás


a segunda representação do corpo do commer
cio da Bahia completa, referindo novos atten
tados , atrocissimas violencias da marinha e
tribunaes inglezes ; pois, observando que as
95

embarcações portuguezas apenas limitavam -se 'á

navegação para o porto d'Ajuda , pronuncia


ram por obras, no excesso da sua cobiça , que
--- fosse qual fosse o porto, fossem quaes fossem
as circunstancias e os motivos , os navios portu

guezes não deviam traficar em escravos na Costa


d'Africa !
66
Navios portuguezes , diz esta representaçãu,
estacionados em Ajuda , ahi fundeados á sombra
da fortaleza nacional, protegidos pelos mais sa
grados direitos , que apenas podem ser contras
tados n'um estado de viva guerra, cobertos com
o estandarte real do seu soberano, empenhando
officialmente seu augusto nome para repellir a

aggressão , mostrando ao mesmo tempo a maior


boa fé e a maior lealdade e confiança ... es
tes mesmos navios não escapam á esta desesperada
sêde de prezas, e em recompensa de offerecerem

á marinha ingleza a aguada de que havia mister,


e de lhe entregarem os seus passaportes com a
maior promptidão e sinceridade , cuhem nas mãos
dos seus amigos como se cahissem no poder de
invasores que, pouco confiados em suas forças,
as ampliam pela sorpreza e pela simulação , e
destes navios uns são tomados , e hostile barba
ramente levados á Serra Leña , e outros obrigados
á sahirem precipitadamente do porto e a largarem
por mão suas negociações, fazendo - se na volta
96

aceleradamente para escaparem á outra e já


promettida invasão ! ... "

LXLI. - 0 gabinete do Rio de Janeiro não


podia ficar surdo á clamores tão justos quanto
instantes, afim de proteger de algum modo a pro
priedade portugueza , seu commercio, industria e
agricultura, da sordida rapina dos seus amigos e
alliados. Expedio , pois , instrucções ao embai
xador em Londres - “ para que energicamente
representasse contra o procedimento dos cruza
dores britannicos e a competencia do seu tri
bunal do vice - almirantado na Serra Leôa , exi
gindo ao mesmo tempo do governo britannico
inteira e completa satisfação sem por nenhuma
forma recorrer å tribunal algum inglez de prezas,
que, na opinião do governo portuguez , nenhuma
jurisdicção podia ter para decidir em casos de
tomadia desta natureza .

LXLII . —No mesmo anno commetteu á real


junta do commercio, agricultura, fabricas, e
navegação do Brazil e dominios ultramarinos
o exame e verificação das perdas e damnos,
que tinham experimentado os negociantes por
tuguezes, assim proprietarios como interessados
nas carregações dos navios portuguezes, empre
gados no commercio da Costa d'Africa, e tomados
97

pelas embarcações britannicas, para poder tratar


por meio de exacto e especificado conheci
mento , e em consequencia de reclamação que
mandou fazer pelo embaixador em Londres,
da justa e devida indemnisação de taes pre
juizos ; ordenando que fossem admittidas justi

ficações legaes com todas as solemnidades da


lei e assistencia do consul britannico , e com

a especificada declaração do valor justo das


perdas e damnos soffridos em cada cazo sepa
rado, afim de se poder conhecer a perda em
cada navio tomado, e, reunidas as sommas

dos valores parciaes, o prejuizo total; orde


nando outrosim , para que o procedimento fosse
uniforme e coherente, · que a dita real junta

expedisse sem perda de tempo as convenientes


ordens e instrucção ás mezas da inspecção nas
outras capitaes...

LXLIII . – O nosso embaixador em Londres ,


se por um lado cumprio as instrucções apre
sentando ao governo britannico a reclamação
do governo portuguez , por outro as infringio
recorrendo aos tribunaes inglezes, e portanto
reconhecendo de certo modo a sua competencia

para julgarem os navios e carregamentos dos


subditos portuguezes. Isto se evidencia da se
guinte consulta aos letrados inglezes :
98

LXLIV .— “ Nos fins de 1810 e principios de


1812 muitos navios portuguezes, occupados no
commercio do Brazil e Costa d'Africa , foram
tomados pelos cruzadores inglezes e conduzidos
depois á Serra Leôa , onde pelo vice -almiran
tado d'aquella colonia tanto os navios como os
escravos ou cargas, que tinham a bordo , foram
finalmente condemnados com o pretexto de fa
zerem 0 commercio da escravatura illegal
mente .
“ Como muitos destes navios foram tomados

na Costa d'Africa , a maior parte dos mestres


não estavam abordo no acto da tomadia , e por
consequencia não foram conduzidos á Serra Leða .
Mas , ainda que outros. mestres ou sobrecargas
estivessem presentes, elles desconheciam tanto
os passos necessarios, que se deviam dar, para
obterem justiça em um tribunal inglez, e ti
veram por tão difficultoso , ou melhor dizer

impossivel, o poder conseguir cousa alguma em


Serra Leña, que nenhumas representações fi
zeram sobre a sua propriedade, , nem deram
passo algum á
favor dos proprietarios n’aquelle

tribunal da colonia . Estas circumstancias, pois,


juntas com a difficuldade e demoras, que soffrem
as communicações entre Serra Leôa , Inglaterra
e o Brazil, onde reside a maior parte dos pro
prietarios, impediram por todas as formas a
99

possibilidade das appellações que , segundo a


lei , se devem fazer no seu tribunal competente
dentro do espaço de um anno .
Assim que a tomadia destes navios foi co
nhecida no Brazil, os negociantes d'aquelle
paiz , justamente sorprendidos de verem to

mada a sua propriedade pelos cruzadores inglezes ,


quando faziam um commercio praticado por
seculos , e quando havia uma estreita e intima
alliança entre Inglaterra e Portugal; além disto
considerando , que uma tal condemnação se fazia
em um tribunal inglez de prezas , sem se allegar
que fosse propriedade inimiga, ou commercio
algum incompativel com os tratados de alliança
ora subsistentes entre as duas corôas , pediram
sobre isto justiça ao governo de Portugal , e o
governo immediatamente ordenou ao seu em
baixador em Londres , que fizesse as mais fortes
representações contra o procedimento dos cru
zadores inglezes e do tribunal do vice - almiran
tado de Serra Leôa , e ao mesmo tempo exigisse
do governo inglez uma inteira e completa satis
fação – sem por nenhuma forma recorrer á tri

bunal algum inglez de prezas, que na opinião do


governo de Portugal nenhuma jurisdicção podia ter
para decidir em casos de tomadia desta natureza .

“ 0. embaixador , assim que recebeu estas


instrucções , não perdeu tempo em dirigir -se
100

á pedir uma satisfação ao governo britannico ,


e as suas instancias tem continuado até agora ,
e são ainda objecto de uma negociação pen
dente entre os dous governos .
“ Durando estas discussões, 0. embaixador ,

reflectindo que seria do interesse dos portu


guezes prejudicados previnir , que os captores
distribuissem os productos das prezas, ordenou
ao consul geral, que désse os passos necessarios
para obter este fim . Em consequencia , em
março de 1813 , apresentou -se um advogado pe
rante o delegado do supremo tribunal de appella
ções com uma attestação do sobredito consul e pedio
prolongação de tempo para proseguir as appellações
em muitos destes casos : sobre o que o delegado
referio a materia aos lords.
“ No dia 17 de julho passado ajuntou -se o
tribunal supremo, e al appareceu o procurador
de 'causas Slade , que, produzindo a autorisação
do consul, requereu a mesma prolongação de tem
po para todos os casos referidos e para mais al
guns, que tinham chegado ao conhecimento do
consul. O tribunal determinou , que a materia
ficasse por então suspensa .
66
Depois deste passo nenhuns procedimen

tos ulteriores houveram perante o dito tribu


nal, excepto em alguns poucos casos, em que
os agentes dos proprietarios , havendo sido au
101

torisados a proseguir a appellação dentro do


tempo concedido pela lei , o tem feito assim
sem attenção alguma á negociação, que entre
as duas côrtes está pendente. Estas appella
ções estão na via ordinaria .
“ No restante destes casos o tempo para ap
pellar é passado. Ha todavia varios casos , em
que os proprietarios portuguezes deram instruc
ções geraes aos seus correspondentes em Lon
dres para obrarem o que lhes parecesse me
lhor, ou positivamente seguirem a appellação ,
se o tribunal das appellações lhes desse licença para
assim o fazerem .
Como o tribunal ' inquerio na sua ultima
sessão de 1. ° de dezembro corrente se alguns
passos se haviam dado nestes casos depois
da instancia feita a 17 de julho passado ,
é de esperar, que o tribunal na sua proxima
sessão de 15 do corrente decida se os proprie
tarios serão autorisados a proseguir as appellações,
não obstante que o tempo, concedido pela lei
para aquelle objecto, tenha acabado. E é por
conseguinte necessario, que o embaixador de Por
tugal determine, que passos se devem dar antes
d'aquelle dia á beneficio dos proprietarios portu
guezes.
“ Os casos podem reduzir - se á tres classes :
1. Aquelles em que os proprietarios ou seus
14
102

agentes proseguiram a appellação no periodo

legal; 2. · Aquelles em que o periodo legal para


appellar expirou sem se haver proseguido appel
lação alguma ; mas em que os proprietarios tem
agentes em Londres , que estão autorisados para
obrar á seu favor conforme os seus respectivos
poderes ; 3. Aquelles em que o periodo para
appellar se tem igualmente passado , sem que
alguma appellação se tenha proseguido , e em
que os proprietarios não tem agentes em Lon

dres , mas tem posto inteiramente os seus in


teresses nas mãos do governo, e do seu em
baixador nesta côrte . Esta 3.a classe é a mais
numerosa de todas .
" Quanto á 1. ' é desnecessario dizer quaes
são os passos que deve dar o embaixador, pois
que as partes trabalham por obter a sua pro
pria justiça . O mais que lhe compete neste
caso é auxiliar os seus requerimentos pe
rante o tribunal das appellações e o go
verno .
66
Mas como na 2. ° e 3. classes os procedi
mentos legaes, que se hajam de ter á favor
dos proprietarios , podem depender muito ou
tudo da opinião do embaixador : elle reconhe
ce toda a grande responsabilidade , que recahe
sobre esta sua opinião ; e por conseguinte de
zeja nem embaraçar aos agentes d'aquelles pro
103

prietarios, que tem agentes em Londres, o da


rem aquelles passos que forem mais em vantagem
dos seus constituintes ; nem omittir, segundo
as suas instrucções lhe permittem , qualquer
diligencia proveitosa , ou por si ou pelo con
sul, em todos aquelles casos, em que os pro
prietarios não tem agentes em Londres.
66
Quaesquer informações ulteriores, que sejam
precisas, vos serão dadas sobre esta consulta ,
que agora vos é feita , e sobre a qual S. Ex .
deseja que deis o vosso parecer.

LXLV . - A transgressão das instrucções é


manifesta ; porquanto , depois de confessar o
embaixador nesta consulta , que seu governo

lhe ordenára , que reclamasse — sem que por ne

nhuma forma recorresse à tribunal algum inglez


ordenou ao consul geral que recorresse , como
recorreu , antes mesmo da consulta , ao tribu

nal de appellações ! Fosse qual fosse sua boa


intenção , não podia , não devia contrariar o
pensamento de dignidade e soberania offen
dida do seu governo e nação , embora dissesse

que procurava diligencias proveitosas aos pro-


prietarios, que não tinham agentes em Lon
dres. Não foi este o unico , nem infelizmente

o mais prejudicial dos actos do conde de Fun


chal.
104

LXLVI. — Na consulta formulou os seguintes


quesitos :
1.° Que ordens daria o tribunal no caso que
em nome do consul de Portugal se não fizesse
instancia na proxima sessão para prolongar o
tempo de appellar ?
2 ° 0 tribunal consentiria na prorogação de
tempo para as appellações, se na petição não
se declarasse formalmente , em nome dos peti
cionarios portuguezes, que estavam realmente
determinados á proseguir as appellações ?
3.• Seria do interesse dos proprietarios por
tuguezes seguir as appellações nas fórmas ordi
narias, uma vez que essa faculdade lhes fosse

concedida pelo tribunal ?


4.° 0 plano de seguir as appellações impediria
as reclamações directas , que ao governo britan
nico fizesse o embaixador tanto nos casos em

que via -se obrigado a recorrer ao governo para


obter a indemnisação total por ter o tribunal
confirmado as sentenças de condemnação , como
n'aquelles em que somente recorrêsse ao go
verno por indemnisações parciaes , quando o
tribunal tivesse revogado as sentenças condem
natorias , e em que as partes tivessem alcan
çado em todo ou em parte das mãos dos cap
tores a restituição da sua propriedade per
dida ?
105

5. ° Que passos deveria ter dado o embaixa


dor a favor dos reclamantes portuguezes ?

LXLVII -- Os letrados , Herber Jenner, Ste


phen Lushington , e W. Brougham responde
ram :

Ao 1. ° Que, se não se fizesse requerimento


.

ao tribunal para prolongar o tempo das ap


pellações n'aquelles casos, em que o tempo re
gular já estava findo, elle rejeitaria sem du
vida na proxima sessão o outro requerimento,
que para esse mesmo effeito fôra feito em 17
de julho. E deste modo os captores teriam
toda liberdade para proceder, e com toda pro
babilidade procederiam à immediata destribui
ção das prezas, ficando os proprietarios portu
guezes inhibidos de poderem pelo tempo adiante
tornar á requerer ao tribunal, que os deixasse
appellar nesses casos. O estatuto 45 Geo. III
cap. 72 dá faculdade ao tribunal de estender
o prazo das appellações tão somente nos casos
em que pareça , que a destribuição ainda não
estivesse feita .
Ao 2. ° Que, se o requerimento fosse feito
sem se declarar em nome dos proprietarios
portuguezes , que tinham tenção de seguir as
appellações das ' sentenças condemnatorias , de
nenhuma sorte seria attendido .
106

Ao 3. ° Que os proprietarios fariam muito


melhor para os seus interesses de proseguirem
as appellações, no caso que obtivessem li

cença .
Ao 4.° Que por forma alguma julgavam ,
que o seguir as appellações servisse de pre
juizo á quaesquer representações ao governo
britannico para obter indemnisação em qual
quer classe de casos : pelo contrario estavam
persuadidos de que o recurso ao supremo tri
bunal era o mais bem entendido para con

seguir os fins, que se pretendiam . E pensavam


tambem , que as representações do embaixador
directamente ao governo seriam mais fortemente
sustentadas, no caso em que eventualmente fi
cassem malogradas as diligencias para obter
justiça pelo canal legitimo do tribunal supre
mo , do que apertando então com o governo
antes de ter havido recurso aquelle tribunal.
Ao 5. ° Que todos os passos dados pelo em
baixador eram os que mais provavelmente de
viam produzir resultados uteis aos proprieta
rios dos navios e cargas ; pois que sem a sua

intervenção ha muito tempo que teriam sido


privados de toda opportunidade de submetter
OS seus casos ao tribunal das appellações .
Quanto aos passos ulteriores que o embaixador
devia dar sobre a materia declaravam ,- que
1

107

lhes não competia dizer mais do que tinham


dito, porque tudo devia necessariamente depender
das instrucções, que houvesse recebido da
côrte.

LXLVIII. O conde de Funchal confor


mou -se com este parecer, e ordenou ao consul
geral , e ao respectivo advogado, que fizessem
a instancia aconselhada no dia 15, em que
o tribunal devia reunir - se, no caso em que
este inquirisse alguma cousa sobre o assump
to . D’ahi em diante, com approvação e assis
tencia do mesmo embaixador, continuaram os
proprietarios portuguezes á recorrer aos tri
bunaes inglezes !

LXLIX . — As queixas dos prejudicados, as re


clamações do gabinete do Rio de Janeiro, e o cla
mor que levantavam na imprensa os actos de pi
rataria da marinha britannica obrigaram lord
Castlereagh á declarar aos lords do almiran
tado , em officio de 6 de maio de 1813 :
66

Que , em consideração das queixas do go


verno portuguez , a respeito das capturas dos
navios empregados em transportar escravos da
Costa d'Africa, expedissem instrucções aos cru
żadores para não molestarem os ditos navios
que levassem escravos, bona fide, por conta e
108

risco dos vassallos portuguezes, dos portos afri


canos portuguezes para o Brazil . . .
Que, afim de previnir qualquer má in
telligencia sobre o que devia considerar- se vazo
portuguez , era necessario accrescentar, que o
artigo 5.º do tratado de commercio com Portu
gal 'em 1810 , que define o que deve ser consi
derado navio portuguez ,-é applicavel sómente aos
narios, que pretendem dar entrada nos portos bri
tannicos , debaixo dos direitos favoraveis estipulados
n'aquelle tratado ; nunca se entendeu limitar o trafico
de Portugal em todos os portos do mundo á navios
d'aquella descripção, muito menos expor á captura ,
por aquella construcção do tratado , no mar alto,
todos os outros navios que allegam ser portuguezes.
" Que finalmente, a respeito do que devia
considerar -se territorio portuguez na Costa
d'Africa, fosse ordenado aos officiaes da ma
rinha que attendessem , quam estrictamente
fosse possivel , para o theor do artigo 10 do
tratado da alliança (Lxx) até que fossem acor
dadas outras relações entre os dois paizes.”

G. —Esta ordem seria de reconhecida justiça ,


de merecido respeito aos tratados, de devida
consideração ao gabinete do Rio de Janeiro , se
lord Castlereagh , nessa mesma occasião , e no
mesmo officio, não acrescentasse estas linhas :
109

Devem , porém , ser detidos e condemnados :


“ 1.° 0 navio portuguez , sahido de um porto
portuguez n'Africa , carregado d'escravos, para
qualquer porto não sujeito á Portugal.
“ 2.° 0 navio portuguez, destinado á qual
quer parte d’Africa , que não seja dominio
portuguez , ou que de tal porto parta com es
cravos.

“ 3.° 0 navio portuguez , cuja carga seja

escrava , mas não propriedade portugueza .


“ 4.° 0 navio portuguez com escravos , em
que o navio , ou escravos, sejam em todo ou
em parte propriedade de vassallos britannicos
ou de cidadãos dos Estados Unidos.

5.° 0 navio portuguez , que trazendo ban


deira portugueza , fosse apparelhado para o
transporte d'escravos em porto britannico , ou
cujo commandante ou outro official superior
seja vassallo britannico , ou cidadão dos Es
tados Unidos . "

CI. — Este additamento , que revela manifesta


prepotencia , estabelecendo condições, clausulas ,
obrigações , captura , e condemnação dos navios
e cargas, que não eram inglezes , e sujeitan
do -os á tribunaes inglezes, devia nullificar e
nullificou o reconhecimento das nossas queixas ,
assim como as estipulações dos artigos 5.° e
15
110

10 dos tratados de 19 de fevereiro de 1810 ,


que aliás pretextava o governo britannico, que
deviam ser cumpridas! E tudo isto fazia a In
glaterra brotar de uma simples promessa de
extinguir no futuro, e gradualmente, o trafico
de escravos !

CII.-Neste mesmo anno, em que assim era


mos mal tratados , desconsiderados e lezados
pela nossa poderoza alliada e umiga, o prin
cipe regente expedia da real fazenda de Santa
Cruz o alvará, com força de lei , de 24 de
novembro de 1813, regulando novamente a
arqueação dos navios empregados no trafico,
e decretando benignas providencias , o que re
corda que a primeira lei promulgada em be
neficio dos escravos fôra tambem portugueza,
promulgada por D. Pedro 11 , em 18 de março
de 1684 , 105 annos antes do acto do parla
mento inglez , 28 Geo . III . 1789 .
CIII. — “ Tendo tomado na minha real con
sideração, diz aquelle alvará de 1813 , os map
pas da população do estado do Brazil ... e
manifestando-se á vista delles, que o numero
de seus habitantes não é ainda proporcionado
á vasta extenção dos meus dominios nesta par
te do mundo, e que é por tanto insufficiente
para supprir e effectuar com a promptidão , que
tenho recommendado, os importantes trabalhos,
que em muitas partes se tem já realizado, taes
como abertura de communicações interio
res, assim por terra como pelos rios , entre
esta capital e as differentes capitaes deste im
perio ; o augmento da agricultura ; as plan
tações de canhamos, de especiarias e de ou
tros generos de grande importancia e de re
conhecida utilidade , assim para o consumo
interno como påra a exportação ; o estabele
cimento de fabricas que tenho ordenado ; a
exploração e extracção dos artigos preciosos dos
reinos mineral e vegetal, que tenho animado e
protegido, artigos de que abunda este ditoso e
opulento paiz, especialmente favorecido na des
tribuição das riquezas repartidas pelas outras
partes do globo ; e que, tendo considerado se
melhantemente , que as disposições providentes,
que tenho ordenado a bem da população des
tes meus dominios, não podem repentinamen
te produzir os seus saudaveis effeitos por de
penderem de successivo trato do tempo, não
sendo por isso possivel facilitar o supprimento
dos operarios , que a enfermidade e a morte
diariamente inhabilitam ou extinguem : se me
fez manifesta a urgente necessidade de permittir
o arbitrio, até agora praticado, de conduzir e
112

exportar dos portos d'Africa brucos que houves


sem de auxiliar e promover o augmento da agri
cultura e da industria, e procurar por uma maior
massa de trabalho maior abundancia de produc
ção ...

CIV.- Este alvará , procurando evitar o máo


tratamento , que alguns traficantes d'escravos
davam á estes desgraçados durante o tempo do
transporte d'Africa , e explicando com ponde
rosissimos fundamentos as razões pelas quaes a

necessidade de braços aconselhava a continua


ção do commercio de africanos , dá provas do
espirito esclarecido e cauteloso do gabinete do
Rio de Janeiro não accedendo a repentina extincção
da nossa fonte unica de operarios, á uma refor
ma para que primeiro deviamos preparar - nos,,
respeitando emfim os proprios prejuizos da na
ção ( cvı ) , que , não podendo contar somente
com a colonisação da metropole européa, tão
mediocremente povoada pelo seu pequeno ter

ritorio , olhava para a Costa d'Africa como unico


recurso .

CV .- " A escravatura , escrevia o Correio Bra

ziliense em Londres , é um mal para o indivi


duo que a soffre, e para o estado onde ella
se admitte ; porém este mal não foi introdu
143

zido pelo governo actual, e a tentativa de o cor


tar pelas raizes immediatamente produziria sem
duvida outros males talvez de maiores consequen
cias. He logo mui recommendavel a pruden
cia em não atacar directamente o trafico da
escravatura .
Esta prudente cautela ninguem a teve maior
do que a Inglaterra (xvii) , ultimo ninho da es
cravatura africana na Europa .

CVI . -- Esta cautelosa prudencia aconselhou


ao principe de Talleyrand a declarar em Vienna ,
aos 11 de outubro de 1814 , que antes
de abolir o trafico immediatamente cumpria tor
nar esta medida compativel com o interesse do
reino da França e das suas colonias , interesse
a que elle devia subordinar todas as suas de
terminações ; que para isso, pois, era preciso
ter os elementos necessarios para formar opi
nião em materia tão grave , reunindo todas as
informações , comparando-as e discutindo -as, o
que necessariamente exigia tempo ; e que final
mente era preciso vencer os prejuizos, contra
os quaes não havia em França, assim como na
>

Inglaterra, o soccorro da experiencia .


Se assim raciocinava, no congresso de Vienna,
o plenipotenciario da illustrada , rica e popu
losa França , com muito maior fundamento de
114

viam assim raciocinar a nossa côrte , e seus


representantes .
A Inglaterra , porém, attendia á França , que
combatia , não á Portugal que a auxiliava !

CVII . — Na sessão de 10 de julho de 1813


propoz Wilberforce, na camara dos communs ,
que se pedisse ao governo informações do que
se havia passado com o gabinete do Rio de Ja
neiro relativamente á execução da promessa da
abolição do commercio da escravatura.
Disse em resumo :
Que a camara ouviria com grande magoa
que, apezar dos desejos, manifestados pelo
principe regente de Portugal, de cooperar com
as vistas da Inglaterra , o commercio da escra
vatura, depois da sua abolição neste paiz ,
tinha continuado com mais vigor do que até ali
pelos negociantes portuguezes, e com circumstan
cias taes de falta de humanidade nunca dantes
conhecidas nos annaes de tão vil trafico .
66

Que era portanto mais que tempo de exa


minar a camara se o principe regente de Por
tugal tinha dado algumas providencias para fazer
executar os empenhos, que havia contrahido com
o governo britannico.
Que antigamente tinham os portuguezes
feito o commercio da escravatura com a maior
115

humanidade, procurando tornar boa a situação dos


escravos, e até cuidando em instruil -os (xix) . Mas
que assim procederam emquanto limitavam o
trafico ao sul da linha ; entretanto que agora ,
estendendo-o para o norte d’Africa, faziam -no
com crueldade , amontoando os escravos em pe
quenas embarcações , em que morriam uns suf
focados outros de molestias occasionadas pelo
máo tratamento .
Que , succedendo isto depois dos empenhos
da côrte portugueza , esperava que o governo
britannico tomasse as medidas necessarias para
remediar tão flagrante infracção das leis da huma
nidade.
Que , lembrando -se que Portugal era o mais
antigo alliado da Gram-Bretanha, julgava que o
soberano d'aquelle reino estava convencido da
vantagem , que desta alliança auferia . Por outro
lado , porém , não podia supportar a idea de que
a Gram -Bretanha, enquanto estava auxiliando Por
tugal , tolerasse a continuação de um trafico, que
offendia a humanidade. Que semelhante mal não
podia tolerar -se.
66
Que, reflectindo que era a Gram - Bretanha
quem protegia os navios empregados n'aquelle des
graçado commercio, julgava que deviam res
ponder a Deus e aos homens pela culpa de um
trafico, que estava em seu poder reprimir pela força.
116

“ Que esperava , porém , que não seria ne


cessario recorrer á tão triste alternativa . "

CVIII. - Esta verrina d'aquelle philantropo


exige ligeiro commentario , posto que o proprio
lord Castlereagh fizesse descer a zero o thermo
metro d'aquellas vaporosas bufaradas de huma
nidade. O ministro britannico respondeu a Wil
berforce : que achando -se á findar a sessão não
tinha tempo para fornecer á camara informa

ção que autorisasse qualquer resolução ; que


o governo tinha feito diversas representações
acerca do objecto ao gabinete do Rio de Janeiro,
e podia dizer que tinham sobrevindo difficuldades;
que na próxima sessão o governo julgar-se-hia
habilitado á dar amplas informações, porque es
perava que chegar -se -hia a um accordo mais

satisfactorio nesse intervallo ; que não obraria


coherente com o governo portuguez se commu
nicasse á camara o estado actual das cousas, mas

que devia render justiça ao gabinete do Rio de


Janeiro dizendo , que o governo do principe regente
de Portugal manifestava todas as disposições de ac
ceder aos artigos do tratado.
Wilberforce invocou os sagrados direitos da
humanidade, determinada e exclusivamente , diz
Schoell (* ) , para que elle e outros oradores po

( *) Historia resumida dos tratados de paz.


117

dessem exaltar a magnanimidade do proprio


governo. Entretanto não ha poder que oppri
ma ( *) que não procure justificar seus actos e
dar - lhes uma causa ou pretexto ; deste modo
muitas iniquidades se tem commettido em nome
da justiça , innumeras crueldades em nome das
leis, e impiedades sem conta em nome de Deus .
A philantropia de Wilberforce não o deixava
ouvir e apreciar as seguintes palavras de Sir
William Scott, lord Slowell , um dos maiores
jurisconsultos da Inglaterra : “ —Nenhuma nação
tem direito de aplainar o caminho , que jul

gar conducente ao fim de libertar a Africa , cal


cando ao pés a independencia dos outros es
tados , e á expensas de seus fóros e dignidade ;
é fóra de todo cabimento e de summa injustiça
querer uma potencia alcançar um bem , por
mais elevado que possa elle ser, por meios il
legitimos, e procurar , para chegar ao triumpho
de um grande principio , destruir outros igual
mente grandes , que julga embaraçarem - lhe a
rôta que pretende seguir .
Outro juiz da Inglaterra , Sir William Grant,
accrescentou no relatorio sobre a appellação da
sentença do vice -almirantado de Tortola , que
condemnou o navio americano Amadoe, em 1810 ,

(*) GUSTAVO DE BEAUMONT -A Irlunda social.


16
118

por dar-se ao trafico d'escravos : Tenho con


vicção de que a Gram - Bretanha não tem o di
reito de obrigar potencia alguma á que siga
a sua doutrina , se esta com ella não concordar,
pernittindo o commercio d'escravos... (*) ”
Finalmente a propria Inglaterra com as mais
potencias reunidas no congresso de Vienna
declararam tambem em 12 de maio de 1815
66
que conheciam muito bem os principios que
as deviam guiar em suas relações com um
estado independente, pelo que jámais se aba
lançariam á impôr-lhe leis , como se lhes tem
querido attribuir. ”

CIX . — No art. 10 do tratado de amizade e


alliança (Lxx) obrigou-se somente o governo por
tuguez : 1. ° á cooperar com S. M. Britannica
para a gradual abolição do commercio d'escra
vos ; 2. ° á não permittir que os portuguezes
fizessem esse trafico em parte alguma que não
fosse dominio de S. A. Real . Nada mais . AO
contrario do que asseverou Wilberforce, S. A.
Real reservou para os seus vassallos o direito
de comprar e negociar em escravos nos dominios
portuguezes da Costa d'Africa .
Isto quanto ao direito , apenas modificado

(*) Tifth REPORT of directors of the African institution WHEATON, etc.


119

em relação aos estabelecimentos de Bissau e


Cacheư , nos quaes foi abolido o trafico (Lxx11) .
CX. - De quem receberia Wilberforce a in
formação a respeito do tratamento cruel , que
attribuia aos portuguezes e brazileiros ? Sem
duvida que dos proprios commandantes ingle
zes , que insultavam a bandeira do mais fiel,
mais antigo e mais generoso alliado da Ingla
terra : que com tanta impudencia zombavam da
fé dos tratados , deshonrando por tal modo o
governo , bandeira , e a propria nação ingleza !
CXI. - Não era o governo portuguez quem
temeria o exame do cumprimento dos empenhos
mais solemnemente contrahidos.
Ahi estava o tratado de commercio , tambem
de 19 de fevereiro de 1810 , cujo artigo algum
(ainda dentre os que pouco ou muito pouco fa
vorecem os portuguezes ) foi pela Inglaterra
cumprido .
Ahi estava o proprio tratado de amizade e
alliança permittindo o trafico nos dominios por
tuguezes d’Africa ; em quanto os commandantes
dos navios de guerra ou corsarios britannicos,
detinham , aprisionavam , e faziam condemnar,
sob frivolos e falsos pretextos, tantos navios por
tuguezes, que commerciavam licita e legalmente,
120

taes como Enéas, Resolução, Restaurador, Feliz

Dia , Providencia , e outros muitos além dos que


já citamos ( Lxxvi.)
Não era o governo portuguez , não eram os
portuguezes e brazileiros quem faltavam aos
empenhos contrahidos ; eram os officiaes da
marinha britannica , que requintavam diaria
mente em insultos e ataques aos tratados e pro
priedade portugueza e brazileira , á ponto de
tomarem navios pela simples suspeita de que iam ,
tencionavam ir , ou tinham ido á Costa d'Africa ,
cujo accesso assim fechavam completamente ao
nosso commercio ! Assim praticaram , por exemplo,
com o navio Santa Anna Aguia , que navegava

do Maranhão para as Canarias ! Assim podiam


praticar com qualquer outro navio portuguez !
Assim davam garrote mortal á nossa pequena
marinha mercante !

E todos estes actos eram sanccionados pelos


tribunaes inglezes , tolerados e approvados, senão
autorisados pelo governo britannico !

CXII .-- Não sei , si o governo portuguez , trą


tando com a Gram - Bretanha, estivera sempre
convencido de que obtinha vantagens ; mas

nunca as obteve (xxi á xxiv) e muito menos


com os tratados de 1810. Sei , porém , que

elle sempre esteve convencido de que maiores ,


121

muito maiores eram as vantagens obtidas ou


arrancadas pela Inglaterra .
Basta citar a alliança contra Napoleão e a
França . Sem ella Portugal não organisaria um
brilhante exercito , com o qual a Inglaterra
pôde manter - se na peninsula, não podendo man
ter - se antes na Hollanda , na Hespanha , em parte
alguma da Europa ; diga- o o general John Moore,
sacrificado pelos hespanhóes ; diga-o lord Wel
lington na batalha de Talavera (cxxxvi).
Sem o exercito portuguez não teriam havido
os brilhantes dias de Bussaco, Albuera , Fuentes
de Honor , Ciudad Rodrigo, Badajoz , Salamanca e

Victoria . Sem elles a Hespanha não teria sacudido


o jugo de Napoleão . E sem ' elles a Allemanha ,
Prussia e Russia não continuariam em lethargo ?

Não seriam ainda esses dias os grandes alicerces


para a campanha da Russia em 1812 , a da
Allemanha em 1813 ? Não concorreriam directa

mente para abrir ao commercio inglez os portos


de Portugal e Brazil , Hespanha , Suecia , Prussia ,
Russia , e por fim os da Italia ? De quem pois a
grande vantagem ? Em quanto tudo desbaratava-se
em Portugal , quanto não florescia e engrande
cia-se a Inglaterra ?

CXIII.- O commercio da escravatura offendia


a humanidade ! E porque a Inglaterra possuia ,
122

possuio , e até hoje possue escravos ? Porque


dedicavam -se as esquadras britannicas á liber
dade da Costa d'Africa , esquecendo -se das po

tencias barbarescas amigas; que traficavam em


escravos brancos ? Esquecia -se Wilberforce, quan
do trovejava contra os portuguezes, quanto nos
custára então só o resgate de 300 ou 400 con
cidadãos escravisados em Argel ?

A illusão não é possivel ; o commercio da


escravatura branca e preta pelos estados bar
barescos não offendia a humanidade, porque

convinha aos interesses inglezes ; o commercio


portuguez na Costa d'Africa offendia á humani
dade, porque não convinha aos interesses bri
tannicos !

“ A força de egoismo, que subjuga o povo


inglez , escreve A. Guilbert (*), augmentada
pela triste condição de sua existencia mate
rial, é tanta que faz que todos os seus pen
samentos e affeições se embebam nesse mes
quinho terreno em que vive, e não ultrapassem
os limites de sua ilha. D'aqui vem que todas
as suas negociações diplomaticas outra baze
não tem senão o augmento de suas relações
commerciaes, e a manutenção do seu poder e
primazia maritima. "

(*) Dicc. POLIT. verb. Angleterre .


123

Eis a verdade inteira , a significação dos di


reitos da humanidade nos labios de um Wil

berforce, Castlereagh e tantos outros philan


tropos da Gram -Bretanha.
!
CXIV . - Os inglezes não tem de responder
á Deus e aos homens por não terem reprimido
o commercio da escratura por meio da força ,
escrevia então o Investigador Portuguez ; tem
pelo contrario de responder aos homens e a
Deus por terem interrompido este trafico con
tra o estipulado em um tratado solemne ; pela
ruina de muitas casas de commercio ; pela

falta de braços para os differentes ramos da


agricultura ; pela diminuição das rendas do
estado do Brazil ; pelo odio que taes proce
dimentos arbitrarios e despoticos tem excitado
em todos os verdadeiros portuguezes... A força
que Mr. Wilberforce recommenda é melhor que
seja empregada contra os americanos dos Es
tados Unidos ( com quem estavam em guerra ,)
contra os que faltam á fé dos tratados , ao
direito das gentes , aos deveres da amizade .
CXV.-1 Na sessão de 3 e 5 de maio de 1814

discutio -se o mesmo assumpto no parlamento

inglez . Wilberforce , que no anno antecedente

propunha, que se examinasse que providencias


havia tomado o gabinete do Rio de Janeiro,
124

contra a crueldade que nos attribuio tão le


viana quam injustamente , encontrando - se com
as beneficas medidas do alvará de 25 de no

vembro ( CIII ) , proferio insultos que só foram


excedidos na camara dos lords por lord Gren
ville, que disse : “ abaixo de Deus Portugal deve

sua existencia á Inglaterra ... é preciso fallar


claro : Portugal não só deve á Inglaterra sua
temporaria protecção , como sua actual exis
tencia, e neste caso não é para soffrer, que
debaixo de uma bandeira , que nos deve sua
segurança , nossas leis sejam violadas. ”
Nada mais claro do que esta linguagem , que
ainda partindo de uma metropole para qualquer
colonia seria durissima ! Grande lição aos povos e
aos reis , que contrariam os decretos da Provi
dencia curvando a cabeça á ambição e ao des
potismo .

CXVI. -Em 5 desse mez a camara dos lords

dirigio este memorial ao soberano britannico :


Nós , os mais attenciosos e leaes vassallos de
Sua Magestade , lords espirituaes e temporaes

juntos em parlamento, pedimos venia para hu


mildemente representar á V. A. Real, que temos
visto com inefavel satisfação as beneficas e felizes
consequencias da lei pela qual o commercio
africano da escravatura foi abolido e prohibido
125

para sempre em todos os dominios de Sua Ma

gestade, e que depositamos a maior confiança


nas graciosas seguranças, que assim Sua Mages
tade como V. A. Real tem -se dignado dar-nos ,
dos seus esforços para obter das outras poten
cias aquella cooperação , que ainda é necessaria
para o complemento desta grande obra .
“ Bem está á Gram -Bretanha , que , tendo
participado tão amplamente da culpa deste deshu
mano trafico , improprio de christãos, tome a
dianteira ás nações da Europa , e proclame
abertamente sua renuncia . Cumprimos este de
ver , mas nossas obrigações não findaram ainda .
“ Os crimes apoiados pelo nosso exemplo, e as
calamidades originadas ou aggravadas pelo nosso
máo procedimento , continuam á affligir um povo
innocente ; outras nações da Europa ainda
proseguem neste commercio, si commercio póde
chamar- se , das vidas e liberdade de creaturas
como nós ; esta continuação clandestina é faci
litada e protegida, pela sua intervenção , nas
nossas proprias dependencias , pela mesma causa
a desolação e barbarismo de um continente

inteiro são prolongados, e si alguma medida


não fôr applicada já, a proxima tranquillidade
da Europa , a fonte de alegria e exultação
para nós mesmos ha de unicamente ser a éra

de renovadas e aggravadas mizerias para as


17
126

desgraçadas victimas de uma irracional e insa


ciavel avareza .
Nós , portanto , com toda humildade, porém
com o maior ardor , supplicamos á V. A. Real
que todo pezo e influencia da corôa ingleza
empenhe nas proximas negociações para affas
tar esse terrivel mal . Em nome da nossa patria ,
e a bem dos interesses da humanidade suppli
camos, que seja pedida a todos os soberanos da
Europa a immediata e total abolição do com
mercio da escravatura .
Nunca, pensamos nós , houve momento tão
favoravel para ser estipulada a justa e irrevo
gavel renuncia destas barbaras práticas , e para
ser promulgada por unanime autoridade do
mundo civilisado a solemne declaração , de que
-escravisar os habitantes de paizes pacificos é
violar a lei universal das nações, fundada,
como aquella lei deve ser sempre, sobre os
immutaveis principios da justiça e religião.
“ E' sobre estes sagrados principios, pro
tectores de todo o governo legitimo, baluarte
de toda a independencia nacional , que dese
jamos assente nossa proposta. Com elles con
tamos com o successo , recommendada , como ha
de ser, não só pelas exhortações como pelo
exemplo da Gram - Bretanha, e dirigida aos re
gentes d'aquelles estados , que tão evidentemente
127

tem a providencia livrado do perigo, destruição ,


desolação interna e sujeição do jugo estrangeiro.

Cremos que isto deve fazer impressão sobre


todos, com igual força , quer libertadores, quer
libertados, quer aquelles a quem já tinha aca
brunhado inexoravel oppressão, quer aquelles

cuja moderação e justiça nos successos tem acres


centado lustre mesmo á firmeza de sua resis

tencia , á gloria de suas victorias.


“ Cremos com plena confiança , que á Pro
videncia não podemos offerecer graças mais
dignas pela protecção recebida , nem pedir ben
çãos futuras sob melhores fundamentos, do que
reconhecendo e cumprindo os grandes deveres,
a que todos estamos obrigados quanto aos direitos ,
liberdade e felicidade dos nossos irmãos. ”

CXVII.--Admiravel linguagem em um paiz,


que conservava na escravidão milhares de seus
habitantes em quazi todas as suas colonias !
Notavel explosão de sentimentalismo christão ,
na qual procura -se debalde uma só palavra
em favor do reconhecimento e restituição dos
direitos, liberdade e felicidade desses mesmos
africanos, que o trafico britannico havia ar
rancado de paizes pacificos , e os conservava , e
havia de conservar , ainda por 24 annos, escra
vizados !
128

GXVIII. — Nem a Gram - Bretanha podia tomar


a frente ás nações europeas, quando havia
sido precedida pela Norwega em 1792 , e pela
Dinamarca em 1794, e relativamente á Ame
rica por muitos estados da União -americana !

CXIX . — No juizo dos lords temporaes e es


pirituaes da Inglaterra cauzava horror á jus
tiça e á religião transportar africanos , mas
não conservar ella captivos os que anterior
mente transportára para seu proprio territorio ,
quando seus famozos philantropos tão ampla
mente participavam da culpa desse trafico des
humano , cujos crimes foram apoiados pelo seu
exemplo , e cujas calamidades, originadas ou
aggravadas pelo seu máo procedimento , con
tinuavam a affligir o innocente povo africano,
os amigos, os irmãos dos lords espirituaese
temporaes da Gram - Bretanha !

CXX . - A philantropia dos lords britannicos


encapotava mal a ameaça do pezo e influencia
da corôa ingleza n'aquelle momento, que SS . SS .
reputavam favoravel, não para fazer triumphar
os direitos da humanidade africana , mas para

-fazer triumphar seus proprios interesses, fir


mando a preponderancia maritima e monopolio
commercial, ainda á custa dos direitos da hu
129

manidade branca , reconhecidos em anteriores


tratados, que seus cruzadores diariamente con
culca vam !

CXXI.-- E tanto os actos do governo bri


tannico , que promoveu a apresentação d'aquelle
memorial , não eram harmonicos com a fingida
moderação do texto, que lord Grenville , autor
da moção, referio-se, apresentando-a, ao gabi
nete do Rio de Janeiro de maneira insolita,
dizendo que era preciso forçal-o a adoptar a
medida da repentina e total abolição do trafico,
cuja abolição aliás tinha ajustado com a pro
pria Inglaterra , que fôsse gradual! Eis a signi
ficação do pedido aos soberanos europeus ! Ainda
não estava consolidada a paz geral , pela qual
Portugal tanto havia-se arruinado ( xLI e XLII ) ,
e já no proprio parlamento britannico era
dest'arte considerado o mais antigo , o mais
fiel e o mais desinteressado dos alliados da
Gram-Bretanha !

CXXII .-- Nem servem de linitivo as palavras


de lord Castlereagh em 28 de junho , quer
porque eram anteriores aos novos insultos ,
quer porque ninguem mais depressa que o
visconde britannico as esqueceu .
“ Fundada esperança tenho eu , disse elle,
130

de que nunca pedir -se -ha ao governo britan


nico , que empregue sua energia e poder de
modo incompativel com a independencia das
outras nações . Tenho para mim que o parla
mento e o povo inglez estão convencidos, de
que é absurdo pretender, com a espadu na mão,
pregar moral ; estou intimamente convencido

de que o mesmo parlamento não ha de jamais


sanccionar a doutrina de que as outras nações
devem ser coagidas pela força a seguir nossos
exemplos , e maximas philantropicas e moraes... 1
Devemos dirigir com sabedoria a influencia
legitima , que temos adquirido sobre os outros
estados , e devemo - nos acautelar contra a pre
tenção de obrigar por força a que elles adop
tem os nossos regulamentos acerca deste abo
minavel trafico ...

Não decorrera , porém , um anno , que o parri


cida da Irlanda desmentisse estas palavras , aliás
já falseadas e fementidas pelo seu procedimento
no anno anterior (c) . Foram comtudo proferidas
em momento de lucida tranquillidade de espiri
to , á que o frenetico visconde não era habitual.

CXXIII. — Se , como queria lord Grenville ,


o direito internacional autorizara , que o go

verno britannico forçasse uma potencia inde


pendente como Portugal á repentinamente mudar
131

sua legislação, trasformar seus costumes, de


locar todos os seus prejuizos, porque não
applicava esse mesmo direito, por exemplo , á
França, e á Hespanha ?
CXXIV . _- “ Não queremos discutir o bill
de 1839, escreve aliás Expilly ; com tudo não
podemos deixar de assignalar o contraste , que
apresenta a iniciativa energica do gabinete bri
tannico , relativamente á Portugal, em face da
attitude , toda cheia de amistosas attenções, desse
mesmo gabinete relativamente á Hespanha .
Ainda mais uma vez a Inglaterra mostrava-se
arrogante, imperiosa , com os fracos ; reservada,
não diremos pussilanime, com os que podiam
defender -se. Conseguintemente , em vez de pro
vocar uma decisão legislativa, o Foreign -Office
abrio negociações com a Hespanha, as quaes
produziram os tratados de 28 de agosto de
1814 e 23 de setembro de 1817. "

CXXV . Sempre fórte com os fracos ; fraca


sempre com os valentes, eil-a , a Inglaterra ,
em 1821 -- contentando -se de protestar, debil
mente, contra o despotismo das potencias do
norte, com altivez em 1823, mas em ambos
os casos inutilmente (*) !
( *) JOHN RUSSELL — Ensaio sobre a historia do governo e da con
stituição da Gram - Bretanha .
132

CXXVI. — A Inglaterra ! Não assistio ella


impassivel ao ultimo fuzilamento de um povo

1
de heróes, o polaco , que lhe não mereceu un
centesimo do carinho dos seus irmãos africa

nos ? A Russia não é Portugal, nem Dinamarca !

CXXVII . – A Inglaterra ! Ainda ha pouco


todos os seus votos , soccorros de dinheiro , de
navios e gente , não eram pela victoria dos
esclavagistas em guerra tremenda com os aboli
cionistas da America do Norte ?!

CXXVIII . Em 30 de maio de 1814 foi

assignado em Pariz, entre a França e as po


tencias alliadas que a tinham vencido , o tra

tado de paz, sem que nelle estipulassem a


abolição total do commercio da escravatura .
O que se tem passado todos estes dias e
noites em Londres , escrevia Mr. Goldsmith no
Anticalican -Monitor de 12 de junho, é prova
sufficiente dos geraes sentimentos do povo . Com
tudo algumas pessoas ha , que não ficaram con
tentes, mas não é possivel agradar sempre á
todo mundo.
“ Lord Grenville , por exemplo, e Mr. Wilber
force não gostaram do tratado de paz ; porque
não ficou por elle universalmente abolido o
commercio da escravatura .
133

Mas , perguntaria eu , supponhamos que a


assembléa constituinte de França, que abolio
a escravatura em 1789 , tinha exigido que ' a
Inglaterra fizesse o mesmo : quaes teriam sido
neste caso os sentimentos dos inglezes ? Não
duvido que todos sentissem indignação, e muito
justa ; porque nação alguma tem ou deve ter
autoridade para governar ou corrigir as nações
vizinhas. Isto não offende somente a indepen
cia e orgulho nacional , mas nem são airosas
taes pretenções.
Alem destes motivos é preciso advertir ,
que as nações do continente não estão nas
mesmas circumstancias da Inglaterra , portanto
nem todas podem governar pela mesma forma ;
nem os principios de equidade e justiça de
vem inculcar - se ou pregar por meio da força .
Em consequencia dos principios revolucionarios ,
que se espalharam em S. Domingos , o povo
de França não poderá tirar proveito algum
d'aquella colonia se lhe fôr prohibido levar
escravos para lá . Em nenhum sentido sou advo
gado da escravatura ; porém estou persuadido
de que , se a Inglaterra estivesse nas mesmas
circumstancias da França , não havia de con
sentir nas condições, que agora pretende impôr
aos outros .

“ De mais , o principio de intervenção é tão


18
134

geral , que , admittido , podia levar -nos bem


longe . A escravatura não está limitada ás In
dias occidentaes ; em muitas partes da Europa ,

escravos , e não pretos , são comprados e ven


didos em feiras publicas: porque não exigimos
tambem , que este commercio seja abolido ? ...
Porém o melhor e o mais prudente é deixar
estas couzas aos francezes, e não intrometter

nos com seus negocios domesticos , nem com


os de outra qualquer
nação , desde que não
offendem nossa prosperidade ou independencia.”

CXXIX - A referencia aos escravos brancos ,


que não excitavam a sensibilidade britannica

como os escravos pretos africanos, leva-me a


transcrever ainda o seguinte artigo , que pu

blicou o Morning-Chronicle de 18 de novembro


desse mesmo anno :

Outro navio , depois da Anna Maria , foi


tomado pelos argelinos ; Odoris, Elster , de Al
tona , chegaram a Alicante, depois de haverem
sido aprezionados , levados ao porto , e ali rou
bados de toda carga , incluindo até a proprie
dade particular dos mestres .
66
Que miseraveis não são os governos da

Europa , e particular mente o nosso , por soffrerem


a continuação destes roubos vergonhosos ! Com
toda a justiça nos indignamos do commercio
135

da escravatura , ao mesmo tempo porém con


sentimos, junto das nossas portas, este trafico
abominavel em tanto prejuizo dos christãos !
Ignora por ventura o povo inglez , que toda
Italia nos accusa da existencia e conservação
destes infames ladrões ? Os italianos dizem , que
os toleramos porque concorrem para diminuir o
commercio dos estados da Italia , e assim melhor
monopolisar mos todo seu cominercio de costa á

costa . E a isto acrescentam : que pelos mesmos


principios folgamos com a renovação de todas
as superstições em Hespanha e Italia ; porque
assim estamos mais seguros de melhor vender o
nosso bacalhdo . O certo é , que tiramos grande
proveito desta malvada pirataria , porque pelo
tributo que pagamos á estes barbaros, e pelo
medo que elles tem da nossa marinha , são
obrigados a respeitar-nos , e ao mesmo tempo im
pedem as outras nações de navegar livremente no
Mediterraneo .

CXXX.- E quem eram esses corsarios contra


os quaes levantou a folha ingleza tão energico
brado de indignação ? Eram argelinos , eram
infames ladrões , eram traficantes da escravatura
branca , como eram tambem os corsarios de

Tripoli, Tunes e Marrocos , todos amigos e al


liados da Inglaterra !
136

CXXXI.- “ Qual será aa razão , escrevia o


Investigador Portuguez em julho de 1814 , ou a
politica por que, estimulando - se tanto a mui
nobre sensibilidade dos corações inglezes com

as desgraças que soffrem os negros transporta


dos do seu paiz natal para as colonias, não
se tenha até agora lembrado de outras iguaes
ou maiores desgraças que soffrem os brancos ,
por exemplo , nas costas do norte d’Africa ? Do

sul d’Africa transportam os europeus innu


meraveis escravos pretos ; para o norte d’Africa
transportam os africanos innumeraveis escra

vos brancos ! Os primeiros fazem gemer a hu


manidade ingleza; os segundos , apezar de
serem brancos como elles , e de muitos até
serem os seus mais fieis alliados , não lhe me
recem uma só lagrima de piedade , nem sequer
um desejo de os livrar desta infelicidade e
desta affronta !

“ Fallemos claro : os portuguezes , por exem

plo , são os grandes alliados de Inglaterra, são


Os que lhe

a grande influencia no continente ; e ao mesmo


tempo que estavam obrando prodigios de valor
e tanto a beneficio da Inglaterra , eram obri

gados a resgatar por sommas enormes os seus


compatriotas escravos em Argel , e a comprar
por outras sommas igualmente monstruozas
137

alguns annos de tregoas, isto é , alguns annos


de suspenção de escravidão !
“ O que merece , pois , ser muito notado é ,
que todas estas infames tranzacções se tem
feito debaixo do auxilio da Inglaterra, e nos
tem sido concedidas como uma graça especial!
Ora, já que nós , os conquistadores e 0
terror dessa mesma Africa, de quem hoje não
temos vergonha de ser tributarios, chegamos
por nossos peccados á este mizeravel e escan
dalozo abatimento , porque motivo 0 nosso

leal, antigo, e generozo alliado , o governo bri


tannico , não havia de poupar -nos esta infamia
antes de pretender forçar -nos á extinguir a es
cravatura no Brazil ? ... Elle que não tem um
só escravo inglez em Argel , e que consente
que ali hajam tantos portuguezes !
1
“ Ora eis-aqui o que parece uma verdadeira
contradicção da parte dos philantropos britan
nicos ; mas na realidade não é uma contra
dicção. Se não receassemos ser notados ou de
refinamento de malicia, ou de excesso de ma
ledicencia, ousariamos francamente dizer : que
todo este seu procedimento, só na apparencia
contradictorio, tem principio em uma unidade
de systema , que por um modo ou por outro
tem até agora feito a grandeza da Inglaterra.
E ainda mais claramente diriamos : que se a
138

Inglaterra teima agora tanto contra a escrava


tura no Brazil e ilhas da America , é porque este
commercio diminúe o valor, a agricultura , e a in
dustria das suas possessões n'aquellas partes ; e se
não faz cazo, ou antes estima e approva a

pirataria dos argelinos, é porque isto augmenta


a actividade, e a extenção do seu commercio e in
dustria na Europa ."

CXXXII . * Em 9 de abril de 1816 , es

crevia um deputado brazileiro no jornal Bra


zil , o visconde de Chateaubriand pedia , na ca

mara dos deputados da França , medidas em


favor dos brancos, já que a Gram - Bretanha só
mente parecia possuidą do amor da humanida
de em favor dos negros, e descrevia com vivas
côres o quadro triste dos infelizes christãos ,
que todos os dias eram rictimas do barbaro jugo
ottomano .

Trata -se, dizia elle , de reclamar os direitos


da humanidade e de apagar essa vergonha da
Europa ... acabemos tambem com a escravidão dos
brancos.
“ E não obstante esse trafico continuou , em

quanto todo empenho e grandes sommas des


pendia a Inglaterra em favor dos captivos
d'Africa , que vinham
para as colonias da Ame
rica .
1
“ Nada acrescentaremos sobre este objecto ;
os que conhecem a historia da escravidão nas

partes do Oriente poderão bem deduzir se por


ventura , por amor do Christianismo, taes me
didas eram tomadas, estes esforços feitos ; se
delle é filho este ardor do governo inglez em

beneficio desses barbaros, esta constancia indo


mavel, que um só momento se não tem arre
fecido !

“ E não só esse trafico continuou , como os

corsarios de Tripoli , Tunes , Argel, e Marrocos ,


desassombrados dos cavalheiros da ordem da
Malta , acommettiam todos os navios que en
contravam , e reduziam a sua tripolação christā
ao mais triste e duro captiveiro !
Povoações inteiras eram por elles tambem
arrebatadas das terras ou ilhas em que vi

viam , e conduzidas ao mercado d'escravos, ho


mens e mulheres, meninos e velhos !

A’este quadro tocante moveu -se acaso al


gum dia o grande poder britannico ?
Argel foi tomado pelos francezes ... e mui
to deu que entender esta conquista á Gram
Bretanha . Deus sabe se foi o amor da chris

tandade , que operou a extincção dos piratas


argelinos ...
“ Muito padeceram os gregos, muitos captivos
nessa gente fizeram os mussulmanos com soc
140

corros da Europa, por meio da disciplina que


recebiam de officiaes europeus , e com armas e

munições tiradas da Inglaterra , antes que a vic


toria de Navarino tivesse lugar ... A Gram-Bre
tanha nenhum passo deu !

CXXXIII . “ Na verdade , acrescentava o

Antigalican -Monitor, se no futuro congresso de


Vienna a philantropia dos soberanos da Europa
pretende occupar -se da abolição do commercio

da escravatura , porque motivo esses , mesmos


soberanos não completarão obra tão meritoria
decretando tambem , que por uma vez se que
brem as cadeias dos europeus, e que a Ingla

terra tome á seu cargo obrigar as potencias


barbarescas a cumprir esse decreto ?
" E a Inglaterra tem esta obrigação. Ella a
contrahiu aceitando a ilha de Malta , que só foi
dada aos cavalheiros de S. João debaixo da
expressa condição de defenderem os christãos

contra os infieis. Tendo, pois , a Inglaterra a


posse actual desta ilha , com a mesma posse
The foram transferidos os deveres dos antigos
possuidores .
* Os bons officios ... são com effeito

mui urgentes, á vista das circumstancias, que


hoje (5 de agosto de 1814 ) acabo de ler nas
gazetas , isto é , que os argelinos tem come
141

çado de novo á tomar navios pertencentes á


diversas nações .

“ E como é possivel, que isso não faça a


minima impressão no milhão de philantropos ,
que tem assignado 850 petições apresentadas
ao parlamento ? É a moda ou o interesse quem
domina em todas estas cousas ?

CXXXIV.- Em 17 de junho (1814) os Ami


gos dos Negros reuniram -se em Fres-Mason's- Ta
vern , e proferiram discursos acerca do 1.º ar
tigo addicional ao tratado de Paz de Paris ,
assim concebido :

“ S. M. Christianissima, participando sem re


serva de todos os sentimentos de S. M. Britanni

ca, relativamente á um genero de commercio que


repellem tanto os principios da justiça natural,
quanto as luzes do tempo em que vivemos,
empenha-se em unir, no futuro congresso ,
todos os seus esforços aos de S. M. Britannica
afim de que todas as potencias christās pronun
*ciem a abolição do trafico dos negros, etc., etc. ”

CXXXV . - Mr. Whitbread declarou nesse mee


ting que preferia antes uma guerra eterna do
que ratificar aquelle artigo addicional.— “ Mas,
escreve o Antigalican -Monitor, em nome da hu
manidade, póde baver homens, que ousem fal
19
142

lar assim ? Esta linguagem não offende a hu


manidade ? Pode haver homens, que prefiram
a Europa inundada de sangue á verem alguns
mil negros escravos ? Será licito degolar um
povo numeroso, em relações comnosco mui
estreitas, só pela idéa , talvez chimerica, de
melhorar a sorte de outros povos com quem
não temos as mesmas relações , e que nem se
quer nos pedem os favores , que tão anciosa
mente queremos fazer-lhes ? E como é possivel
que nos interessemos tanto em abolir a escra
vatura dos habitantes de uma parte d’Africa ,
com quem não temos connexão alguma , e ao
mesmo tempo sofframos que os piratas , que
habitam outra parte desta mesma Africa, lan
cem algemas aos nossos alliados e depois os ven
dam ?

CXXXVI.- Lord Holland não preferio a con


tinuação da guerra, mas declarou , que o go
verno britannico devia ordenar á Hespanha , que
abolisse o commercio da escravatura. — “ Mas,
escreve a folha acima citada, com que direito
póde inculcar-se a maxima de impôr leis á
um governo independente , qualquer que seja
a organisação desse governo ? Julgará S. S. que
a Inglaterra tem este direito só porque der
ramou parte do seu sangue, e dispendeu parte
145

do seu dinheiro para destruir a tyrannia de


Buonaparte na Hespanha ? Porém esta causa era
commum , e todas as nações tinham os mesmos

interesses na guerra . E , si me é licito dizer ,


os povos da peninsula trabalharam mais do que
ninguem para esta grande empreza . Elles prefe
riram á tyrannia de Buonaparte calamidades e
desgraças que a Inglaterra nunca soffreu ; foram
os primeiros que deram exemplo de vigorosa
resistencia , resistencia , sim , que depois os ou
tros imitaram com successo . Em uma palavra
- os povos da peninsula , pela sua constancia
invencivel, ' lançaram os fundamentos da inde
pendencia da Europa , e deram á Inglaterra
tempo e occasião de os poder auxiliar . E é ,
pois , o sangue destes libertadores da Europa ,
que alguns dos nossos politicos querem que se
derrame para pôr-se termo repentino á escra
vidão de alguns habitantes d’Africa , que nada
tem feito em beneficio da Europa ?

CXXXVII . Wilberforce , como era de pre

yer , tomou parte na reunião , e pronunciou seu


discurso ; mas , cousa notavel á quem lembra
a virulencia da sua linguagem na camara dos
communs pouco tempo antes (CVII , cxv , ) concor
dou em que , antes de passar como lei em
Inglaterra a total abolição do trafico, gastaram
144

se muitos annos na discussão do assumpto para


preparar a nação por meios graduaes e suaves
a adoptar a medida ; e concordou mais em
que , não tendo as outras nações ainda os mes
mos meios de informação e de instrucção era
dever da commissão estabelecida para esse fim
instruil-as completamente á tal respeito .
“ Comtudo , acrescenta o Antigalican -Monitor,
sete annos são passados depois da conclusão
desta grande obra em Inglaterra, e a commissão ,
em lugar de adoptar os principios liberaes e
christãos, tem forçado, pelos seus incessantes e
violentos clamores, o governo britannico á es
quecer-se d'aquella maxima, e a conceber a
perniciosa idea de querer violentar as outras
nações sobre o objecto.
“ As consequencias do systema, adoptado pelo
governo inglez á instigações da commissão, que
por esta fórma tornou-se instrumento da cubi
cosa avareza dos corsarios da Serra Leôa, tem
sido as tomadias de muitos navios de vassallos
de soberanos alliados , para o que, segundo
se diz, tem sido preciso derramar algum sangue !
Quarenta navios portuguezes, empregados no
commercio d'escravos, tem sido tomados, sem
noticia alguma prévia , sob pretexto de certos
artigos do tratado ultimamente concluido com
a Inglaterra. Os proprietarios, perdendo seus
145

navios , perderam igualmente com elles ricas


carregações ; uns ficaranı reduzidos á modica
fortuna, outros á mendicidade absoluta .
Taes procedimentos devem produzir, pois,
resultados mui differentes dos que espera a
commissão. As nações , que tem soffrido per
das por actos de tanta injustiça, longe de
nelles verem o effeito do amor da humanidade,
consideram -os como pretextos de roubo e ava
reza , como escandalosos attentados contra os im
prescriptiveis direitos de todas as nações livres.
» Taes são os sentimentos universalmente espa
lhados ; e si Mr. Wilberforce e a sua commissão
não mudam de systema, o resultado será — que
a Inglaterra só virá a ter em pouco tempo por
alliados os povos africanos, e será então cousa bem
curiosa de vêr si a Inglaterra, só com esta sua es
treita alliança africana , adopta tambem a africana
ignorancia.

CXXXVIII. — 0 zelo , fervor, e amor da hu


manidade, que borbulhavam dos sentimentaes
corações britannicos, e eram recolhidos em meetings
e centenas de petições , levaram o Times á pu
blicar estas linhas no meio do movimento abo
licionista que á gente de bom senso atordoava :
“ A total abolição do commercio da escra
vatura seria muito para desejar, mas estamos
146

mui longe de persuadir -nos , que o possamos


conseguir com tumultuosas gritarias , como as
havidas na Inglaterra. O caminho opposto seria
unicamente o verdadeiro . Em nossa opinião , se

apparecessem sómente algumas representações


razoaveis , o mal teria acabado ; mas a que fim

tende todo este estrepitoso barulho senão á fazer


suspeitar aos francezes , assim como as outras
nações da Europa , que não fazemos tanta bulha
sobre a abolição da escravatura senão porque temos

mui occultos e mercenarios motivos ? Muitas outras


barbaridades se praticam debaixo do sol, que
não occasionam ajuntamentos, nem excitam re
presentações ou discursos aos magros e sujos
artistas da Inglaterra ... 0 povo de França princi
pia a vêr nossas resoluções contra o commercio da
escravatura com os mesmos olhos de ciume,
com que olharia quaesquer resoluções, que

quizessemos tomar contra seu proprio commercio


interior. »

CXXXIX.- Visto como foi citada a referencia


aos Amigos dos Negros, reunidos em Free Mason's
Tavern , e á commissão ou Instituição Africana,
que tem explorado os mais atroadores encomios
d'aquelles que não conhecem como as cousas
se passam na Inglaterra , principalmente em
Londres, quero transcrever um documento
147

importantissimo e insuspeito ; é uma carta å


Wilberforce, vice- presidente da Instituição Afri
cana , escripta por R. Thorpe, Esq . L. L. D. Re
gedor das Justiças de Serra Leôa, e juiz do tribunal
do vice-a !mirantado n'aquella colonia. A carta é
datada do 1.º de fevereiro de 1815 .
E' um inglez , um juiz inglez , um membro
do vice-almirantado inglez na Serra Leôa , onde
desenrolaram- se tantos dramas attentatorios dos
direitos mais sagrados da liberdade e proprie
dade dos portuguezes e brazileiros, quem vai
pintar com vivas côres a philantropia dos Amigos
dos Negros, dos africanistas londrinos .
CXL.-“ Sir . Ha 20 annos , que sois conside
rado como patrono de Serra Leôa, e designado
com o titulo de — pai da abolição. O que tenho
feito á bem d'aquella colonia pela natureza dos
meus trabalhos , e espirito das minhas sentenças
em favor da abolição, vae provar claramente a
sinceridade das minhas intenções sobre estes
dous importantes objectos.
Fiz, sim, quanto pude em favor desta
grande causa ; porém as calamitosas noticias,
que acabo de receber de Serra Leña , e as
tristes circumstancias em que se acha actual
mente a pendente questão da abolição , exigem
de minha parte novo esforço nesta occasião.
148

Como homem particular tenho exaurido todos


Os meus recursos...

", Comecarei por expôr o que tem sido feito

desde o estabelecimento da companhia de Serra


Leộa .

“ Os fins que ella dizia ter eram : animar o


commercio com a costa occidental d'Africu ; promover

a cultura, adiantar a civilisação , diffundir a


moral, e cuidar de um puro systema de reli
gião n'Africa . Além disto , não permittir: que
os seus creados tivessem a mais pequena parte
no commercio da escravatura , não comprar ou
vender escravo algum , não empregar negros

como escravos em serviço algum , e reprimir o


trafico por todos os modos que sua influencia
podesse suggerir . Plano excellente e virtuoso ,
que promettia grandes riquezas á Inglaterra , e fe
licidades á Africa ; mas , pelo que vim a CO

nhecer, nada disto foi executado...


“ Os creados da companhia constantemente com
pravam escravos , faziam - os trabalhar sem salario

e até os alugavam por dinheiro . Permittia ella


que fossem importados e exportados escravos da
colonia ; consentia que fossem entregues aos se
nhores, quando delles fugiam , autorisava os
feitores á proverem as feitorias com escravos, OS

navios de seu proprio commercio , emfim nutriam


por todos os meios o trafico.
149

“ Ultimamente ainda , na administração de


Mr. Ludlam , duas carregações d'escravos, tomados
aos americanos, foram publicamente vendidos a
20 dolars por cabeça. ( Os documentos que pro
vam este facto, foram remettidos ao primeiro
tribunal do almirantado pelo governador Thomp
son ) .
“ E' possivel que os directores não soubessem ,
não ouvissem , e não acreditassem estes e outros
factos ? Se os reprimissem é possivel que conti
nuassem ? Acreditavam que ficariam elles sempre
occultos, ou , quando revellados , que teriam
autoridade bastante para induzir a nação a
duvidar ? ...
· Depois de 16. annos de experiencias, em
que diminuira o commercio , retardara-se a cul
tura e nenhum cuidado merecera a civilisação;
em que a religião e a moral soffreram grandes
quebras, sendo alimentado o trafico da escravatura ;
emfim depois de completamente destruidos todos
os planos e desmascarados todos os artificios: a
companhia , dezejando vêr - se livre de enormes des
pezas, conseguio que o governo lhe aceitasse a
colonia ; mas para conservar a antiga influencia
pôde formar tambem a Instituição Africana.
Examinarei o plano e os beneficios devidos
á esta Instituição, de que sois, Sir, o vice
presidente. 20
150

** Assim que expirou a companhia nasceu a


Instituição , e seu primeiro relatorio em julho
de 1807 , diz : que a Instituição , altamente
conhecendo as enormes injustiças, que os natu
raes d’Africa tinham soffrido, e desejando agora
reparal -as , ia adoptar todas as medidas mais
proprias para sua civilisação e felicidade. Pro

mettia mais : publicar noticias exactas acerca


das producções d’Africa ; da capacidade agri
cultural e commercial d'aquelle continente ; da
condição moral, intellectual e politica dos afri
canos , em letras e conhecimentos uteis ; cul

tivar amigaveis relações com os habitantes ;


illuminar -lhes o entendimento ; induzil -os á
preferirem o commercio ao trafico da escrava
tura ; naturalizar entre elles as artes uteis da
Europa ; promover -lhes a cultura dos seus ter

ritorios , excitando e dirigindo a industria e


ministrando- lhes sementes , plantas , e instru
mentos ruraes ; introduzir as descobertas medi

cas ; conhecer as linguagens principaes d’Africa ;


empregar agentes e dar as recompensas devidas
aos que trabalhassem em qualquer destes ob
jectos .
“ O segundo relatorio principia noticiando
a resolução de mandar ensinar , por pessoas ca
pazes , as linguas arabica e soosoo em Serra
Leða ; mas nada disto fizera, porque nunca
151

ahi houveram escolas , nem pessoas para esse


fim pagas pela Instituição. E' verdade que o
governo britannico pagava dous negros, que
escreviam mal e liam peior, á titulo de mestres
de escola ; mas quanto á agricultura e artes
uteis nunca disso se cuidou .
* O relatorio conclue que- dar-se- hiam pro
“ videncias para restituir aos parentes /os negros
captivos ; - ” e aquelles que o fossem, depois
de receberem na colonia a instrucção de agricul
tura e outras artes uteis , concorreriam muito
para espalhar sem duvida esses conhecimentos
em toda Africa. Mas , como é para lamentar
que com taes publicações tenha sido illudida
uma nação liberal ! Estas pobres creaturas
nunca tiveram tal instrucção, nunca foram resti
tuidas aos seus parentes !
- “ No terceiro relatorio a mesma illusão
anterior ! Estive muitos annos na colonia de
pois desta publicação , e nunca ali vi nenhuma
das producções promettidas, linhos , algodão ,
seda , assucar , tabaco , etc., nem mesmo que
fosse tentada a cultura desses generos , excepto
uma insignificante plantação de algodão.
No quarto relatorio , depois de explicar as
leis relativas á marinha, diz, fallando do com
mercio contrario ás nossas leis, que :- “ ainda
que os escravos tomados a bordo hajam de
152

“ ficar livres, o governo concedia aos captores


si
uma gratificação de 40 libras por cada ho
mem , 30 por cada mulher, e 10 por cada
creança ; ” – havendo exemplo de terem sido
reclamadas e pagas estas sommas . Por esta
fórma abuzam da lei para enganar a marinha ,
promettendo premios que os actos nunca sanc
cionaram . Todo este relatorio é um tecido de
inauditas falsidades.
Pelo principio do quinto relatorio vê-se ,
que não tem idéa alguma das possessões por
tuguezas ao norte do Equador, e logo depois
affirma que 200 ou 300 rapazes já gozam do
beneficio da educação em Serra Leôa ; e que
as sementes e plantas destribuidas tem pro
duzido o melhor possivel ! Tudo isto é eminen
temente falso .
66
Quanto ás famosas viagens de Mrs. Lu
dlan e Dawes, nomeados pelo capitão Colum
bine, para examinarem a costa occidental
d'Africa, dentro de certas latitudes , e á cada
um dos quaes foi arbitrado o salario annual
de 1.500 libras, sei que o primeiro morreu
logo á pequena distancia da costa , e que o
outro se recolheu immediatamente á Serra Leôa ;
apezar disto , o capitão Columbine, auxiliado
pelo infantigavel capitão Bones, compuzeram
uma couza , que chamaram relação desta por
153

tentosa viagem , e a Inglaterra pagou por ella


mais de 10.000 libras esterlinas !
Os directores concluem esse relatorio di
zendo , que já haviam dado á marinha as in
formações necessarias para regular -se... Em
virtude disto não só a marinha foi induzida á
commetter grandes erros, como os nossos tribu
naes do vice -almirantado á dar sentenças erro
neas e incompetentes !
“ As sete primeiras paginas do sexto rela
torio provam completa ignorancia tanto da costa
occidental d’Africa, como do estado do com
mercio da escravatura , e das possessões por
tuguezas. Tudo mais , acerca do estado flores
cente da colonia, é incorrecto e falso. Comtudo
depois expressam desgosto de não poderem dar
ainda, como esperavam , noticias mais circums
tanciadas dos melhoramentos d’Africa, prove
nientes das escolas e outras instituições prote
gidas pela sociedade ; promettem porém novo
plano para remediar essa falta , e tornar se
guros e permanentes os seus projectos. Mas,
desafio que me mostrem um só exemplo de
civilisação para o qual concorressem , ou que
tentassem ao menos . Attribuem esta falta á
rapida mudança dos governadores, quando é
só da Instituição . E se assim não é : porque
concorreram para ser despedido, logo que a
154

colonia passou ao dominio do governo , o go


vernador T. P. Tompson , Esquire , homem de
tantos talentos e virtudes ? Não houve outra
razão senão a de não favorecer as vistas da
Instituição ; a porque, em vez de auxiliar e en
cobrir procedimentos illegaes , praticados na
colonia , condemnou no tribunal do vice -almiran

tado 167 negros, que tinham sido vendidos depois


;

da abolição ! Sim ; os imperdoaveis defeitos deste


governador eram-- ser honrado e verdadeiro ; foi
por isso que o mandaram recolher .
“ Tiveram depois outro governador, por es

paço de 4 annos, proprio para desempenhar


seus intentos : mas é muito para estranhar ,
que ainda não fosse publicada a conta dos
progressos , que nesse tempo fez a Instituição
quanto á civilisação d’Africa e á illustração
da mocidade de Serra Leôa .
- “ O setimo relatorio principia pelas mesmas
falsidades. ..
Passemos porém ás injustiças commettidas
á sombra do admiravel e excellente Acto contra
o commercio da escravatura .

Depois que sahi de Serra Leôa o navio


de S. M. Britannica Thais foi a Messurado , (ter

ritorio sobre que não temos o menor direito, e


onde jámais exercemos jurisdicção alguma), des
truio a feitoria e propriedades de Bostwick e
155

Quin, prendeu-os , e com elles foram promis


cuamente agarrados 240 naturaes da terra, que
vieram para Serra Leña , e ahi foram condemna
dos como escravos ! Bostwick e Quin foram ille
galmente julgados por este acto , e condemnados
á 14 annos de deportação ! Vieram para In
glaterra ; mas por intervenção de certas pes
soas , que se dizem philantropicas, foram arbitra
riamente deportados para Botany -Bay, sem exa
minar -se o caso !
“ Outro navio de S. M. Britannica, a Fa
vourite, seguindo o mesmo systema arbitrario,
foi ao rio Pongus , destruiu algumas feitorias,
agarrou grande numero dos habitantes do paiz
e conduziu -os para Serra Leôa, onde foram con
demnados como escravos .
“ Ultimamente , o governador Maxwell exe
cutou uma completa expedição; mandou um
brigue e uma escuna da colonia, com um
transporte em que ia numeroso corpo de afri
canos ; destruio todas as feitorias que encontrou
nos rios Pongus e Nunez , e quantas proprieda
des ali haviam ; reduziu á miseria todos os ha
bitantes brancos, e trouxe, comsigo perto de 230
indigenas, que foram condemnados como escravos .
Quanto aos brancos foram tambem arbitraria e
atrozmente condemnados; entre elles havia um
inglez , outro hespanhol , e os mais americanos.
156

Um tal procedimento é difficil encontrar


na historia das nações civilizadas do mundo.
Invadimos á ferro e fogo os territorios de paci
ficos, indefesos e amigos alliados , sem delles
termos recebido mal algum ou injuria ; agar
ramos seus vassallos, destruimos suas terras, e nos
apoderamos de pessoas que ha 10 ou 20 annos
viviam sob a protecção das suas leis ; rouba
MOS suas casas ; e para cumulo de atrocidade

chegamos até á sentencial-os (em virtude de um


acto que nada tem com elles) aos mais severos
e ignominiosos .castigos. Eu me daria por muito
feliz se podesse presenciar a indignação , que
a leitura de taes abominações deve produzir
no sabio e humano autor deste acto . Mas ,
ainda quando algum acto legislativo da Gram
Bretanha comprehendesse estes individuos , nada
nos poderia desculpar de violarmos todos os
principios da lei da natureza e das nações .
66
Este repetido quebrantamento da fé pu
blica ; este subscripto e este epitheto, com que
se vai caracterisar o nome inglez -- de perfido
depredador - em vez de- civilisador e libertador

-é o maior insulto , e mais imperdoavel,


que jámais fôra commettido contra a honra e
sentimentos da nação britannica ...
Sir, espero que vos julgueis obrigado á

pedir um inquerito destes e outros iguaes pro


157

cedimentos, e que nos ajudeis a lavar-nos desta


mancha nacional , posto que vossos relatorios a
tem desgraçadamente avivado com tantos e
immerecidos applausos.
66

Exporei agora fielmente o modo como eram


tratados os negros captivos, emquanto estive em
Serra Leôa, logo depois que o tribunal os li
bertava , e eram portanto livres . Sim ; é pre
ciso , que os ministros de Sua Magestade , a quem
a realidade dos factos tem sido cuidadosamente
occultada, saibam ao menos uma vez a ver
dade de todos esses procedimentos , com que a
nossa honra , e boa fé tem sido indelevelmente
maculadas.
". Assim que os negros aprisionados desem
barcavam , e eram entregues ao cuidado do
superintendente , alguns individuos do corpo
africano iam logo examinal-os . Os que julga
vam bons para soldados marchavam immedia
tamente para o forte, e ali eram alistados ,
segundo a phrase com que se designava esta
operação ; com tudo os pobres negros não enten
diam uma palavra do que lhes diziam nem
faziam . O resto era enviado para o lugar deno
minado Hospital , le que na realidade é apenas
um edificio de madeira , composto de duas casas ,
que communicam entre si) , aonde todos promis
cuamente eram accumulados , homens , mulhe
21
158

res , e creanças . Aos recrutadores dos regimentos


das Indias occidentaes dava-se então licença para
delles tambem escolherem os que lhes parecessem

mais proprios para o serviço . As mulheres e


creanças eram reservadas para as cousas mais vis.
Quanto aos rapazes mais robustos eram destina
dos para as plantações d'aquelles sob cuja autoridade

ficaram ; e finalmente o refugo era repartido pelos


habitantes, a quem serviam de aprendizes por 14
annos , sendo empregados em differentes serviços .
66
Assim , tomavamos aos alliados a sua pro
priedade á pretexto de que no tratado estava
declarado , que não podiam escravisar esses
desgraçados ; mas ao mesmo tempo , sem esti
pulação alguma , e violando a nossa declara
ção nacional e todos os , decretos promulgados
para serem tratados com imparcialidade , jus
tiça e benevolencia todos os africanos em geral ,
dispunhamos delles, e os destribuiamos arbi
trariamente , por simples vontade nossa ! Con
sentiamos em que conhecessem as leis da

Inglaterra , mas tão somente para os privar


mos da sua protecção ! para que mudassem de
senhores , mas não de estado e condiçãol e dei
xavamos ao acaso o ganho ou perda , que pu
dessem vir a ter em seus destinos originaes !
Certamente não é para soffrer , que dure por mais
tempo esta nossa infamia e vergonha nacional ...
159

“ Não será muito para admirar que ,

apezar do grande zelo proclamado pela com


panhia de Serra Leôa, nunca para ahi man
dasse uma só machina de cortar madeira , ou

de limpar arroz ? Posso assegurar, que no es


paço de sete annos a Instituição -Africana não gas
tou do seu capital, em beneficio da colonia ,
nem a somma de 100 libras esterlinas ! Senão que
o diga o pobre Kizil, antigo plantador negro ,
que tanto pedio ora á companhia , ora á junta
da Instituição-Africana , algum dinheiro para com
prar um engenho, o que elle tanto merecia ; e
apezar disto o pobre velho nunca vio despacho
á sua petição , e conseguintemente nunca pôde
comprar aquella machina ! ...
“ O que direi da declaração de cultivar
a amizade com os indigenas, afim de os poli
ciar e instruir ? Humildemente pergunto : po
diam conseguir esses fins invadindo barbara
mente os seus territorios em Messurado , ilhas de

Loss, rios Pongus e Nunez ?... arruinando todas


as propriedades e pessoas que viviam debaixo da sua
protecção? ... e trazendo presos, á força , 700 ha
bitantes do paiz, de quem nunca a mais leve
offensa receberam ?
“ Ém virtude da 7. secção do acto— “ os es
cravos aprisionados podem ser alistados no
serviço de mar ou de terra ; podem ser dados
160

66
como aprendizes por espaço de 14 annos, te
“ nham ou não idade competente ” -e nas sec
ções 16 e 17 determina-se que— “ acabado o
tempo de serem aprendizes ainda podem de
novo ser dados ou conservados aos mestres
por outro igual tempo ; quanto ao serviço do
oda a vida .
66 soldado negro é por ttoda

“ Desta fórma aquelle mesmo acto do par


lamento , feito para abolir a escravatura , au
toriza uma servidão involuntaria por toda vida !
Vê-se , pois , que esta substituição do commer
cio da escravatura foi evidentemente plano

premeditado , e já combinado antes que o dito


acto passasse , como muito bem mostra o se
guinte extracto de uma carta , que vosso secre

tario Macaulay escreveu ao governador Lud


lam , datada de Londres em 7 de maio de 1807 :
“ Vós certamente ( extracto ) não entrais
66
no espirito das ideias , que nós aqui temos
“ acerca da escravatura africana. Em quanto
66
este commercio existia fui sempre muito ad
verso á dar estimulos directos para a compra

d'escravos , com a mira em aproveitarmo-nos


“ do seu trabalho por um certo periodo de tempo ;
porém sempre considerei , que na época do
acto da abolição se removeriam então muitas
66
objecções, que difficultavam aquelle systema.— ”
“ Assim o acto da abolição foi só para nos
161

dar escravos sem nos custarem dinheiro, rouban


do - os aos nossos alliados ; e os fabricadores des
te acto magico ( que ao mesmo tempo liberta e
faz escravos) logo premeditaram remover com
elle as muitas objecções, que trazia comsigo
a compra d'escravos ! Mas, quando olho para
todo este plano , para o acto, para os seus
autores, e para o modo como tem sido exe
cutado , apenas posso occultar os sentimentos ,
que me inspiram as já citadas expressões — vós
certamente não entrais no espirito das ideias, que
nós aqui temos acerca da escravatura africana !
Isto quer dizer : que somos os mais abomina
veis hypocritas do mundo, porque, ao mesmo
passo que proclamamos a toda terra , que pe
los mais sinceros sentimentos de justiça e hu
manidade vamos abolir o commercio d'escra
vatura , estamos determinados á continual-o vigo
rosamente, e a fazer cultivar por escravos todos
os productos dos tropicos, não já nas Indias
occidentaes, mus n'Africa!
Havia já muito tempo , que os plantado
res e negociantes das Indias occidentaes sof
friam e queixavam -se ; porém quando perce
beram , que os autores da sua calamidade ti
nham o projecto de obter plantações de graça,
trabalhadores som despeza, o territorio desde
Gambia até Angola , e o monopolio de expor
162

tações e importações , conheceram então cabal


mente, que este era inevitavelmente o termo

da sua ruina .

“ Tão famozo plano tem sido retardado pelo


alistamento no exercito de perto de 3,000 negros ;

mas é seguro e terá com o tempo plena execução


praticando nós assim o que depois de muitos
annos já o principe de Talleyrand havia acon
selhado á França , isto é, a cultura dos productos
coloniaes n'Africa . Todavia , aconselhando este
homem d'estado aquella medida , nunca se
lembrou de recommendar a confiscução das pro
priedades particulares...
“ Como poderemos, pois, ser absolvidos ,
aos olhos do mundo, do peccado deste commer
cio ?

“ E ' verdade quenão levamos escravos d’Africa


para as Indias occidentaes afim de ali os fa

zermos soldados ; porém alistamol-os primeiro


n’Afrioa e depois os transportamos já de farda para
estas mesmas colonias ! ...
Eu felizmente fui causa de se libertarem

perto de 2,500 africanos innocentes , e consolava


me vendo executada a generosa abolição da
escravatura ; comtudo, toda minha alegria conver
teu -se bem depressa em dôr e afflicção ; aquellas
desgraçadas creaturas humanas sahiam livres pela
autoridade judicial, mas iam cahir logo em novos
163

ſerros ! Assim pelo acto da abolição restringe-se

o commercio , porém amplia-se a escravidão !


Posso affirmar -vos que um tal bill, na sup
posição de ser obra vossa , nem aproveita á causa
nem á vós mesmo.

Isto supposto , Sir , depois de 27 annos de


tão irreflectidas medidas tomadas na causa da

abolição , parece-me, que o melhor é deixar-vos


de querer ter ainda parte neste objecto impor
tante. Eutregai-o portanto só aos cuidados do
nobre lord , a quem o poder executivo do nosso
imperio tem confiado a sua ultima execução .

Importunado por vós, prometti fazer al


gumas reflexões acerca dos vossos relatorios ,
que vos certifiquei logo eram todos illusorios
e falsos, desde o primeiro até o ultimo. Dei
pois cumprimento aos vossos desejos , e posso
assegurar- vos que nada disse, que receasse
escrever nem escrevi cousa alguma que não possa

provar..
Em outro escripto posterior, o mesmo R. Thorpe
acrescentou outros factos, entre os quaes devo

reproduzir apenas o que diz respeito ao em


prego dos capitaes da instituição :
“ Do relatorio especial dos directores desta
Instituição consta : que receberam 10,000 libras
para melhorarem a condição d’Africa . Eis

como dispenderam essa quantia :


164

Caixeiros 450 £
Porte, carreto de relatorios, aluguel
de casa para a instituição, etc. 1,214
Avisos em gazetas . 237
Impressão de relatorios. 1.126
Impressão de diversos artigos em
linguas estrangeiras. 650
Despezas feitas por Paulo Cuffee
para enviar varios africanos. 202
Educação de africanos para mestres
de primeiras letras. . 728

Sementes para Serra Leôa. . 499


Objectos judiciaes . 768
Premios por serviços á causa da
abolição . 265
Petições ao governo . 1,865

8,004
* Por ventura os caixeiros da instituição con
correm para a civilisação d’Africa, o porte e
carreto de relatorios, aluguel da casa ? Os an
nuncios servem para ostentações dos directo
res ; a impressão dos relatorios só beneficia á
Mr. Macaulay . Nada fez sobre a educação , e
as 728 libras só fez conta aos seus afilhados.
As sementes... foram todas ao rio por apo
drecidas. . . Os premios , foram obsequio ainda
a Mr. Macaulay ...
165

“ E chama-se isto melhorar a condição d’Africa ?


Na conta anterior da instituição não vimos
cousa que concorresse para civilisar ou me
lhorar o estado d’Africa, senão a educação de

alguns rapazes, e o transporte de alguns negros


para sua patria , no que talvez 200 libras po
diam ser utilmente despendidas.
“ Por outro lado as desgraças, que a institui
ção tem causado á Africa, são incalculaveis ; e
tem a Inglaterra feito uma enorme despeza sem
a menor utilidade ; não obstante tudo isto ainda

esses senhores têm a coragem de pedir mais


dinheiro só para augmentarem os infortunios
d'Africa , e continuarem a adquirir populari
dade .

Nomeiado para o lugar de juiz em


Serra Leôa foi -me necessario prestar minuciosa
attenção a todos os objectos concernentes á
abolição , á Africa em geral , e á Serra Leða

em particular ; achei a primeira com mui


pouco progresso , a segunda mui pouco ou nada
melhorada em civilisação, e a ultima corrompi
da ; sim , vi , que a origem de todos os males
era esse mesmo systema , com o qual promet
tiam mananciaes de felicidades e aperfeiçoa
mentos ! Li os relatorios da Instituição Africana ,
e , segundo o que nelles encontrei conheci

· por experiencia local . .. que as representações


22
166

dos directores eram diametralmente oppostas á ver


dade.
A justiça , a humanidade, o fiel desempe
nho do meu dever e o respeito por alguns
personagens da instituição fizeram com que eu
procurasse manifestar a verdade, e desfazer a
illusão ; recorri para esse fim aos membros da
instituição mostrando - lhes a necessidade de mui
exacta investigação sobre a materia ; porém foi
debalde ...
A instituição pode mui bem affirmar, que
suas vistas são purissimas , que sua benevolen
cia é excessiva, que consta de individuos de
reconhecida probidade e respeito ; póde elo
giar -se quanto seja possivel, fazer de si propria
o mais elevado conceito ; porém isto não basta,
nem é justo ; são indispensaveis provas con
vincentes ; o publico é quem póde por meio
destas avaliar se a instituição é ou não digna
dos louvores, que pretende arrogar-se. Entre
tanto, muitas suspeitas causarão os directores em
quanto mostraram -se zelosos de impedir a mini
ma averiguação relativamente ao que tem feito
para o melhoramento e beneficio d'Africa .

CXLI - Na casa dos lords, em sessão de 27 de


junho ( 1814) , lord Grenville atacou energica
mente o tratado de Paris pela conservação do
167

trafico , declarando que reputava tão escanda


losa a estipulação , que lhe preferiria a guerra .
Respondeu -lhe, porem , com vigor o conde de
Liverpool, dizendo : que as nações são in
dependentes , e que o maior de todos os cri
mes e de todas as immoralidades era pre

tender, pela seducção ou pela força , atten


tar contra seus imprescriptiveis direitos ...
admittido 0 principio de lord Grenville ,
exclamou o conde, a que estado não chega

riam os negocios do mundo sendo licito fazer


adoptar pela espada quaesquer principios moraes,
se um governo fosse autorisado á declarar guerra
á outro para abolir , por exemplo , a inquisição ,
ou qualquer enormidade moral ?

CXLII . — No mesmo dia atacou Wilberforce


na casa dos communs aquelle tratado , repro
duzindo quasi as mesmas reflexões que lord
Grenville ; respondeu - lhe lord Castlereagh , as
:

severando : “ que se tivessem apparecido as


pretenções loucas de querer forçar a França
á extinção do trafico seria mui possivel, que
por esse modo ficasse dissolvida a prodigiosa
união , que tinha salvado o mundo ; e concluio

que protestava contra essa maxima absurda , que


pretendia estabelecer o direito de propagar a

moral pela espuda ; porque só pelas luzes da


168

razão , nunca pelas violencias da guerra , era

justo pregar a virtude, ou conseguir que as na


ções a recebessem .

CXLIII. — Tem sido algumas vezes de ta


manha ingratidão o procedimento do governo
britannico com o gabinete brazileiro , que vo
zes prestigiosas e poderosas levantaram -se e
ouviram -se, com solemnidade , á nosso favor,
na propria Inglaterra .
Em dezembro desse mesmo anno ( 1814 )

S. A. Real o duque de Sussex , principe de


sangue, assim se pronunciava na casa dos lords :
“ Tenho esperanças de que , visto a intimi
dade e boa intelligencia, que existe entre

Inglaterra e Portugal, o gabinete inglez não


se descuidará dos interesses dessa nação , nem

soffrerá que tão fiel alliado seja prejudicado


pela adhesão do principe régente de Portu
gal á S. M. Britannica . Hei observado que
o nobre secretario d'estado dos negocios es
trangeiros ( lord Castlereagh ) consentira por
parte de S. M. Britannica e igualmente por

parte do principe do Brazil , quando não ha


via tempo para obter- se este seu consenti

mento, em restituir Cayenna á França. S. S.


(o conde de Liverpool) lembrar -se -hia sem
duvida da longa e interessante discussão sobre
169

a determinação dos limites d'aquella colonia,


por occasião de discutir-se no parlamento o
tratado de Amiens ; esperava portanto que o
gabinete britannico empregasse toda sua in
fluencia actualmente para que o Brazil ob
tivesse a mesma · linha de demarcação , que
fôra estipulada no tratado de Utrecht , e que
era a unica á que a França podia ter alguma
pretenção razoavel. E tanto mais interessado
ne sinto neste objecto , quanto , sendo a In
glaterra tão prompta em restituir a unica ac
quisição , que tinha feito em união com as
forças de S. M. Fidelissima , comtudo não ti
nham os inglezes prestado a devida attenção ás
regras da delicadeza e da justiça ; pois não se
fez menção da restituição de Olivença da
parte da Hespanha á Portugal , o que deviam
os inglezes procurar que se executasse pelo
mesmo principio ; porque o sacrificio d'aquelle
districto tinha sido o preço , que custara á Por
tugul a sua constante adhesão aos antigos tra
tados com a Gram - Bretanha.
S. A Real podia acrescentar, que a Ingla
terra era obrigada a isso pelos artigos secre
tos do tratado de alliança e amizade (LXXII)
Disse, porém , bastante em nosso favor, posto
que suas esperanças fossem depois completa
mente illudidas .
170

CXLIV.- " . No tratado de Chaumont, escre


ve o Correio Braziliense , no armisticio , e po
tratado de Paris nada se estipulou a favor de
Portugal, e contra elle se tratou da restituição
de Cayenna , e se guardou silencio sobre a pra
ça de Olivença .
“ Os esforços de Portugal em manter a guerra
contra a injustissima invasão franceza ; a de
vastação das terras pelas tropas inimigas ; o
incommodo do soberano e da familia real

que foi obrigada a mudar-se para o Brazil ;


as despezas desta mudança e da guerra , tan
to na Europa como na conquista de Cayenna ;
as tomadias de tantos navios mercantes que

foram aprezados aos portuguezes : tudo isto fi


cou em silencio , e nem se tratou das compen
sações, nem de promessa alguma de indemni
sação .
66
Se Portugal tinha de fazer guerra á Fran
ça para não recobrar nem Olivença , que to
mou com seus soldados , e tomar Cayenna para
a restituir sem compensação , melhor lhe seria
ter assentado tregoas separadas com os france
zes, que de boa vontade as aceitariam quan
do viram -se atacados por todas as potencias do
norte .

“ Mas a Inglaterra se opporia á isso . A In


glaterra em tempo de paz precisa mais de
---

171

Portugal e do Brazil, do que estes paizes pre


cisam da Inglaterra ; e em tempo de guerra
é evidente, que Portugal, não tem tido nella ,
por todo seculo passado, interesse algum senão
o que convem á Inglaterra .

CXLV.- Outro primoroso escriptor brazilei


ro mostra melhor ainda a medida real da
lealdade britannica .

" Porém , escreve o Dr. Caetano da Silva (*),


por mais justa , que fosse a sua conquista
(Cayenna) o principe regente previa , que podia
ser obrigado á entregal-a por occasião da paz
geral, e tomou medidas para que lhe servisse
de penhor á fixação incontestavel dos limites
goyannenses, segundo o seu antigo direito .
“ Em 19 de fevereiro, em seguida á um
tratado de alliança e amizade, o mais favoravel
possivel á Inglaterra , lord Strangfort assignou
no Rio de Janeiro , com o conde de Linhares,
dous artigos secretos , dos quaes o ultimo era
assim concebido :

“ — S. M. Britannica desejando dar uma prova


66
d'quella amizade e consideração , que jámais
Sua Magestade deixou de entreter com seu
antigo alliado o principe regente de Portugal,
obriga-se e promette empregar seus bons officios

(*) 0 Oyapock e o Amazonas.


172

e interposição para obter a restituição á


“ corôa de Portugal dos territorios de Olivença
“ e Jurumenha , e igualmente , quando se nego
“ ciar uma paz geral , de ajudar e apoiar com
66
toda sua influencia as tentativas , que a côrte
de Portugal possa então fazer para procurar
“ O restabelecimento dos antigos limites da
66
America portugueza , do lado de Cayenna,
“ conforme a interpretação , que Portugal tem
“ constantemente dado ás estipulações do tratado
“ de Utrecht . - "

Chegou o caso previsto . Mas a Inglaterra


não cumpriu a palavra, ainda mesmo gozando
amplamente das immensas vantagens , que lhe
haviam sido concedidas no proprio momento da
sua promessa .

“ No tratado de paz , concluido em Pariz ,


em 30 de maio de 1814 , sem a intervenção
de Portugal , e quando a pasta dos negocios
da marinha e colonias da França estava con
fiada ao Sr. barão de Malonet , o ordenador
de Cayenna antes da revolução , lord Castlereagh
pelo acto mais arbitrario , sem autorisação alguma
do principe regente de Portugal e Brazil , aceitou
do Sr. de Talleyrand estes dous artigos :
" --S. M. Britanica estipulando por si e seus
alliados obriga - se á restituir á S. M. Christianis
66
sima , nos prazos abaixo fixados, as colonias , pes
173

“ carias, feitorias, e estabelecimentos de todo


66
genero , que a França possuia no 1.º de ja
66
neiro de 1792, nos mares e sobre os con
“ tinentes da America , Africa , Asia . ...
“ _S. M. Fidelissima, em consequencia de accor
dos com seus alliados, e para execução do artigo
8. obriga -se á restituir á S. M. Christianissima
no prazo abaixo fixado a Goyanna franceza tal
66
qual existia no 1.º de janeiro de 1792.0
66
effeito desta estipulação , devendo fazer reviver
66
a discussão , que nessa época existia sobre os
66
limites , accorda -se em que se terminará a
“ contestação por um ajuste amigavel entre os
“ duas côrtes sob a mediação de S. M. Bri
66
tannica . - "

“ E depois de ter aceitado estes dous artigos


da mão do Sr. de Talleyrand, o ministro dos
negocios estrangeiros de S. M. Britannica , por
meios cuja pureza ainda é suspeita , fez compla
centemente assignar o tratado de 30 de maio
pelo conde de Funchal, ministro do principe
regente em Londres, que estava em Pariz mu
nido de plenos poderes e instrucções , mas que
não havia sido convidado para o congresso .
“ O conde de Funchal, antes de assignar ,
enviou á todos os plenipotenciarios alliados ,
bem como aos francezes , uma declaração em
66
que dizia : que cedendo á consideração da
23
174

impossibilidade de consultar sua côrte , e de


demorar indefinidamente uma obra tão salutar
66
qual a conclusão da paz com a França , não
se obrigara pela inserção do artigo 10 á de
“ sistir em nome da sua côrte do limite do

Oyapock , isto é , do rio cuja embocadura


estava situada sobre o oceano entre o quarto

e quinto gráos' de latitude septentrional, se


parando as duas Goyannas , portugueza e
franceza , limite este que lhe era prescripto
nas suas instrucçoes de modo absoluto e sem
66
interpretação ou modificação, e como um direito
legitimo reconhecido pelo tratado de Utrecht,
e como indemnização pelas reclamações de
Portugal á França . — ”
“ 0. que podia porém , semelhante declara
ção contra a assignatura pura e simples no
tratado ?

“ No 1.º de janeiro de 1792 ... os limites


meridionaes da Goyanna franceza eram de facto
o ramo occidental do canal de Maracá , o rio
Carapapori, a enseada Macari, e o lago Ma
cari ; por pretenção o ramo meridional do canal

de Maracá , o rio Carapapori, e o Araguary .


“ Por uma ousadia , diametralmente opposta á
sua promessa de 1810 , a Inglaterra concorria ,
pois , para impôr ao Brazil , como limite mari
timo immediato , o mesmo que a França havia
175

deduzido do tratado de Utrecht, desde La Con


damine até a revolução , e desempenhava -se da

sua mediação por um accordo ulterior , segundo


a interpretação portugueza !
“ Em outros termos : depois de ter sido a causa
das desgraças de Portugal, depois de haver copio
samente tirado deste reino honra e proveito ; depois
de conceder -lhe por unica compensação uma
promessa que muito pouco lhe custava ; no
mesmo momento , em que tomava todas as me
didas para definitivamente guardar uma grande
porção da Goyanna , que tinha uzurpado á
Hollanda, a Inglaterra ajudava a despojar Por
tugal não só de uma conquista incomparavel
mente mais justa do que a sua, porém até de
um territorio cuja posse ella mesma havia garan
tido em Utrecht (*) !

(*) Em 11 de abril de 1713 foi celebrado em Utrecht um tra


tado de paz entre Portugal e a França , em cujo artigo 8.º a França
fazia cessão e renuncia em favor de Portugal de todas as terras
chamadas do Cabo-do -Norte , situadas entre o rio das Amazonas e
o de Yapoc ou Vicente Pinzon , assim como a planicie de todas
as margens e a navegação do dito Amazonas, etc.
Nesse mesmo dia celebrava a Inglaterra um outro tratado de paz.
e amizade com Luiz xiv, em cujo art. 24 declarou-se expressa
mente que- « o tratado assignado nomesmo dia entre S.M. Fidelissima
e S. M. Christianissima fazia parte deste tratado, como se nelle fora
inserido palavra por palavra , estipulando S. M. Britannica a rainha
Anna, que ella offerecera a garantia , a qual presta pela maneira
mais solemne, da mais exacta observação de todo conteúdo no
mesmo tratado. »
176

Luiz XVIII , por seu lado, depois de comer


nos dias de infortunio o pão do principe re
gente de Portugal e Brazil ; depois de ter visto
os proprios goyannenses tecer elogios á maneira
pela qual a Goyanna franceza era administrada
por um brazileiro , esquecia que a occupação
da Goyanna brazileira pelos francezes havia sido
effectuada muito irregularmente pelo seu mi
nistro actual da marinha e colonias, quando
elle apenas era Monsieur.
O principe regente ficou revoltado com este
duplo procedimento. Não ratificou o tratado de
1814 ; censurou seu ministro em Londres pela
sua culposa complacencia , e determinou - lhe que
protestasse energicamente contra as estipulações
de 30 de maio ; outrosim ordenou ao brigadeiro
Marques , governador militar de Cayenna, que
não entregasse a colonia franceza nem á França
nem á Inglaterra.
“ O gabinete britannico arrogava -se o direito
de dispôr da conquista portugueza, pretextando
a cooperação de um capitão inglez com uma
corveta ingleza . Mas uma nota do gabinete do
Rio de Janeiro, assignada pelo 'marquez de
Aguiar em 16 de junho de 1814 , acompanhada
Vejam -se os despachos e correspondencia do duque de Palmella ;
Borges de Castro, collecção de tratados , e Calvo, collecção de tra
tados de todos os estados da America latina , etc. , etc.
177

das peças justificativas, demonstrou, que o ca


pitão Yeo , sobrinho de Sir Sidney Smith, offe
receu-se benevolamente, sem requisição alguma,
e que a corveta Confiança havia acompanhado
as forças do Pará em completa inacção, sem
fazer outra cousa mais do que , depois do facto
consummado, apoderar-se de todos os navios
francezes, que estavam no porto de Cayenna ,
e conduzil-os á Inglaterra , escandalisando todo
mundo .

CXLVI . - 0 escriptor brazileiro não disse a


verdade inteira, que põe mais em relevo a in
gratidão e a rapacidade dos officiaes da ma
rinha britannica n'aquelle tempo.
Não disse , que quando o capitão Yeo reco
nheceu , que o governador de Cayenna inclinava
se á capitular, escrevera -lhe clandestinamente
uma carta, pedindo -lhe que capitulasse em
beneficio da Inglaterra com exclusão total do
principe regente de Portugal e Brazil, e pro
pondo condições interessantes ao seu gover
nador (*) !
(* ) Illm. Exm. Sr. Conde de Aguiar. – Encarregado pelos dous
deputados deste governo interino de responder á representação do
cavalheiro Yeo e do seu chefe Sidney Smith , remettemos ao em
baixador de Portugal em Londres a informação da copia junta com
seus documentos, que tenho a honra de pôr na presença de V. Ex.
Ainda que dirigimos á competente secretaria d'estado a mesma
178

Não disse tambem que, não contente com a


tomadia dos navios francezes á falsa fé, o ca
pitão Yeo , auxiliado pelo seu tio Sidney Smith,
representou ao governo brazileiro exigindo me
tade das propriedades moveis da conquista de
Cayenna (*) !
copia julguei em particular fazer esta participação á V. Ex. decla
rando que ommitti na minha resposta um acontecimento bem notavel,
que é o seguinte :
Quando o capitão Yeo reconheceu , que Victor Hugues, governador
da praça de Cayenna , se inclinava á capitulação, escreveu-lhe clan
destinamente uma carta com a rogativa de fazer a capitulação em
beneficio da Gram -Bretanha com total exclusiva do principe regente
nosso senhor, debaixo de condições interessantes ao governador.
Se esta perfidia não é effeito da ambição de Yeo será preciso
previnir qualquer tentativa do gabinete de Londres, si bem que
a conquista de Cayenna , sendo honroza para a nação, debilita por
extremo este estado do Pará pela despeza de 3,000 cruzados por
mez, que se está fazendo com a tropa , sendo o maior prejuizo o
da população, que insensivelmente se diminue com os recrutas para
um clima pestilente .
Perdôe-me V. Ex, estes pensamentos sinceros e talvez contrarios
á uma politica mais circumspecta . — Deus guarde à V. Ex. muitos
annos.-Pará , 18 de setembro de 1811. - Illm . Exm. Sr. D. Fernando
José de Portugal. -De V. Ex. reverente criado e fiel capellão , MANOEL ,
bispo do Pará.

(* ) Illm . Exm. Sr. -O principe regente nosso senhor mandou


pelo aviso da secretaria d'estado , por copia n . 1 , que este governo
interino do Pará informasse á V. Ex. sobre a representação, que
James Lucas Yeo, capitão do navio denominado Confiança , e seu
chefe Sir William Sidney Smith fizeram ante o throno, exigindo a
metade das propriedades moveis da conquista de Cayenna.
Determinando o aviso, que se informe com a precisa especifi
cação, jámais nos podemos dispensar, por motivos de contemplação
ou respeito particular, de produzir documentos extrahidos do re
179

CXLVII. — Eis o que são a Inglaterra e seus


agentes ! Eis o que valem a sua palavra , as
suas promessas , amizade, alliança e lealdade !
E depois de commetterem tantas injustiças
clamorosas , tantos attentados inqualificaveis ,

gistro da respectiva secretaria, os quaes comprovam incontestavel


mente, que a mencionada representação é repugnante a todos os
principios, em que se estabelece a să politica , a justiça commutativa
e a fé publica.
São tres os artigos da representação n . 2.
No 1.º se allega um contracto do cavalleiro Yeo com o general
desta colonia do Pará , José Narciso de Magalhães, já fallecido, de
reunir as forças do seu navio ou fragata com as do exercito por
tuguez no intuito de se conquistar a colonia franceza de Cayenna
por interesse das duas nações britannica e portugueza, com a clau
sula de ser ratificado este contracto pelo referido seu chefe Sir
Sidney Smith .
No 2.º artigo affirma, que a conquista se effeituara pelos esforços
superiores da sua tripolação, referindo-se á uma carta de José
Narciso de Magalhães, que julga como um documento anthentico
da sua asserção.
No 3.º artigo pretende legalisar a sua exigencia com o direito
privativo da Gram -Bretanha.
Convence- se o primeiro artigo de incurial e contrario á pre
tendida convenção pelo officio n . 1 do documento letra - A- do
general, que, sendo assás expressivo dos differentes motivos, que
fizeram aportar o cavalleiro Yeo á esta capital, indica a civil ro
gativa do auxilio da sua fragata, a qual cobrindo por mar a reta
guarda do exercito portuguez , que devia marchar por terra depois
de desembarque no rio Oyapock, fizesse menos arriscada a invasão
hostil e o ataque contra a praça de Cayenna.
Nada porém é mais convincente de que nunca existio tal con
venção do que o officio do cavalleiro Yeo , documento letra -B
n. 8 , expedido ao general José Narciso de Magalhães, depois de se
ter feito a conquista de toda colonia franceza, cujas formaes palavras
são as seguintes :
180

ainda lá surgem os Wilberforce , Grenville, Hol


land, Whitebread , e outros philantropos da
propriedade alheia para provocarem novas in
justiças, novos attentados !
Desgraçadamente a energia do gabinete do
Rio de Janeiro passou rapida.

« Agora resta -me pedir a attenção de V. Ex. sobre alguns par


ticulares, que me dizem respeito . Vós, senhor, bem sabeis que tomei
o commando, porque V. Ex. me pedio , e com vistas da utilidade
de S. A. Real, sem ter nenhumas instrucções do meu commandante
em chefe, e por tanto sobre mim cahe toda a responsabilidade ; por
tanto confio de V. Ex. quando mandar as partecipações ao seu governo
de nellas dizer tudo que puder á meu favor, para que a minha
conducta , de ter tomado o commando sem as suas ordens, fique
justificada. »
Esta linguagem do cavalleiro Yeo é sincera , e, se agora se
contradiz, ou elle não prevenio o regente , ou se esqueceu das
razões que constrangeram o generál á pedir -lhe um auxilio , que
só esperava da capitania de Pernambuco .
Nem o general podia ser autorisado para formar convenções
desta natureza , quando se reflecte , que a politica do gabinete da
pôrte do Rio de Janeiro é tão illuminada como circumspecta em
sustentar inviolaveis os direitos, e sem alguma divisão aquellas
conquistas que o nosso augusto soberano podia fazer, como a de
Cayenna, com total independepcia dos auxilios estrangeiros.
Sendo pois nullo o artigo da convenção, como fica demonstrado,
segue-se a insubsistencia do segundo, relativamente á industria ar
tificiosa e maiores esforços do destacamento britannico , com que
se lhe pretende attribuir a conquista .
Aqui devemos prescindir da carta do general, n . 3 do docu
mento letra -A-, que , bem longe de ser prova juridica , o seu
contexto verifica um rasgo de politica lisongeira, como a carta n . 5
do documento letra —B— , em que o cavalleiro Yeo lhe annuncia
' grandes despendios em remuneração do seu plano, sempre impra.
ticavel pelas circumstancias locaes , e outros motivos occorrentes.
181

GXLVIII . -- Alguns annos depois , na cama


ra dos pares de Portugal, dizia o duque de
Palmella que— “ a restituição de Olivença não
podia entrar no tratado de Paris ... no qual

figuraram as duas partes contractantes , por um


lado a França vencida , pelo outro, toda Eu

A breve analyse deste facto só é capaz de desenvolver a verdade


do equivoco de expressões exuberantes, e pôr em todá luz qual
foi a causa instrumental e immediata da referida conquista.
E' constantemente notoria a navegação , que fez pelo rio Oyapock
o tenente coronel Manoel Marques , hoje brigadeiro , o qual , encar
regado em qualidade de chefe da expedição militar, desembarcou
no respectivo continente, e marchando á testa do seu batalhão
attrahio com proclamações os habitantes, que prestaram juramento
de vassallagem e fidelidade ao principe regente nosso senhor. Con
cluindo o acto solemne deste principio de conquista , se transportou
pela costa do mar até o rio Aproaque, onde conferindo com 0
cavalleiro ‘ Yeo sobre os meios mais seguros de vencer as ba
terias, que os francezes assestaram nas margens do Majoré, por
ser este rio navegavel até as muralhas da praça de Cayenna , de
liberou o brigadeiro, contra a opinião de Yeo, evitar as fadigas
da tropa por. terra com a navegação pela costa do mar, o que se
effeituou felizmente, vencendo o cavalleiro Yeo por sorpreza a pri
meira bateria , que embaraçava a entrada no mesmo rio Majoré :
e navegando por este rio as tres divisões da totalidade do pequeno
exercito postou - se o brigadeiro Marques com a sua divisão no ter
reno de — Degrá de Canne — passando as ordens á Yeo para com
bater as baterias do Trio e Canal , as quaes depois de serem des
truidas pelo fogo vivo, que fizeram os portuguezes unidos com
alguns soldados inglezes, conseguio-se ultimamente desalojarem 120
francezes, que defendiam a importante casa de campo do governador
Victor Hugues, a qual saqueada das suas preciosidades pelo capitão
Yeo foi por elle reduzida a cinzas, segundo os direitos da guerra ,
que o brigadeiro Marques não adoptou , reconhecendo a submissão
com que os francezes se rendiam ás persuasões, que affiançavam
á todos a manutenção dos direitos de propriedade . Em todas estas
24
182

ropa reunida pelos vinculos de uma alliança .


Olivença estava nas mãos da Hespanha , e não
nas da França, e no tratado de Paris estipula
va -se somente sobre as restituições, que a Fran
ça deveria fazer d'aquillo que as aguias de Na
poleão haviam arrebatado á diversas nações,
correrias e ataques contra as baterias deu o capitão Yeo provas .
de uma intrepidez tão notavel e temeraria como a dos soldados
indianos, que, costumados á lutar com as onças e tigres, pareceram
exceder ao seu commandante na animosidade com que arrostavam
o inimigo despresando o fogo das suas baterias.
Eis aqui em que consistem os esforços da tripolação da fragata,
cujo numero de soldados, computando -se até 50 combatentes reunidos
a 500 soldados portuguezes, fazem evidente e muito affectada aquella
asserção do artigo, que os constitue no primeiro grao de conquis
tadores.
Removidos os embaraços da marcha contra a praça de Cayenna
requer - se alguma acção assignalada com que se possa julgar do
legitimo conquistador de Cayenna . Esta gloriosa acção reservou a
providencia para o brigadeiro Marques, pois que, existindo este
só no posto De Grá de Canne com o corpo da maior parte da
tropa, em quanto o cavalleiro Yeo continuava as suas correrias
em situação muito remota, foi atacado o brigadeiro em alta noute
por duas columnas de soldados francezes, em cujo combate deu
provas menos equivocas da vigilancia e pericia militar , que o
destinguio na Europa, atacando o inimigo pelos flancos de um modo
tão vantajoso, que ficando por sua posição invulneraveis os soldados
portuguezes ferio inumeraveis inimigos , e deixou outros mortos nas
varedas do ataque, que excitaram a fuga precipitada das duas co
lumnas, decidindo esta victoria a conquista da praça contra toda a
expectação .
O brigadeiro Marques com marchas rapidas procura a posição
de Bourgard, ponto da reunião dos francezes, enviando um expresso
ao capitão Yeo para que concorresse com os soldados da sua tri
polação á occuparem o referido ponto ; como porém o terror panico
do governador Victor Hugues deixou livre aquelle posto, procedeu -se
183

de modo que nesse tratado somente se exami


nou o que a França deveria ceder ...

CXLIX . Bem ; mas em que mãos estava


Cayenna ? Como a Inglaterra obrigou Portugal
á restituil-a á França, quando estipulava -se

. á uma correspondencia com elle,


não com a esperança de que se
rendesse , vista a distancia de duas para tres leguas da praça , mas
com o fim de conhecer os caminhos até Montjoli, onde, segundo
as instrucções do capitão general do Pará , deveria estabelecer-se
a tropa, esperando soccorros e maiores forças para se bloquear
uma praça defendida pela natureza, por inumeraveis peças de grossa
artilharia , e por uma guarnição sufficiente, que a faziam incon
quistavel. Si pois a victoria, que o brigadeiro conseguiu sobre as
duas columnas, foi a causa instrumental da conquista , não cooperou
menos para esta feliz empreza a perturbação do governador Victor
Hugues, observando a 13,000 inimigos internos, que elle com seu
monopolio , até das cousas de primeira necessidade, havia reduzido
á uma escravidão intoleravel. Capitulou finalmente sem se poder
divisar ainda de longe a praça de Cayenna. O testemunho e a
opinião publica confirmam estes factos incontestaveis de que o
capitã ) Yeo removeu os obstaculos da marcha, e o brigadeiro Marques ,
victorioso na acção principal, obrigou o governador á render -se sem
repetidos combates.
De todo o expendido se infere , que capitão Yeo com a sua
tripolação auxiliou remotamente a empreza , e por conseguinte nunca
poderá despojar o chefe brigadeiro da honra de conquistador.
A convicção da nullidade dos tres artigos nos dispensa de refutar
o ultimo fundamento das leis, que a representação accusa , as quaes ,
merecendo a consideração mais respeitosa , são muito mal applicadas,
por ser um principio invariavel, que a legislação de uma monarchia
nunca militou dentro dos limites de qualquer governo soberano,
que só dirige e governa por leis acommodadas ao genio e caracter
da propria nação.
A unica lei da monarchia portugueza , que regula o premio dos
chefes e soldados conquistadores é a vontade do nosso augusto
184

sómente sobre a restituição d’aquillo que as


aguias de Napoleão haviam arrebatado ? Se a
Inglaterra não pôde cumprir a obrigação e pro
messa de empregar seus bons officios e inter
posição para obter a restituição à corôa de
Portugal do territorio de Olivença , como solem

soberano, que promoveu o tenente coronel Marques ao posto de


brigadeiro com uma pensão extraordinaria e annual, e todos os
mais officiaes á postos de accesso, de maneira que até os soldados
receberam a gratificação de alguns mezes de soldo distincto do
ordinario.
Tal é a lei consuctudinaria da monarchia portugueza estabele
cida em uma particular economia mais coherente com o caracter
desta nação.
Differente porém é o systema adoptado universalmente por
todas as nações civilisadas, quando no tempo da guerra autorisam
corso e armamento a que os vassallos queiram propôr-se contra :
a nação inimiga. O alvará de 7 de dezembro de 1796 determina ,
que as prezas no mar se destribuam em oito partes pelos chefes,
officiaes e marinheiros, e o decreto relativo á este alvará, de 10
de junho de 1808 , ampliou que as prezas, de qualquer qualidade
que fossem , eram privativas dos aporezadores sem dedução alguma
em beneficio da real fazenda. Sem a menor offensa do decoro e
respeito que protestamos ao cavalleiro Yeo, quem poderá crêr, que
tendo elle renunciado ás maximas do direito publico e das gentes,
como auxiliar a respeito da conquista de Cayenna , adoptasse o novo
systema apoderando -se de tres embarcações francezas carregadas de
munição de guerra e de bocca, que vindo em soccorro de Cayenna
foram aprezadas pelo capitão Yeo no meio da esquadra portugueza,
e apezar das reclamações dos commandantes dos brigues e barcas ca
nhoneiras elle embolsou a riqueza proveniente desta importante to
madia, com desprezo manifesto das leis, que prescrevem a destri
buição por todos os que se ligam á offensiva e defensiva, ainda
mesmo aquelles commandantes , que em distancia remota tem direito
á sua parte , ouvindo o tiro de canhão ?
Dignando-se S. A. Real exigir o nosso parecer sobre o negocio
185

nemente estipulara ; se a mesma obrigação e


promessa havia feito, quando se negociasse a
paz geral , de ajudar e apoiar com toda a sua
influencia á Portugal para procurar o restabe
lecimento dos seus antigos limites do lado de
Cayenna , conforme a interpretação que temos
constantemente dado ás estipulações do trata
do de Utrecht, porque obrigou pelo contrario
Portugal á restituição do que era legitimamen
te seu , e não adiou pelo menos a solução re
lativa á Cayenna como á Olivença ?
A resposta é uma unica , triste , pungente ; é
da representação, julgamos bem recompensado o cavalleiro Yeo com
as honras e munificencia , que recebeu do principe regente nosso
senhor .

Ainda que a demonstração da indefectivel justiça , que omni


modamente decide contra todos os artigos da representação, seja
afflictiva e penosa á este governo, fiel e exacto no cumprimento
das ordens do nosso augusto soberano, com tudo esperamos se
nos releve qualquer expressão desagradavel aos representantes, que
sendo vassallos de S. M. Britannica , monarcha immortal, protector
de toda Europa, animados do mesmo espirito desta nação amavel
e generosa, que com profusão de soccorros e do proprio sangue
tem sustentado a desgraçada peninsula, nos farão justiça , remettendo
ao mais profundo silencio a pretendida indemnisação, que se pro
cura, sem uma exploração mais exacta e circumstanciada dos factos.
Deus Guarde a V. Ex. — Pará, 19 de agosto de 1811. — Illm. Exm.
Sr. D. Domingos Antonio de Souza Coutinho.—Manoel, bispo do Pará ;
o brigadeiro Manoel Marques ; o desembargador- ouvidor Joaquim
Clemente da Silva Pumbo .
P. S. – Remettemos inclusos por copia , para V. Ex . se poder
regular, os inventarios de tudo quantɔ se achou na colonia de
Cayenna.
186

que a Inglaterra tratava Portugal, seu alliado ,


tão vencedor como ella , pois seu exercito com
batera com
rara destincção ao lado de seus
proprios soldados ; batalhões portuguezes foram
os que em frente das forças alliadas escalaram
as muralhas de Badajoz ; os intrepidos caçado

res portuguezes foram os que repelliram os re


gimentos francezes das alturas de Arapiles , re
putadas inexpugnaveis , e donde dezenas de
canhões vomitavam a morte ; tratava Portugal,

digo—como a propria França vencida , esma


gada , invadida!

GL . - 0 artigo 32 do tratado de Pariz , (30


de maio) estatuio , que todas as potencias , que
de ambas as partes tinham entrado na guerra ,
mandariam plenipotenciarios ao congresso de
Vienna. Em consequencia desta estipulação a
côrte portugueza nomeou os seus .
Era tão incontestavel este principio e este
direito , que um annuncio official foi publicado
em Vienna , a 8 de outubro , concebido nestes
termos ;

“ Os plenipotenciarios das côrtes , que assig


naram em Paris o tratado de paz de 30 de maio
de 1814 , tomaram em consideração o artigo 32
deste tratado , no qual se estipulou , que todas
as potencias envolvidas na ultima guerra envia
187

riam plenipotenciarios á Vienna , afim de regula


rem em um congresso geral os ajustes , que
devem completar as disposições do sobredito
tratado: e depois de haverem maduramente
reflectido na situação em que se acham , e nos
deveres a que estão obrigados , se convenceram ,
que por nenhuma fórma os podiam melhor
cumprir do que estabelecendo logo communi
cações livres e confidenciaes entre os plenipo
tenctarios de todas as potencias. Ao mesmo
tempo porém se persuadiram , que é do inte
resse de todas as partes intervenientes suspender
a reunião geral dos seus plenipotenciarios até
a época em que as questões, que devem ser
decididas, tenham chegado á sufficiente gráo
de madureza, para que o resultado seja har
monico com os principios do direito publico ,
com as estipulações do tratado de Pariz , e com
a justa expectação dos contemporaneos . A aber
tura formal do congresso ficará pois adiada
até o 1.º de novembro ; e os sobreditos pleni
potenciarios se lisongeam de que o trabalho ,
em que vão empregar esta demora , determi

nando as ideias e conciliando as opiniões, mui


essencialmente adiantará a obra , que faz ob
jecto da sua missão commum .

CLI. — Parecia tudo isto muito claro , e po


188

sitivo, mas não pareceu assim á Inglaterra, que


tendo excluido o embaixador portuguez de inter
vir no tratado de 30 de maio , que só depois
fez por elle assignar, acreditou que poderia
conseguir do conde de Palmella o que a indi
gnidade do conde de Funchal havia concedido.
0 intento ficou patente com outro annuncio
official de 14 de outubro, acrescentando que
os plenipotenciarios da Inglaterra, Russia , Aus
tria e Hespanha haviam celebrado uma con
ferencia preparatoria em 30 de setembro , e que
supunha -se, que quando se abrisse o congresso
seria admittido o ministro de Portugal !

CLII . E para que não restasse duvida


alguma da perfidia , que projectavam repetir ,
o Times de 31 de outubro , fallando da com
missão preparatoria do congresso , acrescentou
as seguintes particularidades :
Esta commissão preparatoria foi objecto de
discussão entre os ministros das principaes po
tencias .
Primeiramente havia-se convencionado, que
fosse composta de poucos membros, e que , para
evitar offensa aos ministros excluidos, nella só
entrassem os ministros das mais consideraveis po
tencias, como Russia, Inglaterra , Austria, Prus
sia, Hespanha e França.
189

“ Este plano estava quasi adoptado , e a sua


execução devia ter lugar no dia 30 de setembro ,
em uma assembléa dos ministros das seis po
tencias, e havia de ser promulgado por meio
de uma declaração no 1.º de outubro. Toda
via, o projecto não foi avante pelas instancias
do ministro portuguez , que fortemente mostrou a
justiça das suas razões, e conseguio que se tomasse por
base da commissão o principio do artigo 32 do tra
tado de Pariz : por outras palavras, que havendo
o tratado annunciado a convocação do congresso ,

os ministros das côrtes , que o haviam assignado,


tinham por consequencia direito de ser membros
da commissão. Este principio , além de ser justo ,

tinha igualmente a vantagem de excluir os outros


ministros sem que elles se pudessem offender.
O resultado final foi, que os nomes dos
ministros portuguez e sueco foram acrescenta
dos ao primeiro projecto, e que todos estes mi
nistros acima mencionados são os que formam
agora a commissão , de cujas decisões dependem
as bases do congresso .

CLIII. Eis, a nota do conde de Palmella

transmittida a lord Castlereagh ácerca deste


objecto :
66
Mylord . -Permitti que eu tenha a honra

de vos repetir por escripto parte das observa


25
190

ções, que já vos expuz de viva voz , por mo


tivo da communicação verbal, que vos dignas
tes fazer -me.
“ O congresso , que vai abrir -se , é um acto
tão solemne na historia diplomatica da Europa,
que é bem de crêr, que as fórmas e maneira
de proceder, que nelle se adoptarem , venham
para o futuro á servir de monumento e de
exemplo, e a fazer parte, por assim dizer, do
codigo publico da Europa . Como , pois , me seria
possivel ver com semblante tranquillo, que a
medida preparatoria deste congresso tende de
algum modo á excluir Portugal da ordem que
pela antiguidade e explendor da sua corôa tem
adquirido entre as potencias da Europa ? Não
seria acaso odioso escolher o momento mesmo,
em que Portugal remata com tanta gloria, e
tão utilmente para a causa commum da Europa ,
uma guerra, em que os resultados dos seus
esforços lhe deram a maior importancia , para
fazer-lhe experimentar esta especie de humi
lhação ?
“ A distincção entre potencias de primeira
e segunda ordem existe de facto ; far -se -hia
porém uma innovação no direito publico da
Europa á estabelecer-se esta differença quazi
de direito ; e é isso a que tenderia necessa
riamente a medida, que vós me haveis dito
191

ter - se projectado ; isto é , o formar- se uma com


missão preparatoria, antes da abertura do con
gresso, em que se admittam somente os mi

nistros das seis potencias mais consideraveis


pela extensão de seus territorios e numero da
sua população .
Concebo facilmente, Mylord, o embaraço
que resultaria , e que V. Ex . me fez observar,
se o congresso se installasse, sem que para
isso se tomassem algumas medidas preparato
rias ; concebo igualmente , que é mui difficil
adoptar uma base satisfactoria, afim de reduzir
á certos limites o numero dos ministros en
carregados deste trabalho ; creio comtudo, feitas
todas as considerações, que o meio , que eu
tomei a liberdade de suggerir á V. Ex . hon
tem á noute , seria o que parecesse menos
odioso a todo o mundo , e á meu ver o mais
fundado na justiça e na razão ; isto é, que a
commissão preparatoria de que se trata fosse com
posta dos ministros de todas as potencias que assig

naram o tratado de Pariz , de 30 de maio proximo


passado. Deste modo não haveria senão duas po
tencias, Portugal e Suecia , que acrescentar ás seis
sobre que já se estava de accordo . O artigo 32 do
tratado de Pariz é o unico acto publico offi
cial de convocação , que existe para o congresso
de Vienna :: parece -me pois, que se acharia
192

assas razoavel que as mesmas potencias , que


estipularam a reunião do congresso , tomassem
sobre si agora o convir em algumas medidas
preparatorias, e mesmo em redigir um projec
to, antes de se effectuar a sua abertura . Esta

razão , além de ponderosa para ser allegada

ás outras potencias, resalvaria a dignidade de


cada uma dellas : do contrario não haveria pe
queno estado na Europa , que se não resen
tisse da excluzão , ao que me parece , assim
como Portugal e Suecia , pela simples razão de
não serem consideradas como potencias da pri
meira ordem .
“ Omitto outros argumentos, todavia graves ,
como sejam a consideração que rezulta da
extensão e importancia dos dominios da mo
narchia portugueza fóra da Europa , e mais
que tudo a realidade dos serviços, que este
paiz tem feito durante a ultima guerra . Esta
consideração deve indubitavelmente constituir

Portugal, e talvez depois delle a Suecia, n'uma


classe muito distincta das outras potencias da
mesma ordem . Não posso comtudo, antes de
concluir esta carta , prescindir de uma obser
vação mais , e é, que o pouco interesse , que
Portugal pode ter nos arranjos, que rezultarem
do congresso , bem longe de ser um motivo
de excluzão é antes uma razão de mais para
2

193

que seja admittido ; sendo manifesto , que um


dos maiores inconvenientes da admissão de

todos os ministros á este trabalho preparatorio

deve juntamente proceder da necessidade de


se haver de tratar dos interesses immediatos

e mesmo da existencia de alguns estados.


“ Relativamente a Portugal não se trata neste
caso tanto dos seus interesses como da sua

dignidade ; uma exclusão unicamente fundada

na differença de potencia deve parecer -lhe uma


degradação não merecida . Estou persuadido ,
Mylord, que V. Ex. sentirá, como eu, a im
portancia que S. A. Real o principe regente de
Portugal deve dar a um objecto tão connexo
com o seu decoro ; estou igualmente certo de
que V. Ex . empregará toda sua influencia para
poupar-lhe este dissabor. A base acima indi
cada, a do tratado de Pariz , é quanto á mim ,
torno a dizel-o , a que só pode não affectar o
amor proprio de cada um
Relevai, Mylord , as repetições inevitaveis
em materia desta gravidade. Não obstante ter
eu já verbalmente exposto á V. Ex . isto mesmo
que lhe escrevo , senti que era do meu dever
dar á minha reclamação um caracter mais serio
e mais duravel, que o de uma simples con
versação . Como vós sois, Mylord , a unica pessoa
que me tem communicado o projecto de que
194

se trata , julguei tambem que devia dirigir-me


por este meio á V. Ex. sómente .

CLIV . Desde principio , pois, da reunião

dos plenipotenciarios em Vienna, e antes mes


mo da abertura solemne do congresso de que

a Inglaterra era alma, tentava -se esquecer, ras


gar, o tratado de Pariz , que legitimava a exis
tencia do proprio congresso ! Portugal era
reputado potencia de segunda ordem , estabele
cendo -se este principio sem audiencia sua ;
era intruso ou pelo menos simples convidado
admittido por deliberação dos plenipotenciarios
de outras côrtes alliadas, pondo-se em duvida
seu pleno direito , perfeitamente identico ao de
qualquer outra potencia , que assignára o tra
tado de Pariz , ou que tomára parte na ulti
ma guerra !

CLV . Manifestações tão pouco benevolas

autorisaram o barão Bignon á escrever este


juizo sobre a sorte de Portugal no congresso
de Vienna (* ) :

“ A existencia de Portugal, ou pelo menos


a forma da sua nova existencia , é ainda um
problema, que sem duvida será resolvido pelo

(*) Exposição comparativa do estado financial, militar e moral da


França , etc. dezembro de 1814 .
195

congresso de Vienna . E ' difficil determinar de

antemão qual será a sorte de um paiz , que


está debaixo do dominio inglez , actualmente for
tificado pela presença de suas tropas de terra ,
depois de já o estar demasiadamente pela força
da sua marinha , e pelo vinculo dos tratados ...
E' pois nas mãos dos seus alliados , que Por 1
tugal se acha no fim desta guerra ; e é ainda
esta uma das tristes circumstancias da época
em que vivemos , vermos que as allianças são
quasi tão onerosas como o estado de hostili
dades. Uma grande questão , que é urgente re
solver, é a evacuação de Portugal e a entrega
deste reino ao seu legitimo soberano. Eu já
tenho mostrado o grande interesse , que temos
em fazer accelerar este momento , porque só
então é que poderemos decidir quaes sejam as
relações possiveis , que nos seja permittido for
mar com a côrte de Lisboa . A amizade ingleza
deve - lhe ser hoje singularmente pezada ; porém
não é do seu decoro, nem mesmo está na sua
mão , póder agora libertar - se completamente della .

GLVI. — Por fortuna o plenipotenciario da

propria França , o principe de Talleyrand, se


não pôde evitar que o congresso fosse domi
nado por sentimentos reaccionarios e exclusi
vos , que distribuisse os despojos do imperio
196

francez pelo mero direito da victoria não at


tendendo á outras regras senão ás de conve

niencia egoista quando não era absurda , (


principe de Talleyrand , muito mais habil que
lord Castlereagh , soube adquirir no decurso das
conferencias preponderancia igual á sua capa
cidade , e conseguira introduzir na commissão
directora , que era unicamente composta das
quatro grandes potencias, (Austria, Prussia , In
glaterra e Russia) a Hespanha , Portugal , e a
Suecia , apresentando o principio da legitimi
dade como doutrina , que devia inspirar todas
as deliberações . Era assim que o habil esta
dista procurava attenuar os effeitos das vic

torias e da conquista , que haviam abatido sua


patria ( *) .

CLVII.- O conde de Palmella e seus col


legas, D. Antonio de Saldanha da Gama e D.

Joaquim Lobo da Silveira , comprehenderam


logo o espirito e tendencias do congresso de
Vienna , e tomaram a posição e linguagem con
venientes .

Assim não se demoraram na apresentação da


seguinte declaração em 14 de dezembro de
1814 :

(*) LOPES DE MENDONÇA - Noticia historica sobre o duque de Pal


mella .
1
197

CLVIII . Apenas tinha decorrido o espaço

de um anno depois do tratado de commercio


de 1810 , quando os corsarios inglezes começaram
á insultar o pavilhão portuguez e a tomar indis
tinctamente os vazos portuguezes , que faziam o com
mercio dos escravos nas paragens mesmo, que

S. A. Real lhe tinha reservado pelo tratado aci


ma mencionado, em que o governo britannico ti
nha convindo ; e todas estas hostilidades tem
sido commettidas sem nenhuma explicação ou
notificação precedente de governo a governo ,
o que tem sido umu infracção do artigo 31 do
tratado de commercio de 1810 , no qual se es
tipulou precisamente o contrario .

“ Os corsarios inglezes fizeram ainda mais :


chegaram até a capturar vasos portuguezes, que
não tinham escravos abordo, e pela simples supposição
de que elles eram destinados á este trafico . E por
cumulo de violencia e usurpação até se apos

saram mesmo de alguns navios portuguezes, que


voltavam carregados com o producto da venda dos
escravos .

“ E ' logo evidente , que este comportamen


to tem sido uma hostilidade seguida , formal e

consentida, depois de um tratado solemne, pelo


qual as duas nações promettem a amizade
mais inalteravel, a alliança mais estreita, e a
garantia mais absoluta .
26
198

Portugal não tem até aqui usado de re


prezalias , como tinha direito de fazer ; e em vez
de retorção tem usado de uma moderação sem
exemplo , crendo que por tal comportamento
empenharia a honra da nação britannica á offe
recer -lhe uma reparação , que nunca podia ser
demaziado completa nem demaziado prompta ,
por offensas tanto mais graves, quanto os la
ços que unem as duas nações são mais sa
grados. O governo britannico , entretanto , tem
até o presente recusado fazer a reparação , sem
a qual os plenipotenciarios portuguezes nunca se
julgurão autorisados a prestar ouvidos á alguma
abertura da parte do ministerio britannico so
bre objecto do trafico d'escravos.
Jámais o governo portuguez teria podido con
sentir em
muitas das estipulações do ultimo tra
tado de commercio com a Gram - Bretanha , se

elle tivesse previsto , que se exigia delle tảo


promptamente a cessação do trafico d'escra
vos , que são os que cultivam o Brazil, e poem
o governo portuguez no caso de supportar as perdas
que tem experimentado por outra parte.
” Além disto , o tratado de commercio foi
rompido e violado da parte da Gram -Bretanha
pela infracção sobredita do artigo 31 do mes
mo tratado .

“ Declare logo a Gram - Bretanha, formal e


199

definitivamente, que ella mesmo tem rompido e


violado os dous tratados , e então os plenipoten

ciarios portuguezes admittirão nova negocia


ção sobre o objecto do trafico dos escravos ;
pois o governo inglez, apezar dos motivos de
philantropia, ou de monopolio colonial , que o
guiam , não deve estar menos ligado pela fé
dos tratados . »

CLIX . — Esta linguagem energica e franca ,


em face da Europa , e na presença dos repré
sentantes reunidos das principaes potencias,
confundio , como n’um grande jury , a Gram
Bretanha, accusada de faltar á palavra e a fé
dos tratados , desmascarada assim a hypocrita

philantropia com que encobria o pensamento


do monopolio colonial .
Entre aquelle positivo e cathegorico пипса

- dos plenipotenciarios portuguezes e o mono


polio colonial ; entre a declaração formal e
definitiva de que a Inglaterra tinha rompido
e violado os dous tratados de 19 de fevereiro

de 1810 , e o prospecto esperançoso de futuras


vantagens, os plenipotenciarios britannicos não
hesitaram ; passaram pelas forcas caudinas ;
reconheceram a procedencia das nossas recla
mações , a iniquidade dos seus attentados ,
e assignaram o tratado de 21 de janeiro de
200

1815 ( * ) que estipulou 300,000 libras esterlinas

de indemnização dos nossos navios aprezados


pelos corsarios inglezes .

CLX . – A quantia é o ponto mais insigni


ficante da convenção ; quando muito se apro

ximaria á metade das quantias reclamadas . O


ponto principal é o reconhecimento de que o
governo britannico havia rompido e violado
tratados , havia faltado á fé de ajustes solem
nes , havia attentado contra a soberania portu
gueza com quem estava em paz , ao lado de
quem batalhava para um fim commum , que
por elle havia - se sacrificado como o melhor ,
mais antigo e mais fiel dos seus alliados .

CLXI. — Reza a convenção que , desejando


os dous governos terminar amigavelmente todas
as duvidas relativas aos lugares da Costa d'A
frica em que era licito o trafico d'escravos ,

quer em virtude das leis portuguezas , quer dos


tratados ; e attendendo — que differentes navios
portuguezes haviam sido tomados e condemnados
por simples allegação de trafico illicito ; e em
satisfação ás reclamações do gabinete do Rio

de Janeiro , para indemnizar os portuguezes le

( *) Veja -se o tratado no fim do volume.


201

sados pelas tomadias : a Gram - Bretanha paga


ria 300,000 libras em Londres á pessoa indi
cada pelo governo portuguez , afim de que ser
vissem de indemnisação pelos navios tomados
antes do 1. ° de junho de 1814 , renunciando
o governo inglez intervir por modo algum na
disposição desse dinheiro , que seria destribuido
aos interessados segundo os regulamentos e pelo
modo como o principe regente de Portugal or
denasse .

CLXII. — “ Este tratắdo , diz Lopes de Men


donça , apreciando devidamente as circumstan
cias da época , e debaixo do ponto de vista
do futuro das nossas colonias , foi considerado
tão vantajozo aos interesses de Portugal , que
o partido, que nesse tempo promovia em Ingla
terra a extincção do trafico da escravatura ,
fortemente accusava ao ministerio inglez pelo
haver assignado , affastando- se dos principios ,
que lhe cumpria fazer prevalecer ( *) .

CLXIII. — Cumprio a Inglaterra este tratado


como era do seu dever ? Acreditará alguem ,
que essa mesma somma de 300,000 libras fosse

entregue a pessoa indicada pelo gabinete do

(*) Noticia historica citada .


202

Rio de Janeiro , sem que o governo britannico


por modo algum interviesse na sua distribui
ção ou disposição ? Não só não havia sido
pago esse dinheiro até a convenção de 28 de
julho de 1817 , como, sendo esta convenção
addicional á de 22 de janeiro de 1815 , com

a qual nada tinha a de 21 do mesmo mez


e anno que ajustou aquella indemnisação,
incluio comtudo a seguinte estipulação :
“ O primeiro pagamento de 150,000 libras
esterlinas sers mézes depois da troca das ratifi
cações da convenção de 28 de julho de 1817 !...
o segundo pagamento das 150,000 libras restan

tes, assim como os juros de 5 % devidos sobre


toda somma desde o dia da troca das ratifica

ções da convenção de 21 de janeiro de 1815 ,


tres mezes depois do primeiro pagamento !...
Em outros termos : sendo a convenção de
28 de julho de 1817 ratificada por Portugal
em 8 de novembro , somente em maio de 1818
faria a Inglaterra o primeiro pagamento , e
em agosto o segundo!
Fôra á isto que se obrigára ella pela con
venção de 21 de janeiro de 1815 ?
E a obrigação dos juros não prova , por si
só , e evidentemente , a não pontualidade bri
tannica desde janeiro de 1815 até maio e
agosto de 1818 ?
203

Falta de cumprimento da palavra, solemne


mente dada em tratado , até em materia de
dinheiro , de que se diz tão rica !
E se , a convenção addicional de 1817 não
fosse ratificada, como não devera ter sido , dei
xava a Inglaterra de pagar sem duvida o que
reconhecia dever desde janeiro de 1815 !
Isto não se commenta . - A inviolabilidade

dos tratados , diz o conde de Garden ( * ) , deve


de ser uma lei sagrada para todas as nações ,
e por isso cumpre que estas religiosamente
guardem todas as regras e obrigações , que em
virtude delles contrahiram ... - Como os parti
culares , accrescenta Jancigny ( ** ) , as nações
abusam muitas vezes de seu poder e valor
real... e avezam -se a tomar , como direito que
é seu , o que não é senão o resultado da to
lerancia , ou fraqueza, ou negligencia e des
cuidos das outras nações . Nesta restea se col
loca especialmente a Inglaterrra.—

CLXIV . —No congresso de Vienna procurou


a Inglaterra por todos os meios acabar de uma
vez o trafico d’escravos pretos -africanos. Com
este fim prometteu á França uma ilha nas In

(*) Tratado de diplomacia.


(**) Revista dos Dous Mundos .-1842
204

;
dias occidentaes, ou dinheiro ; captivou a phi
lantropica Russia , que só tinha escravos brancos ,
de cuja sorte não se tratava ; oppôz -se á no
meação de uma commissão , proposta por Tal
leyrand , para em vista dos tratados existentes

resolver sobre a extincção do mesmo trafico ,


conseguindo que o objecto fosse tratado em
reunião geral das oito potencias por contar com
o apoio da Austria , Prussia , Russia e Suecia ,
que com ella constituiam maioria !

CLXV . - Propôz. a Inglaterra : 1.° todas

as potencias declarassem adhesão ao principio


geral da completa extincção do commercio d'es
cravos ; 2.° seu voto e compromisso de realisar

esta medida no mais curto tempo, que fosse


;

possivel, quando não inmediatamente ; 3.° 0


concerto proprio , de um lado , a previnir o tra
fico illegal d'escravos, e de outro , a impedir

qualquer ataque aos direitos de uma nação


independente, que navios armados de outro
estado podessem commetter ; 4.° emfim a de
claração e compromisso de não consentirem em
seus mercados generos das colonias, cujos governos
não quizessem abolir o trafico .

CLXVI. - Os plenipotenciarios de Portugal,


França e Hespanha arcaram contra semelhante
205

pretenção, declarando nos protocollos , que tal


objecto não podia ser considerado questão de
direito publico ; protestando contra a expres
são do plenipotenciario britannico (lord Cas
tlereagh ) a qual manifestava o intento na In
glaterra - de exercer uma policia maritima — ; e,
assegurando que seus respectivos governos re
servavam-se o direito de retaliação contra as na
ções , que excluissem dos respectivos mercados os
generos de suas colonias .

CLXVII. Com tudo Portugal foi a unica


potencia, que em Vienna assignou com lord
Castlereagh , em 22 de janeiro de 1815, um
tratado sobre o trafico, no qual foi accor
dado : que o tratado de 19 de fevereiro de
1810 era declarado nullo e sem effeito em
todas as suas partes ; que ficava prohibido aos
portuguezes comprar ou traficar em escravos em
qualquer parte da Costa d'Africa ,' ao norte do
Equador, seis mezes . depois da publicação da
prohibição ; que ambas as côrtes concordariam
nas medidas que melhor contribuissem para
esse fim ; que em outro tratado determinariam
qual o periodo, em que o trafico cessaria uni
versalmente, sendo então prohibido em todos
os dominios portuguezes ; e que finalmente a
Inglaterra desistia da cobrança de todos os pa
27
206

gamentos que restassem do emprestimo de


600,000 libras esterlinas , contrahido por Por
tugal em 1809 , em consequencia da conven
ção de 21 de abril do mesmo anno, que era
declarada nulla e de nenhum effeito .

A estas estipulações fora na mesma data addi


cionado : que no caso de algum colono portu
guez querer passar aos estabelecimentos portu
guezes, ao norte do Equador,
Equador, com
com escravos ,
bona - fide, seus domesticos , para qualquer outra
possessão , poderia fazel - o abordo de navio
armado e preparado para o trafico , munido
dos competentes passaportes e certidões ; que
a Gram - Bretanha promettia sua mediação para
obter quanto antes uni amigavel arranjo da
disputa entre Portugal e França , relativa aos
limites de Cayenna , em conformidade do dis
posto no artigo 8.º do tratado de Ultrecht ;
que do 1 .: de junho de 1814 até a abolição
total do trafico , a Gram-Bretanha satisfaria ás
justas reclamações pela captura dos navios
portuguezes , que haviam commerciado nos lu

gares da Costa d'Africa , que não eram prohi


bidos . (*)

CLXVIII . — 0 gabinete do Rio de Janeiro ,

(*) Veja - se o tratado no fim do volume .


207

desejava, tanto quanto podia desejar a Ingla


terra, a abolição do trafico, e seguramente com
mais sinceridade do que ella ; porque não vi
zava o monopolio colonial ainda á custa da
existencia compromettida da industria dos ou
tros paizes.' Não admira, pois , que sem ex
forço concordassem os seus plenipotenciarios
em restringir mais o trafico, limitando-o ao
sul do Equador da Costa d'Africa, e aos res
pectivos dominios.
Além disto o tratado de 22 de janeiro foi
celebrado sob condições mais razoaveis; sobre
tudo não ferio a soberania e independencia do
governo portuguez . Conseguintemente desagra
dou aos amigos dos negros e inimigos dos
brancos, que tanta bulha faziam em Inglaterra
com a prédica desta famosa e estranha philan
tropia christā !

CLXIX.- Na sessão de 20 de março Whit


bread propôz na casa dos communs , que o
governo communicasse o que podia saber -se
acerca das decisões do congresso de Vienna ,
insistindo particularmente no objecto da extin
cão do trafico .
Na resposta de lord Castlereagh ha o seguinte
relativamente á Portugal :
“ Todas as grandes potencias decidiram , que
208

o trafico da escravatura era em si tão immoral,


que devia ser extincto da terra , para o que

davam sua palavra , que nunca julgariam cum


prida emquanto não fosse elle abolido . Portanto
considerava aquelle passo como a sentença de
morte de tão execravel commercio .
66
Portugal prometteu sem reserva abolil-o
ao norte da linha ...

A’ parte as vozerias dos philantropos ingle


zes , e voltando á convenção de 22 de janeiro ,
o que no tratado de 1810 mais devia magoar
nos , e que foi pena que na convenção de 1815
não ficasse logo accordado e decidido , era que ,
parte interessada, a Inglaterra arrogava-se o
arbitrio de arvorar- se tambem em juiz da
nossa propriedade, apresando-a , julgando-a e
condemnando-a . Os clamores contra os ante
riores abusos deviam aconselhar , que este ponto
ficasse positivamente ajustado, apezar da con
dição expressa de accordo prévio para quanto
se referisse á execução da nova convenção , da
promessa de indemnisacoes por capturas inde
vidas , etc., etc. Esta mesma disposição de
capturas em lugares da Costa d'Africa não prohi
bidos — levaria os corsarios ou cruzadores britan
nicos á repetir attentados identicos aos do pas
sado ; porquanto fariam nascer d’ahi o supremo
direito de visita pela Inglaterra tão cobiçado .
209

CLXX.- A generosidade britannica , desistindo


dos pagamentos do emprestimo de 600,000 libras,
de 1809, exige tambem ligeiro commentario.
O tratado de 21 de abril de 1809 estipulava

que S. M. Britannica consentia em propôr ao


parlamento, que sanccionasse o emprestimo de
600,000 libras, que S. A. Real desejava con
trahir em Inglaterra ; que o principe regente
obrigava -se á pagar em Londres os juros do
emprestimo, conforme fosse contratado , e reem
bolçal- o com a amortização de 5 % do capital,
sendo o pagamento dos juros e amortização
feito semestralmente ; que para este fim o prin
cipe regente hypothecava , tantos rendimentos da
ilha da Madeira quantos fossem necessarios, e
por segurança addicional empenhava tambem o

producto liquido da venda de 20,000 quintaes


de páo -brazil , annualmente remettidos para In
glaterra ; e que pelo mesmo modo seria embol

çada S. M. Britannica dos adiantamentos pecu


niarios , que fizera ao principe regente depois
da sua partida para o Brazil. Finalmente, no
caso de falta de pagamento em Londres , seria
essa falta communicada ao conselho real das

finanças da ilha da Madeira , que desde logo


ficava obrigado á enviar a somma exigida.

CLXXI. - Nenhum uzurario faria contrato de


210

emprestimo com maiores seguranças até para


pagamento das 80,000 libras adiantadas para
despeza da mudança da familia real para o
Brazil. Um inimigo não abuzaria mais das
afflictivas circumstancias da corôa portugueza ,

que declarou precizar desse emprestimo para


comprar na- Europa munições navaes e outros
artigos necessarios á sustentação da guerra com a
França , na qual fôra envolvida pela propria In
glaterra.

Aquelle fiel alliado de Portugal procedeu como


uzurario , e como inimigo . Foi lord Strangfort,
quem no Rio de Janeiro conseguira, que o
principe regente assignasse esse tratado, que
envergonharia o credito de qualquer mediocre
mercador.

Combinado o contrato de 1809 com a con


venção de 1815 , aquelle ratificado por Por

tugal em 2 de agosto de 1809 , e este em 8


de julho de 1815 , vê-se que eram passados
quazi seis annos , que Portugal pagava os juros
e amortisava o capital d'aquelle emprestimo.

Ora , tomando por baze de um ligeiro cal


culo , os 20,000 quintaes de páo -brazil, que
para esse fim eram annualmente remettidos

para Londres , é evidente que , só com o pro


ducto da venda do páo -brazil havia o governo
britannico recebido mais de 600,000 libras !
211

A demonstração é facilima. O páo- brazil fôra


nesse tempo cotado em Londres de 95 a 100
libras por tonellada ; portanto 20,000 quintaes ,
reduzidos a 1,481 tonnelladas e 26 arrobas,

importaram annualmente em 140,740 libras , e


em 5 annos em 703,700 libras , desprezadas
as fracções e mais de dous mezes , feito o
calculo pelo preço minimo de 95 .
Se a venda fosse pelo preço maximo de 100
libras , o producto annual seria de 148,148
libras, e no quinquennio de 740,740 libras .
O termo medio é pois de 722,220 libras no
quinquennio decorrido .
A que somma reduzia-se , pois , a generosi
dade do artigo 5.º do tratado de 1815 , si
a generosa já em si tinha o capital integral,
sem allegar ao menos que desistia apenas de
parte dos juros ?!

CLXXII.-- Com tudo , sob o tristissimo as

pecto da dependencia de Portugal á Gram - Bre


tanha , cujo poder era colossal n'aquella época ,
tomando parte activa em um congresso , em que
dominavam - 0 arbitrio, egoismo , despotismo ,

e principios reaccionarios impostos pelas armas ,

e representada pelo visconde de Castlereagh ,


marquez de Londonderry, que apezar de ir
landez nem havia antes recuado diante da in

1
212

gratidão de arrancar aquelle reino toda su


existencia politica , este tratado, creio, foi una
victoria dos plenipotenciarios do gabinete do
Rio de Janeiro , porque não succumbiram á pres
são britannica , estatuiram estipulações decorosas ,
mataram o tratado de 1810 , e firmaram a obriga
ção das indemnisações pelas capturas illegaes até
a total abolição do trafico , além de obrigarem a
Gram -Bretanha a reconhecer a procedencia das
anteriores reclamações pelos attentados da sua
marinha, e de procurarem diminuir o mal do
tratado de Pariz quanto aos limites de Cayenna .

CLXXIII. No Courier de 25 de fevereiro


( 1815 ) lê - se o seguinte resumo das discussões
do congresso de Vienna relativamente ao trafico
da escravatura :

As discussões acerca da abolição do com


mercio da escravatura occuparam o congresso
em muitas sessões. Lord Castlereagh , por quem

está -se esperando no parlamento, desejava muito


concluir este negocio , antes da sua partida , para

ser portador de tão boas novas. Depois de alguma


opposição da parte das potencias maritimas con
seguio emfim , que o negocio se discutisse em
uma assembléa , em que estivessem os plenipo
tenciarios das oito potencias , que assignaram o
tratado de Pariz .
215

66
Esta assembléa constou das pessoas se
guintes : Talleyrand , Metternich , Nesselrode ,
Humboldt, Labrador, Castlereagh , Lowenheilm ,
e Palmella Souza .

“ Na primeira conferencia , á 14 de janeiro ,


a França , Hespanha e Portugal declararam ,
que sem duvida estavam pelo principio 'da
abolição ; mas que o interesse dos vassallos,
que tinham propriedades nas colonias, os obri
gava a serem mui circumspectos afim de que ,

por se fazer bem aos negros , não se causasse a


ruina dos brancos.

“ No dia 20 lord Castlereagh tentou conse


guir, que se decidisse immediatamente a abo
lição , porém encontrou fortissima opposição da
parte da Hespanha e Portugal.
Mr. Labrador declarou — “ que a Hespanha

“ tinha -se somente obrigado pelo tratado de 5


“ de julho de 1814 á cuidar nos meios de
66
abolir este commercio ; que a corte de Hes
panha todavia , em consequencia das repre
66
sentações do embaixador britannico , havia
fixado a abolição definitiva no fim de oito an
nos, e que no entanto tinha limitado este
66
commercio ás Costas d’Africa , situadas entre
“ O Equador e 10 gráos de latitude norte .
66
Isto era , pois, quanto podia ser concedido,
considerando a situação das colonias de Cuba
28
214

e Porto Rico, para as quaes a introducção


d'escravos , até agora interrompida pelos
navios inglezes, tornava -se muito necessaria

“ afim de conservar os novos estabelecimentos .


“ O Sr. Palmella Souza , plenipotenciario por
tuguez , tambem declarou — " que Portugal, pelo
“ tratado de 19 de fevereiro de 1810 , havia
“ somente promettido gradual abolição do mesmo
commercio ; que o principe regente já o tinha
“ limitado ás suas possessões d’Africa , e havia
“ mandado fazer regulamentos para conservar
66
a saude dos negros, e diminuir todos os
“ males que soffriam na viagem ; que os na
66
vios inglezes, em quebrantamento ilo tratado
“ de commercio , haviam tomado aos seus vas
sallos, em tempo de paz, 10 á 12,000 ne
66
gros, o valor dos quaes subia a tres milhões
66
de piastras ; e que , si estes negros houves
“ sem chegado ao Brazil, teriam certamente
“ accelerado muito a época da abolição. Por
tugal, com tudo, concordava em aboliro
commercio d'escravatura no fim de oito an

nos, com a condição de que a Inglaterra re


“ nunciasse tambem á certas clausulas oppressivas
“ do tratado de 1810. "

“ Lord Castlereagh foi buscar então para

padrinho o cardeal Gonsalvi, e quiz que elle


publicamente declarasse , que o commercio de
215

escravatura era não só immoral, porém pessi


mo . Todavia , consta - nos com toda certeza ,

que o bom do purpurado, em lugar de deci


dir este novo artigo de fé, como pretendia lord
Castlereagh, lhe retorquira antes— " que era
“ muito para estranhar que a Inglaterra , tão
philantropica para com os negros, tolerasse
66
de certo modo os barbaros, que mesmo actu
“ almente infestavam as costas da Italia com

maior ousadia do que nunca tinham prati


“ cado no tempo do imperio francez, apezar
66
de que este imperio apenas tinha uma ma
rinha , e os mares andavam cobertos de na
“ vios inglezes. ”

“ Esta resposta picante foi auxiliada por ou


tras das differentes potencias ,
66
Na sessão de 28 de janeiro a Inglaterra
fez pomposa declaração acerca da immoralida
de deste commercio ; porém as outras poten
cias exigiram , que fosse a questão simplifica
da para ser entendida melhor.
“ À Hespanha observou , que a Inglaterra
mostrava agora demasiada pressa em concluir
um negocio , que seu parlamento havia discu
tido desde 1788 até 1807 , tempo que os plan

tadores inglezes aproveitaram para dobrar o


numero dos seus escravos ; de sorte que a Ja
maica continha hoje 400,000 escravos e 40,000
216
0

brancos , quando Cuba apenas tinha 212,000


negros e 274,000 brancos .
66
Na quarta sessão , a 3 de fevereiro, propoz
lord Castlereagh , que a mesma assembléa dos
embaixadores se reunisse em Pariz ou Londres

para tratar da execução de todos os arranjos,


que sobre este ponto se adoptassem . Esta pro
posta , porém , foi regeitada , porque tendia a
dar demasiada influencia á Inglaterra sobre
pontos da legislação interna dos outros pai
zes .

“ A outra proposta para ser prohibida toda


exportação de generos coloniaes d'aquellas co
lonias , que continuassem no commercio da es
cravatura , provocou tambem calorosa discusão.

0 embaixador hespanhol chegou a ameaçar


com represalias .
“ Em 7 de fevereiro os negociadores con
cordaram emfim em uma convenção para a

gradual abolição da escravatura . ”

CLXXIV .--Não foi convenção , foi declaração,


que appareceu com data do dia seguinte , 8 de
fevereiro, sobre a necessidade da abolição do
trafico , medida que ficou assim reconhecida
no direito das gentes .
Eis a declaração :
“ Os plenipotenciarios das potencias, que
217

assignaram o tratado de Pariz , de 30 de maio


de 1814 , reunidos em conferencia :
Tendo tomado em consideração :

“ Que o commercio , conhecido pelo nome


de trafico-dos-negros -d'Africa , tem sido reputado
pelos homens justos e esclarecidos de todos os
tempos como repugnante aos principios de hu
manidade e moral universal ;

Que as circumstancias particulares , ás quaes


semelhante commercio deve a origem , e a diffi
culdade de bruscamente interromper - lhe o curso ,
poderam de algum modo encobrir quanto ha de
odioso na sua conservação , mas que emfim a
opinião publica levantou -se nos paizes civili
zados para pedir que fosse quanto antes sup
primido ;
Que, conhecidos melhor o caracter e cir
cumstancias deste commercio , assim como des
vendados completamente os males de toda especie
que o acompanham , muitos governos europeus
resolveram fazel -o cessar, e que successivamente
todas as potencias, possuidoras de colonias nas

differentes partes do mundo, reconheceram , ou


por actos legislativos , ou por tratados e outros
empenhos formaes , a obrigação e necessidade de
abolil- o ;
“ Que por um artigo separado do ultimo tratado
de Pariz a Gram - Bretanha e a França empe
218

nharam - se a reunir seus esforços no congresso


de Vienna para fazer decretar por todas as
potencias da christandade a abolição universal
e definitiva do trafico -dos-negros; (*)
Que os plenipotenciarios reunidos neste con
gresso não poderiam honrar melhor a sua missão ,
cumprir seu dever, e manifestar os principios,
que dirigem seus augustos soberanos, do que
trabalhando para realizar este empenho , e pro
clamando em nome de seus soberanos o voto
de pôr termo á um flagello, que por tanto tempo
tem devastado a Africa , aviltado a Europa, e
affligido a humanidade :
“ Os ditos plenipotenciarios concordaram em
abrir deliberações sobre os meios de conseguir
tão salutar objecto pela declaração solemne dos
principios, que os tem guiado neste trabalho.
“ Por conseguinte, devidamente autorizados
para este acto pela unanime adhesão de suas
respectivas côrtes ao principio enunciado no dito
artigo separado do tratado de Pariz , declaram
á face da Europa que, considerando a abolição
(* ) Eis o artigo : « S. M. Christianissima participando sem reserva
de todos os sentimentos de S. M. Britannica relativamente á um
genero de commercio, que repellem tanto os principios de justiça
natural, como as luzes do tempo em que vivemos, empenha-se
á unir, no futuro congresso, todos os seus esforços aos de S. M.
Britannica afim de fazer pronunciar por todas as potencias da chris
tandade a abolição do trafico-dos-negros. »
219

universal do trafico dos negros como medida


particularmente digna de sua attenção , conforme
ao espirito do seculo , e aos principios geraes
dos seus augustos soberanos, estão animados
do sincero desejo de concorrer para a execução
mais prompta e eſficaz desta medida por todos
os meios á sua disposição, e de proceder no
emprego destes meios com todo zelo e per
severança , que devem á tão grande e bella
causa .
“ Com tudo , bem instruidos dos sentimentos
dos seus soberanos para não preverem que ,

por mais honrozó que seja seu fim , não 0


conseguirão sem que attendam com justiça para os
interesses, habitos , e até prevenções de seus sub
ditos , os ditos plenipotenciarios reconhecem tam
bem , que esta declaração geral não poderá pre
judicar o termo , que cada potencia possa considerar
como mais conveniente para a abolição definitiva

do commercio dos negros . Portanto a determi


nação da época , em que este commercio deve
universalmente cessar , será objecto de negociação

entre as potencias , bem entendido , que se não


desprezará meio algum proprio para assegurar
lhe e accelerar - lhe a marcha , e que o empenho

reciproco, contrahido pela presente declaração


entre os soberanos que nella tomaram parte ,
não será considerado como satisfeito senão no
220

momento, em que seus esforços reunidos sejam


coroados de completo successo .
Levando esta declaração ao conhecimento
da Europa , e de todas as nações civilisadas da
terra , lisongeam - se os ditos plenipotenciarios
de empenhar todos os outros governos , prin
cipalmente aquelles que abolindo o trafico dos
negros manifestaram já os mesmos sentimentos,
a apoial-os com seu suffragio em uma causa,
cujo final triumpho será um dos mais bellos mo
numentos do seculo , que a abraçou e terminou
gloriosamente.

CLXXV .-- Qual o valor realmente humanitario


desta proclamação, estrepitosa ostentação do re
conhecimento e respeito dos direitos individuaes ,
naturaes e politicos, por estados que conser
vavam a escravidão não só de negros como de
brancos, não de estranhos e barbaros africanos,
como dos proprios habitantes desses paizes e
outros da Europa ?
Quem acreditaria na sinceridade desse voto
de amor pelos africanos, estrondando no con
gresso de Vienna, onde a força material suffo
cava a moral, o interesse matava o direito, a
conquista aniquilava reinos e povos, o despo
tismo procurava estrangular todas as liber
dades ?
221

XXVI - Sim , a Russia assignava essa


CLXXVI. fe
mentida declaração em Vienna , e pouco depois
declarava ainda em Aix -la- Chapelle ( 7 de no
vembro de 1818 ) que não havia questão , que

ella tomasse mais á peito , e com mais vivo


interesse , do que a abolição do trafico , para
corresponder aos mandamentos da religião christã e
aos votos de humanidade; mas , por um despo
tismo mais clamoroso , mais contrario aos man
damentos da religião christã e aos votos da

humanidade, não só conservava em seu grande


imperio territorial o direito da escravidão , como,
muito mais barbara do que os portuguezes , escra
visava os proprios vassallos russianos , que só
mente libertava 46 annos depois !

CLXXVII . — Sim , a Austria e a Prussia as

signavam a mesma declaração, porque não tinham


o menor interesse á sacrificar na medida , como
é evidente que não podiam ser enternecidos
pela sorte dos africanos aquelles corações em
pedernidos aos gritos de angustia dos povos
vizinhos e irmãos , que desapiedadamente es

trangulavam , cruxificavam e devoravam , ainda


palpitantes as entranhas.

Ha pouco ainda , 49 annos depois , o que fi


zeram aos ducados d'Elba ? Como , os respeita
dores dos direitos sagrados dos pretos -africa
29
222

nos , respeitaram os direitos sagrados dos bran


cos dinamarquezes ?
E desavindas por ciumes de preponderancia
não está ahi a Prussia ainda hontem vencendo

a Austria , e por seu turno empolgando terri


torios , avassallando povos e reinos ?
E todas tres , Russia , Prussia e Austria ,
evangelistas africanistas , não estão ainda hoje
a sustentar retalhada e acorrentado o grande
povo polaco , cujos gemidos são sempre affo
gados em sangue ?

CLXXVIII. - Sim , a Inglaterra provocava e

assignava essa apparatosa manifestação de sen


timentos humanitarios , ella que nunca os teve
nem sentio por um só povo estrangeiro , e
cuja historia tenebrosa só é comparavel á da
Russia ; mas apenas em 1834 decretava , e em
1838 fingia executar a abolição da escravidão ;
porém depois substituia o trafico d'escravos ,
que custava dinheiro , pelo d'escravos de
graça , plantações de graça , territorios de
graça , soldados perpetuos de graça , e eternos
como a vida humana dos pobres africanos ; e
comtudo continuava até hoje a ter milhões d'es
cravos brancos na India !

E a conquistadora e perseguidora da Irlanda


a chorar ternuras pela Africa !
223

Os philantropicos inglezes só depois de ple


thoricos prégavam a abstinencia . (A Jamaica,
por exemplo, que em 1787 tinha apenas 250,000
escravos , na época da abolição só ella possuia
400,000 !...) Conhecendo bem o caminho por
onde chegaram á riqueza procuravam destruil- o
para que outros 0 não trilhassem . Sem reli
gião , sem humanidade , sem dedicação por
povo algum , e egoista por indole e tempera
mento, a Inglaterra proclamava os direitos dos
escravos-africanos, que lhe não pertenciam , e
desconhecia esses mesmos direitos nos milha
res d'escravos pretos e brancos, que povoa
vam suas bellas colonias !

CLXXIX . Na quarta e ultima conferencia


os plenipotenciarios portuguezes apresentaram
a seguinte nota :
“ Os abaixo-assignados, plenipotenciarios de
S. A. Real o principe regente de Portugal, no
congresso , conformando - se com as beneficas e
liberaes vistas do seu augusto amo , não tem
hesitado em unir-se aos plenipotenciarios das
outras côrtes , que assignaram o tratado de
Pariz, para attestar publicamente, por uma
declaração solemne , o seu desejo de accelerar a
época , em que possa ter lugar a cessação
geral e absoluta do trafico dos negros.
224

Segundo o mesmo principio tem elles já


tido a honra de annunciar, na conferencia de
28 de janeiro, o ajuste que acabavam de con
cluir em nome de S. A. Real, em um tratado
com S. M. Britannica, afim de prohibir immediata
mente aos navios portuguezes este commercio
em todas as costas d'Africa, situadas ao norte
do Equador, ajuste este muito mais extenso do
que o que tinham feito as outras potencias , que
continuam ainda o trafico.
“ Os abaixo-assignados se lisongeam de ter,
no decurso da discussão, que houve á este res
peito entre os plenipotenciarios, demonstrado
até a evidencia os obstaculos, que impediam
á S. A. Real o principe regente de Portugal
0 seguir na extincção do trafico uma marcha
demasiadamente precipitada , que destruiria a pros
peridade nascente dos seus estados da Ameri
ca, e causaria a ruina de grande numero de
seus subditos na America. Entretanto elles tem
declarado , na conferencia de 20 de janeiro,
que Portugal se obrigaria, assim como fez a
Hespanha , a abolir definitivamente o trafico de
escravos no fim de oito annos, mas que elles eram
obrigados à exigir , como uma condição indispen
savel para esta abolição final , que S. M. Britan
nica se prestasse de sua parte ás mudanças, que
elles propunham , no' systema commercial entre Por
225

tugal e a Gram - Bretanha , visto que a prohibição,

que se tinha em vista , devia necessariamente cau


sar variações em todo systema commercial dos es
tados portuguezes.
Depois de todas estas explicações, tão
francas como precisas, os abaixo - assignados

esperavam ter convencido os plenipotenciarios


das altas potencias , que assignaram o trata
do de Pariz , da impossibilidade, em que se
acha S. A Real o principe regente de Portu
gal, de ultrapassar as medidas, que tem an
nunciado , sem prejudicar os interesses de seus
subditos.

“ E ' pois com pezar, que elles ouviram na


conferencia de 4 deste mez uma proposição de

S. Ex . mylord Castlereagh , tendente á fazer


vêr, que se reservavam a empregar ainda outros
meios, além dos de negociação , para obrigar as
potencias, que continuassem o trafico além de cinco
annos, á adoptar forçadamente uma medida, que
não pode jámais ser requerida senão como um
acto voluntario de toda potencia independente .
Elles crêm , que é do seu dever declarar

nesta occasião , que S. A. Real o principe re


gente de Portugal se reserva ( quaesquer que
sejam seus ajustes precedentes com as outras
potencias, que prohibirem em seus estados a
introducção das mercadorias coloniaes portu
226

guezas ) , a exercitar uma retorção bem justificada,


prohibindo em seus estados , de sua parte , im

porlação dos productos commerciaes das nações,


que tiverem adoptado á seu respeito uma medida
tão extraordinaria .

* Os abaixo-assignados se aproveitam desta


occasião para assegurar á SS . EEx . os ple
nipotenciarios das potencias, que assignaram o
tratado de Pariz , a sua maior consideração ,
pedindo que a presente declaração seja trans
cripta por inteiro no protocollo das conferen
cias da commissão. "

GLXXX . — Deste protesto deduzem -se os se


guintes corollarios :
1. ° Que apenas 15 dias depois de ter Por
tugal ajustado limitar o trafico prohibindo -o
em todos os seus dominios ao norte do Equa
dor , a Inglaterra procurava transformar a pres
são que sobre elle exercia em ameaça formal
de forçal-o á abolição completa dentro do pra
zo fatal, que aprazia -lhe declarar de cinco annos.
2. ° Que , tendo Portugal promettido abolir
totalmente o trafico dentro de oito annos—desde
que as variações , que esse facto necessaria
mente traria ao systema commercial dos estados
portuguezes, fôsse compensada pelas mais ra
zoaveis mudanças no seu systema commercial
227

com a Inglaterra -- lord Castlereagh communicou


ao parlamente somente a promessa, mas não
a condicção ! ( CLXXII ).
Eis a boa fé , o espirito de civilisadora hu
manidade da Inglaterra! Eis como tratava com
seu antigo, leal e fiel alliado !

CLXXXI . — Nada mais justo do que a ra


zoavel exigencia dos plenipotenciarios do gabi
nete do Rio de Janeiro, quanto á mudança do
systema commercial , que fôra imposto pela
Inglaterra no tratado de 1810 ; e se a Ingla
terra procedesse com sinceridade e lisura não
deixaria de aceitar essa proposta , que resolvia
finalmente a extincção do trafico , sem a com
pleta ruina do Brazil e Portugal.
Longe disto , lord Castlereagh não discutia,
ameaçava; não queria a igualdade dos direitos
das potencias com quem tratava, não queria
respeitar os seus interesses mais legitimos; pelo
contrario , mostrava-se arbitrario e usurpador
dos direitos , verdugo dos interesses !

CLXXXII . — Os plenipotenciarios portuguezes,


portanto , que não tinham a docilidade de um
conde de Funchal, para denegrir as paginas
dos annaes do seu paiz , não só fizeram aquelle
228

protesto , como ainda em 11 de fevereiro pas


saram esta nota a lord Castlereagh:
“ Os abaixo -assignados. . . tendo por muitas
declarações officiaes admittido o principio da
abolição total do trafico para Portugal em oito
annos sob a condicão expressa de que S. M. Bri
tannica se prestaria de sua parte a abolir o tra
tado de commercio de 19 de fevereiro de 1810 ,
esperam da franqueza, com que S Ex . mylord
Castlereagh tem conduzido até o presente esta
negociação , que elle se servirá antes de sua
partida deixar -lhes um documento , que possa
cobrir a sua responsabilidade , respondendo por
escripto á esta nota , que não terá difficuldade
em continuar a negociação sobre estas duas bases
com os ministros , que S. A. Real , o principe
regente de Portugal, autorizar para este fim ... ”

CLXXXIII. —Lord Castlereagh respondeu dous


dias depois , a 13— “ que era preciso prezer
var o seguimento, que sua côrte resolvesse,
para accelerar a abolição do trafico dos es
cravos, totalmente desligado de condicções algumas;
mas que não tinha difficuldade em assegurar
que não só estava prompto, como desejava,
entrar sem demora, da parte do seu governo,
na negociação do novo tratado de commercio ,
na esperança de que podia firmar-se um ajuste
229

mais agradavel ás vistas de ambas as nações ,


e que experimentaria o maior prazer se tivesse
a boa fortuna de concluir com os plenipoten
ciarios portuguezes um accordo , que podesse
levar o governo portuguez a accelerar a abolição
final do trafico dos escravos .

Mas , apezar da boa vontade britannica e da

perseverante insistencia dos plenipotenciarios ,


não foi possivel conseguir a alteração de uma
só virgula desse iniquo tratado de commercio !
Tratando com Portugal desejava lord Cas
tlereagh, que este decretasse a abolição total
do trafico, desligada totalmente de quaesquer con

dições ; mas procedia com a propria França


vencida de maneira muito differente.

CLXXXVI. Além da carta , que o prin

cipe regente da Inglaterra escrevera de seu


proprio punho a Luiz xviii , em 5 de agosto
de 1814 , pedindo-lhe que fizesse accelerar a
declaração da abolição, lord Castlereagh escre
veu ao principe de Talleyrand , em 8 de ou
tubro , propondo-lhe — “ que a Gram - Bretanha
cederia á França , em plena soberania , uma

1 ilha nas Indias occidentaes , ou , se lhe fosse

mais agradavel, adiantaria uma somma de di


nheiro para ser applicada pelo governo francez
em que eficio dos seus colonos , em compensação de
30
230

quaesquer perdas que soffressem , em consequencia


de ser immediatamente abolido 0 commercio da
escravatura, em vez de o ser no fim de cinco

annos , como, foi estipulado no primeiro artigo


addicional da paz de Pariz . "

CLXXXV . Tres dias depois, 11 , respon

deu - lhe o principe de Talleyrand que os


sentimentos d'el-rei, relativamente á esse ge

nero de trafico, o faziam desejar sinceramente


que sua immediata abolição fosse compativel
com um interesse , a que devia subordinar
as suas determinações, o interesse do seu reino
e de suas colonias . Porém o estado destas não

lhe era ainda conhecido , e até havia uma parte


dellas de que Sua Magestade não havia tomado
ainda posse . Assim , dos elementos sem os quaes
era impossivel formar opinião alguma em ma
teria tão grave, uns faltavam absolutamente,

outros seriam obtidos nos portos e cidades


commerciaes , d'onde tinham já sahido ou es
tavam promptas á sahir muitas expedições ,
contando sobre a fé do tratado de 30 de maio .

Era preciso , antes de qualquer outra cousa ,


reunir todas as informações , comparal-as de
pois , e discutil - as , o que necessariamente exi

gia tempo . Além disto era preciso preparar a


opinião , e vencer os prejuizos, contra os quaes
231

não havia em França, como havia na Ingla


terra , o soccorro da experiencia .
CLXXXVI. Nenhum homem d'estado dei
xará de applaudir esta resposta do plenipoten
ciario francez ; ella calou no animo de todo
congresso inimigo, e dá a verdadeira explica
ção dos termos vagos , em que foi concebida a
declaração solemne de 8 de fevereiro. (clxxiv ).
Assim , pela habilidade diplomatica do principe
de Talleyrand , pelos dotes extraordinarios com
que a providencia dotára aquella robusta in
telligencia, a França esmagada neutralizava
nesta questão os dourados sonhos do monopolio
colonial britannico .

CLXXXVII.-- Funccionava tranquillamente o


congresso de Vienna, quando estalou em seu
seio a noticia de que Napoleão , partindo da
ilha d'Elba , pisára o territorio francez em Frejus ,
no 1.º de março (1815).
Como estavam ainda reunidos em Vienna di
versos monarchas, não perderam tempo em com
binar medidas contra o imperador .
Em 13 de março declararam que Napoleão,
rasgando a convenção que o estabelecera na
ilha d'Elba, collocara-se fóra das relações civis
e sociaes , e que estavam firmemente resolvidos
232

a sustentar intacto o tratado de Pariz (30 de


maio).
Em 25 a Gram -Bretanha , Russia , Austria e
Prussia assignaram tratado de alliança , reno
vando o de Chaumont, e com fim exclusivo
de sustentar o rei de França contra Napoleão ,
estipulando a entrada em campanha de um
exercito combinado , e que as altas partes con

tratantes obrigavam -se a não largar as armas


sem attingirem o alvo da guerra , pondo Napo
leão na impossibilidade de perturbar a ordem e
apoderar-se do poder em França .
Em 30 de abril a Inglaterra obrigou -se á for
necer o subsidio de cinco milhões de libras
esterlinas.

Portugal, e successivamente os outros estados


soberanos, adheriram ao tratado de 25 de março ,

apresentando esta formidavel coalição 900,000


combatentes em armas.

De posse do poder, sem embaraço serio da

parte dos francezes, Napoleão escreveu aos so


beranos europeos pedindo paz ; não lhe respon
deram . Organisou logo um exercito ; entrou na
Belgica em 15 de junho ; á 16 ficou victorioso
em Ligny, mas á 18 vencido em Waterloo .

CLXXXVIII. - Um dos grandes actos de Na

poleão nos ultimos afadigosos cem dias do seu


233

poder foi o decreto de 29 de março , abolindo to


talmente o trafico de africanos , assim concebido :
Artigo 1.º Desde a data da publicação do pre
sente decreto o commercio dos negros fica abolido.
Nem se permittirá, que para este commercio se
prepare algum armamento , quer seja nos portos
de França , quer nos das nossas colonias .

Artigo 2.° Não será importado ou vendido em


nossas colonias negro algum do producto deste
commercio, seja elle francez ou estrangeiro .
“ Artigo 3.º As infracções deste commercio se
rão punidas com a confiscação de navios e cargas,
a qual será imposta e pronunciada pelasnossas
relações e tribunaes.

Artigo 4.° Comtudo , todos os proprietarios de


navios, que antes da publicação do presente
decreto tiverem já expedido alguns armamentos
para este commercio , poderão vender os seus
productos em nossas colonias.

CLXXXIX . - Restaurado Luiz xviii no throno

francez trataram as principaes potencias colli


gadas, Austria , Russia , Prussia e Gram -Bretanha
de serem indemnizadas. O conde de Palmella

e D. Joaquim Lobo da Silveira , que estavam


então em Pariz , dirigiram em 23 de setembro

a seguinte nota aos plenipotenciarios d'aquellas


quatro potencias :
234

• Os abaixo -assignados ... receberam a par


tecipação official, que Suas Altezas e Excellencias,
os ministros dos gabinetes d’Austria, Russia ,
Gram -Bretanha e Prussia , fizeram a honra de
lhes enviar com data de 19 do corrente . Os
abaixo-assignados não podem deixar de appro
var as bases do arranjo , que as quatro poten
cias acima mencionadas julgaram convenien
temente propôr ao governo de S. M. Chistianis
sima , e na qual parecem haver combinado,
tanto quanto as circumstancias permittiam , o
objecto essencial da coalição, isto é, o restabe
lecimento da tranquillidade da Europa sobre
bases solidas, que garantissem as justas indem
nidades reclamadas por todos os estados, que
tiveram parte na alliança.
Os abaixo -assignados ficam mui agradecidos,
aos ministros d’Austria, Russia, Gram-Bretanha
e Prussia , pela certeza que lhes dão de lhes
communicarem a resposta do governo francez,
e todas as mais resoluções, a que ella pode
dar occasião , afim de estarem habilitados para
contribuir, segundo o espirito dos tratados, para
o final resultado das negociações. As quatro po
tencias, que assignaram o tratado de alliança
de 25 de março, nunca perderão certamente
de vista o facto importante, que Portugal não
só accedeu , por um tratado formal, aquella
235

alliança, mas tambem que, na qualidade de


parte assignante, e pela garantia da execução
dos tratados de Pariz e Vienna , deve sem du
vida entrar como uma das partes principaes
em todos os arranjos, que se fizerem para rec
tificar qualquer artigo dos sobreditos tratados.
“ Os abaixo -assignados, convencidos da im
portancia das actuaes circumstancias , e do in
teresse que devem ter as potencias em concluir
promptamente estas negociações , não pretendem
impedir os seus progressos por alguma nova re
clamação da sua parte contra a França ; porém
julgando , que os sacrificios pecuniarios, que se
vão exigir d'aquella potencia , devem ser des
tinados não só para pagar as despezas da guerra ,
mas tambem reembolçar cada uma das poten
cias alliadas dos preparativos e despezas, que
os successos recentes motivaram , elles portanto
reclamam , em nome e por autoridade de S.
A. Real o principe regente de Portugal, o di
reito de participarem das contribuições, que vão
ser impostas á França ; e á vista destas razões
confiam tudo da justiça e imparcialidade das
altas potencias , a quem dirigem as suas recla
mações .
66
Os abaixo -assignados, tanto que se soube
em Vienna da fugida de Napoleão Buonaparte,
interpretando as intenções de seu augusto so
236

berano, e convencidos do effeito moral, que


produziria a estreita e immediata união de todas
as potencias, assignaram sem hezitar as decla
rações de 13 de março e de 12 de maio ; e
por consequencia , desde aquelle momento , em
nome da sua côrte, contrahiram as obrigações
mais solemnes . Seguindo constantemente a mesma
politica , os abaixo -assignados foram os primeiros
que formalmente accederam ao tratado de alliança
de 25 de março ; e immediatamente o commu
nicaram á regencia de Portugal, que logo cuidou
em todos os preparativos necessarios para pôr
o exercito em pé de guerra . Se aquelle exer
cito ainda não havia entrado em campanha ,

quando terminaram as hostilidades, toda causa


se deve attribuir a assignalada victoria , que tão

promptamente acabou com a guerra , e á dis


tancia em que está o soberano de Portugal, sem
ordem do qual era evidentemente impossivel,
que um governo delegado pudesse tomar sobre
si a responsabilidade de fazer marchar as tropas
para fóra do reino em cumprimento de um
tratado ainda não ratificado . Esta circumstan

cia então não pode annullar nem por forma


alguma diminuir o direito , que reclamam os
abaixo -assignados, de serem considerados e trata
dos como todos os outros membros da alliança ; e
pois que Portugal esteve sempre prompto para
237

fazer quanto legitimamente delle podia esperar


se , as despezas occasionadas pelos preparativos

da guerra , e feitas sem auxilio de algum subsidio


estrangeiro , devem ser -lhe pagas da somma des
tinada para estas indemnidades.
“ Si houvesse de adoptar -se por base não
se admittirem a participar destas contribui
ções senão os exercitos, que tiveram parte
activa na guerra , este motivo daria occasião a
grandes excepções. Cada uma das potencias
alliadas inquestionavelmente cumprio com os
deveres a que se tinha obrigado , e contribuio
mais ou menos activamente , segundo a sua

posição , para o feliz resultado da guerra ; mas


ao mesmo tempo os exercitos da Russia , Aus
tria , Sardenha , etc., não podiam chegar ao
theatro da guerra senão quando o seu resul
tado já estava decidido ; o contingente dina
marquez apenas só ainda havia passado as
suas fronteiras, quando as hostilidades cessa
ram ; e Portugal, situado politica e geogra
phicamente em uma posição mais distante ,
não podia nestas circumstancias deixar de ser
o ultimo. Mas quando os successos da guerra
tivessem sido desfavoraveis , elle inquestiona
velmente, em virtude de suas estipulações , se
acharia exposto a todos os inconvenientes que
d'ahi rezultassem , sem ter direito de quei
31
238

xar -se , ou de accusar a sua inactividade in

voluntaria . E pois se em tal caso elle devia


participar de todos os males que occorressem
não será agora , que tambem
justo participe
das indemnidad es que lhe competem ?

“ Os abaixo -assignados só tem querido até


aqui considerar a questão debaixo do ponto
de vista da ultima guerra , porque suppõe ha
ver -se posto como base não se admittirem

outras reclamações. Todavia , se parecer im

proprio , relativamente á Portugal, dar alguma


attenção aos successos anteriores ao anno de
1815 , e se , deixando-se de parte os exemplos ,
a intenção é estabelecer como principio , que
as indemnidades, exigidas da França , só tem
por objecto compensar as despezas da ultima
guerra ; não seria justo ao menos, que as ob
jecções, que se podem fazer á Portugal de

baixo deste ponto de vista , fossem contrapesa


das por outras muitas' incontestaveis razões,
que tambem póde allegar em seu favor ?
A França extorquio de Portugal,. nos annos
de 1801 e 1814 , a somma de 40 milhões de
francos por lhe conceder tratados de paz, que
immediatamente depois violou. Os exercitos

francezes por trez vezes invadiram Portugal,


e ali commetteram devastações e horrores, que
são conhecidos de todo mundo. A nação por
239

tugueza supportou , pelo espaço de seis annos ,


uma guerra desproporcionada para suas forças,
por defender à sua independencia e a inde
pendencia da Europa . No fim da guerra acha
va-se o exercito portuguez no coração da França ,
depois de haver constantemente participado de
todos os felizes destinos do exercito britannico .

E apezar de tudo isto , na concluzão da paz ,


S. A. Real o principe regente de Portugal foi
quaži só o unico dos alliados, que não teve
augmento de territorio , que não teve indem
nidades, que não ganhou cousa alguma, e até
se vio em tal situação , que foi obrigado a
restituir a França a colonia de Cayenna , que
por muitos titulos e razões talvez bem deze

jasse conservar .
Taes são os titulos, que Portugal poderia
allegar a seu favor ; e os abaixo -assignados
se lisongeam de que os augustos soberanos ,
agora juntos em Pariz , avaliarão bem toda
sua força , e sentirão quam duro seria excluir
Portugal de alguma parte das contribuições
exigidas da França . Além disto , as vantagens ,
que poderiam ter as outras potencias com a
sua excluzão seriam bem insignificantes , por

que admittindo-se á esta participação unica


mente as potencias , que formalmente accede
ram ao tratado de 25 de março , e que tem
240

tropas em França , só Portugal e Dinamarca


ficariam excluidas.”
Baldado intento, esforços vãos ! A necessidade
e perigo estavam passados. A victoria não foi
partilhada como antes haviam sido os sacri
ficios.

CXC . - Em 1815 conseguio -se, porém , alguma


vantagem quanto aos limites de Cayenna, de
clarando o congresso, que o rio do Cabo de
Orange fôra sempre considerado por Portugal como
limite fixado pelo tratado de Utrecht. Sómente
muito posteriormente á esta declaração solemne
( em setembro de 1816) foi que o gabinete do
Rio de Janeiro expedio ordens para Cayenna
afim de ser entregue á França, mas sob con
dição de fixação definitiva dos limites, o que
até hoje (1868) ainda não pôde ser conseguido.
Comtudo, mesmo neste reconhecimento , quer
a Inglaterra, quer a França, não foram leaes
á Portugal, porque acrescentaram que os li
mites então fixados eram provisorios !

CXCI. - 0 gabinete do Rio de Janeiro não


poupava esforços para mostrar-se mais que ra
zoavelmente condescendente , em contraste com
o procedimento injusto, e muitas vezes inqua
lificavel, da Inglaterra principalmente.
241

Apezar disto, continuava a ser accusado no


parlamento inglez .

CXCII.— Em junho de 1816 depois de fal


larem alguns membros do parlamento sobre o
trafico , e com a exageração habitual, levantou -se
W. Smith e disse— “ que julgava muito extraordi
nario , extremamente indecente , que ao mesmo tempo
que Portugal estava dependente da Inglaterra para
sua defeza , os portuguezes empregassem -se no
trafico contra as leis inglezas, e contra os pre
ceitos de humanidade universal, tão decidida
mente prescriptos.”

A insolencia da linguagem está de accordo


com a insolencia do pensamento deste bre
tão , quiçá algum ex -traficante d'escravos, senão
algum durissimo senhor de algumas dezenas de
africanos, tolerados pelas leis inglezas e pelos
preceitos humanitarios da Gram -Bretanha (*).
Portugal dependente da Inglaterra para sua
defeza ! E não temiam os que o diziam , que
levantassem -se da fria campa, por exemplo , os
manes do marquez de Pombal, e afugentassem
do templo da liberdade os novos mercadores,
que tanto o conspurcavam !

(*) R. Thorpe affirma que W. Smith , depois do acto da abolição,


traficou em escravos na Serra Leôa, e que foi nomeado juiz do
vice -almirantado d'aquella ilha !
242

Mas as expressões de W. Smith tinham sem

duvida por fundamento a linguagem redicula


dos documentos officiaes , em que fallava -se
então de restaurar o principe regente aos seus
dominios da Europa .

CXCIII. — 0 Public-Ledger and Daily Adver


tisser de 16 de outubro (1816 ) espelha bem
como a Inglaterra considerava a corte portugueza ,
e apreciava seus esforços e sacrificios reite
rados.

“ E ' impossivel, dizia aquella folha , poder


attribuir a principios de uma politica obvia e
racional a causa da apathia , com que o governo

britannico parece estar vendo os injustos e am


biciosos projectos da côrte do Brazil contra os
independentes de La Plata .
“ Ha dias que procuramos excitar a attenção
publica para este importante objecto .
“ Em quanto nossos navios estão apodrecendo
nos portos por falta de frete ; em quanto nossos
marinheiros vão emigrando por falta de em
prego; em quanto nosso commercio , em seus

ramos mais lucrativos , está paralyzado em vir


tude de ciosas restricções , e nossas manufac
turas estão ameaçadas de serem excluidas dos

melhores mercados da Europa ; todo homem de


sentimentos não pode deixar de indignar-se vendo
243

que um mercado de tantas esperanças , como o


sul da America , esteja á ponto de nos ser fe

chado pela indifferença dos ministros .


46
Que a projectada invazão seja injusta , não
provocada e filha de uma desenfreada ambição,
não ha quem possa negal-o. A nossa côrte tinha
por consequencia direito, fundado na lei das
nações nos principios da mais solida politica ,
de fazer representações aos aggressores , ainda
mesmo de ameaçal-os com o resentimento deste

paiz , no caso de teimarem no seu projecto.


“ Não ha homem algum , segundo parece -nos,
tão estulto que imagine, que o governo do
Brazil preparasse tão custoza expedição sem
havel -a previamente participado ao nosso ; sim ,
sem primeiro estar certo do consentimento bri
tannico . Elle tem estado ha muito tempo fazendo
seus preparativos, e até mandou buscar á Eu
ropa tropas veteranas, enfraquecendo assim a
defeza de Portugal ; e é bem claro que não
haveria começado tão dispendiosos armamentos
sem estar seguro da approvação do nosso governo.
A que motivos , pois , poderemos attribuir

essa politica de que a Inglaterra está uzando


á respeito do sul da America ? Se o engrande
cimento da caza de Bragança em o novo mundo
é disto cauza , podemos oppôr contra esta poli
tica duas ou trez objecções.
244

“ A primeira é a incerteza da alliança por


tugueza depois da transplantação da séde do
governo para além do atlantico , aonde assim

que se veja consolidado ficará em liberdad para


cultivar as relações , que mais favoraveis lhe pa
recerem para segurança e commercio do novo im
perio. Ali a caza de Bragança terá logo cons
ciencia de que já está desafrontada dus andadeiras
em que a tinha a Inglaterra, e os laços da an
tiga amizade já não serão nada em comparação
do sentimento da actual independencia , ou dos
estimulos do lucro ...

... E quantas circumstancias poderão. ...


privar a Inglaterra dos meios de dictar os termos
das suas relações com o sul da America ? ! . ”

CXCIV . - Eis a opinião britannica á respeito


de Portugal! 0 Public -Ledger and Daily Adver
tisser é tão claro e positivo , que dispensa com
mentarios . Advogando a causa dos proprietarios
de navios , manufactureiros, negociantes e capi
talistas inglezes, exigia que a Inglaterra não

consentisse , que a côrte portugueza ficasse em li


berdade, independente, sem as andadeiras britan
nicas, e cultivasse as relações que mais favoraveis
julgasse á segurança e commercio do novo reino !

No mesmo sentido escrevia o Morning Chro


nicle de 3 de maio , admirando - se de que o pobretão
245

do governo portuguez tivesse meios de trans


portar tropas para o Brazil !

CXCV.- A linguagem do parlamento, do jor


nalismo,e dosmeetings inglezes ,sempre injuriosa,
sempre acrimoniosa , sempre clamorosamente

injusta á côrte portugueza , não era propria á


fazer cumprir ajustes e tratados , nem á reprimir
a renovação dos attentados anteriormente de
nunciados e confessados solemnemente no con
gresso de Vienna .

CXCVI.- A tranquilidade publica era objecto


de nonada para os philantropos britannicos, tão
zelozos pelos direitos da humanidade, como a
inquisição pelos preceitos da religião ; ambos
impunham a doutrina assollando, devastando ,
sacrificando, roubando e assassinando .

CXCVII.— Reapparecendo os
attentados da
marinha britannica , revoltaram -se os portuguezes
e brazileiros , e trataram de apparelhar navios
com gente e artilharia para repellir as aggressões
dos seus humanitarios alliados .

CXCVIII. — Um dia publicavam as folhas de


Londres , que 'a marinha britannica mettera á

pique tantas e tantas embarcações portuguezas ;


32
246

mas acrescentavam que o brigue Leal Portuguez,


por exemplo, batera-se com uma chalupa de
guerra até a ultima !

GXIX . --- N'outro dia publicava o Morning


Post, de 18 de junho, a carta de um official do
navio de guerra Bann , dizendo, que havia apre
zado o brigue portuguez Temerario, de 18 peças
e 80 homens de guarnição , que com elle batera
se hora e meia , com grande mortandade de
parte a parte .

CC . - Nos nossos portos eram annunciados


taes armamentos. Por exemplo, na capital da
Bahia, publicou - se que Manoel da Silva Cunha
estava armando o Temerario com 20 peças e 60
homens de tripolação, com bom capitão, que
sahiria disposto a não deixar -se tomar impu
nemente pelos inglezes. Si este é o mesmo navio
tomado pelo Bann , o capitão cumprira a palavra.
CCI.- Era facil reproduzir dezenas de factos
semelhantes ; basta, porém, lembrar a seguinte
declaração mandada imprimir pelo pel governo
portuguez na gazeta do Rio de Janeiro de 31
de dezembro de 1814 ; é tão eloquente , que dis
pensa a narração singular dos attentados da ma
rinha britannica :
247

“ Tendo chegado a esta côrte Pedro José


Corrêa Vianna , mestre do bergantin Boa União,
que vinha de Cabinda para este porto , com

carga d’escravos , foi verificado o facto, que

constava ter-lhe acontecido, encontrando-se na


altura de 3 gráos 40 minutos latitude Sul , e
35 gráos 12 minutos á Este do Rio de Janeiro ,
com duus fragatas inglezas , a Niger e Laurel ,

as quaes arvoraram bandeira americana, que


firmaram com um tiro de peça e sempre con

servaram ; e o commandante da Niger, Peter


Rainer, mandou visitar o dito bergantim e o
aprezou , mettendo - lhe abordo um tenente , dous

guardas marinhas , e dez marinheiros, orde


nando-lhes que seguissem sua viagem para
Serra Leña .

“ O mestre portuguez tomou a resolução , pas


sados dous dias , de atacar os aprezadores, para

salvar a propriedade, que lhe havia sido con


fiada, e conseguio com effeito subjugal -os.
“ O procedimento criminoso d'aquelle com
mandante moveu á S. Ex . O ministro de In

glaterra e a S. Ex . o almirante Dixon , a irem


logo manifestar á S. A. Real o seu sentimento
por este tão escandaloso facto ; e o mesmo almi

rante declarou ,, que a unica circumstancia , que


modificava a sua magoa , era não pertencer o
sobredito commandante á divisão que está
248

debaixo de suas ordens. S. A. Real, impellido


de sua real magnanimidade, mandou logo en
tregar a tripolação prisioneira , o que o enviado
de S. M. Britannica não tardou á agradecer
por uma nota a mais expressiva sobre a no
breza desta acção , e sobre a attenção que ella
merecia no animo de S. A. Real o principe
regente do Reino Unido, e ao mesmo tempo decla
rando o procedimento humano e attencioso , com
que se portou o mestre do bergantim para com
a sobredita tripolação depois que os subjugou .
“ S. A. Real reconhecendo, que com effeito
o dito mestre se portára , nas circumstancias
em que esteve , não só com valor , mas com
civil generosidade, privando -se dos seus com
modos para prover ao bom trato d'aquelles
prisioneiros, foi servido promovel-o ao posto
de 1.° tenente da
armada real, por de
sua
creto de 20 do corrente mez .

CCII. - É visto, que as piratarias da ma


rinha britannica nem sempre ficavam impunes,
e que o gabinete do Rio de Janeiro , sem es
quecer a tradiccional benevolencia para com a
Inglaterra , tinha relampagos de dignidade e
independencia .
O conde de Palmella por seu lado não po
dia nem devia ficar surdo ás queixas arran
249

cadas pelos repetidos insultos da marinha bri


tannica, nem portanto deixar de reclamar do
gabinete inglez as satisfações devidas.

CCIII. - Em nota de 3 de janeiro de 1817


por ordem do seu governo referio os attenta
dos e capitulou as reclamações.
1. ° Pela violação do territorio portuguez ,
que teve lugar na ilha de Sant'Iago no dia
13 de março de 1815, commettida por G. R.
Colier, commandante da fragata britannica The
Leander , o qual atacou e tomou um corsario
americano n'aquelle porto.
2. ° Pelos repetidos insultos (textuaes) das em
barcações de guerra britannicas contra a in
dependencia do territorio e pavilhão portu
guez , e contra as propriedades dos particula
res, debaixo do pretexto de impedir o trafico il
legal d'escravos na Costa d'Africa ; pretexto ,
accrescentou o ministro portuguez , que não
podia deixar de dar muitas vezes occasião (visto
o interesse que os cruzadores tinham em fazer
prezas) ás maiores injustiças, ainda mesmo sem
fallar do direito , que se arrogam os comman
dantes inglezes de insultar o pavilhão portuguez.
CCIV . -- Entre outros motivos de queixa,
citou ainda :
1
250

1.' Os insultos commettidos na ilha de S.

Thomé em 1815 pelo commodore Thomaz Brown ,


commandante da fragata Ulysses, e pelo capitão
Taylor, commandante da fragata Comus.
2.° 0 insulto praticado na cidade das Hor
tas, nas ilhas dos Açores, por J. B. Umfre
ville , commandante do brigue de guerra Chiel
ders .

CCV . - Acompanhando, esta nota, da traducção


dos proprios officios, dirigidos ao ministro da
marinha do Brazil pelas autoridades locaes da
ilha de S. Thomé, o conde de Palmella acres
centou as seguintes reflexões :
“ Pelo seu conteúdo poderá V. Ex. ajuizar
qual deve ser o azedume, que causa aos- vas
sallos portuguezes a continuação de attentados
desta natureza ; e quanto importaria , para con
servação da intima união , que existe ha tantos
tempos entre os dous paizes , que seus governos
se ponham de accordo , afim de que o com
mercio que houver de fazer -se para o futuro
sobre a Costa d'Africa , em contravenção de seus

tratados, seja reprimido por um modo igual


mente honroso para ambos os paizes, e não
sujeito unicamente á direcção de alguns com
mandantes de navios inglezes , a quem pouco
importa , muitas vezes , lezar os interesses , e
251

muito menos ainda offender o amor proprio da


nação portugueza ..
E concluindo o conde de Palmella acrescen

tou com energia - “ que limitava - se em nome


d'el-rei seu amo á reclamar do governo britan

nico as medidas necessarias para se obstar á


renovação de attentados semelhantes aos que
tinha para queixar-se ; que taes attentados
eram contrarios á alliança e amizade que subsis
tiam entre as duas corôas ; e que a repetição
delles não poderia deixar de exasperar os reser
timentos dos vassallos portuguezes contra uma
oppressão injusta e deshonrosa .

CCVI. - Em uma segunda nota de 16 do


mesmo mez remetteu o conde de Palmella a

lord Castlereagh a traducção do officio que o


governador das ilhas de S. Thomé e Principe
dirigio ao nosso ministro da marinha , e
acrescentou :
“ Pelo conteúdo deste officio verá V. Ex. que
Sir James Yeo (* ) commandante da fragata in
gleza The Inconstante, commetteu em 28 de
junho proximo passado , na ilha do Principe, a
violação de territorio a mais atroz , que se
póde commetter em um porto de um soberano

( ) O mesmo heroe de Cayenna ! 6


282

independente . Este official, depois de ter rece


bido n’aquelle porto o acolhimento mais favo
ravel, e os viveres e provimentos de que pre
cisava , levou , durante a noute , em violação do
direito das gentes, por meio de suas chalupas
armadas, um navio portuguez que estava ancorado
em um porto portuguez , e debaixo da protecção da
bandeira e fortalezas nacionaes !
“ O navio de que se trata não tinha feito
commercio illicito ; mas , ainda quando o tivesse
feito , não tinha Sir James Yeo direito para
punil-o , commettendo para isso uma violação
ainda mais aggravante do direito das gentes .
E o mesmo commandante britannico conhecia

tanto o seu crime , que só ousou commettel- o de


noute . A vista disto tenho ordem positiva para

pedir uma satisfação e o castigo do culpado .

CCVII. — Lord Castlereagh respondeu á estas


duas notas em 3 de fevereiro , certificando que
immediatamente haviam sido expedidas ordens
aos lords commissarios do almirantado para
que sem perda de tempo fizessem as indaga
ções que as circumstancias exigiam , particu
larmente no ultimo caso ; e que os mesmos
lords do almirantado já tinham respondido , que
iam pedir conta á Sir J. Yeo do seu compor
tamento .
253

E concluindo accrescentou :

Que participando á S. Ex . O conde de


Palmella o que acabava de referir para infor
mação da sua côrte, tinha a honra de assegu-.
rar- lhe, que S. A. Real o principe regente
estava sempre prompto para satisfazer á todo e
qualquer insulto , que fosse commettido , quer
inadvertidamente , quer em violação directa de
suas instrucções , pelos officiaes de Sua Mages
tade contra as autoridades portuguezas ; e par
ticularmente lhe participava mais , para infor
mação tambem da sua côrte , que ultimamente
haviam sido expedidas ordens mui explicitas
aos officiaes de Sua Magestade defronte da Costa
d'Africa , para se absterem de todo e qualquer
acto de coerção desnecessario para com os na
vios e propriedade dos vassallos de S. M. Fide
lissima.

CCVIII. - Em data de 27 de fevereiro o


conde de Palmella , agradecendo estas explica

ções , accrescentou uma nova queixa, relativa ao


caso do brigue The general Armstrong, navio
americano , destruido nas ilhas dos Açores pelo
capitão Lloyd , com manifesta violação da neu
tralidade do territorio portuguez. O capitão
do brigue americano fizera um protesto desta
violencia ( de que mandára cópia ) conjuncta
33
254

mente com a sua tripolação e o consul ame


ricano n'aquella ilha. Noticiado em todas as
gazetas europeas esse insulto comprometteria
sem duvida o governo portuguez com o ame
ricano.

“ Nestas circumstancias, diz o conde de Pal


mella, o governo inglez não pode dispensar -se
de desapprovar o comportamento do capitão
Lloyd ; de dar uma satisfação ao seu alliado,
e de lhe fornecer as devidas indemnisações pela
perda que soffreram os proprietarios do brigue
americano , assim como pelo estrago , que o
combate occasionou á varios edificios da ci
dade. »

CCIX .-- Lord Castlereagh respondeu em 16


de agosto que os lords do almirantado,

na communicação circumstanciada, que tinham


feito , expressavam em termos muito energicos
o pezar, que lhes tinha motivado o precipitado
procedimento do capitão Lloyd , commandante
da náo ingleza The Plantagenet ; pois ainda que
o commandante americano fôra , pela sua pro

pria communicação, o primeiro que commet


tera hostilidades, fazendo fogo contra uma das
embarcações de S. M. Britannica , todavia seria
muito mais acertado , que o commandante inglez,
em vez de tomar sobre si a retaliação, fazendo
255

lhe tambem fogo , seguisse o partido mais pro


prio e regular em territorio de uma potencia
neutral e amiga , que era o de pedir ao go
vernador da ilha o seu desaggravo . Por estas
e outras razões , sendo o commandante ame
ricano o aggressor , e portando-se tambem mal
no territorio de uma potencia neutral e amiga
parecia, que em vez de ter direito á queixar-se
ou á pedir indemnisações, antes era elle quem
as devia dar ao governo neutral pela violação
do seu territorio... Rogo à S. Ex . o Sr. conde
de Palmella queira communicar a sua côrte
os factos, que lhe exponho, porque em tal
caso confio , que sendo ali examinados na sua
verdadeira luz , se admittiria por satisfatoria
a apologia , que tinham feito os lords do al
mirantado pelo precipitado comportamento do
seu official n'aquella occasião . ”

CCX. — Cinco dias depois de recebida esta


nota apresentou o conde de Palmella a lord
Castlereagh um memorandum , em que dizia :
“ Que a resposta a respeito da violação do
porto do Faial, commettida pelo capitão Lloyd ,
da náo ingleza The Plantagenet , poderia parecer
satisfação sufficiente se o governo inglez lhe
ajuntasse a medida de indemnisar o valor do
corsario americano, destruido n'aquella occasião .
236

“ Que esta indemnização era de rigorosa


justiça, e o governo americano a reclamava de
S. M. Fidelissima . Qualquer que fosse o erro
commettido pelo corsario americano sempre
era certo , que a embarcação fôra queimada
pelo capitão Lloyd , em um porto pertencente
á S. M. Fidelissima, e o máo comportamento
do corsario americano nunca podia legitimar
o attentado do capitão Lloyd , senão no caso
de ter recorrido ás autoridades do paiz , de

não haver obtido dellas justiça . Neste caso , 0


governo inglez era assaz poderoso e nobre, e
não lhe convinha affectar um falso orgulho
recusando ao seu alliado uma reparação, que

a justiça pedia .

CGXI. - Lord Castlereagh replicou ao memo


randum em 24 de outubro dizendo :
Que , havendo sido attenta e maduramente
consideradas as razões allegadas pelo conde de
Palmella , o seu governo estava persuadido de
que o de S. M. Fidelissima havia de vêr , que
não existia fundamento bem razoavel para re

clamar indemnização pecuniaria pelo referido


acontecimento , pois que o prejuizo fôra soffrido
por aquelles mesmos, que tinham sido os ag
gressores originaes, e portanto a cauza da sua
propria perda. ..
257

Que o governo britannico era igualmente


de parecer, que a satisfação mais propria, que
podia dar pela violação da neutralidade do
territorio portuguez , era a que já tinha sido
offerecida, isto é, a desaprovação do procedi
mento do official inglez , e uma ampla e liberal
apologia do governo portuguez pela violencia
a que fora exposto pela aggressão do brigue
americano . Todavia , que para mostrar a uniforme
disposição do governo inglez , para fazer o que
mais grato fosse aos desejos do alliado de S.
M. Britannica , el-rei de Portugal, tinha or
dem de participar, que seu governo estava prompto á
ressarcir aos habitantes da ilha o valor dos dam
>>
nos, que lhes tivesse cauzado o fogo da fragata.

CGXII.- conde de Palmella aceitou a satis

fação e a indemnização , remettendo immediata


mente a lord Castlereagh o inventario dos damnos
cauzados pelo fogo da fragata ; mas accrescentou
a declaração de que não cedia do direito de

reclamar a todo o tempo a indemnização tambem


devida ao corsario americano. Ignoro , porém ,
se o fez , e com que exito , porque nos docu
mentos , que tenho á vista , nada encontro a tal
respeito .

CCXIII. - A 17 de outubro mandaram os


258

lords do almirantado escrever a Sir James Yeo

acerca do seu comportamento tomando a escuna


portugueza Dous Amigos, no porto da ilha do
Principe , defronte da Costa d'Africa , e accres
centaram :

“ Que tendo - lhes mandado o principal secre


tario de S. Magestade na repartição dos negocios
estrangeiros a opinião do procurador da corôa
sobre a violação do territorio , que elle com
aquelle acto commettera , e examinando bem
todo caso eram de parecer, que seu comporta
mento fóra muitissimo improprio, e julgavam ne
cessario mandar-lhe uma forte reprehensão pelo seu

desacertado e violento proceder, admoestando -o de


que para o futuro se houvesse com maior cuidado
e cautela no seu comportamento .

CGXIV . - A 25 lord Castlereagh communicou


ao conde de Palmella esta reprehensão a Sir
James Yeo , e accrescentou : Que quanto á
indemnização devida ao dono do navio , fôsse
ella submettida á decisão da commissão mixta ,
que devia estabelecer-se em Londres, guardando
tudo quanto houvesse a respeito para quando
o cazo fosse trazido a juizo .

CCXV . - A 28 respondeu o conde de Pal


mella :
259

“ Que , á vista da explicação, contida na


precedente nota de lord Castlereagh , aceitava
como satisfação a reprehensão , que os lords do
almirantado tinham mandado á Sir James
Yeo ...

“ E que, quanto á indemnização , convinha


tambem em que fosse ella liquidada perante
a commissão mixta .. , bem entendido porém ,
que neste caso não julgaria a commissão da

legalidade da preza — pois que mesmo pela con


fissão do proprio governo inglez devia já ser
considerada como illegal.

CCXVI. - Todos os leitores devem admirar


se desta conciliadora moderação do governo
britannico, e, apezar da habilidade e decisão
do conde de Palmella, estarão convencidos de que
não seriam estas as causas efficientes d'aquella.
Com effeito, nem essas mesmas satisfações ob
teria a corte portugueza , se o governo britan
nico não lutasse então com formidaveis diffi
culdades internas e externas .

CCXVII . O acto de Habeas -corpus, es

creve lord Russell em janeiro de 1865 , tinha


sido suspenso em 1817 , e o ministerio do inte
rior enviára aos condados manufactureiros es

piões que , obrando antes por seus instinctos


260

do que por suas instrucções, provocaram cri


mes cujo castigo fôra depois o cadafalso. Em
1819 lord Castlereagh fez votar bills , que elle
proprio designou como medidas de coerção -
vera...
“ Nada mais lamentavel do que o estado
dos negocios estrangeiros nesta época. As tres
grandes potencias do norte , Russia , Austria e
Prussia , succedendo ao despotismo de Napoleão
sobre o continente, sem ter o seu genio (impar
congressus Achilli, dizia lord Byron ), haviam
decidido que nenhuma liberdade seria conce
dida , reforma alguma admittida, sem a sua
acquiescencia ( *) .

(*) Extracto da circular, dirigida aos ministros d'Austria, Prus


sia e Russia , acreditados nas côrtes estrangeiras :
( As mudanças uteis ou necessarias na legislação ou adminis
tração dos estados, só devem emanar da vontade livre, do impul
so reflectido e esclarecido d'aquelles a quem Deos tornou responsa
veis pelo poder. Tudo que sahir desta linha necessariamente con
duz à desordem , ás convulsões, á males muito mais insupporta
veis do que quantos pretendem curar-se.
« Compenetrados desta verdade eterna , os soberanos não hesi
taram em proclamal-a com franqueza e vigor ; declararam que,
respeitando os direitos e a independencia do poder legitimo, con .
siderariam como legalmente nulla e repudiada pelos principios,
que constituem o direito publico da Europa, qualquer pretendida
reforma operada pela revolta e força aberta . Em virtude desta
declaração tomaram parte nos acontecimentos de Napoles, nos do
Piemonte, e em todos quantos, em circumstancias mui differentes
mas por combinações igualmente criminosas, acabam de libertar a
parte oriental da Europa de incalculaveis perturbações. »
261

CCXVIII.- Os actos de despotismo das tres


grandes potencias do norte, que lord Russell
qualifica de atrozes, e com os quaes ellas tra
hiam as populações da Europa, que em 1813
e 1814 julgavam ter combatido tanto pela liber
dade como pela independencia, estes actos de
atroz dispotismo, repito, eram a consequencia
natural do tratado da Santa Alliança por aquellas

trez potencias celebrado em Pariz aos 14 e 26 de


setembro de 1815 , ao qual a maior parte das
potencias christãs da Europa successivamente
accederam , excepto a Inglaterra , pela simples
razão, dada pelo principe regente em carta
de 6 de outubro de 1816 , de que esse tratado
fôra concluido directamente pelos soberanos ,

assignado por elles proprios, e que a consti


tuição britannica exigia , que todos os tratados
fossem assignados por um ministro responsavel.

CGXIX.— Em 1817, pois , via- se a Inglaterra


completamente só , substituida a colligação de
que fôra alma por outra tanto ou mais formi
davel, e realizada pelas trez grandes potencias
do norte ainda quando era ouvido o signal da
derrota de Napoleão .
Eis patente o grande movel da temporaria e
conciliadora moderação até para com a corte

portugueza .
34
262

Bem caro tinha esta de pagar no futuro


aquelle eclypse da benevolencia britannica . O leo
pardo acossado é cruel nos seus desforços, ainda
contra os innocentes dos perigos porque passara
em dias aziagos para sua arrogancia e prepo
tencia .

CCXX.— Neste periodo, continuando no pro


posito de provar com factos e medidas gover
nativas a sinceridade de seus desejos, e res

peito aos seus ajustes, o gabinete do Rio de


Janeiro deu as mais acertadas providencias para

fiel execução do tratado de 22 de janeiro de


1815 , como prova entre outros o seguinte aviso
do conde da Barca, expedido em 17 de feve
reiro de 1817 :

“ Sua Magestade , querendo dar aquellas pro


videncias , que possam melhor contribuir para
a restricta e inviolavel execução do tratado de
22 de janeiro , pelo qual houve por bem prohibir
aos seus vassallos o commercio d'escravos em

todos os portos da Costa d'Africa ao norte do


Equador , e em alguns ao sul desta linha, onde
a corôa do Reino Unido não tem dominio ou
direito ; e havendo reconhecido, que uma das
medidas , mais efficazes para precaver as simu
ladas violações do referido tratado, é sem duvida
a de prohibir , que os navios hespanhóes se
263

armem nos portos desse reino, para irem fazer


o trafico d'escravos n'aquelles portos da Costa
d’Africa, em que tem direito de continuar ainda
o mesmo trafico, e que são os que se acham
comprehendidos entre o Equador e o 10.0
gráo de latitude septentrional: é o mesmo se
nhor servido ordenar, que trez mezes depois da
data do prezente aviso se entenda prohibido aos
navios hespanhóes o armarem - se nos portos do
Reino Unido para irem fazer o commercio
d'escravos nos portos da Costa d'Africa acima
designados, cumprindo que as autoridades, a
quem compete fiscalizar a carga e aprestos de
semelhantes navios , dêm todas as providencias,
que entenderem necessarias para que esta pro
hibição haja de sortir o seu devido effeito . ”

CCXXI. — E sem querer citar outras muitas


medidas no mesmo sentido basta referir, que
por provisão de 27 de outubro do referido
anno ordenou o governo , que fossem efficaz
mente promovidos os cazamentos entre os escra
vos, medida esta que só muito depois, em 9 de
junho de 1823, a Inglaterra recommendára em
circular de lord Bathurst.

CCXXII . - A pretexto dos principios compre


hendidos na declaração do congresso de Vienna
264

(CLXXIV) e com o fim de prehencher fielmente


e em toda a sua extenção as obrigações do
tratado de 22 de janeiro (1815) foi celebrada
em Londres a convenção addiccional de 28 de
julho de 1817.

CCXXIII . — Por este novo ajuste accordou - se :


1. ° Que era illicito o commercio d'escravos
em navios e debaixo da bandeira britannica,
ou por conta de vassallos britannicos em qual
quer navio ou qualquer bandeira ; em navios
portuguezes em todos os portos ou paragens da
Costa d'Africa prohibidos pelo tratado de 22 de
janeiro (1815) ; debaixo de bandeira portugueza
ou britannica por conta de vassallos de outra
potencia , e em navios portuguezes que se des
tinassem para qualquer porto fóra dos domi
nios portuguezes.
2. ° Que o trafico só era permittido nos ter
ritorios portuguezes da Costa d'Africa ao sul
do Equador, isto é, na costa oriental, o que
era comprehendido entre o cabo Delgado e a
bahia de Lourenço Marques, e na costa occi
dental o comprehendido entre o 8.º e 18. ° gráos
de latitude meridional, os territorios de Mo
lembo e Cabinda desde 5. ° gráo e 12' até o 8.°
gráo de latitude meridional.
3. ° Que Portugal promulgaria á este respeito
265

uma lei penal, e renovaria a prohibição da


importação d'escravos debaixo de bandeiras es

trangeiras , conformando-se quanto fosse possivel


com a legislação britannica .
4.° Que todo navio empregado no trafico na
vegaria com passaporte, e ficaria sujeito á visita
e detenção, salvo o direito á indemnizações pelas
perdas e damnos .

5.° Que não poderiam ser detidos navios que


não tivessem escravos abordo .

6.° Que os cruzadores habilitados para a vi


sita e detenção dos navios estariam munidos

das competentes instrucções.


7.° Que as prezas seriam julgadas por com
missões mixtas, residindo sempre uma no Brazil
e outra na Costa d'Africa .
8.° Que uma commissão mixta em Londres

julgaria as indemnisações pelas prezas desde o


1.° de junho de 1814 até a reunião das outras
duas commissões.

9.° Que o pagamento das 300,000 libras es


terlinas, devidas pela Inglaterra , seria em duas
prestações.
10. Que se cumpririam o formulario dos pas
saportes e as instrucções aos cruzadores e com
missões mixtas, que eram annexadas ao tratado.

CCXXIV . - Pelo artigo separado , assignado


266

em Londres aos 11 de setembro , estipulou -se


que esta convenção seria válida durante 15

annos, contados do dia , em que o trafico da


escravatura fosse totalmente abolido .

CCXXV . - Pela declaração de 3 de abril de


1819 , tambem assignada em Londres, emen
dou - se o erro de situar Molembo e Cabinda na

parte oriental, quando estão esses territorios


situados na parte occidental da Costa d'Africa .

CCXXVI.- De todos os trabalhos , que o go


verno portuguez e depois a côrte brazileira
celebraram com a Inglaterra , esta convenção
foi a mais triste , e causa das consequencias
mais funestas, dos attentados mais intoleraveis,
e das mais affrontosas injurias á nossa nacio
nalidade . A habilidade diplomatica , e a fir
meza de caracter do conde de Palmella nau

fragaram completamente neste ajuste, entre


gando o Reino Unido de mãos e braços amar
rados ao gabinete de S. James, quando elle
via -se quasi inteiramente affastado de todas
as potencias, quando estava enfraquecido para
tentar contra nossos mais vitaes interesses .

CCXXVII. Era justo , e fortemente recla

mado pelos mais sagrados direitos da humani


267

dade, combater a escravatura , legada pela con


quista e força bruta da civilisação atrazada dos
seculos ' passados, e em quanto não era aboli
da completamente feril - a na grande arteria, que
a alimentava, o trafico . Era voto de todas
as populações christãs, era consequencia do
nosso compromisso solemne desde o tratado
de 1810 .

CCXXVIII . Novas condições fossem im


postas pela Inglaterra e aceitas para pagamen
to das 300,000 libras, que devia desde janei
ro de 1815 .

CCXXIX.— Mas - obrigar uma nação inde


pendente a decretar leis de accordo com as
de outra ...
Mas - obrigar a sujeitar o julgamento dos por
tuguezes e brazileiros , e suas propriedades,
á tribunaes que não eram puramente nacio
naes . ..
Mas — conceder o direito de visita e deten
ção, que entregava toda pequena marinha mer
cante portugueza á poderosa marinha britan
nica...
Isto dóe , faz tristemente vibrar todas as fibras
do patriotismo!
A Inglaterra executava assim a ameaça de
268

lord Castlereagh na sessão de 4 de fevereiro


(1815), a qual aliás o conde de Palmella com
tão energico acerto havia repellido (CLXXIX).
A Inglaterra legalisava assim a repetição dos
attentados contra os quaes tanto haviamos re
clamado , obrigando-a á indemnisações !.. por
que , além do poder que já tinha -se antes ar
rogado, adquiria o direito de policiar nos mares
do mundo inteiro a nossa propriedade, de
syndicar da legalidade da nossa bandeira , e con
seguintemente de embaraçar, esmagar , varrer
de todas as partes maritimas o nosso commer
cio, a nossa industria , á pretexto sempre da
abolição do trafico !

CCXXX . Entretanto foi a propria Inglaterra

pela boca da rainha Izabel quem , em 1580 ,


dizia ao embaixador da Hespanha , quando al
legava , que sua nação tinha direito de vedar

que os subditos das outras navegassem pelos


mares das Indias :
“ Vosso monarcha nenhuma prerogativa tem

para assim praticar , e muito menos para pres


crever leis a quem nenhuma obrigação tem
de obedecer -lhe... O uso do occeano , como o

do ar, é commum a todos os homens , e por


sua propria natureza exclue toda pretenção de
dominio ou propriedade .
269

CCXXXI. — No manisfesto da Inglaterra, por


occasião de declarar guerra á Hespanha em 1739,
dizia ella :
66
Que a Hespanha arrogava - se , contra toda
razão e sem fundamento algum , o direito de
deter e vizitar os navios inglezes , pretenção
inteiramente quebrantadora do direito de na
vegação que, assim como aos hespanhóes, com
pete aos inglezes , e por consequencia era con
trario ao direito das gentes .
E para defeza deste principio a Inglaterra
sustentou , por 11 annos, a guerra contra
Hespanha !
CCXXXII . Ainda em 1753 , escudada na
opinião dos mais celebres dos seus juriscon
sultos, affirmou a Inglaterra, que o principio
da vizita e detenção só podia ser proprio e le
gitimo em tempo de guerra !

CCXXXIII. — Bem razão tinha , pois , lord


Castlereagh , dando conta ao parlamento deste
resultado , de declarar :- “ que era o primeiro
exemplo , que a historia diplomatica fornecia,
de que estados da Europa, por estipulação re
ciproca (reciproca !...) tivessem-se obrigado ao
exercicio do direito de vizita , á respeito dos
seus navios mercantes .
35
270

CCXXXIV . - A Inglaterra sempre ditou prin


cipios conforme seus interesses.
No tratado de Utrecht , quando procurava

abrigar-se da marinha hespanhola , foi ella quem


invocou o principio de que — a bandeira cobria
a mercadoria .

Mas, depois , durante a guerra da indepen


dencia da America , violou este mesmo princi

pio e os direitos consagrados, aprezando em alto


mar navios russianos, suecos, e de outras ban
deiras, e confiscando-os ; d'aqui a coalição dos
neutros em 1790 .

CCXXXV.- " A disputa , escreve Elias Reg


nault (*), havia cessado com a guerra da Ame
rica , mas ganhou nova animosidade com a guer
ra da revolução franceza .
“ Paulo i seguindo as tradicções de Ca
tharina , conseguio em 16 de dezembro de 1800

uma nova coalição maritima, a que adheriram


a Suecia , Dinamarca e Prussia . A tragica mor

te deste principe não foi estranha á este acto de


vigor .
“ Tornando -se geral a guerra, a Inglaterra
voltou sem obstaculo ao curso de suas pirata

rias, ás quaes Napoleão respondeu com os de


cretos de Berlim e Milão .

(*) Historia dos oito annos.


271

Os neutros eram esmagados entre duas


forças contrarias ; para elles não havia mais
direito algum , nem garantias.
“ Os decretos de Napoleão eram illusorios
com uma marinha destruida ; os da Inglaterra
executados com uma insolencia tyrannica e selva
tico vigor .
“ O direito de vizita , que debalde lhe con
testavam , ella o adquiria definitivamente pela
superioridade de suas forças.
66
Parecia, .com tudo , que este direito expi
raria com a guerra ; mas a Inglaterra esforçou
se para revivêl - o mesmo durante a paz . O con
gresso de Vienna fizera entrar no direito pu
blico europeu a abolição do trafico dos negros .
Esta clausula era para as outras potencias uma
formula geral de humanidade ; mas para os
plenipotenciarios inglezes, que a tinham pro
vocado, era uma medida de politica tradiccional.
“ Com effeito, desde que foi admittido o prin
cipio, a Inglaterra reclamou, como consequencia,
que ás potencias reciprocamente se concedessem
o direito de vizita aos respectivos navios ; sem
isso, dizia ella, bastava a qualquer navio ne
greiro, á vista de um cruzeiro de sua nação, >

que içasse bandeira estranha para que inutilizasse


todos os regulamentos dos governos.
“ Mui fracos para luctarem com a Inglaterra,
272

Portugal, Hespanha e Paizes Baixos accederam


aos seus desejos.
Fez o mesmo pedido á França em 1817 ,
quando a territorio francez estava occupado por
forças estrangeiras. O ministerio Richelieu res
pondeu, que o rei não se julgava com direito,
sem concurso das camaras, para entregar seus
subditos á umu jurisdicção estrangeira, autori
zando a marinha ingleza a captural- os, e uma
commissão mixta a pronunciar sobre legali
dade das prezas ; que era melhor respeitarem
o principio até então aceito sem excepção al
guma.
“ A Inglaterra renovou as suas tentativas no
congresso de Aix-la-Chapelle; com a mesma fir
meza foram repellidas pelo duque de Richelieu.
“ Com essa tenacidade, porém, que forma
um dos caracteres da sua politica, aproveitou o
congresso de Verona para voltar á carga . 0
plenipotenciario francez, Chateaubriand, res
66
pondeu : que se a França consentisse no
que lhe pedia , tal concessão teria as mais
“ funestas consequencias ; o caracter dos dous
66

66
povos, inglez e francez, oppunha-se a ella ; e
se fosse possivel proval-o, bastaria recordar,
que nesse mesmo anno, em plena paz , o
sangue francez havia corrido no littoral africano.
“ A França reconhecia a liberdade dos mares
. 273

para todas as bandeiras; não queria para si


senão a independencia , que nos outros respei
“ tava, e que era necessaria á sua dignidade .
Assim , nesta questão , o governo da res
tauração defendêra com energia constante a
honra nacional, e a independencia da bandeira ;
apezar das immensas obrigações , que deviam
á Inglaterra os Bourbons do ramo mais velho ,
mostraram -se zelosos guardas da liberdade dos
mares, e dos direitos da França .

CCXXXVI. O conde de Palmella não foi tão

feliz como Richelieu , Chateaubriand e os Bour


bons da restauração ; não resistio a que ar
rancassem ao Reino -Unido o que era necessario
á sua dignidade, honra nacional, e independencia.
“ Qual o barco , qualquer que fosse o seu

destino , diz um escriptor brazileiro , que não


seria capturado e condemnado , á vista da im
moralidade dos cruzeiros britannicos, da par
cialidade dos seus tribunaes , que até julgavam
sem sciencia ou audiencia da parte lezada ,
embora transportada para o proprio lugar do
julgamento , como succedeu com o patacho por
tuguez Treze de Junho , julgado por um tribunal
inglez nas Barbadas, e com o navio tambem
portuguez D. Pedro Duque do Porto , condem
nado no cabo da Boa Esperança ?
274

CCXXXVII . - Insaciavel de soberania ma

ritima, a Inglaterra , que não podia, nem quiçá


poderá jámais aspirar á dominação continental

na Europa , aproveitava -se de todos os pre


textos para realizar os calculos de sua tradic

cional politica ambiciosa . A abolição do tra


fico, que hypocritamente sabia explorar, tor
nou - se em suas mãos outra alavanca de Ar

chimedes, com a qual, em seu proveito , revol


via o direito publico das gentes. Com tal arte
pôde constituir -se arbitro supremo do direito
com que um navio estrangeiro arvorava a

bandeira da sua nação ; autoridade policial,


geral, absoluta , universal, em todos os mares,
e , com a tyrannia que lhe dava a superiori
dade da sua marinha de guerra !

CCXXXVIII . A convenção de 28 de julho


foi acto de decadencia , de humilhação, e de

suicidio nacional, cujas consequencias deviam


dolorosamente pezar sobre o futuro da inde
pendencia, dignidade, e liberdade brazileira.
Verdadeira lei da nossa impotencia maritima
attestará á historia , como pode a pirataria en
feitar-se de galas, que a ignorancia de uns, a
fraqueza de outros , a ambição de muitos po
deram applaudir .
275

CCXXXIX . - Em 15 de dezembro de 1817


à côrte do almirantado proferio importante sen
tença na causa do navio francez Louis , mestre

Forest , aprezado , depois de bater - se, pelo cru


zeiro britannico á pretexto de fazer o trafico
d'escravos; causa que principiára no vice

almirantado de Serra Leôa , onde o dito navio


fôra condemnado . Eis o extracto :

CCXL . — “ 0 navio , disse o juiz , Sir Wil


liam Scott , lord Stowell , foi tomado em frente
de Mesonada, na Costa d'Africa , em 11 de
março de 1816 .
“ Não recebera informações das particula
ridades , que conduziram ao dezastroso resultado...

inferindo a côrte , que o combate e derrama


mento de sangue ... rezultaram de uma parte
querer vizitar e dar busca no navio , e da outra
em rezistir á esta requizição , que reputara vio
lenta ..

Que estava admittido, que o navio era


francez ... e fôra processado em Serra Leôa
por contravenção às leis francezas ...

“ O aprezador procedera contra o navio como


preza legal ... fundado no estatuto da Gram
Bretanha , anno 31. Geo . Ili , pelo qual os cru
zadores britannicos estavam autorizados á

apprehender os subditos deste paiz , occupados no


276

trafico da escravatura , em contravenção ao


referido estatuto . “ A lei de qualquer estado en

particular, porém , somente póde ligar seus proprius


“ subditos , e não pode estender - se aos de outros
66

paizes, senão sobre principios consistentes com o


“ direito geral das nações ; este é o unico direito ,
que pode applicar-se indistinctamente á todas as

“ nações ; é o unico distinctamente reconhecido por


ellas, no geral consentimento, que dão a sua uni
“ versalidade e os principios applicaveis sobre que é
fundado.
Quanto ao procedimento da côrte inferior
não podia negar , por mais lamentavel que fosse,
que nos procedimentos , de que a côrte tomava
agora conhecimento , havia inconsequencias não
sómente na fórma , mas nos principios e razão.
Primeiramente o captor depositou os papeis
do navio na secretaria do registro d'aquella
côrte , e foi expedida monitoria contra os pro
prietarios e mestre para prestarem -se á adjudi
cação. O que devia seguir -se então claramente ?
Segundo a pratica ordinaria era aprezentar o
autor seu libello ... 0 réo contrarial- o ... e
depois a inquirição de testemunhas ... Em vez
disto o que se fez ? Em primeiro logar admi
nistraram-se interrogatorios de preza , sómente
uzados e adoptados em tempo de guerra . Depois
formou - se uma serie de interrogatorios especiaes
277

sem que conste por qual a autoridade, e que não


eram de equidade ... e depois, com plena van
tagem de todas as descobertas , tão illegalmente
alcançadas , foi feita a denuncia .

Seguindo o processo o juiz appellado


dicidio : 1. ° que o navio tinha rezistido ao indu
bitavel direito de busca dos cruzadores britan
nicos devidamente commissionados ; 2. ° que o
trafico tinha sido abolido pelas leis da França
e consentimento geral dos estados civilizados ...
Isto equivalia a dizer , que se tinha posto uma
cabeça de lobo em quantos traficavam na escra
vatura , para designal-os como objecto da hosti
lidade geral do genero humano, embora auto
rizados pelas leis e regulamentos dos estados a
quem deviam fé e homenagem ...
A questão é-se os captores tinham direito
de capturar e adjudicar o navio ... Se os capto
res não tivessem esse direito originario nem um
outro podiam ter ... Ora , se o trafico era pro
hibido devia sel-o por uma lei geral ; a questão
é pois : porque lei se tem elle então feito até

agora ? ...
“ Ha dous principios fundamentaes no di
reito das gentes ; o primeiro é que toda nação
tem certa independencia , certos direitos natu
raes, seus proprios . No respeito devido á esta
independencia e á estes direitos todas as na
36
278

ções são iguaes, e nenhuma consideração da in


significancia comparativa ou fraqueza de qual
quer nação pode dar a outra direito de deixar
de respeitar aquelles direitos, nem de empregar
contra ella a vantagem fortuita de sua superior
fortaleza natural. O segundo principio funda
mental é : que todas as nações tem igual di
reito ás partes não occupadas do oceano. He

este um grande caminho , commum á todos , e


pelo qual todos tem direito de passar sem se
rem molestados, pelo que não ha autoridade,
que possa justificar a detenção de navio algum
no exercicio deste indubitavel privilegio, excepto
a que dá aos belligerantes o direito sobre os vazos
e propriedades uns dos outros, e sobre os de ou
tros estados que os auxiliam no exercicio dus hos
tilidades ...

“ Si se perguntar, porque o direito de dar

busca não pode igualmente exercer -se em tem


po de paz, assim como no de guerra , a res
posta é prompta ; é porque a necessidade d'a

quella medida limita seu exercicio ; é neces


sidade que tem origem no direito natural da
propria defeza ; o fim das hostilidades , por
tanto, faz terminar a necessidade, assim como
as medidas que nella se originavam .
“ O mesmo estatuto , que determinou, que
fosse crime capital o trafico em escravos por
279

qualquer subdito britannico , prova que não é


crime de pirataria, da qual lhe faltavam os
distinctivos ; as suas disposições limitam-se á
um paiz em particular , e não se estendem ás
nações em geral ... Aventurava-se mesmo á
sustentar, que não seria encontrado um só le
gista, que se arrojasse á levantar-se em uma
côrte de justiça para convencer do contrario ...
“ A escravidão pessoal , originada no capti
veiro , tem existido em varios gráos e com dif
ferentes modificações na historia da maior
parte das nações , e mesmo actualmente , entre
muitos estados civilizados, a propriedade em in
4

dividuos particulares, e nos seus serviços, tem sido


um direito quasi universolmente reclamado e exer
cido.
“ Portanto é impossivel dizer, que o trafico
da escravatura é, no seu caracter geral , con
trario ao direito das gentes ; e ainda menos,
que nação alguma, que o tenha abolido por
suas proprias leis, tenha a faculdade de ten
tar pôr em execução ou dar effeito á taes leis ,
atropellando os direitos geraes e indisputaveis das
outras nações ...
“ Os sentimentos moraes contra o trafico só
podem communicar-se as outras nações pelos
modos ordinarios de influencia ... e por mais
honroso que seja o fim não pode justificar o
280

emprego de meios indignos , nem permittir que


zelo indiscreto chegue ao seu objecto , passando por
cima da consideração de obrigações superiores ...
“ Tem sido dito que sem o direito de vizi
ta e busca é impossivel a abolição. Assim é ;
ha difficuldades que até hoje tem baldado a
habilidade de eminentes estadistas ; mas estas
difficuldades não podem legalizar meios para as
superar tão oppostos aos principios da moral par
ticular, bem como aos de direito publico ... ”

CCXLI. -- Conseguintemente foi decretada a


restituição do navio capturado, e da respectiva
carga. Entretanto , este mesmo tribunal britan
nico confirmára innumeras sentenças contra na

vios e carregamentos dos portuguezes e brazi


leiros !

CCXLII. — A sentença , reproduzida em seus


fundamentos capitaes , e no fim do proprio anno
do tratado de 26 de julho , fundamenta - se com
principios claros, com argumentos concluden
tes , que tornam positiva e evidente a conclu
são . Confrange, pois , notar que os papeis es
tivessem trocados , porque ao mesmo tempo que
o conde de Palmella assignava aquelle malfa
dado ajuste, um tribunal britannico condem
nava-lhe a doutrina !
1
281

CCXLIII. Julgamos, escreve o Correio


Braziliense sobre este tratado , que de todas as
negociações do conde de Palmella, pelas quaes
tinhamos formado tão boa idea de S. Ex ...
nenhuma lhe faz tanto descredito como esta .

Nesta negociação admittio o conde, que os


inglezes tinham direito de aprezar navios por
tuguezes em tempo de paz ; e para adoçar essa
admissão prepostera ajustou, que a decizão da
legalidade ou illegalidade da preza ficasse com
mettida á uma commissão mixta .
Ora , a existencia da commissão não tira
o dezarrazoado da admissão ; antes o confirma.

Os inglezes não podem tomar navios estran


geiros em tempo de paz por fazerem o com
mercio da escravatura . Esta proposição é con
forme ao direito publico, adoptado por todas
as nações cultas , explicado por Sir Guilherme
Scott , e admittido pelo mesmo tribunal inglez.
Logo, o Investigador devia dizer -nos, como ad
quirio a Inglaterra esse direito de fazer prezas
sobre navios portuguezes , que o ministro por
tuguez lhe admitte , e que os mesmos tribu
naes inglezes não suppõem , que existe contra
nenhuma outra nação .

CCXLIV . Ratificada a convenção de 28 de

julho em novembro de 1817 , o gabinete do Rio


282

de Janeiro não se demorou em cumpril - a da


sua parte com toda lealdade , e foi decretada
nova lei em 26 de janeiro de 1818 , providen
ciando sobre o commercio de africanos :
Esta lei fulminou as seguintes penas , contra
os que traficassem illicitamente :

Perda dos escravos , que ficariam logo li


bertos , ainda transportados sob bandeira es
trangeira .
Confiscação dos navios, carregamentos. ..
- Degredo , por 5 annos , para Moçambique ,
do capitão ou mestre , piloto , sobrecarga.
Multa , paga por cada um dos designados,
equivalente á soldada e interesses , que ven
ceriam na viagem .

- Prohibição absoluta de seguros de taes


navios e carregamentos sob pena , além da
nullidade , de serem os seguradores condem
nados no tresdobro do premio estipulado para
o caso de sinistro .

Além disto permittia as denuncias , tendo os


denunciantes metade do que produzissem as
tomadias, sendo a outra metade para a fa
zenda . No caso de prezas applicar -se -hia o
regulamento das commissões mixtas.

-- Estabelecia a prescripção de tres annos para


todas as acções ; a competencia dos juizes dos
contrabandos e descaminhos , que tambem exe
283

cutariam as sentenças d'aquellas commissões ,


ás quaes poderiam as partes recorrer para que
decidissem se era caso de prohibição .

Mandava entregar os africanos á ouvidoria


da comarca , e onde a não houvesse á con
servatoria dos indios , para servirem por qua
torze annos , ou empregados no serviço publico ,
ou no particular, assignando os que os to
massem , ( e que seriam sempre pessoas de re
conhecida probidade e proprietarios de estabe
lecimentos ) , termo de os alimentar , vestir, dou
trinar e ensinar o officio , que fosse conven
cionado .

Creava uma curadoria especial, cujo func


cionario seria nomeado por tres annos , e o qual

syndicaria de tudo quanto se referisse aos afri


canos , e os patrocinaria.
— Estabelecia , que ao sul do Equador , onde
era permittido o trafico, e somente para os
portos do Brazil , fôsse observado o alvará de
24 de novembro de 1813c1 , ci ), regulando
porém cinco escravos por duas tonelladas.

Finalmente prohibia as marcas com ferro


e estabelecia e decretava outras medidas e

providencias relativamente á salubridade dos


africanos.

CCXLV.— Já em 14 deste mesmo mez havia


281

sido publicado um edital annunciando a no


meação dos que deviam arbitrar as contas dos
navios aprezados e ordenando :
Que na contadoria do tribunal da real
junta do commercio, agricultura, fabricas e na
vegação fossem arbitradas ( pelos 1.° e 2.0 con
tadores José Antonio da Mira e Francisco
Dias das Chagas , entrando para desempatar o
escripturario João Theodoro Ferreira ), as contas,
de todas as actas , quer vindas de Inglaterra,
quer pendentes ou que pendessem, nas quaes,
os proprietarios e mais interessados nos navios
capturados pretendessem ser indemnizados pelas
300,000 libras devidas , segundo os tratados de
21 e 22 de janeiro de 1815 .
Que, subindo o arbitramento ao tribunal ,
por elle examinado e approvado por sentença,
fossem incontinente expedidas letras dos ca
pitaes devidos , sem mais opposição nem em
bargos.

CCXLVI.--- Por decreto de 18 de julho (1818)


foi designada a cidade do Rio de Janeiro para
rezidencia da commissão mixta e nomeados : Sil
vestre Pinheiro Ferreira (deputado da real junta do
commercio ) para commissario -juiz, e João Pe
reira de Souza ( negociante ) para commissario
arbitro. Não encontrei a nomeação do secretario.
285

CCXLVII . - Por decreto de 4 de setembro


( 1818 ) foram nomeados membros da commis
são mixta , que devia rezidir em Londres, para
liquidar as contas e julgar as reclamações pelos
navios capturados desde o 1.º de junho de 1814
até a época em que ( convenção de 28 de julho )
estivessem reunidas as duas commissões mixtas
portugueza e ingleza :
Ignacio Palyart, consul geral do nosso go

;
verno em Londres, para commissario -juiz ; Cus
todio Pereira , de Carvalho, negociante portuguez

tambem ali rezidente , para commissario - ar


bitro .

Não pude encontrar, nos documentos que com-.


pulsei, os nomes dos que foram nomeados mem
bros da commissão mixta da Serra Leña .

CCXLVIII . Só posteriormente , á 27 de fe

vereiro de 1819 , foi que o governo britannico


nomeou seus commissarios, sendo :
Para a commissão mixta de Londres. - A .
Marsdeu , commissario -juiz ; J. Cajamaior , com
missario - arbitro ; W. Rothery , secretario .
Para a do Rio de Janeiro. - H . Mayne , commis
sario -juiz ; A. Cunninghan , commissario arbitro .
Para a de Serra Leôa.—T. Gregory, commis
sario -juiz ; E. Fitzgerald , commissario -arbitro ;
D. M. Hamilton , secretario .
37
286

CCXLIX . — Por decreto de 9 de outubro fo


ram approvadas as instrucções para a commis
são mixta do Rio de Janeiro .

CCL . — E ' visto , que o gabinete do Rio de


Janeiro mostrava- se mais diligente do que o
britannico no cumprimento dos seus ajustes ; em
compensação este nada descuidava para diffi
cultar o commercio e navegação .

Foi assim , que o encarregado de negocios da


Inglaterra communicou officialmente ao governo
portuguez , em 1818 , que seu governo havia re
solvido não dar auxilio algum , nem mantimen
tos, aos navios empregados no trafico, que to

cassem no porto da Bôa - Esperança , salvo quando


para alli impellidos por temporal, perigos do mar ,
accidentes imprevistos e inevitaveis, casos que
ficando ao seu arbitrio tarde ou nunca reconheceria .
Fechou portanto a Inglaterra aquelle porto
tão necessario á navegação do Brazil para Mo
çambique.

CCLI. — Desejando abrir novas conferencias


em Londres as cinco grandes potencias con

vidaram para ella o conde de Palmella , que


para isso pediria instrucções á sua côrte.

CCLII . - O conde de Palmella dirigio uma


287

nota á este respeito , em 19 de fevereiro de


1817 , declarando que havia recebido as ne
cessarias instrucções .

“ S. M. el - rei de Portugal , dizia o conde ,


não tendo assignado o artigo addicional ao
tratado de Pariz de 20 de novembro de

1815 ( *) , não se suppõe obrigado a tomar parte


nas conferencias estabelecidas em Londres em
virtude deste artigo , tanto mais que , quando
estas conferencias foram propostas pelo con

gresso de Vienna , recuzaram os plenipoten


ciarios portuguezes , positivamente , ter parte
nellas .

“ Entretanto Sua Magestade , querendo dar ainda

( * ) Eis o artigo addicional ao tratado de 20 de novembro de


1815, conhecido pelo nome de – segunda paz de Pariz — pela
França , de uma parte, (duque de Richelieu, ) e da outra pela Aus
tria (principe de Metternich , e barão de Wessenberg,) Gram -Breta
nba (lord Castlereagh , e duque de Wellington ,) Prussia , (principe
Hardenberg e barão de Humboldt,) e Russia (principe Rasumaws
ki , e conde Capo d'Istria) :
« As altas partes contratantes, desejando sinceramente dar segui
mento ás medidas de que occuparam - se no congresso de Vienna ,
relativamente a abolição completa e universal do trafico dos negros
d'Africa, e tendo já, cada uma em seus estados, prohibido sem
restricção ás suas colonias e subditos toda e qualquer parte nesse
trafico, obrigam -se a reunir de novo seus esforços para assegurar
o successo final dos principios, que proclamaram na declaração de
4 de fevereiro de 1815 , e a concertar sem perda de tempo, pelos
seus ministros nas côrtes de Londres e de Pariz, nas medidas
mais efficazes para obter a abolição completa e definitiva de um
commercio tão odioso e tão altamente reprovado pelas leis da re
ligião e da natureza . »
288

esta nova prova do desejo, que tem de concorrer


com as altas potencias, que assignaram o ar
tigo addicional , para o alcance do objecto
proclamado pela declaração do congresso de
Vienna de 8 de fevereiro de 1815 , apezar dos
esforços e sacrificios , que já tem custado e que
custarão ainda ao Brazil, para chegar á esse
ponto ; tem autorizado ao abaixo-assignado a
aceitar o convite dos Srs . plenipotenciarios das
potencias que assignaram o artigo addicional,
e a ajuntar- se nas suas conferencias, logo que
SS. EEx. houverem por bem dar-lhe a certeza ,
de que esta negociação será fundada nos princi
pios seguintes :
“ 1.° Que na conformidade da declaração
solemne do congresso de Vienna se attenderá,
na causa da abolição do trafico da escrava
tura, aos interesses, costumes , e até mesmo
aos prejuizos e prevenções dos subditos das
potencias, que ainda permittem este trafico.
66

2. ° Que, tendo cada uma destas poten


cias o direito de effectuar a abolição final na
época que julgar mais conveniente , a fixação
desta época será determinada entre as poten
cias pela via da negociação.
“ 3. ° Que à negociação geral, que se hou
ver de estabelecer, não será prejudicial á es
tipulação do artigo 4.º do tratado de 22 de
289

janeiro de 1815 , entre S. M. Fidelissima e


S. M. Britannica , pelo qual se diz , que a
época, em que o sobredito trafico deverá
cessar universalmente , e ser prohibido nos do
minios portuguezes, será determinada por um
tratado separado entre as duas altas partes
contractantes .
Os principios acima expostos parecem tão
claros e tão conformes á tudo quanto os Srs .
plenipotenciarios lhe tem elles mesmos commu
nicado, que não hesita em crêr, que elles
serão servidos ratifical- os explicitamente na res
posta , que el-rei seu amo lhe ordena pedir -lhes
e em consequencia da qual se julgará devi
damente autorisado á aceitar o convite e á
tomar parte na negociação ...
CCLIII. Nada mais justo . O conde de
Palmella bem sabia com quem tratava ; appel -
lava por isso para os principios mais justos
e razoaveis , e lembrava ao governo britannico
aquillo mesmo de que elle mais se esquecia
os seus ajustes e os interesses bem entendidos
dos povos com quem tratava.
Baldado esforço ; esta nota não teve resposta,
e sómente um anno depois (em 11 de feve
reiro de 1818) recebia o conde de Palmella a
seguinte :
290

CCLIV . — “ Os abaixo-assignados, em conse


quencia da communicação feita ao Sr. conde
de Palmella, na ultima conferencia, em data
de 7 de fevereiro deste anno , apressam -se á
ter a honra de transmittir - lhe incluso o tra
tado concluido entre S. M. Britannica e S. M.

Catholica estipulando da parte da Hespanha a


abolição definitiva do trafico da escravatura ,
e apresentando assim um resultado bem sa

tisfatorio da solicitude , que suas respectivas


côrtes têm em cumprir a obrigação, que con

trahiram pelo artigo addicional ao tratado de


Pariz de 20 de novembro de 1815. A comple

ta realização deste interessante fim não depende


senão da renuncia da côrte de Portugal da parte

do trafico da escravatura , que ella ainda se


reserva ao sul do Equador, pelo que os abaixo
assignados têm a honra de convidar o Sr. conde
de Palmella á sollicitar de sua côrte plenos pode
res , que o ponham em estado de trabalhar de con
certo com elles nos meios de obter um resultado tão

desejavel. Tem ao mesmo tempo a honra de


ajuntar aqui os extractos dos protocollos das
ultimas conferencias sobre este objecto para in
formação de S. Ex ...

CCLV.- Já decorreram 50 annos , e a his


toria responde se da côrte brazileira tem de
291

pendido a continuação do trafico escravo, que


hoje , em 1868 , não existe mais no imperio
brazileiro, sem que tenha desapparecido de
outras potencias , inclusive a Inglaterra, que o
conserva ainda !

CCLVI. - A nota collectiva de 11 de feve


reiro tendia a inutilizar as condições impostas
pelo gabinete do Rio de Janeiro ; o conde res
pondeu no dia seguinte :
“ Que , achando -se munido de plenos pode
res e instrucções necessarias para assistir ás
conferencias e nellas discutir , não se julgava

no caso de pedir de novo plenos poderes , a


menos que a questão mudasse absolutamente

de natureza pela negativa de admittirem os prin


cipios enunciados na primeira nota (CCLII) que
lhes dirigira ... ”

CCLVII . - 0 conde de Palmella , que tanto


havia cedido em 1817 , rezistia a pressão da
Inglaterra, cada vez mais exigente e insa

ciavel, em 1818. Ella bem sabia quanto havia


declarado no congresso de Vienna, quanto
comnosco havia ajustado ; mas nem suas pro
prias declarações , nem seus mais solemnes

ajustes, nem a melhor vontade e mais vitaes

interesses de Portugal e Brazil podiam emba


292

raçal- a na sequencia vertiginosa da sua poli


tica de ambição e voracidade.

CCLVIII.— Embaraçados pela firme attitude


do conde de Palmella , declararam- “ que tendo
razão para entender , que as instrucções, segundo
as quaes obrava o conde de Palmella , não
eram de natureza á habilital- o a concluir con

venção alguma , que determinasse periodo fixo,


da parte de Portugal, para abolição do trafico,
sem referencia ao seu governo , não julgaram
conveniente entrar , em taes circumstancias , em
ulteriores discussões com o conde ; porquanto

conceberam , que taes discussões não podiam


conduzir á rezultado algum satisfatorio . ”

CCLIX . — Тal a parte que nos coube nas


conferencias de Londres . Entretanto , convém
* ao historico desta grande questão reproduzir o

memorandum , que lord Castlereagh apresentou


aos plenipotenciarios então reunidos :

GCLX.- “ Aprezentando á conferencia os re


latorios recebidos da sociedade africana em

Londres , em resposta ás perguntas , que lhe


fez o governo de Sua Magestade sobre o estado
prezente do trafico da escravatura em sua

connexão d’Africa, lord Castlereagh ( lidos os re


293

latorios) chamou a attenção dos seus collegas


para os seguintes factos proeminentes :
Que tinha havido consideravel renovação
do trafico da escravatura , especialmente na
Costa d'Africa, ao norte da linha , depois do
restabelecimento da paz ; e que sendo agora a

principal parte deste trafico de discripção


illicita , as partes nelle occupadas tinham adop
tado a pratica de o fazer em vazos armados
e bons veleiros.

Que os navios empregados neste trafico


armado não sómente ameaçavam rezistirá
todas as tentativas legaes para o reprimir, mas
até , em suas praticas de piratas, ameaçavam com
a destruição o commercio legitimo de todas as
nações n'aquella costa .
“ Que o trafico assim feito era marcado por
crescentes horrores , em consequencia da ma
neira deshumana porque esses despreziveis
aventureiros costumavam a amontoar OS es
cravos abordo dos navios , mais calculados
para escapar-se da interrupção dos corsarios,
do que para servir de transporte á entes hu
manos .
“ Que assim como o melhoramento d'Africa ,

especialmente no ponto de vista commercial,


avançava á proporção que o trafico da escra
vatura era supprimido, assim parece que com
38
294

sua renovação declinava toda perspectiva de


industria e melhoramento .

“ Que o governo britannico tinha feito con


sideraveis esforços para impedir o augmento
deste mal ; que durante a guerra e em quanto

estivera de posse dos estabelecimentos francezes


e hollandezes n’aquella costa , tinham taes es
forços sido seguidos de consideravel bom exito ;
porém que depois da restituição d'aquellas pos
sessões , e mais especialmente depois que pelo res
tabelecimento da paz foram consideradas illegaes
as vizitas dos corsarios britannicos aos navios com

bandeiras estrangeiras, o trafico da escravatura


tinha consideravelmente augmentado.
“ Que o governo britannico , na execução
deste acto de dever moral, tinha invariavel
mente desejado, tanto quanto era possivel ,
evitar que fizesse sombra aos direitos de qual
quer potencia amiga ; que com estas vistas já
em junho de 1816 tinha expedido a todos os
corsarios britannicos a ordem circular aqui junta,
ordenando - lhes que ficassem prevenidos de que
o direito de vizita , sendo um direito de belligerante,
tinha acabado com a guerra , e mandando que
se abstivessem de o exercer .

“ Que a difficuldade de distinguir em todos


os casos os que traficavam fraudulentamente

dos que procediam licitamente , sendo uma grande


295

parte dos primeiros notoriamente subditos brilannicos,


que occupavam - se criminosamente n'aquelle trafico á
despeito das leis de sua patria, tinha dado occasião
á detenção de grande numero de vazos por fun
damentos, que o principe regente não podia sanc
cionar ; e em reparação de taes aprezamentos
se tinha feito a devida compensação na ultima
convenção com Hespanha e Portugal .
Que não obstante tinha-se provado, além
de toda a possibilidade de duvida , que a não
estabelecer -se o direito de vizitar os vazos occupados
neste illicito trafico, concedendo -se osestudos maritimos
este direito mutuamente , não só deve continuar
o trafico illicito da escravatura em tempo de
paz, como augmentar ainda .
Que o systema de obter papeis fraudulentos,
e occultar o verdadeiro proprietario , era agora
praticado com tal arte , que facilitava aos subditos
de todos os estados a pratica do trafico, emquanto
fosse licito o commercio da escravatura para
algum estado .
“ Que ainda no caso , em que todos os es
tados abolissem o trafico, emquanto a bandeira
de algum excluisse a vizita dos outros estados ,
o commerciante em escravos acharia meios de
se occultar sob a simulação da nacionalidade ,
cujo corsario fosse mais difficil de encontrar
na costa . Assim , o traficante portuguez , depois
296

da abolição ao norte da linha , se occultaria

sob a bandeira hespanhola ; o traficante ame


ricano , e mesmo o inglez tem igualmente tomado
o desfarce estrangeiro .

“ Tem havido muitos exemplos de subditos bri


tannicos, que illudiram as leis do seu paiz , estabe
lecendo casas na Havana, ou obtendo papeis falsos.
Se isto assim tem succedido em tempo de guerra ,

quando as bandeiras dos neutros estavam legal


mente sujeitas ás vizitas dos corsarios bellige
rantes , o maldeve ser dez vezes maior quando a
paz extinguira esse direito ,e quando até navios bri
tannicos, tomando fraudulentamente bandeira estran
geira , com a mira na impunidade, fazem este trafico .
“ A obvia necessidade de combinar a repressão
do illicito trafico da escravatura com a medida

da abolição , de modo a tornal-a efficaz , ha sido


admittido tanto pelo governo hespanhol como

pelo portuguez ; e de accôrdo com este principio


foram negociadas as ultimas convenções ; porém ,
emquanto o systema , que nellas se estabelece ,
limitar-se ás tres potencias ; emquanto as ban
deiras dos outros estados maritimos, especial
mente da França , Hollanda e Estados Unidos ,
não concordarem nesta medida, seu effeito será

apenas o de fazer variar, o caracter apparente


da fraude, em vez de supprimir consideravel
mente o mal.
297

“ As grandes potencias da Europa , reunidas


no congresso de Vienna , solemnemente ajusta
ram, em face do genero humano, de fazer ces
sar este trafico ; mas , claramente parece , que a
lei da sụa abolição nada será por si mesma , á

menos que o contrabando do commercio da es


cravatura seja supprimido por um systema com
binado, como o que se propõe , que deve reu
nir todos os esforços, sem demora , para tal
fim ; e como melhor meio propõe , que as cin
co potencias , agora reunidas em conferencia
pelo 3.º artigo addicional do tratado de Pariz ,
concluam entre si um tratado sobre os mesmos
principios simples, posto que ampliados, que
venha a ser um regulamento convencional , con
vidando-se os outros estados maritimos para
accederem á elle .
“ Esta convenção poderia comprehender as
seguintes providencias geraes :
“ 1. • Um ajuste de promulgar leis efficazes,
que qualifiquem não só de illegal a importa
ção d’escravos para os respectivos dominios,
como que esse acto seja criminoso e punido
convenientemente segundo os diversos codigos .
2. • A mutua concessão do direito de vi
zita aos respectivos navios de guerra, munidos
das instrucções convenientes ; que as vizitas
sejam sob a inspecção de um official de pa
298

tente ; que nenhum vazo seja detido á menos


que tenha escravos abordo.
“ 3. " Os regulamentos secundarios seriam se
melhantes aos convencionados com a Hespanha
e Portugal, com as ulteriores modificações, que
fossem apropriadas á obviar ao mal , e á tor
nar o systema menos sujeito possivel ás duvi
das , como lei geral entre as altas potencias
contractantes, applicavel á este mal particular.
66
Depois que fôr geral a abolição , pelo de
curso dos annos, será então possivel decretar
leis particulares, com medidas efficazes, para
impedir a importação. As medidas, que de
vem então ser adoptadas na Costa d'Africa,
virão a ser assim comparativamente de pouca
importancia ; porém , em quanto a natureza
parcial da abolição, e a facilidade de impor
tar por contrabando em todas as extensas re
giões, para onde se levam escravos da Costa
d’Africa, offerecer ao illicito traficante d’es
cravos a irresistivel tentação de proseguir nes
te abominavel mas lucrativo trafico, nada se
ита
armada e internacional, na Costa d'Africa , po
derá com bom exito combater taes praticas.
Para que tal policia seja legal e efficaz,
quanto ao seu objecto, deve ella ser estabele
cida com a sancção e pela autoridade de to
299

dos os estados civilizados, que concorrerem para


esta policia humana da abolição ; a força ne
cessaria para supprimir o trafico deve ser sup
prida, conforme as circumstancias e conve
niencias, pelas potencias que tem dominios
na Costa d'Africa , ou que tenham interesses lo
caes , que as possam aconselhar a postar na
vios de guerra n'aquella parte do globo ; po
rém taes esforços serão inefficazes se não fo
rem apoiados por uma alliança geral , esta
belecida para este fim especial . Devem combi
nar-se os direitos de todas as nações afim de
cooperar-se para o que se deseja, quando me
nos , deixando taes direitos de servir de capa
para frustar o objecto , que todos anhelam
conseguir
No principio poderá haver alguma difficul
dade na execução de um systema commum , mor
mente emquanto o trafico continuar a ser legal,
dentro de certos limites , para os vassallos tanto
da corða de Hespanha como de Portugal; mas
se as potencias principaes, que frequentam a
Costa d'Africa , mostrarem, que estão determi
nadas á combinar os meios de que dispõe
contra o illicito traficante d'escravos como ini
migo commum ; se ellas forem nisso apoiadas
pelos outros estados, que negarem á tão illicito
trafico a capa de suas bandeiras, então o tra
300

fico tornar -se -ha demaziadamente arriscado para


ser especulação lucrativa . Assim , deverá cessar
o mal , e os esforços d’Africa se encaminha
rão aquelles costumes de commercio pacifico e
industria , em que todas as nações acharão
melhor remuneração dos esforços, que tiverem
dedicado á suppressão deste grande mal moral.
“ Com estes fundamentos convidou lord Castle

reagh aos seus collegas , em nome do principe


regente , para que , no caso de que os poderes
que tinham os não habilitassem para negociar
uma convenção sob os principios enunciados ,
sollicitassem sem demora dos seus respectivos
soberanos a autoridade necessaria , confiando
S. A. Real que os grandes e brilhantes prin
cipios , que guiaram os conselhos dos que se reu
niram em Vienna , e que tem felizmente adian
tado a causa da abolição á ponto proximo da
sua terminação , os levarão á perseverar na me
dida até final resultado , que só pode ser al
cançado pela sabedoria commum , e esforços
combinados .
66
Lord Castlereagh concluio , chamando a atten
ção dos seus collegas para as provas indispu
taveis , que apresenta a colonia da Serra Leða ;
0 augmento do commercio africano nos ultimos

annos decorridos ; a capacidade d'aquelle conti


nente , tanto em territorio , como em população ,
301

para industriar -se e civilisar -se ; sendo indubi


tavel, que o unico impedimento para isso é a
perniciosa pratica do commercio da escravatura ,
que , onde quer que exista , leva os naturaes a
abandonar os laboriosos e vagorosos meios de
troca , que a industria offerece, pela apprehensão
e venda uns dos outros. Só a total extincção
deste trafico poderá cooperar, para que os afri
canos civilisem -se , resultado este que, sendo
objecto principal das conferencias, devia ser
provocado e accelerado por todos os meios. ”

CCLXI. Este convite foi immediatamente


transmittido á consideração das respectivas cortes
pelos plenipotenciarios reúnidos em Londres ;
mas nenhum delles foi então habilitado para
tratar com a Gram -Bretanha no sentido do me
morandum .

CCLXII . — Pouco depois o duque de Riche


lieu , em nome do governo francez, negou a
concessão do direito de vizita ; 1.º porque a

reciprocidade era illuzoria ; 2.° porque dava


lugar á muitos abuzos e perdas ao commercio .
E o governo dos Estados Unidos declarou , que
tudo faria para supprimir o trafico ; mas que
não podia conceder o direito de vizitar.

CCLXIII. - A simples leitura do memorandum


39
302

com que a Inglaterra procurava dissimular o


intento — soberania dos mares pelo exercicio de uma
policia armada - que a superioridade de suas
forças navaes lhe entregava absoluta e indispu
tavelmente ,-não illudiria hoje ao governo mais
desacautelado , aos homens d'estado menos pre
videntes. Mas em 1818 , esse documento era
traçado com tanta habilidade e arte , que devia
exercer directa pressão nos que acreditavam,
que o governo britannico era simplesmente
guiado por dever moral em prol dos selvagens
africanos !

CCLXIV . — E para que a arte fôsse mais habil


e a habilidade mais imponente, eil-o que prin
cipia accuzando aos proprios subditos britan
nicos, e denunciando-os como transgressores das
leis de seu paiz .
Quem , ouvindo lord Castlereagh asseverar ,,
com visos de profunda sinceridade , que uma
grande parte dos traficantes fraudulentos eram no
toriamente subditos britannicos ; que tinha havido
muilos exemplos de subditos britannicos illudindo
as leis da Inglaterra ; estabelecendo cazas na Ha
vana para o trufico ; obtendo papeis falsos; tomando
fraudulentamente bandeiras estrangeiras para evi
tarem que seus navios fossem aprezados pelos cru
zadores inglezes ... quem , ouvindo pronuncia
303

mento tão proprio para produzir estrondo, dei


xaria de ficar abalado e de sentir-se arrastado

a entregar á Gram-Bretanha, posto que em


plena paz , direitos que a lei das nações re
conhecia somente nos belligerantes em tempo

de guerra , o direito de detenção e vizita, a


policia armada dos mares , o jus vitae et næcis
emfim sobre o commercio , industria , dignidade ,

independencia dos estados tão soberanos como


ella ?

CCLXV . - Portugal, Hespanha e Hollanda , suc


cumbiram logo ; e com mais ou menos rezis
tencia depois os Paizes-Baixos , Suecia , Sar
denha , Toscana , Duas Sicilias , Dinamarca , Ci
dades Asiaticas , e por fim até a França , Austria,
Prussia e Russia !

CCLXVI. - A Inglaterra desde então podia


abolir seu famoso acto de navegação ; porque

ninguem mais attrever-se-hia á disputar- lhe a


soberana supremacia maritima , até nossos dias
sustentada ; mas , summamente cautellosa nas
mudanças que podem prejudicar seus interesses
legitimos ou illegitimos , somente em 1848
fizera, para d'ahi em diante , segundo seus
habitos inveterados, pregar aos outros povos ,
com a palavra ou com os canhões , o evangelho
304

dos principios liberaes, quando lhe são provei


tosos !

CCLXVII. — As potencias , que subscreveram


á sua inferioridade maritima, nem se lembra
ram de abrir os respectivos annaes para recor

dar-se , nas lições do passado , de quanto é


sempre dissimulado o governo britannico , quan
do pede ou implora favores, e de quanto é
aggressivo e injusto depois de conseguil -os .

CCLXVIII. — A ' parte a hypocrisia, que todo


aquelle memorandum revela ; a longa demons
tração da necessidade do direito de vizita ,
que a provar alguma cousa provaria de mais,
pois que, admittido o principio , não devia ,
ficar circumscripto á uma só especie de con
trabando , e sim applicar- se a todos os ramos

ou especies desse permanente flagello do com


mercio licito , das rendas publicas , da pros

peridade dos estados , e que é a fonte perma


nente de fraudes e crimes ; provaria de mais
ainda, porque a supremacia dessa policia ar
mada devia estender -se tambem aos territorios ;
á parte essa illusoria reciprocidade, que re

memora a partilha do leão ; à parte essa esbu


racada capa , que os Estados Unidos repudiaram
como indecente : uma pergunta apenas — quaes
505

os esforços do governo e tribunaes britannicos


para punir os fraudulentos traficantes britanni
cos , por lord Castlereagh denunciados com
solemnidade á todas as potencias européas ?

“Porque não apresentou a estatistica do seu


numero , navios , aprezamentos , processos, sen
tenças condemnatorias, destino dos africanos
apprehendidos, sua procedencia etc. , etc. ?

CCLXIX . — Lord Castlereagh affirmou , que


os navios armados empregados no trafico amea
çavam o commercio legitimo , qualificando -os
de — piratas .
Mas Sir William Scott , lord Stowell , na ci
tada sentença , em que o almirantado absolveu
o navio francez Louis , que estava armado e
que só foi capturado depois de bater- se com o
cruzeiro britannico , refuta semelhante theoria
com a propria jurisprudencia ingleza .

CCLXX . “ Deve decidir as questões , disse

elle , não pela sua convicção moral, como in


dividuo , mas pelos principios legaes , capazes
de applicação geral .
“ O mesmo estatuto , que determinou , que
fôsse crime capital o traficar em escravos qual
quer subdito britannico, prova que isso não era
crime de pirataria , faltavam -lhe os distinctivos da
306

piratariu , os seus actos limitavam -se á um paiz em


particular, e não estendiam-se as nações em geral .
O trafico era limitado aos escravos ; e nem mesmo
nos argumentos se presumio, que o trafico em es
cravos fosse pirataria.
“ Em todas as discussões , que têm havido
sobre esta materia , e no meio de todas as
considerações irritantes e inflammatorias, com
que se ha insistido , ninguem ainda sonhou em
proceder por accusação criminal , chamada na
legislação ingleza Inditement, pelo crime de
traficar em escravos, como se fosse pirataria ; e
aventuro-me a proferir que não se encontrará
um legista com arrojo bastante para levantar - se
n'uma côrte de justiça e sustentar semelhante
doutrina .

CCLXXI. - O governo britannico , disse ainda


lord Castleréagh, tem invariavelmente desejado
evitar sombra aos direitos de qualquer poten

cia amiga , e que o trafico fosse punido segundo


os diversos codigos das nações, que firmassem
ajustes; comtudo obrigou Portugal e Brazil á
promulgar uma lei penal conforme, quanto
possivel , com a legislação britannica !
Entretanto , nesse extenso memorandum , não
ha uma só accusação formulada á lealdade ,
inteireza e sinceridade da corte portugueza, nem
307

mesmo aos seus vassallos americanos e


peus! Muito pelo contrario , depois de citar
francezes e hollandezes , lord Castlereagh refe
rio -se ánossa corte, confessando que o governo
britannico havia -nos concedido indemnização

pelo aprezamento de grande numero de navios


por fundamentos que o proprio principe regente
não podia sanccionar !

CCLXXII . Ninguem , porém , devia enga

nar -se com este simulado reconhecimento ; por


que o governo britannico nunca ouvira os pre
ceitos da justiça , e menos os da menor gene
rozidade. Convinha - lhe então poupar-nos, tendo
nós passado pelas forcas caudinas da convenção
de 28 de julho , para que conseguisse a mesma
concessão das outras potencias.
Escrava dos romanos , de quem herdára a

grande ambição sem as grandes virtudes , a


Gram -Bretanha tem procurado , como aquelle
povo -rei, avassallar todas as nações, posto que

a Providencia , isolando-a no meio dos mares,


denote o designio de preservar todos os demais
paizes do seu funesto contacto immediato . A Eu
ropa ainda não comprehendeu esse grande
designio providencial , de que a propria Ingla
terra tem sabido até hoje aproveitar -se ; mas o
cataclysma periodico das nações soberbas e
308

devastadoras , que nem a poderoza Roma poupura,


ha de transformar, um dia , aquelles romedos
hoje habitados , nas antigas plagas inhospitas ,
no temporario abrigo dos pescadores sorprehen
didos pela desordem dos elementos no per
manente ninho das aves de rapina

CCLXXIII . — Quanta prepotencia pelo governo

britannico, para que em 1814 , depois de uma


guerra tão duradoura e tão devastadora á todos

os belligerantes (XLI , XLII ) o Dr. P. Colquhoun (*)


demonstrasse nesse anno a riqueza , poder e
recursos do grande imperio britannico - com os
seguintes eloquentes algarismos da renda de seus
productos :
Na Europa 432.439.372 £ St.
Na America . 41.927.940 » >>
Na Africa . 800.000 >>
Na Azia . . 6.194.230 »

Nas possessões adminis


tradas pela companhia das
Indias . 211.966.494 >>
0 que somma em . 693.228.336 >>
Acrescente-se a população de 61.157.433, a
força armada de 1.062.020 , a propriedade

(*) A Treatise on the Wealth , Power, and Resources of the Bri


tish Empire, in every Quarter of the World , including the East
Indies etc. October - 1814 -- London .
309

avaluada em 4,081.530,895 libras esterlinas,


tendo esta immensa propriedade augmentado
durante a guerra em 106.917,190 libras ester
linas ! E o Dr. Colquhoun acrescenta , que as
tomadias por mar e por terra chegavam prova
velmente a 50 ou 60 milhões esterlinos mais !

CCLXXIV.- E de 1814 até nossos dias ?

Ahi está o principe Alberto ha pouco felici


tando-se em discurso publico-- “ dessa incom
paravel grandeza de uma nação ao mesmo
tempo senhora do norte da America e do meio

dia d’Africa ; cuja bandeira tremula em terra


ingleza nas mais vastas regiões da Azia e da
Oceania ; e cujo vassallo não pode conhecer o
territorio da sua patria sem desenrolar o mappa
do mundo inteiro ...

CCLXXV . - Ahi está lord J. Russell , que no


discurso de 8 de fevereiro de 1850 , assim
enumerou as acquizições coloniaes de Gram

Bretanha , por ordem chronologica :


- " De 1600 a 1700 : a Nova Escossia , 0
novo Brunzwick , as ilhas do principe Eduardo ,
Terra Nova , Bermudas, Jamaica, Honduras,
Bahamá , Barbada, Antigoa , Monserrat, S. Chris
tovão , Newis , as ilhas Virgens , Gambia , Santa
Helena .
40
310

De 1700 a 1793 : o Canadá , S. Vicente,


Grenada , Tabago , Dominica, Gibraltar, Serra
Leôa , Costa de Ouro , Nova Galles do Sul .
“ De 1793 á 1815 : Santa Lucia , Goyanna,
Trindade , Matta , Cabo , Terra de S. Diemen ,
Mauricia , Ceylão.

CGLXXVI. — Se acrescentarem - se - a Austra


lia occidental e meridional , e as ilhas de Falk
land , sem contar o imperio daş indias , e de
pois da perda da America do Norte , são 37
colonias adquiridas em 250 annos !
Na Azia possue 84 reinos ou provincias, com
a superficie de 1.367,193 milhas quadradas,
e 171.859,055 habitantes ; uma ilha e um
porto no territorio da China .
Na Africa possue 6 colonias continentaes e
2 ilhas .
Na America 6 colonias continentaes , com
2.480,326 habitantes e 19 ilhas.
Na Australia 3 vastas colonias continentaes
e 2 ilhas.

CCLXXVII . - Sommando tudo : um quarto do


mundo civilisado , povoado por 200 milhões
de habitantes , fornecendo á industria da mãe
patria mercados para um valor de 1,500 mi
lhões esterlinos , e ao seu commercio transac
311

ções em valor superior á 1,600 milhões ester

linos, correspondente a navegação de mais de


100,000 navios de todas as nações (*) !

CCLXXVIII. — Eis medida a phylantropia


britannica !
E se quizerem medir tambem o valor do
dever moral, que ella se impunha contra o
trafico escravo d’Africa , podem exclamar com
James Grahame, referindo -se aos traficantes bri
tannicos :
« Quantas de humanos seres hecatombas
« Morrem , commercio, sobre teus altares !

CCLXXIX . Pode-se interpellar a Inglaterra

pelos escravos, que possuio até 1838 em An


tigoa , Barbada, Montserrat, Newis, S. Christo
vão , Tortola , Anguille , Bahamá, e Bermudas ,
colonias que ella propria fundara quasi todas !

CCLXXX . - Pergunte-se a França pelas suas

colonias d'escravos — Dominica , Grenada, San


ta Lucia , S. Vicente , Tabago , e Mauricia ?
A ’ Hespanha, pela Jamaica , Trindade e Hon .
duras ?

A ’ Hollanda, pela Goyanna, e Cabo da Boa


Esperança ?

(*) Aug. Cochin .


312

CCLXXXI . Quanta ambição , quanta pre


potencia para sacial- a !
E nesta devastação conquistadora podiamos
ser poupados ?,

CCLXXXII. — Não é possivel deixar em si


lencio o congresso de Aix-la-Chapelle , no qual
o plenipotenciario britannico discutio tambem
o trafico d'escravos para insistir na pretenção
do direito de vizita e captura .
Os esforços de lord Castlereagh, que fez - se
acompanhar do celebre abolicionista T. Clarkson ,
foram iguaes senão maiores do que nas con
ferencias de Londres . Prova - o o memorandum
que segue :

CCLXXXIII. — " . 1.° Quanto ao direito de vi


sita. Nenhuma das trez convenções , assignadas
pela Gram - Bretanha com a Hespanha , Portu
gal e Hollanda , dá indiscriminadamente este
direito aos navios d'el-rei. Em todas se limita
aos navios d'el-rei, que tiverem autoridade e
instrucções expressas, como se especifica no tra
tado .
“ A providencia é em todos os casos reciproca ;
porém o tratado com os Paizes- Baixos restringe
o exercicio deste direito á um numero especifi
cado de navios de cada potencia, não excedendo
313

á 12 no total. Cada uma das potenciaș , logo


que conceder estas instrucções á qualquer na
vio de guerra, será obrigada a notificar á outra
o nome do navio assim autorizado á fazer a
vizita .
2.º Direito de detenção . Não pode fazer -se a
vizita ou detenção senão por um official de pa
tente, que tenha as instrucções acima mencio
nadas, com autoridade especial para isso , o qual
não pode deter e levar á porto algum o navio
vizitado, salvo no unico e simples caso de encontrar
escravos abordo.
“ Ha tambem uma clausula de excepção , que
distingue os escravos domesticos , que servem
de criados ou marinheiros, dos que estricta
mente são do trafico .
“ As potencias obrigam -se á tornar pessoal
mente responsavel o official por qualquer abuso
de autoridade, independentemente da indemni
zação pecuniaria, como adiante se declara, para
o proprietario , pela indevida detenção do seu
navio .
“ 3. ° Adjudicação. O official da vizita, encon
trando escravos" a bordo, segundo sua opinião,
de encontro ás leis , poderá levar o navio para
um dos dous portos mais proximos , onde re
zida commissão mixta , da nação do captor, ou
do capturado; mas assim procedendo não só fica
314

responsavel para com seu governo pelo seu acto,


como torna responsavel o mesmo governo ao
d'aquelle á que pertence o navio capturado
pela compensação plena , em indemnização pe
cuniaria , que a commissão mixta póde arbitrar
aos proprietarios pela detenção quando injus
tificavel.

“ A commissão mixta não tem jurisdicção de


caracter criminal , e consequentemente não pode
deter nem punir as pessoas encontradas abordo
dos navios detidos , por quaesquer crimes que
no trafico tenham commettido contra as leis

do seu proprio estado .


“ A commissão não tem outra autoridade
senão a de dicidir summariamente , se o na
vio fôra devida ou indevidamente detido por
ter abordo illicitamente escravos. Se dicide pela

affirmativa , o navio e carga (havendo-a abordo)


são apprehendidos , e o seu producto dividido
entre os dous estados, tomando o estado em cujo
territorio tivera lugar a condemnação as ne
cessarias providencias quanto aos escravos . No
caso de absolvição , livre o navio , requer -se
logo que a commissão mixta arbitre a com
1
pensação aos proprietarios conforme o que lhe
parecer razoavel . Dá-se uma tabella de dam

nos pela demora do navio , incluida no tratado ,


e o governo do official detentor é obrigado á
315

pagar sem appellação o que fôr arbitrado dentro


de 12 mezes .
66
A commissão mixta é composta de um
commissario juiz , e de outro arbitro , de cada
nação , como foi providenciado na convenção
de 1815 entre a Gram - Bretanha e a França

para a adjudicação das reclamações particu


lares.

“ 4. Esphera de operação. Nas convenções


hespanhola e portugueza não ha outra restric
ção mais , quanto aos limites dentro dos quaes
pode fazer - se a detenção , do que a que na
turalmente nasce do estado das leis, a saber :
que , em quanto cada uma das potencias poder
licitamente traficar em escravos ao sul do

Equador, nenhuma detenção terá lugar dentro


d'aquelles limites.
Na convenção com a Hollanda tira -se uma
linha do estreito de Gilbraltar á um ponto nos
Estados Unidos, de modo que exceptúa das
operações os mares , que podem chamar -se euro
peus.
“ Em todas estas convenções todo espaço da
viagem , desde a Costa d'Africa até as margens
oppostas de ambas as Americas, incluindo as In
dias occidentaes, fica sujeito á regular superin
tendencia acima estabelecida .

Observações. Sobre o primeiro ponto não


316

parecem necessarias outras restricções além das


convencionadas com os Paizes -Baixos ; mas isto
está sujeito á discussão das negociações .
“ A mesma observação é applicavel ao se

gundo ponto , e tambem ao terceiro com esta


distincção : que um estado tal como a Aus
tria , por exemplo, que concordar na medida,
mas que não tenha titulo para commerciar
n'aquella costa ,,
costa em
em vez de concorrer im

mediatamente para a despeza da organização


das commissões , póde rezervar-se para o fazer
quando julgue conveniente, ou , preferindo, póde
ficar habilitada á autorizar os commissarios de

qualquer outro estado á conhecer em seu nome


de quaesquer casos, em que estejam compre
hendidas propriedades de vassallos austriacos.
“ O quarto ponto parece mais sujeito á
commentarios, porque admitte a possibilidade
da busca no Atlantico todo , e nos mares das
Indias occidentaes, onde os navios dos estados
commerciantes são mais numerosos do que na
Costa d'Africa .

“ A propria Gram - Bretanha estava tão per


suadida de que , sob as restricções estabele
cidas, era tão pouco de prezumir abuzos,
que não hesitou em expôro seu commercio
n'aquelles mares , ainda que extenso , á este inconve
niente , que julga imaginario, considerando que
317

tão urgente appello á sua humanidade não só

mente a justificaria , como até impunha- lhe o


dever norai de fazer maiores sacrificios.
Apezar do que a Gram - Bretanha conven
cionou com as trez potencias , e estava prompta
a ajustar com todos os estados civilizados, cor
rendo um pequeno risco para conseguir tão no
bre objecto , com tudo ha uma distincção , que
póde naturalmente fazer -se, isto é, entre o
exercicio deste systema na Costa d'Africa , á

certa distancia , por exemplo 200 leguas


d'aquella costa, e a sua applicação ao Atlantico
todo e mares das Indias occidentaes . Como
medida mais efficaz preferio a Gram - Bretanha
este segundo plano, quaesquer que fossem os
inconvenientes connexos com suas operações ;

mas não estava menos disposta a dar o devido valor


á applicação mais limitada deste principio.
“ Póde dizer-se, que em quanto as leis de
qualquer estado permittirem o trafico em es
cravos, ou existir no mundo uma bandeira , que
não seja comprchendida neste systema de policia
maritima, contra o contrabandista do trafico da
escravatura , o mal continuará a existir . Este

raciocinio, posto que plauzivel, não deve deza


nimar os esforços communs contra os abuzos
commettidos ; e examinando -se mais detalha
damente se reconhecerá , que não procede .
41
318

“ 1. ° Toda costa africana, ao norte da

linha , está actualmente emancipada do trafico


pelas leis de todos os estados , que tem colonias.
66 2. ° Aos 20 de maio de 1820 nenhuma
bandeira de estado algum poderá legalmente
fazer este trafico em porto algum ao norte
da linha , de ambos os lados do Atlantico ,
nem bandeira alguma, excepto a portugueza ,
poderá traficar ao sul da linha .
Suppondo por um momento , que Portugal
não queira abolir o trafico ao sul da linha ,
até a expiração de 8 annos completos , desde
a declaração de Vienna, isto é , em 1823 , com

tudo , que immensa esphera de saudavel ope


ração teria neste intervallo esta conservadora

alliança ?
“ A outra objecção é tão pouco solida como
verdadeira , isto é , que o vazo e bandeira de
uma potencia menor póde , em theoria legal,
cobrir estas tranzações ; mas quando a pro

priedade não pertencer á subditos dessa po


tencia , e sim ao d'aquelle estado que tiver
abolido o trafico, a bandeira d'aquella potencia ,
assim empregada com fraude, não servirá de
protecção , e a propriedade simulada será con
demnada, e ao mesmo tempo o soberano, cuja
bandeira fosse por tal modo prostituida , nem
poderia nem deveria queixar -se. Mas emquanto
319

alguma das grandes potencias, como a França ,


que tem consideravel extenção de commercio
n'aquellas costas, recuzar adoptar o systema ,
o seu exemplo não só dezanimará os outros
estados , cujo interesse é puramente nominal,
de tomar parte nelle , como fornecerá ao tra
fico illicito da escravatura uma bandeira , não

tanto permittida por si mesma, mas que é de


prezumir, que seja encontrada n'aquellas costas
para um commercio innocente ; que nenhum
official de patente quererá correr o risco de
examinar tal navio , expondo-se a involver
o seu governo e a si mesmo em questão com
uma potencia estrangeira .
“ Os effeitos praticos e moraes de uma causa
commum entre os estados maritimos princi
paes , sobre este objecto, são incalculaveis. Deve
ser isto decisivo . Sem isso suas bandeiras vi
rão a ser o instrumento de subtrahirem - se re
ciprocamente os subditos á autoridade do so
berano, quando commetterem tal crime.
“ Este ponto ficará mais evidente, conside
rando a operação do systema em duas alter

nativas. Se todos os grandes estados maritimos


adoptarem o principio, os seus cruzadores for
marão uma só esquadra contra os illicitos
traficantes da escravatura , e nenhuma de suas
bandeiras poderá cobrir a tranzacção fraudu
320

lenta ; seu effeito seria multiplicar considera


velmente o numero dos cruzadores , e conse
guintementea possibilidade das capturas , ao
mesmo tempo que reduziria o numero das ban
deiras , de que o illicito traficante poderia
aproveitar-se . Por outra parte, se a França obrar
só de per si , o perigo do illicito trafico francez

reduz -se á probabilidade do que poderão fazer os


seus cruzadores unicamente , ao longo d'aquella
immensa costa ; e mesmo quando um navio
armado francez encontrar um illicito traficante

francez, arvorando este a bandeira ingleza, hes


panhola , portugueza ou hollandeza , o official

francez, posto que sinceramente deseje cumprir


seu dever, acautelar -se - ha bem de arriscar-se á
uma vizita , acreditando que o vazo seja o que a
bandeira indica . Concertadas , porém , todas as
principaes potencias maritimas , arvorando o

navio suspeito de ter escravos abordo a ban


deira de outro estado , por exemplo a Anseatica ,
é tão evidente que um navio hamburguez não

trafica em escravos por sua conta , que nenhum


official hesitará em vizital -o para descobrir a
fraude.
“ Póde- se tambem affirmar com segurança ,

que , se as potencias , que têm interesses reaes


e locaes , concordarem ' em obrar de commum

accordo , as outras potencias aceitarão de boa


321

vontade a medida tanto quanto se refira a não


permittirem , que suas bandeiras sejão mons
truosamente pervertidas , abusando-se dellas .
“ A commissão da França é mais importante
do que a de todas as outras pela sua situação
na Europa e possessões n'Africa ; a sua sepa
ração do esforço commum , especialmente se
fôr imitada pela Russia , Austria e Prussia , não
só frustará todas as esperanças, que o mundo
acostumou- se a ter nas conferencias de Londres

sobre o artigo 3.º addicional do tratado de Pariz


de 20 de novembro de 1815 , como introdu

zirá um scisma e murmurações entre os ami


gos da abolição.
“ Tendo os estados abolido o trafico não for

marão um corpo compacto e unanime, traba

lhando por affiliar ao systema commum o es


tado, que tem ainda de decretar a abolição e
tornar efficazes os seus actos ; comporão duas
seitas , uma — dos estados que tem preferido
os maiores clamores da humanidade ao incon

veniente possivel de uma vizita restricta á seus


navios mercantes ; outra — dos estados que con
sideram sua primitiva objecção de transcen
dencia tal , que nenhuma modificação admitte
nem mesmo no indisputavel beneficio de uma
causa , a cuja importancia deram em Vienna
sancção não menos solemne .
322

“ Isto deve retardar o derradeiro e satisfactorio


exito da medida, e produzir, no intervallo,
inconveniente gráo de controversia e agitação em
materia, que tem contribuido mais que todas as
outras para excitar seriamente os sentimentos
moraes e religiosos de todas as nações, e mais
especialmente do poco inglez, que tem ha longo tempo
ligado á esta questão o mais profundo interesse.
CCLXXXIV - O resultado das conferencias
de Aix -la -Chapelle, tão negativo como o das
conferencias de Londres , prova claramente que
os plenipotenciarios da França, Prussia e Austria
nem sentiram - se enternecidos com o canto da
sereia humanitaria no principio e meio deste me
morandum , nem tão pouco assustados com o rugido
do leopardo ouvido no final. Naturalmente fi
caram maravilhados de ver como lord Castlereagh
harmonizava tanto amor pelos selvagens-africanos
e tanto rigor e despotismo pelos irmãos irlan
dezes , concidadãos indios, e alliados europeus !
CCLXXXV . - Reflectindo um pouco sobre o
fundo do memorandum , os quatro plenipoten
ciarios encontrariam séria difficuldade em con
ciliar – de uma parte a accusação de que
grande parte dos traficantes fraudulentos eram
notoriamente subditos britannicos , e de que havia
323

muitos exemplos de subditos britannicos illu


direm as leis da Inglaterra estabelecendo casas
aa Havana para o trafico illicito , obtendo papeis
falsos, tomando com fraude o uso de bandeiras
estrangeiras para fugir á captura ; e de outra
parte esse lyrismo humanitario com que lord
Castlereagh cantou os sentimentos moraes e re
ligiosos especialmente do povo inglez , que affir
mou ligado a abolição , pela qual disse tinha o
mais profundo interesse.

CCLXXXVI.- Como desejava limitar o direito


de vizita , si o artigo 5.º da convenção de 28 de
julho, que nos impôz, dava o mesmo direito á
todos os seus navios de guerra desde que á todos

quizesse ella encarregar dessa policia armada ?

CCLXXXVII. — Como declarou , que o direito


de vizita era sempre reciproco , si a côrte por
tugueza não podia ter navios de guerra disponi
veis para exercel-o tambem , e quando os tivesse
evitaria de vizitar e ainda mais de capturar
navios com bandeira ingleza , posto que fossem
a grande parte dos traficantes fraudulentos ?

CCLXXXVIII. Como assegurou , que ne


nhuma detenção podia ter lugar ao sul do
Equador, quando seus cruzadores aprezavam
324

continuadamente, dentro deste limite, facultado


pelos tratados, os navios portuguezes e brazilei -
ros ?

CCLXXXIX . — Recuzando as quatro potencias

annuir á proposta de lord Castlereagh , tanto


quanto á vizita e captura , como á declaração
de pirataria ao trafico d'escravos , o que nem
a propria Inglaterra havia decretado, aprezen
tou então Nesselrod , por parte da Russia , o ce
lebre projecto da fundação , n'Africa , de um

lugar neutro, com justiças , leis e policia com


muns, para resolverem sobre tudo quanto di
cesse respeito ao trafico .
Lord Castlereagh , porém , ainda que não re
pudiasse peremptoriamente o projecto, atacou - o
indirectamente á pretexto de limitar o direito
de registro e busca á certo numero de annos !
A razão é obvia ; o que queria o governo bri
tannico não era a extincção do trafico , não era
a satisfação de um dever moral; era a sobera
nia dos mares pela superioridade da sua mari
nha de guerra ; era a satisfação da sua ambi

ciosa avareza para estender a industria , com


mercio , navegação , dominios em todas as partes
do mundo , podendo pôr pêas á todo genero de
trabalho estrangeiro á pretexto de perseguir os
traficantes de todos os paizes e nacionalidades
325

quando confessava sua impotencia para cohibil-o


nos proprios inglezes!

CCXG : - Não fôra este o seu intento : porque

preferia a policia maritima em toda a vastidão


dos mares navegados , quando pouparia grandes
despezas com melhores successos estabelecendo
cruzeiros em toda Costa d'Africa , em que fosse
prohibido o trafico ? Deixar de localizar suas

forças nos territorios prohibidos á esse commer


cio para espalhal-as em todas as aguas das
cinco partes do mundo era tão absurdo , que
não podia suppôr-se na grande perspicacia do
governo britannico .

CCXCI.— Assim pensam eminentes publicistas,


até inglezes, os quaes todos denunciavam os
verdadeiros projectos da Gram -Bretanha , cujos
sentimentos moraes e religiosos foram perfeita
mente desenhados nestas palavras de lord Lon
ghboroug :
Surprehende, pasma , e até causa horror vêr
que os ministros de S. M. Britannica tem fun

dado e posto em pratica o systema de perseguir


por todos os meios e modos as nações que co
nhecemos, já atormentando - as, irritando -as, e
desacatando -as, já directa e abertamente em
42
326

pregando todo nosso poder e forças para abatel -as


e exterminal-as. »

CCXCII. “ Ha quem creia , acrescenta War

ren , que a Inglaterra ainda virá um dia á ser

mais justa ... Não, nunca o será ; porque , está


collocada nas bordas de um terrivel precipicio.
Sua industria tem tomado desenvolvimento tão

espantoso , e por tal modo vai e corre no seu


progresso , que mal se lhe abrem novos mercados

logo os abarrota e entupe : o que fará em taes


circumstancias o seu egoismo ? Procura suffocar,
matar e devorar todas as industrias rivaes . ”

66
CCXCIII. - " Inglezes e escravos , exclama
Azuni , eis as unicas denominações , que , segundo
as intenções da Gram - Bretanha, devem ser admit
tidas nas quatro partes do mundo . O ouro , o
machiavelismo, todos os recursos de uma po
litica tenebrosa , tudo emfim ella despenderá e
applicará para obter este grande resultado. ”

CCXCIV . — Lord Castlereagh asseverou , em


Vienna , aos nossos plenipotenciarios, em 13 de
fevereiro de 1815 , ( CLXXXIII ) , que o governo britan
nico desejava tratar da abolição total do trafico
d'escravos desligando inteiramente esta questão de
quaesquer condições. Esquecido , porém , de decla
327

ração tão formal, asseverou depois em Aix-la


Chapelle que : “ trazendo ao conhecimento da
conferencia a declaração dos plenipotenciarios

de S. M. Fidelissima, feita em Vienna aos


6 de fevereiro de 1815 , de que eram obri

gados á exigir como indispensavel condição


para abolição final, que S M. Britannica de

sua parte se prestasse ás mudanças, que


haviam proposto no systema commercial entre
Portugal e a Gram -Bretanha, renovava a segu

rança de que S. M. Britannica estava prompta á


acceder á todas as modificações razoaveis , que
fossem propostas relativamente aos tratados

actuaes de commercio com Portugal, segurança

que elle tinha dado muitas vezes ao ministro por


tuguez em Londres ; disse modificações razoaveis
porque não podia suppor , que o ministro
portuguez tivesse intenção de exigir, da parte
de uma potencia, sacrificios que um estado não
podia esperar de outro , como condições indis
pensaveis de uma medida geral, que não tinha
por fim senão o bem da humanidade. »

CCXCV.- A linguagem era, em Aix -la -Cha


pelle , completamente differente da que empre
gára lord Castlereagh em Vienna, e sem duvida
mais urbana e mais affectuoza ; em essencia
porém nada adiantava , porque o gabinete do
328

Rio de Janeiro conhecia bem , por experiencia


doloroza de seculos , o que valiam promessas .
e seguranças do governo britannico .
Se elle fosse sincero , se com a capa do
bem da humanidade desejasse só rezolver a

questão do trafico em beneficio d’Africa, como


esquecia em todos os actos essa mesma huma
nidade tambem encarnada no Brazil e Por

tugal ?
Se o gabinete do Rio de Janeiro não podia
exigir alteração no systema commercial que a
Gram -Bretanha lhe impuzera , quando discutia
a abolição do trafico que era medida geral ;
como exigia a Inglaterra delle muito maiores
sacrificios discutindo a mesma medida da abo
lição ?
Se a abolição favorecia o commercio e a

industria , o progresso e a civilização, como


conservar nosso commercio suffocado, nossa
industria manietada , nosso progresso estacado ,
nossa civilização difficultada ?
Se a abolição devia ser discutida e resolvida
sem compensações , como lord Castlereagh as
offereceu em Vienna ao principe de Talleyrand
( CLXXXVI ) negando-as ao conde de Palmella ? E se

ali as negou peremptoriamente, como asseve


rava que as promettera , e renovava em Aix - la
Chapelle essa ephemera promessa ?
329

CCXCVI.— Do congresso de Aix - la -Chapelle,


porém , surgio um novo documento ; foi o se
guinte projecto de uma carta á S. M. Fidelis
sima, approvado pelos plenipotenciarios, que
nesse mesmo congresso rezistiram aos planos
do governo britannico .

CCXCVII.— “ Sr. meu irmão . Ao tempo do


congresso de Vienna , a voz da religião e os ge
midos da humanidade afflicta obtiveram o mais
consolador successo . O mundo vira em pers
pectiva o termo de um flagello, que ha tanto
tempo tem desolado a Africa, e Vossa Magestade
tem justamente adquirido direito ao reconhe
cimento eterno das nações , proclamando de
concerto com seus alliados o principio da abo
lição universal do trafico da escravatura . Desde
então os actos concluidos em Pariz , em 1815,
e o feliz exito de muitas negociações, destinadas
á ' progressiva execução desta medida , tem for
tificado as generosas esperanças do seculo, e
presagiado o perfeito complemento da tran
zacção, que os tinha solemnemente consagrado .
“ Se o resultado das conferencias de Aix-la
Chapelle, que ultimam a pacificação e garantem
a prosperidade da Europa, deixam ainda alguma
cousa a desejar, é ver assegurar o triumfo final
da declaração de 8 de fevereiro de 1815 , por
330

meio de um acto , que decrete a abolição do


commercio da escravatura em todos os lugares
e para sempre .
Seja-nos, pois, permettido , aos meus al
liados e á mim , o não separar-nos sem voltar
nossas vistas, cheios de confiança , para a po
tencia , a quem o supremo arbitro dos des
tinos da terra tem rezervado 4 gloria de pôr
termo ás dôres de uma população infeliz .
“ Este rezultado definitivo seria sem duvida
o fructo das relações intimas de Vossa Magestade com
o governo da Gram -Bretanha; porque um con
curso de intenções conciliadoras e de concessões
reciprocas é somente de natureza a fazer pros -
perar uma obra igualmente meritoria ante Deus
e aos olhos dos homens .
“ Em consequencia desta ultima negociação
accordaram -se em medidas de superintendencia
mutua para estricta execução de uma lei , que
veio a ser geral , as quaes coroaram os nobres
esforços de todas as potencias chamadas a reger
as differentes partes do globo pelos mesmos sen
timentos de fraternidade, justiça e religião.
CCXCVIII . - Admira a immodestia com que
lord Castlereagh procurava apregoar, que a abo
lição do trafico seria sem duvida fructo das re
lações intimas de S. M. Fidelissima com S. M.
331

Britannica, quando o governo da Inglaterra


oppunha-se à essa abolição no tempo em que
a corôa portugueza não só a desejava como a
preparava combatendo sua origem e causa de
terminante, a escravatura ; admira menos porém
esse louvor em boca propria , do que a simu

lação do governo britannico em persistir no


esforço de querer illudir , pretextando que suas
diligencias para a abolição total eram ditadas
pela voz da religião , pelos gemidos da huma
nidade opprimida, pelos sentimentos de fraternal
justiça !
Esta immodestia , comtudo , não admira ainda
tanto como a falsidade com que allega suas
intenções conciliadoras, suas concessões , que qualifi
ca de reciprocas, quando continuava a reproduzir
exigencias inqualificaveis , attentados inauditos ,
quando nenhuma virgula deixava arrancar ao
funesto tratado de 1810 , quando nenhuma
compensação ou indemnização era concedida

á corôa portugueza na paz geral, quando emfim ,


contra os mais solemnes ajustes , ajudava a des
pojal-a até do que era legitimamente seu , a
conquista de Cayenna , por exemplo !

CCXCIX . --- Estas falsidades ficam ainda á


quem da que foi communicada por lord Castle
reagh á camara dos communs, em sessão de 7 de
332

julho de 1819, affirmando, que S. M. Fidelissima


havia fixado o prazo de 8 annos para a abolição
total do trafico !
Como explicar esta asseveração, a não enten
der lord Castlereagh , que os projectos britan
nicos deviam ser obrigatorios para a côrte por
tugueza, embora sem precedencia de ajustes,
convenções ou tratados ? Lembrado esse prazo
em Vienna não foi o proprio plenipotenciario
da Gram-Bretanha , quem recusou a proposta
dos nossos plenipotenciarios, apresentada como
condição sine qua non ?

CCC. — Na sessão de 1821 o parlamento


britannico occupou -se largamente com o com
mercio d'escravos ; mas, nas suas discussões
animadas, e muitas vezes irritantes, foram só
aos navios francezes imputados os factos revol
tantes, então denunciados.

CCCI. –- A
A casa dos communs adoptou as
seguintes medidas :
1. · Que todo producto dos navios e cargas,
pertencentes a subditos dos reis de Hespanha ,
Portugal e Paizes -Baixos, capturados por illici
tamente traficarem em escravatura, em viola
ção da convenção com taes estados celebrada,
seria entregue pelos lords commissarios do the
353

souro de S. M. Britannica aos captores dos


mesmos , em todos os casos, em que tal pro
ducto houvesse de distribuir -se pelos captores .
2.° Que a metade do producto dos vasos e
cargas, pertencentes á subditos da Hespanha,
Portugal e Paizes-Baixos , empregados no illi
cito trafico da escravatura , em violação da
referida convenção, seria concedida pelos lords
commissarios do thesouro de S. M. Britannica
aos seus captores , em todos os casos em que
tal producto não estivesse distribuido pelos cap
tores .

3. ° Que se désse aos captores de taes vasos


um premio de 10 libras por cada escravo per
dido, por achar-se abordo de navios perten
centes aos subditos das tres referidas nações ,
capturados por traficarem illicitamente em escra
vatura , em violação da dita convenção .

CCCII .-- Eis prova estrondosa da estima e


intenções conciliadoras da Gram-Bretanha para
com Portugal, que soffria estigma por actos,
que seus subditos não praticavam , quando a
França, tão fortemente accusada no parlamento ,
não era contemplada nestas novas medidas !

CCCIII . A injustiça, porém , cede o passo


á violenta violação da convenção de 28 de
43
334

julho de 1817 , que a Gram - Bretanha , uma


das partes contratantes, substituia por medi
das por ella somente decretadas!
A ultima parte do artigo 8.º desta conven
ção estabelece, que as commissões mixtas jul
gariam sem appellação as causas, que lhes
fossem apresentadas, e conforme o regulamento
e instrucções annexas á mesma convenção , da
qual constituiam parte integrante . Pelo artigo 7.º
do regulamento destas commissões estabelece -se
ainda que no caso de ser qualquer navio con
demnado por viagem illicita seria declarado boa
preza tanto o casco como a carga ... que se
riam vendidos em leilão publico á beneficio
dos dous governos .
Com que direito revogava a Inglaterra a

convenção , decretando, que todo o producto das


prezas fosse entregue aos captores , e isto por
ordem dos lords commissarios do thezouro

britannico, como tribunal superior ás commis


sões mixtas, que julgavam sem appellação ?
Que paiz de estupenda philantropia , de sen
timentos tão religiosos e humanitarios, de jus
tiça tão evangelica !

CCCIV . Em 1822 reunio - se o congresso de


Verona com assombroso apparato magestatico ,
mas onde não fôra representada S. M.Fidelissima.
335

Ainda alli , quando eram discutidas questões


internacionaes de subida importancia , o go

verno britannico aprezentou o problema da total


abolição do trafico da escravatura.

CCCV . - Lord Wellington redigio novo me


morandum , com as trez pretenções seguintes :
qualifição de pirataria para
o commercio de
africanos ; da venda de generos
prohibição
da
coloniaes nos mercados europeus , quando pro
ducto do trabalho escravo ; direito de vizita e

captura .
A reprodução da resposta dos plenipotencia
rios da França dispensa a do memoradum ,
aliás talhado pelos anteriores de lord Castle
reagh :

CCCVI. — “ A memoria, que sua graça o.

duque de Wellighton deu á conhecer ao con


gresso na sessão de 24 deste mez (novembro),
foi tomada em consideração pelos ministros
plenipotenciarios de S. M. Christianissima .
“ Elles começam por declarar, que o go
verno francez partilha de toda solicitude do
governo britannico para abolir um commercio
igualmente reprovado por Deos e pelos ho
mens . O numero d'escravos africanos ha

alguns annos transportados para as colonias ,


336

quando menor do que calcula a Inglaterra,


ainda seria mui grande . 0 augmento de sof
frimento das victimas de uma infame cubiça
inspira profundo ' horror . As nações christãs
nunca farão esforços demaziados para apagar
a mancha, que o trafico dos negros imprimira
em seu caracter , e não poderiamos louvar de
mais o zelo, que a Inglaterra tem empregado
na execução de seus bemfazejos designios .
“ Mas , si as potencias alliadas estão de
accordo quanto a questão moral e religioza ,
si fazem votos unanimes pela abolição do tra
fico dos negros, com tudo ella involve questões
de facto, que não tem a mesma simplicidade .
Os ministros de S. M. Christianissima passam
a referil -as tomando em consideração a me

moria apresentada por sua graça o duque de


Wellington .
“ Leis de todas as nações civilizadas , excepto

Portugal, actualmente prohibem o trafico dos


negros ; portanto este crime , outr'ora legal , tor
nou-se crime illegal, e condemnado ao mesmo
tempo pela natureza e pela legislação.
“ No juizo da memoria ingleza este abomi
navel commercio de homens é principalmente
exercido sob a bandeira franceza , quer esta
bandeira fluctue em navios realmente francezes,

quer proteja navios estrangeiros .


337

“ Piratas podem içar bandeiras respeitaveis;


a França ignora si alguns salteadores tem
usado da bandeira franceza ; será sempre a seu

pezar que a deshonra e o crime acharão abrigo


sob seu pavilhão .
Nota -se, que os lucros do trafico dos ne
gros são tão grandes e os prejuizos tão pe
quenos, que o preço do seguro em França por
cada viagem não excede a 15 % . Mas nem é
caso privativo da França nem rezultado sin

gular do genero de contravenção de que se


trata ; na Inglaterra as mercadorias mais se
veramente prohibidas são importadas mediante
0 seguro de 25 % . Quando o commercio at
tingio, como hoje, a uma precizão mathema
tica , todo e qualquer contrabando tem sua

tarifa ; e quanto mais embaraços multiplica o


systema prohibitivo tanto mais a fraude aug
menta os lucros sempre crescentes.
“ A memoria reconhece, que S. M. Chris
tianissima tem religiosamente cumprido todas
as estipulações do seu tratado, com as quatro
côrtes celebrado ; que decretou uma lei contra
o trafico dos negros ; que envia cruzadores ás
costasd’Africa para fazer cumprir esta lei ; a
memoria acrescenta , porem , que o publico

francez parece não dedicar o mesmo interesse


á cauza que sustenta o seu governo, porque
338

no fundo da questão elle diviza vistas mer


cantis e designio hostil ao commercio francez .
E ' possivel, que algumas classes commerciantes
da sociedade franceza nutram suspeitas, que

qualquer rivalidade d'industria faz nascer ; mas


não pode razoavelmente acreditar -se , que o
limitado numero de colonias pela guerra dei
xadas à França cauze ciumes á potencia euro
pea , que possue ilhas florescentes em todos os
mares, vastos territorios n'Africa e America , e
um continente inteiro n'Asia .

“ Si em França a opinião fixa-se menos do


que em Inglaterra no objecto de que nos oc
cupamos , isto é devido á cauzas que devemos
dezenvolver ; um povo tão humano, generozo
e desinteressado como 0 francez , e sempre

prompto a dar exemplo dos sacrificios , merece


que seja explicado o que parece anomalia em
seu caracter.
“ A carnificina dos colonos em S. Domingos

e o incendio de suas habitações deixaram em


primeiro lugar dolorozas recordações nas fa
milias, que perderam parentes e fortuna nestas
sanguinolentas revoluções. Deve ser permittido
lembrar estes soffrimentos dos brancos, quando
a memoria ingleza com tanta verdade traça os
soffrimentos dos negros, afim de comprehender

se como tudo quanto excita a piedade exerce


339

natural influencia sobre a opinião. E ' evidente


que a abolição do trafico dos negros seria
menos popular em Inglaterra, si precedida da
ruina e morticinio nas Antilhas.

“ Acresce, que a abolição deste trafico não


foi pronunciada em França por uma lei nacional

;
discutida na tribuna parlamentar ; é rezultado
do artigo de um tratado, pelo qual a França
expiou suas victorias. Desde então ella asso
ciou-se ás ideias da multidão , á considerações

estranhas; porisso mesmo que julgou a medida


imposta foi esta tocada pela impopularidade que
é inseparavel dos actos de força ; assim acontece
sempre em todos os paizes , onde ha espirito
publico e justo orgulho nacional,
“ Uma moção parlamentar, para sempre hon
rosa ao seu autor , foi finalmente coroada de

successo em Inglaterra ; mas quantos annos não


foi ella repellida antes que podesse converter -se
em lei, posto que sustentada por um dosmaiores
ministros da Inglaterra ? Durante essas longas
discussões a opinião teve tempo de amadurecer
e fixar -se ; o commercio , que previa o aconte
cimento , tomou suasprecauções ; numero de
negros , além da necessidade dos colonos , foi

transportado para as ilhas inglezas ; e preparou-se


permanentes gerações d'escravos para encher o
vacuo da servidão cazual, quando fosse abolida.
1
340

*** Nada disto houve em França ; faltaram -lhe


tempo e fortuna . A primeira convenção entre
França Inglaterra , depois da restauração ,
e a
reconheceu a necessidade de proceder com pru
dente lentidão em negocio de natureza tão com
plexa ; um artigo addicional dessa convenção
estipulava o praso de cinco annos para completa
abolição do trafico dos negros. A declaração de
Vienna , de 8 de fevereiro de 1815 , diz sobre
66
a mesma materia : " que por mais honroso que
fosse o fim dos soberanos, elles não o pro

seguiriam sem com justiça pouparem os in


teresses , habitos e até prejuizos de seus
subditos. " Louvavel e virtuosa pressa fez depois

ultrapassar estes limites, e talvez multiplicar


os delictos, contrariando muito subitamente os
interesses .

“ O governo francez resolveu perseguir sem


descanço os que se involvessem neste barbaro
negocio ; numerosas condemnações foram profe
ridas, e os tribunaes foram severos desde que
descobriam os culpados ! Seria horrivel, diz a

“ memoria ingleza , que a necessidade de des


truir gente tornasse -se a consequencia da que
“ occultava o trafico proscripto pelas leis. ” Esta

mui justa declaração prova, que a lei franceza


foi rigorosamente executada , e o excesso de
precauções crueis da parte dos traficantes para
341

occultar suas victimas prova peremptoriamente


a vigilancia do governo .
“ Uma lei, que leva o delinquente á taes
excessos com o fim de evitar a acção dessa
mesma lei, poderia parecer mui rigorosa ; en
tretanto , a resolução do governo francez é fazer

augmentar as penas legaes desde que os espiritos


estejam preparados no paiz , e por consequencia
nas camaras legislativas, para não voltarem de
novo ao trafico dos negros. A este respeito é triste,
mas util, notar que qualquer insistencia estran
geira angmenta as difficuldades do governo
francez , e contraria o fim a que se propõem
os mais generosos sentimentos.

“ Ainda algumas palavras quanto aos meios


coercitivos, que sua graça o duque de Welling
ton propôz na sua memoria .
“ Os ministros plenipotenciarios de S. M.
Christianissima estão promptos á assignar qual

quer declaração collectiva das potencias, com o


fim de condemnar um commercio odioso , e de
provocar a vindicta legal contra os culpados.
Mas uma declaração , que obrigasse todos os
governos á applicar ao trafico dos negros pe
nas impostas á pirataria , o que se transforma
ria em lei geral do mundo civilisado , é assump
to que não lhes parece da competencia de uma
reunião politica . Quando se trata de decretar
44
342

a pena de morte são , segundo a natureza dos


governos, os corpos judiciarios, ou os corpos
legislativos, que são chamados a estatuil- o.

“ Retirar o uzo e a protecção da bandeira


franceza aos estrangeiros, que della se servi
rem para cobrir o commercio d'escravos , nada
tão justo ; mas a França não tem necessidade
de prohibir o que jámais permittio .
“ A obrigação de prohibir nos estados allia
dos a entrada dos productos das colonias per
tencentes á estados , que não tenham abolido

o trafico dos negros, é resolução que entende


ria somente com Portugal ; ora Portugal não
tem representante no congresso , e é de direi
to , antes de passar adiante , ouvil- o em sua
propria causa .
Asmedidas indicadas relativamente a França
são boas ; mas constituem todas materia para
leis, e por conseguinte devem esperar a acquies
cencia da opinião , que assegura o successo . O
governo de S.M. Christianissima reflectirá quando
a occazião fôr opportuna ; será possivel que
admitta o arrolamento dos escravos ; com tudo

não dissimula que essa intervenção da autori


dade ferirá de alguma sorte o direito de pro
priedade, o mais sagrado de todos os direitos,
que as leis britannicas respeitam até em seus
desvios e caprichos.
343

“ A memoria do governo britannico expressa


0 pezar de que seja a França a unica das
grandes potencias maritimas da Europa , que
não tomasse parte no tratado com S. M. Bri
tannica, concluido para o fim de conferir a
certos navios, de cada uma das partes contra
tantes, o direito limitado de vizita e confiscação
aos navios empregados no trafico dos negros .
“ A carta de S. M. Christianissima abolio a
confiscação; quanto ao direito de vizita , si o
governo francez jámais podesse concordar nelle,
haveriam as mais funestas consequencias : 0
caracter nacional dos dous povos, franceze
inglez, se lhe oppoem ; e si em appoio desta
opinião fossem precizas provas , bastaria recor
dar, que neste mesmo anno , em plena paz ,
correu sangue francez nas costas d'Africa. A
França reconhece a liberdade dos mares para
todas as bandeiras estrangeiras, de quaesquer
potencias legitimas a que pertençam ; não re
clama para si senão a independencia que nas
outras respeita , e que convém á sua digni
dade.

CCCVII . — Todas as potencias responderam


ao memorandum britannico , que o trafico dos
negros era abominavel, e que estavam promptas
a concorrer para medidas, que fossem exequiveis,
314

com a mira na abolição total . Nada mais : a

Gram -Bretanha foi obrigada a contentar- se com


essa promessa vaga .

CCCVIII. — Como acaba de vêr -se , a Gram


Bretanha tentava prejudicar somente nosso com
mercio e industria á falsa fé, sem que estives

semos representados no congresso de Verona ,


porquanto eramos a unica potencia , que não
havia totalmente prohibido o trafico, posto que
limitando-o constantemente ; eramos , pois, os

unicos a soffrer as consequencias da prohibição


da venda dos productos em todos os mercados
europeus !

CGCIX.— Além disto o governo britannico pro


vocava resoluções de um tribunal inteiramente
incompetente , como , além de Chateaubriand , o
provou Canning no parlamento inglez, com estas
palavrás :
Disseram que em um congresso , por exem
plo no de Verona , era possivel declarar offensa
ás nações o trafico. E' isso grave erro ; um
congresso de soberanos não é convocado para
leis universaes ; esta medida é da privativa com

petencia de cada nação em particular.

CCCX . — A Gram - Bretanha bem o sabia por


que servio essa opinião de fundamento para
345

que ella se furtasse a annuir ao tratado da


santa alliança. Mas , como em Verona outro
era seu interesse, outra doutrina sustentava .

GCCXI . “ Deve admirar-se o espirito


christão , escreve Chateaubriand sobre o congres
so de Verona , Os progressos na civilisação
que fez e augmenta sem cessar ; mas é cousa
singular essa perseverança do gabinete de S. Ja
mes de introduzir em todos os congressos , no
meio das questões mais vivas , e dos interes
ses mais instantes , esta questão incidente e
remota da abolição do trafico dos negros ; a
Inglaterra tinha medo de que o commercio,
a que a seu pezar renunciara, cahisse nas
mãos de outra nação ; queria forçar a França ,
Hespanha, Portugal , Hollanda á mudar subi
tamente o regimen de suas colonias , sem em
baraçar -se de examinar se estes estados haviam

chegado ao grao de preparação moral , que


permittisse dar liberdade aos negros , abando
nando á graça de Deus a propriedade e vida
dos brancos. O que a Inglaterra havia feito,
todos deviam imitar , embora em prejuizo da
navegação e das colonias . Era preciso , pois ,
já que a Inglaterra, (que possue a India , Oceania ,

cabo da Boa Esperança , ilha de França , Ca


nadá , e ilhas no Mediterraneo ), não tem necessi
346

dade da Dominica e das Bermudas para en


treter esquadras e marinheiros, era preciso que
deitassemos fóra Pondichery , ilha de Bourbon ,
Cayenna, Martinica e Guadeloupe, nós que ape
nas occupavamos esses pontos mesquinhos, afas
tados do solo patrio , na superficie do globo !
O marquez de Londonderry e o duque de Wel
lington , inimigos das franquezas em seu paiz,
M. Canning , discipulo de W. Pitt e opposto á
reforma parlamentar , todos estes torys , durante
30 annos adversarios da moção de Wilberforce,
tornaram -se apaixonados da liberdade dos ne
gros, amaldiçoando a liberdade dos brancos ;
inglezes, brancos , foram vendidos na America
como escravos em um tempo tão proximo de
nós , como o de Cromwell. O segredo destas

contradicções está nos interesses privados e in


dole mercantil da Inglaterra ; é mister com
prehender isto para não ser joguete de uma
philantropia tão ardente , aliás tão tardia ; a
philantropia é a moeda falsa da caridade.

CCCXII. — Em quanto em congressos esforça


va-se a Gram -Bretanha em proclamar-se apos
tolo da justiça e do bem da humanidade, a
sua marinha de guerra , os seus cruzeiros re
produziam actos de inqualificavel prepotencia ,
actos de selvatica rapina !
347

Citarei alguns factos , que podem servir de


criterium para apreciação de todos os mais.

CCCXIII.-- 0 artigo 5.º da convenção de 28

de julho (1817) estipulava , que as duas altas par


tes contratantes reciprocamente obrigavam -se

á indemnisação das perdas pela detenção ar


bitraria de seus navios ... E o artigo 10 acres
centava : que S.M. Britannica obrigava -se á pa
gar , o mais tardar , um anno depois da data

de cada sentença , as sommas para a indemni


sação . . .No mesmo sentido era redigido o artigo 6.º
do regulamento das commissões mixtras.
A Gram - Bretanha não cumprió esta obriga

ção. Obrigue Gavião, por exemplo , julga


do má preza , e arbitrada a indemnisação em
18 :938 $ 170... 0 bergantim Conde de Villa Flôr,
aprezado debaixo da bateria da fortaleza de

Bissau , procedimento reprovado pelo advoga


do geral do rei e por fim até pelo proprio go
verno inglez , julgado má preza e com direito
á indeminisação ... A sumaca Feliz Esperança ,
mettida á pique ; o brigue Dez de Fevereiro , e
outrasmuitas embarcações ,nas mesmas circums
tancias, não foram indemnisadas !

CCCXIV . - Pelo artigo addicional á convenção

de Vienna (CLXVII ) era -nos livre passar escra


1

348

vos dos estabelecimentos do norte para os do


sul do Equador . O hiate Tres Amigos pedio e
obteve licença para conduzir 3 negros de An
gola para uma das ilhas de Cabo Verde; mas
como conduzisse 3 negras em vez de 3 negros,
foi capturado , julgado boa preza , e condem
nado !

Identico procedimento reproduzio -se muitas


vezes .

CCCXV . - Ha porém , uma classe de apre


zamentos mais indecente ainda .
Por exemplo , a escuna Nova - Sorte foi vizitada
e capturada , posto que não tivesse um só

escravo abordo ; entretanto o captor , para não

perder seu negocio , confessou depois que lhe


mettera escravos !

Nas mesmas circumstancias procedeu o cru


zeiro britannico para aprezar os brigues Cer

queira , Activo , Perpetuo Defensor, as galeras


S. Benedicto , Minerva, e as sumacas Creoula e
Diana, além de muitos outros navios !

CCCXVI . - As embarcações portuguezas , diz


uma memoria brazileira , eram aprezadas por
qualquer pretexto , e contra a letra das con

venções , em qualquer parte em que eram


encontradas , e até debaixo das baterias de suas
349

fortalezas, e no seu territorio maritimo . A tri


polação destes navios era tratada de modo
barbaro e deshumano , e os officiaes da marinha
ingleza , que assim procediam , premiados não
obstante a reprovação dos juizes das commissões

mixtas, e para maior escandalo o governo bri


tannico communicava essas recompensas ao go

verno portuguez em solução ás suas reclamações


como succedeu , além de outros , com o official
que aprezou a embarcação Flôr de Loanda, como
lê - se em um folheto publicado pelo visconde
de Sá da Bandeira sobre o trafico .

CCCXVII.- Calcule - se toda a extensão dos

nossos prejuizos ouvindo a apostrophe de Ber


ryer no parlamento: Não seremos por certo tra
tados á brazileira...
E tinha razão o orador francez . O commercio

e navegação do Brazil e Portugal , e por tanto


a sua industria e riqueza serviam de pasto á
philantropia britannica , aos que suffocavam e
amaldiçoavam a liberdade dos brancos ao mesmo
tempo que hypocritamente sustentavam a dos
negros !
Os factos, que cumpridamente vão relatados,
parecem bastantes para convencer a todos desta

pungente verdade : o governo britannico queria


excluir Portugal e Brazil , inteiramente, de todo
45
350

e qualquer commercio n'Africa , embora aca


basse com sua marinha mercante , embora com
mettesse injustiças sem numero , ingratidões sem
attenuantes , atrocidades inqualificaveis .

CCCXVIII.- O procedimento do gabinete do


Rio de Janeiro fazia perfeito contraste com o
do britannico .

Até á declaração da independencia do Bra


zil , periodo em que finda a primeira parte deste
trabalho, foram expedidos muitos actos offi
ciaes , demonstrando que apezar de todos os
obstaculos eram lealmente cumpridos os nossos
ajustes, e o governo curava sinceramente de
todos os meios para facilitar a execução do
que tanto desejava — a abolição do trafico de
uma vez para sempre
Ninguem mais do que a Gram - Bretanha contra
riou tão humanitaria intenção . Seus actos escan

dalosos levantaram em todo paiz brados de


sincero patriotismo, e a opinião fixou - se, não
em abolir o trafico como era-nos imposto pela
força material dos cruzeiros britannicos , mas
em combater essa abolição combatendo a dou
trina, aliás liberal e humanitaria , dos que nos
offendiam brutalmente .

O povo , que tem brios , o povo que se


préza , nunca se curva á prepotencia , embora
351

se dirija á fim justo. Impôr , ainda benefi


cios , é afastar a época de vêl-os aceitos ; é
abrir caminho em sentido opposto ao que de
via levar ao termo desejado.

A Gram -Bretanha comprehendia bem estes


sentimentos, tanto que se desejasse sincera

mente a abolição, procederia de modo dia


metralmente diverso . Mas do que ella menos

se occupava era da abolição ; por isso que


a retardasse ou não pouco lhe importava .

FIM DO PRIMEIRO VOLUME .


1
NOTAS AO LIVRO PRIMEIRO .
I
Nota - A . (*)

Convenção secreta entre o principe regente o Senhor D. João e


Jorge III rei da Gram -Bretanha sobre transferencia para o Brazil
da séde da monarchia portugueza e occupação temporaria da ilha
da Madeira pelas tropas britannicas, assignada em Londres a 22
de outubro de 1807, e ratificada por parte de Portugal em 8
de novembro e pela Gram -Bretanha em 19 de dezembro do dito
anno .

Em nome da Santissima e Indivisivel Trindade.

Tendo S. A. Real o principe regente de Por


tugal feito communicar a s . M. Britannica as
difficuldades em que se acha em consequencia das
exigencias injustas do governo francez, e a sua
determinação de transferir para o Brazil a séde e a

(* ) Da pag. 41 (XLVII).
356

fortuna da monarchia portugueza , antes do que ac


ceder á totalidade dasditas exigencias, e especia
mente aquellas pelas quaes o governo francez in
siste na apprehensão das pessoas dos subditos de
S. M. Britannica residentes em Portugal , e na con
fiscação de todas as propriedades ' inglezas que
ali se acham , bem como na declaração de guerra
por parte de S. A. Real o principe regente con
tra a Gram - Bretanha ; mas tendo -se 9. A. Real
ao mesmo tempo proposto , afim de evitar ( sendo
possivel) a guerra com a França , a consentir em
fechar os portos de Portugal á bandeira ingleza ,,
e considerando que um tal acto de hostilidade da
sua parte poderia justificar S. M. Britannica, e
acaso induzil - a а usar de reprezalias , já pela
occupação militar da ilha da Madeira ou de outra
qualquer colonia da corða de Portugal, ou já for
çando a entrada do porto de Lisboa, e empre
gando os mais efficazes meios de hostilidade contra
a marinha militar e mercante de Portugal ; consi
derando igualmente que a simples apprehensão bem
fundada da clausura dos portos de Portugal poderia
trazer comsigo a occupação provisoria das colo
nias portuguezas pelas armas de S. M. Britan
nica, e que um passo de declaração hostil da parte
da França contra Portugal não deixaria de produzir
aquelle mesmo effeito ; e S. M. Britannica , pela
sua parte , fazendo justiça aos sentimentos de ami
zade e boa fé que têm caracterisado as ulti
mas communicações de S. A. Real o principe
regente , e estando determinado a auxiliar por todos
os meios que se acham á sua disposição a nobre
resolução , que S. A. Real o principe regente acaba de
357

annunciar , de transferir a sede da monarchia portu


gueza para o Brazil antes do que subscrever ás exi
gencias da França em toda a sua extensão ; e desejando
igualmente , e no caso mesmo em que S. A. Real con
sentisse em fechar os seus portos á Gram -Bretanha (pas
so este que S. M. Britannica veria com pezar, e a que
nunca poderia suppôr-se que déra o seu consenti
mento ), conciliar quanto possivelos sentimentos e
interesses de um antigo e fiel alliado, e proceder
para com Portugal com toda a moderação compati
vel com o que é devido à
sua honra e aos inte
resses dos seus subditos, e com o objecto essencial
que não pode perder de vista , qual é o de impedir
que nem as colonias nem a narinha militar e mer
cante de Portugal, no todo ou em parte, caiam
nas mãos da França : as duas altas partes contrac
tantes deterininaram em consequencia tomar de um
commum accordo as medidas e obrigações reciprocas,
que se julgarem mais convenientes para conciliar
os seus interesses respectivos , e para prover em todo
o caso á segurança da amizade e boa intelligencia ,
que têm subsistido ha tantos seculos entre as duas
corôas. E afim de discutir estas medidas e de
preencher este saudavel fim , S. A. Real o principe
regente de Portugal nomeou por seu plenipoten
ciario ao Cavalheiro de Sousa Coutinho , do seu
conselho e seu enviado extraordinario e ministro
plenipotenciario residente em Londres : e Sua Magestade
el-rei do Reino Unido da Gram -Bretanha e Irlanda
nomeou por seu plenipotenciario ao muito honrado
Jorge Canning, conselheiro privado de sua dita
magestade , e seu principal secretario d'estado na
repartição dos negocios estrangeiros ; os quaes, de
46
358

pois de se terem communicado os seus respectivos


plenos poderes , e achando -os em boa e devida forma
convieram nos artigos seguintes :

ARTIGO I.

Até que haja a certeza de algum passo ou de


claração hostil da França contra Portugal, ou que
Portugal, afim de evitar a guerra com a França,
consinta em commetter de alguma sorte um acto
de hostilidade contra a Gram - Bretanha , fechando os
seus portos á bandeira ingleza , nenhuma expedição
será feita pelo governo britannico contra a ilha da
Madeira nem contra qualquer possessão portugueza ; e
quando uma semelhante expedição se julgar necessaria ,
será a mesma notificada ao ministro de S. A. Real
o principe regente residente em Londres, e com
elle concertada .
Pelo seu lado S. A. Real o principe regente
obriga - se d'ora em diante a não permittir a re
messa de reforço algum de tropas (excepto de in
telligencia e accordo com S. M. Britannica ) para o
Brazil e para a ilha da Madeira , nem de para ali
mandar nem ali permittir a assistencia de nenhum
official francez , seja no serviço da França , seja no
serviço de Portugal.
Outrosim se obriga a transmittir sem demora ao
governo da ilha da Madeira ordens secretas even
tuaes, para que não faça resistencia a uma expe
dição ingleza cujo commandante lhe annunciar,
debaixo de sua palavra de honra, que a dita expe
dição tenha sido preparada de intelligencia e accordo
com S. A. Real o principe regente .
359

ARTIGO II .

No caso em que S. A. Real o principe regente


se visse obrigado a levar a pleno e inteiro effeito a
sua magnanima resolução de passar ao Brazil ; ou
se mesmo, sem ser a isso forçado pelos procedi
mentos dos francezes dirigidos contra Portugal, S.
A. Real se decidisse a emprehender a viagem do
Brazil ou a mandar para ali um principe de sua

familia , estará prompto S. M. Britannica a ajudal-o


n'esta empreza , a proteger o embarque da familia
real e a escoltal- os á America. Para este fim obri
ga -se S. M. Britannica a mandar aprestar immedia
tamente nos portos de Inglaterra uma esquadra de
seis náos de linha, a qual partirá logo para as costas
de Portugal, e de ter nelles igualmente, prompto a
embarcar-se um exercito de cinco mil homens, que
partirá para Portugal ao primeiro pedido do governo
portuguez .
Uma parte deste exercito ficará de guarnição na
ilha da Madeira , mas não entrará ali senão depois
que S. A. Real tiver tocado na mesma, ou passado
a ilha indo para o Brazil.

ARTIGO III.

Mas no caso infeliz em que o principe regente , a


afim de evitar a guerra com a França , se visse obri
gado a fechar os portos de Portugal ás embarcações
inglezas, o principe real consente que as tropas in
glezas sejam admittidas na ilha da Madeira , inime
diatamente depois da troca das ratificações desta
convenção , declarando o commandante da expedição
360

ingleza ao governo portuguez que a ilha será guar


dada em deposito para S. A. Real o principe regente,
até a conclusão da paz definitiva entre a Gram
Bretanha e a França .
As instrucções que se derem ao dito commandante
inglez para o governo da ilha, durante a sua occu
pação pelas armas de S. M. Britannica , serão con
certadas com o ministro de S. A. Real o principe
regente residente em Londres.

ARTIGO IV .

S. A. Real o principe regente promette de jamais


ceder em caso algum , seja no todo seja em parte,
a sua marinha militar ou mercante, ou de as reunir
ás da França ou de Hespanha, ou de outra qualquer
potencia .
Obriga -se outrosim , no caso de passar para o
Brazil, a levar comsigo a sua marinha militar e
mercante , seja perfeita ou incompletamente appare
lhada , ou não podendo executar -se isto , de trans
ferir como deposito para a Gram -Bretanha aquella
parte que não poder levar immediatamente comsigo ;
e S. A. Real ajustará depois com S. M. Britannica
os meios de mandar ir estas mesmas embarcações
para o Brazil com toda a segurança .

ARTIGO N.

No caso da clausura dos portos de Portugal, obri


ga - se S. A. Real a mandar sahir incessantemente
para o Brazil metade de şua marinha de guerra,
e a conservar a outra metade, em numero pouco
361

mais ou menos de cinco ou seis náos de linha


e de oito ou dez fragatas, em meio armamento (pelo
menos ), no porto de Lisboa, de sorte que, á pri
meira indicação de uma intenção hostil da parte dos
francezes ou hespanhóes , aquella força naval possa
reunir -se á esquadra britannica destinada a este ser
viço , e servir ao transporte de S. A. Real e da
familia real para o Brazil , Com o fim de melhor
assegurar o bom exito deste accordo, obriga - se o
principe regente a dar o commando da sua esquadra
no porto de Lisboa, bem como o commando da que
enviar para o Brazil , a officiaes cujos principios po
liticos sejam approvados pela Gram - Bretanha .
As duas altas partes contractantes convieram em
autorisar os commandantes portuguez e inglez nas
respectivas estações de Lisboa por um lado , e das
costas de Portugal pelo outro , a corresponderem-se
secretamente sobre tudo que possa ter relação com
a reunião eventual das esquadras ingleza e portugueza.
Quanto á metade da marinha militar que possa
ser enviada para o Brazil , será a mesma ali desar
mada á sua chegada, a não ser que os dous governos
determinem outra cousa.

ARTIGO VI .

Uma vez que se ache estabelecida a séde da


monarchia portugueza no Brazil , obriga- se S. M.
Britannica, em seu nome e no de seus succes
sores , a não reconhecer jamais como rei de Por
tugal principe algum que não seja o herdeiro e
representante legitimo da familia real de Bragança ;
e mesmo a renovar e manter com a regencia que
362

S. A. Real poder deixar estabelecida em Portugal


antes de partir para o Brazil , as relações de
amizade que tem ha tanto tempo ligado as duas
corðas de Portugal e da Gram - Bretanha.

ARTIGO VII.

Quando o governo portuguez estiver estabelecido


no Brazil proceder -se -ha á negociação de um tratado
de auxilio e de commercio entre o governo por
tuguez e a Gram -Bretanha .

ARTIGO VIII .

Esta convenção será tida secreta para o presente ,


e não se publicará sem o consentimento das duas
altas partes contractantes.

ARTIGO IX.

Será ratificada de uma e outra parte, e as ratifi


cações trocadas em Londres no praso de seis semanas,
ou antes se poder ser, a contar do dia da assigna
tura .

Em fé do que, nos abaixo assignados, plenipotencia


rios de S. A. Real o principe regente de Portugal e
de S. M. Britannica, em virtude de nossos respecti
vos plencs poderes, assignamos a presente convenção
e lhe pozemos o sinete de nossas armas. Feita em
Londres , a 22 de outubro de 1807. O Cavalheiro de
Sousa Coutinho. (L. S.) George Canning. (L. S. )
363

DECLARAÇÃO.

O abaixo assignado, principal secretario d'estado


dos negocios estrangeiros de S. M. Britannica, con
sentindo em subscrever ao art. 2.° desta convenção ,
recebeu as ordens d'el -rei para declarar que a exe
cução d'aquella parte do dito artigo , pela qual se
estipula o mandar-se uma esquadra e tropas de Sua
Magestade para o Tejo, afim de proteger o embarque
da familia real de Portugal , depende da segurança,
que será dada, de que os fortes sobre o Tejo, a
saber : os fortes de S. Julião e do Bugio serão pre
viamente entregues ao commandante das tropas bri- '
tannicas, bem como o forte de Cascaes, se o em
barque tiver logar d'aquelle sitio, ou então do de
Peniche, no caso de que a familia real se tenha
retirado aquella peninsula ; e ficarão em poder do
dito commandante, até que o objecto, para o qual
as tropas são mandadas, estiver preenchido, ou que
S. A. Real tiver determinado a quem as tropas
inglezas devem restituil -os.
O Cavalheiro de Sousa Coutinho, plenipotenciario
de S. A. Real o principe regente de Portugal, não
se achando autorisado, pelas instrucções de que
actualmente está munido , a contractar obrigação al
guma a tal respeito, o abaixo assignado recebeu
ordem de acompanhar o tratado com esta declara
ção explicativa, e de pedir que a segurança acima
mencionada seja enviadas com a ratificação do prin
cipe regente .
Feita em Londres, a 22 de outubro de 1807.
George Canning.
364

ARTIGO I ADDICIONAL.

No caso da clausura dos portos de Portugal á


bandeira ingleza, será estabelecido um porto na ilha
de Santa Catharina ou em qualquer outro logar da
costa$ do Brazil, aonde todas as mercadorias ingle
zas, que ao presente são admittidas em Portugal
serão importadas livremente em embarcações ingle .
zas , pagando os mesmos direitos que se pagam
actualmente pelos mesmos artigos nos portos de Por
tugal , e este arranjamento durará até novo accordo.
Este artigo addicional terá a mesma força e valor
como se fðra inserto palavra por palavra na con
venção assignada hoje , e será ratificado ao mesmo
tempo .
Em fé do que , nos abaixo - assignados, plenipoten
ciarios de S. A. Real o principe regente de Portu
gal e de S. M. Britannica, em virtude de nossos
respectivos plenos poderes, assignamos o presente
artigo addicional e lhe pozemos o sinete de nossas
armas .
Feito, em Londres , a 22 de outubro de 1807 .

O Cavalheiro de Sousa Coutinho. (L. S.) — George


Canning. (L. S. )
Assigno sub spe rati , declarando que não tenho
instrucções a tal respeito , e comtanto que S. A.
Real, tornando a abrir os portos de Portugal possa
reconsiderar ou alterar este artigo . – O Cavalheiro
de Sousa Coutinho.

ARTIGO II ADDICIONAL .

Fica plenamente entendido e ajustado, que desde


365

o momento em que os portos de Portugal forem


fechados á bandeira ingleza ; e por todo tempo que
assim continuem , os tratados existentes entre a Gram
Bretanha e Portugal , devem considerar- se como sus
pensos, pois que concedem á bandeira portugueza
privilegios e isenções de que as outras nações neu
traes não gosam , e que , segundo o direito das gentes ,
não pertencem ao estado de simples neutralidade.
Este artigo addicional terá a mesma força e valor
como se fôra inserto palavra por palavra na conven
ção assignada hoje, e será ratificado no mesmo
tempo .
Em fé do que , nós abaixo assignados, plenipoten
ciarios de S. A. Real o principe regente de Portu
gal e de S. M. Britannica , em virtude de nossos
plenos poderes respectivos, assignamos o presente ar
tigo * addicional e lhe pozemos o sinete de nossas
armas .
Feito em Londres , a 22 de outubro de 1807. - 0
Cavalheiro de Sousa Coutinho. (L. S. ) - George Can
ning. ( L. S. )
Assigno sub spe rati, declarando que não tenho
instrucções a tal respeito , e comtanto que o effeito
desta suspensão não seja retroactivo, e não cause a
perda das propriedades portuguezas confiadas á fé dos
tratados existentes. O Cavalheiro de Sousa Coutinho .

Ratificação do principe regente o Senhor D. João á convenção secreta


de 22 de outubro de 1807 entre as coroas de Portugale
Gram -Bretanha, dada a 8 de novembro do dito anno.

D. João , por graça de Deus, principe regente de


47
366

Portugal e dos Algarves, d'aquem e d'além mar, em


Africa de Guiné, e da conquista , navegação e com
mercio da Ethiopia, Arabia , Persia e da India , etc.
Faço saber a todos os que a presente carta de
confirmação, approvação e ratificação virem , que em
22 de outubro do corrente anno se concluio e as
signou na cidade de Londres uma convenção entre
mim e o serenissimo e potentissimo principe Jor
ge in , rei do Reino Unido da Gram - Bretanha e
da Irlanda, meu bom irmão e primo, com o fim
de conservar intacta á monarchia portugueza a ilha
da Madeira e as mais possessões ultramarinas ; sen
do plenipotenciarios para esse effeito , da minha
parte, D. Domingos Antonio de Sousa Coutinho ,
do meu conselho, fidalgo da minha casa e meu en
viado extraordinario e ministro plenipotenciario n'a
quella côte ; e da parte de S. M. Britannica, o
muito honrado George Canning, conselheiro privado
de Sua Magestade e seu principal Secretario d'es
tado dos negocios estrangeiros ; da qual convenção
o theor é o seguinte :
(Segue-se a convenção.)
E sendo -me presente a mesma convenção , cujo
theor acirna fica inserto ; e bem visto , considerado e
examinado por mim o que nella se contém , a ap
provo , ratifico e confirmo, assim no todo, como
em cada uma das suas clausulas e estipulações, ex
ceptuando algumas expressões do preambulo ; o $ 1.0
do artigo iv ; o § 1.º do artigo v ; a declaração ao
artigo 11, que se ratifica com restricção , e o artigo i
addicional, pelas razões indicadas nas observações
que a esta convenção vão juntas, assignadas pelo
meu ministro e secretario d'estado dos negocios es
367

trangeiros e da guerra : promettendo em fé e pa


lavra real observal-a e cumpril-a inviolavelmente, e
fazel-a cumprir e observar, sem permittir que se
faça cousa alguma em contrario , por qualquer
modo que possa ser. E em testemunho e firmeza
do sobredito , fiz passar a presente carta por mim
assignada , sellada com o sello grande das minhas
armas, e referendada pelo dito meu ministro e se
cretario d'estado dos negocios estrangeiros e da
guerra , abaixo assignado.
Dado no palacio de Nossa Senhora d'Ajuda, aos
8 de novembro de 1807.

O PRINCIPE com guarda.


(L. S.)

Antonio de Araujo de Azevedo.

Observações a que se refere a ratificação supra.

O preambulo da convenção de 22 de outubro de


1807, principia por uma supposição, qual é a que
se acha nas seguintes palavras (ayant fait communi
quer á Sa Majesté, Britannique sa determination de
transférer au Brésil le siége et la fortune de la mo
narchie portugaise, plutôt que d'accéder à la totalité
de ces demandes), S. A. Real sim prometteu sempre
a S. M. Britannica , já directamente , já por meio
dos respectivos ministros , não acceder á proposição
da apprehensão das pessoas e confiscação de bens ;
mas nunca disse que antes queria transferir para o
Brazil o assento da monarchia portugueza , do que
acceder a todas as proposições .
368

Os logares em que se acha feita e repetida esta


promessa são os que se seguem :
Um officio para o ministro de S. A. Real em
Londres , de 12 de agosto de 1807. Disse nelle :
« Ordena -me S. A. Real que expresse a V. S. a
sua firme resolução de não assentir jamais á con
fiscação dos bens dos vassallos inglezes : isto deve
V. S. segurar ao ministerio britannico, mas S. A.
Real espera , em reciprocidade desta tão justa como
decorosa acção , que esse governo não de ordens
aos seus commandantes das forças maritimas para
fazer hostilidades sobre navios portuguezes . Qual
quer procedimento desta natureza serviria para que
a França e a Hespanha clamassem altamente con
tra o nossa renitencia sobre a sua proposição . »
Outro officio de 20 de agosto para o mesmo mi
nistro :
« Os bens dos inglezes não hão de ter perigo algum ,
e quando seja preciso comboial -os ou transportal- os,
não se faz necessaria uma esquadra ou divisão de
esquadra para esse fim ; um ou dous navios de guerra
fóra ou dentro do Tejo parece ser quanto basta : mas
torno a segurar a V. S. que S. A. Real está de
terminado mais depressa a perder o seu supremo
dominio neste paiz , do que a sacrificar os sujeitos
britannicos e os seus cabedaes . »
No mesmo officio se accrescenta :
« Por esta mesma razão reservo escrever a V. S. em
outra occasião , para V.S. tratar nessa corte sobre o modo
com que ella poderá contribuir para a segurança
da familia real , protegendo com as suas forças na
vaes a sua retirada. No caso que as circumstancias
obriguem a esta mesma resolução, tomarei as ordens
369

de S. A. Real a respeito deste triste e importante


negocio, que interessa tanto os nossos corações, pois
que só por este modo poderá salvar uma parte da
monarchia portugueza , e transmittil - a aos seus des
cendentes . »
Finalmente em outro officio para o dito ministro,
de 7 de setembro, disse :
« Devo participar a V. S. , para que o communique
verbal e confidencialmente a esse ministerio , que S. A.
Real tomou a resolução de mandar apromptar a sua ma
rinha para o caso de ser urgente a sua retirada e da real
familia. Dous acontecimentos pódem obrigar a esta re
solução : o primeiro a determinação de uma conquista ;
e o segundo a pretenção de introduzir tropas no
paiz para guarnecer as costas, debaixo do pre
texto de amizade, o que seria para a monarchia
mais perigoso do que a conquista . »
Em outro officio de 23 de setembro se confirma
esta mesma nos seguintes termos :
« S. A. Real está firme em não assentir á proposição a
respeito da apprehensão de pessoas e confiscação de
bens ; » e outrosim se accrescenta ; « comtudo não é justo
precipitar- se esta partida da familia real para os esta
dos do Brazil , por que S. A. Real não deve mos
trar que abandona sem justa causa os seus vassallos
na Europa. »
S. A. Real, escrevendo directamente a S. M.
Britannica , lhe deu seguranças analogas ao que or
denou ao seu ministro em Londres , para ser parte
cipado ao governo britannico .
Ultimamente na nota dirigida a Lord Strangford,
em 17 de outubro , se diz o seguinte :
« S. A. Real , não havendo assentido á totalidade das
370

proposições da parte das duas potencias alliadas , de que


resultou o retirarem-se desta côrte os seus agentes, tem
a intima satisfação de que , não obstante o perigo a
que se expôz , os subditos de S. M. Britannica fica
ram illesos na sua liberdade pessoal e nas suas pro
priedades. »
« S. A. Real cumprio quanto lhe foi possivel a
sua palavra , dando todo o tempo para os subditos
inglezes se retirarem e exportarem os seus effeitos
com isenção completa de direitos ; agora porém , ins
tando a França pela execução da sua proposição a
este respeito , com ameaças e com a marcha do exer
cito de Bayona para o interior da Hespanha , foi
S. A. Real obrigado , bem que muito a seu pezar, a
fazer a demonstração exigida, afim de ver se ainda
por este modo evita o ataque de Portugal ; e
S. M. Britannica pode estar certo de que os subditos
britannicos experimentarão nas suas pessoas e em
algum resto dos seus bens , os effeitos possiveis da
sua real protecção. >>
( Os que ficaram em Portugal são aquelles que por
sua livre vontade , e apezar das reiteiradas instancias
dos agentes de S. M. Britannica, preferiram não deixar
os seus estabelecimentos ) .
Em nenhum dos logares acima citados se diz que
S. A. Real preferiria transferir - se para o Brazil, ao
acceder á proposição feita pela França ; mas antes
positivamente se affirma e repete que só em ultima
extremidade é que tomaria o partido de abandonar
este reino .
Tão pouco considerou jámais S. A. Real que a
clausura dos portos podesse justificar S. M. Britannica
a excital- a a usar de represalias, occupando a ilha da
371

Madeira , ou qualquer outra colonia Portugueza .


S. A. Real, em todas as occasiões desta negociação,
mostrou sempre estar persuadido de que S. M. Bri
tannica reconheceria de que só circumstancias mui
imperiosas e irresistiveis é que poderiam obrigal- o á
clausura dos portos aos navios inglezes; e o exemplo
de 1801, em que a Gram -Bretanha assentio a
igual passo , tranquillisava a S. A. Real, assim como
o reconhecido caracter de justiça e moderação de
S. M. Britannica , e não menos o commum interesse
de ambas as monarchias : como pois podem ter logar
os termos do preambulo - et considérant qu'un tel acte
d'hostilité — até as palavras- ne pouvait manquer ce même
effet , e como podem ter logar os termos demande
à laquelle Sa Majesté Britannique ne pourrait jamais être
- censé avoir donné son consentement ? - Quando ainda que
S. M. Britannica não expresse esse consentimento, elle
se devia presumir tacitamente dado , pois que a presente
convenção deve ser fundada neste motivo ! E pois
evidente que estas expressões do preambulo não podem
servir de base á convenção , que tem por objecto
conservar intacta á monarchia portugueza a ilha da
Madeira e mais possessões ultramarinas.

ARTIGO I.

Este artigo não é concebido conforme as instrucções


dadas ao ministro de S. A. Real em Londres. Nellas
se declara que, em quanto não houvesse certeza de
passo algum ou declaração hostil de França contra
Portugal, não poderia o governo britannico intentar
expedição alguma contra a Madeira ou qualquer outra
possessão portugueza ; e do artigo estipulado entende
372

se que terá logar esta expedição, logo que Portugal


commetter de qualquer modo um acto de hostilidade
contra a Gram-Bretanha, fechando os seus portos á
bandeira ingleza. O grande perigo a que esta occu
pação da Madeira ‘arriscaria Portugal, se acha cla
ramente exposto nas instrucções sobre o artigo III,
ē porisso aqui se não repete.
Comtudo no momento presente, não por hostilidades
da parte de Portugal, mas pela marcha das tropas
francezas e hespanholas que se approximam as fron
teiras, póde a Inglaterra pôr em pratica o que se
estipula no dito artigo 1, sem ser preciso participal- o
ao ministro de S. A. Real em Londres, que d'ali
se deve retirar .
O ultimo paragrapho deste artigo que principia— Il
s'engage - até ao fim , está muito bem concebido e se
approva, mas é preciso que o commandante inglez
guarde sobre elle o mais inviolavel segredo.
ARTIGO II.

E ' approvado.
ARTIGO III .

Este artigo fica approvado, em consequencia do


que se disse no fim das observações sobre o artigo 1 ;
reflectindo sómente que não é justo_allegar para
isto a clausura dos portos , mas o que estava apon
tado no projecto da convenção, como já acima se
disse.
ARTIGO IV.

O primeiro paragrapho deste artigo, que diz res


373

peito a obrigar-se S. A. Real a não ceder em

caso algum a marinha de guerra ou mercante, nem


tão pouco a reunil- a ás de França ou de Hespanha,
não se pode estipular ; e a este respeito repito as
instrucções que foram dadas ( artigo v ).
E ' do interesse de S. A. Real que em nenhum
caso a marinha portugueza de guerra e mercante
passe a poder dos francezes , e cuidará muito em
fazer partir a marinha real para o Brazil, impedindo ,
quanto lhe seja possivel, a sua reunião á da França
ou Hespanha . Tanto a marinha real como a mer
cante se retirará quando S. A. Real fôr obri
gado a sahir de Portugal. Neste sentido póde V. S.
traçar este artigo. No caso porém , de se achar
alguma parte da marinha real neste porto , a Ingla
terra póde impedir a sua sahida por meio de forças
de observação .
S. A. Real ainda que persiste nestas meşmas in
tenções, não deve estipular uma clausula a que pode
ser forçado a faltar para o futuro , ao menos por uma
promessa , porque não haveria outro meio de fazer
cessar instancias apoiadas pela força . A Inglaterra
tem meios de evitar o effeito desta violenta con
descendencia .
O paragrapho deste mesmo artigo que principia
- 11 s'engage en outre - até ao fim , é approvado, pois
que esta é a intenção de S. A. Real.

ARTIGO V.

O primeiro paragrapho deste artigo não pode ser


tratado pela razão de ser preciso que toda a mari
nha portugueza esteja sempre a disposição de S. A.
48
374

Real, para a contingencia de ser necessario transportar


para o Brazil os effeitos preciosos, assim como as
pessoas e bens dos que o seguirem .
Esta foi a razão, assim como a falta que houve
subitamente de marinheiros por causa dos comboios
que obrigou S. A. Real a desistir da partida do
principe da Beira para o Brazil, e a reserval - a para
quando toda a real familia se ausentasse , e para este
fim tem sempre continuado os preparos da ma
rinha .

A pretendida approvação , da parte do governo bri


tannico , dos officiaes que houverem de commandar
a esquadra no porto de Lisboa , assim como a que
fôr para o Brazil , é indecorosa, e mesmo de alguma
sorte é impraticavel , porque só a S. A. Real com
pete essa approvação ; e quando S. M. Britannica
tivesse que oppôr aos principios politicos de taes
officiaes, S. A. Real nenhuma duvida teria em re
movel-os destes destinos e empregar outros em seu
logar, posto que não tem suspeita alguma contra os
officiaes da sua marinha que o faça vacillar sobre
a escolha.
O paragrapho que principia — Les deux hautes parties
contractantes sont convenues — até — deus escadres anglaise
et portugaise – é approvado .
O paragrapho que principia — Quant à la moitié
de la marine militaire - até par les deux gouvernemens
- fica sendo inutil , visto que S. A. Real a reserva
em totalidade para se retirar quando as circumstan
cias o exijam .

ARTIGO VI

Este artigo é approvado .


375

ARTIGOS VII, VIII E IX .

Estes artigos são approvados.

Declaração assignada por S. Ex. George Canning, respectiva ao


artigo 2.º da convenção.

S. A. Real não tem duvida em dar ordem para


que as fortificações de qualquer porto de onde saia
sejam entregues ao commandante britannico , mas
isto só deve ser no momento da sua sahida , porque
antecedentemente á ella seria isso indecoroso a S. A.
Real e porisso é ratificada com esta restricção .

ARTIGO I ADDICIONAL .

S. A. Real tinha concebido o projecto de esta


belecer, na ilha de Santa Catharina, um porto
para o commercio do Brazil , quando intentou man
dar para aquella colonia seu filho primogenito a
principe da Beira ; mas como não se effectuou a sua
partida, não se pode por ora estabelecer um plano
de commercio, instituindo uma alfandega geral para
esse fim . Se
acaso S. A. Real partir com toda
a real familia, fica tirada toda a duvida ; quando
não, será preciso convir com a Inglaterra de algum
meio (o que é possivel) de dirigir o commerc o , que
o mesmo senhor quer favorecer, tanto para com
prazer com S. M. Britannica , como porque as ma
nufacturas inglezas permittidas são de primeira ne
cessidade para os habitantes d'aquella colonia.
376

Mas no momento actual o estabelecimento na


ilha de Santa Catharina faria irritar as duas poten
cias alliadas do continente , o que S. A. Real
quer por ultimo remedio evitar .
Resta pois a convir com a Inglaterra em um meio
mais disfarçado para se fazer este commercio , para
o que se tratará com o governo britannico quando
elle queira ; e esta é a razão de não ser ratificado
este artigo .
Para a execução de qualquer plano a este res
peito é preciso termos a certeza de haver commu
nicações com o Brazil , afim de se poderem dar
ordens competentes aos governadores, porque pre
sentemente não existe communicação com aquelle
continente , estando o commercio na maior incerteza .
Necessita -se tambem estipular a segurança de na
vios que forem avulsos , e a concessão para se cruzar
contra os argelinos para a protecção deste commer
cio , como já foi ordenado ao ministro de S. A.
Real em Londres , que o requereu .

ARTIGO II ADDICIONAL .

E' approvado .
Palacio de Nossa Senhora d'Ajuda, 8 de novem
bro de 1807 .
Em conformidade do original. – Araujo.
Nota - B ( * ) .

Tratado de commercio, e navegação entre o principe regente de


Portugal o Senhor D. João, e Jorge III rei da Gram -Bretanha,
assignado no Rio de Janeiro em 19 de fevereiro de 1810, e
ratificado por parte de Portugal em 26 do dito mez, e pela
Gram - Bretanha em 18 de junho do mesmo anno.

Em nome da Santissima e Indivisivel Trindade .

S. A. Real o principe regente de Portugal , e Sua Ma


gestade el -rei do Reino Unido da Gram-Bretanha e Ir
landa, estando igualmente animados com o desejo não
somente de consolidar e estreitar a antiga amizade
e boa intelligencia, que tão felizmente subsistem , e
tem subsistido por tantos seculos entre as duas corðas ,
mas tambem de augmentar e estender os beneficos
effeitos della em mutua vantagem dos seus respec

(*) Da pag . 45 ( LV . )
378

tivos vassallos, julgaram , que os mais efficazes meios -


para conseguir estes fins seriam , os de adoptar um
systema liberal de commercio , fundado sobre as bases
de reciprocidade e mutua conveniencia , que pela
descontinuação de certas prohibições e direitos pro
hibitivos, podesse procurar as mais solidas vantagens
de ambas as partes, as producções e industrias na
cionaes, e dar ao mesmo tempo a devida protecção
tanto á renda publica como aos interesses do com
mercio justo e legal.
Para este fim S. A. Real o principe regente de Portu
gal e Sua Magestade el-rei do Reino Unido da Gram
Bretanha e Irlanda, nomearam por seus respectivos
commissarios e plenipotenciarios, a saber, S. A. Real
o principe regente de Portugal ao muito illustre e
muito excellente Sr. D. Rodrigo de Sousa Coutinho,
conde de Linhares, senhor de Payalvo, commendador
da ordem de Christo , gram-cruz das ordens de S.
Bento e da Torre e Espada, conselheiro do conselho
d'estado de S. A. Real, e seu principal secretario d'es
tado da repartição dos negocios estrangeiros e da
guerra , e Sua Magestade el-rei do Reino Unido da
Gram-Bretanha e Irlanda ao muito illustre e muito
excellente Sr. Percy Cliton Sidney, lord visconde e
barão de Strangford , conselheiro do muito honroso
conselho privado de Sua Magestade, cavalleiro da
ordem militar do Banho, gram-cruz da ordem por
tugueza da Torre e Espada, e enviado extraordi
nario e ministro plenipotenciario de Sua Ma gestade,
na côte de Portugal , os quaes depois de haverem
devidamente trocado os seus respectivos plenos po
deres e tendo-os achado em boa e devida fórma,
convieram nos artigos seguintes :
379

ARTIGO I.

Haverá uma sincera e perpetua amizade entre S.


A. Real o principe regente de Portugal e S. M.
Britannica , e entre seus herdeiros e successores, e
haverá uma constante e universal paz , e harmonia
entre ambos, seus herdeiros e successores, reinos,
dominios , ' provincias, paizes , subditos, e vassallos
de qualquer qualidade, ou condição que sejam ,
sem excepção de pessoa ou logar. E as estipulações
deste presente artigo, serão , com o favor do Todo
Poderoso Deus , permanentes e perpetuas .

ARTIGO II.

Haverá reciproca liberdade de commercio , e na


vegação entre os respectivos vassallos das duas altas
partes contractantes em todos, e em cada um dos
territorios, e dominios de qualquer dellas . Elles po
derão negociar, viajar, residir, ou estabelecer-se em
todos e cada um dos portos , cidades , villas , paizes,
provincias ou logares, quaesquer que forem , perten
centes a uma ou а outra das duas altas partes
contractantes ; excepto n'aquelles de que geral e po
sitivamente são excluidos todos quaesquer estrangeiros ,
os nomes dos quaes logares serão depois especifi
cados em um artigo separado deste tratado . Fica,
porém , claramente entendido, que , se algum logar 1
pertencente a urna ou outra das duas altas partes
contractantes vier a ser aberto para o futuro ao
commercio dos vassallos de alguma outra potencia,
será por isso considerado como igualmente aberto,
e em termos correspondentes, aos vassallos da outra
380

alta parte contractante , da mesma forma, como se


tivesse sido expressamente estipulado pelo presente
tratado.
E tanto S. A. Real o principe regente de Portu
gal , como S. M. Britannica , se obrigam , e empe-'
nham a não conceder favor, privilegio, ou immu
nidade alguma em materias de commercio e de na
vegação , aos vassallos de outro qualquer estado , que
não seja tambem ao mesmo tempo respectivamente
concedido aos vassallos das altas partes contractan
tes, gratuitamente , se a concessão em favor d'aquelle
outro estado tiver sido gratuita, e dando quam pro
ximè a mesma compensação, ou equivalente no caso
de ter sido a concessão condicional .

ARTIGO III .

Os vassallos dos dous soberanos não pagarão res


pectivamente nos portos, bahias , cidades, enseadas,
villas ou logares quaesquer que forem , pertencentes
a qualquer delles , direitos, titulos , ou impostos ( seja
qual fôr o nome com que elles possam ser designa
dos ou comprehendidos) maiores , do que aquelles
que pagam, ou vierem a pagar os vassallos da na
ção a mais favorecida : e os vassallos de cada uma
das altas partes contractantes gosarão nos dominios
da outra dos mesmos direitos , privilegios , liberdades,
favores, immunidades, ou isenções , em materias de
commercio, e de navegação, que são concedidas, ou
que para o futuro o forem , aos vassallos da nação
a mais favorecida .

ARTIGO IV.

S. A. Real o principe regente de Portugal e S. M.


381

Britannica , estipulam e accordam , que haverá uma


perfeita reciprocidade a respeito dos direitos e im
postos , que devem pagar os navios e embarcações
das altas partes contractantes dentro de cada um
dos portos, bahias, enseadas e ancoradouros, per
tencentes a qualquer dellas ; a saber , que os na
vios e embarcações dos vassallos de S. A. Real o
principe regente de Portugal não pagarão maiores
direitos, ou impostos ( debaixo de qualquer nome
porque sejam designados , ou entendidos ) dentro
dos dominios de S. M. Britannica, do que aquel
les que os navios, e embarcações pertencentes aos
vassallos de S. M. Britannica forem obrigados a pa
gar dentro dos dominios de S. A Real o principe
regente de Portugal, e vice-versa . E esta convenção
e estipulação se estenderá particular e expressamente
ao pagamento dos direitos conhecidos com o nome
de direitos do porto , direitos de tonelada, e direitos
de ancoragem , os quaes em nenhum caso , nem de
baixo de pretexto algum , serão maiores para os
navios , e embarcações portuguezas dentro dos do
minios de S. M. Britannica, do que para os na
vios, e embarcações britannicas, dentro dos domi
nios de S. A. Real o principe regente de Portu
gal, e vice versa .

ARTIGO V.

As duas altas partes contractantes igualmente con


vém , que se estabelecerá nos seus respectivos por
tos o mesnio valor de gratificações e drawbacks, so
bre a exportação dos generos e mercadorias , quer
estes generos e mercadorias sejam exportados em na
49
382

vios e embarcações portuguezas, quer em navios e


embarcações britannicas, isto é, que os navios e
embarcações portuguezas gosarão do mesmo
a este respeito nos dominios de S. M. Britannica
que se conceder aos navios e embarcações britan
nicas nos dominios de S. A. Real o principe re
gente de Portugal, e vice - versa .
As duas altas partes contractantes igualmente con
vém e accordam , que os generos e mercadorias, vin
das respectivamente dos portos de qualquer dellas,
pagarão os mesmos direitos, quer sejam importadas
em navios e embarcações portuguezas, quer o sejam
ém navios e embarcações britannicas ; ou de outro
modo , que se poderá impôr e exigir sobre os ge
neros e mercadorias vindas em navios portúguezes
dos portos de S. A. Real o principe regente de Por
tugal para os dominios de S. M. Britannica , um
augmento de direitos equivalente , e em exacta pro
porção com o que possa ser imposto sobre os
generos e mercadorias que entrarem nos portos

de S. A. Real o principe regente de Portugal ,


vindas dos de . M. Britannica em navios bri
tannicos . E para que este ponto fique estabelecido
com a devida exacção, e que nada se deixe inde
terminado a este respeito , conveio- se , que cada um
governo respectivamente publicará listas em que se
especifique a differença dos direitos, que pagarão os
generos e mercadorias assim importadas em navios
e embarcações portuguezas, ou britannicas ; e as referi
das listas (que se farão applicaveis para todos os portos
dentro dos respectivos dominios de cada uma das
partes contractantes), serão declaradas e julgadas
como formando parte deste presente tratado.
383

Afim de evitar qualquer differença , ou desintel


ligencia a respeito das regulações que possam res
pectivamente constituir uma embarcação portugueza
ou britannica, as altas partes contractantes convieram
em declarar , que todas as embarcações construidas
nos dominios de S. M. Britannica, e possuidas ,
navegadas, e registradas conforme as leis da Gram
Bretanha , serão consideradas como embarcações bri
tannicas ; e que serão consideradas como embarca
ções portuguezas todos
os navios , ou embarcações
construidas nos paizes pertencentes a S. A. Real o
principe regente de Portugal, ou em alguns delles ,
ou navios aprezados por algum dos navios ou em
barcações de guerra , pertencentes ao governo por
tuguez ou a algum dos habitantes dos dominios de
S. A. Real o principe regente de Portugal, que
tiver commissão , ou cartas de marca e de repre
salias do governo de Portugal, e forem condemna
dos como legitima preza em algum tribunal do al
mirantado do referido governo portuguez e possui
dos por vassallos de S. A. Real o principe regente
de Portugal, ou por algum delles , e do qual o
mestre e tres quartos , pelo menos, dos marinhei
ros forèm vassallos de S. A. Real o principe re
gente de Portugal.

ARTIGO VI .

O mutuo commercio , e navegação dos vassallos


de Portugal e da Gram - Bretanha respectivamente
nos portos e mares d’Asia, são expressamente per
mittidos no mesmo gráo, em que até aqui o tem
sido pelas duas corðas . E o commercio e navega
384

ção assim permittidos serão postos d'aqui em diante


e para sempre sobre o pé do commercio e nave
gação da nação mais favorecida que commerceia nos
portos e mares d'Asia , isto é, que nenhuma das
altas partes contractantes concederá favor ou privi
legio algum , em materias de commercio e de na
vegação aos vassallos de algum outro estado, que
commerceia nos portos e mares d’Asia , que não
seja tambem concedido quam proximè nos mesmos
termos aos vassallos da outra alta parte contrac
tante .
S. M. Britannica se obriga em seu proprio nome
e no de seus herdeiros e successores , a não fazer
regulação alguma que possa ser prejudicial ou in
conveniente ao commercio e navegação dos vassallos
de S. A. Real o principe regente de Portugal nos portos
e mares d'Asia , em toda a extensão que é , ou
possa ser para o futuro , permittida á nação mais
favorecida .
E S. A. Real o principe regente de Portugal
se obriga igualmente no seu proprio nome, e no
de seus herdeiros e successores, a não fazer regula
ções algumas, que possam ser prejudiciaes ou incon
venientes ao commercio e navegação dos vassallos
de S. M. Britannica nos portos , mares e dominios,
que lhes são franqueados em virtude do presente
tratado .

ARTIGO VII.

As duas altas partes contractantes resolveram , a


respeito dos privilegios que devem gosar os vassal
los de cada uma dellas nos territorios ou dominios
385

da outra, que se observasse de ambas as partes a


mais perfeita reciprocidade. E os vassallos de cada
uma das altas partes contractantes terão livre e in
questionavel direito de viajar , e de residir ' nos ter
ritorios ou dominios da outra, de, occupar casas ou
armazens, e de dispôr da propriedade pessoal, de
qualquer qualidade ou denominação, por venda ,
doação, troca ou testamento , ou por outro qualquer
modo , sem que se lhe ponha o mais leve impedi
mento , ou obstaculo . Elles não serão obrigados a
pagar tributos ou impostos alguns , debaixo de qual
quer pretexto que seja, maiores do que aquelles
que pagam ou possam ser pagos pelos proprios vas
sallos do soberano , em cujos dominios elles residi
rem . Não serão obrigados a servir forçadamente
como militares, quer por mar, quer por terra . As
suas casas de habitação , armazens , ' e todas as par
tes, e dependencias dellas, tanto pertencentes ao seu
commercio , como á sua residencia, serão respeita
das . Elles não serão sujeitos a visitas e buscas vexa
torias , nem se lhes farão exames e inspecções arbi
trarias dos seus livros , papeis ou contas, debaixo
do pretexto de ser de autoridade suprema do estado.
Deve , porém , ficar entendido, que , nos casos de
traição , commercio de contrabando, e de outros cri
mes, para cuja achada ha regras estabelecidas pelas
leis do paiz, esta lei será executada, sendo mutua
mente declarado que não se admittirão falsas e ma
liciosas accusações , como pretextos ou excusas para
visitas e buscas vexatorias , ou para o exame de
livros , papeis , ou contas commerciaes , as quaes
visitas ou exames jámais terão logar, excepto com
a sancção do competente magistrado, e na presença
3
386

do consul da nação a que pertencer a parte accu


sada, ou do seu deputado, ou representante.

ARTIGO VIII .

S. A. Real o principe regente de Portugal se


obriga no seu proprio nome, e no de seus her
deiros e successores, a que o commercio dos vas
sallos britannicos nos seus dominios não será res
tringido, interrompido, ou de outro algum modo
affectado pela operação de qualquer monopolio,
contracto ou privilegios exclusivos de venda, ou de
compra , seja qual fôr; mas antes, que os vassallos
da Gram -Bretanha terão livre e irrestricta permissão
de comprar e vender a quem quer que fôr, e de
qualquer modo ou forma que possa convir -lhes, seja
por grosso ou em retalho , sem serem obrigados a
dar preferencia alguma ou favor em consequencia
dos ditos monopolios, contractos ou privilegios ex
clusivos de venda ou compra. E S. M. Britannica
se obriga da sua parte a observar fielmente este
principio , assim reconhecido, e ajustado pelas duas
altas partes contractantes .
Porém , deve ficar distinctamente entendido, que o
presente artigo não será interpretado como invali
dando, ou affectando o direito exclusivo possuido
pela corða de Portugal nos seus proprios dominios
a respeito dos contractos do marfinn , do páo Brazil,
da urzela, dos diamantes , do ouro em pó, da pol
vora, e do tabaco manufacturado. Comtanto, po
rém , que, se os sobreditos artigos vierem a ser geral,
ou separadamente artigos livres para commercio
nos dominios de S. A. Real o principe regente de
387

Portugal, será permittido aos vassallos de S. M. Bri


tannica o commerciar nelles tão livremente, e no
mesmo pé, em que fôr permittido aos vassallos da
nação mais favorecida.

ARTIGO IX.

S. A. Real o principe regente de Portugal, e S.


M. Britannica convém e accordam , que cada uma
das altas partes contractantes terá o direito de no
mear consules geraes, consules e vice-consules em
todos aquelles portos dos dominios da outra alta parte
contractante, onde elles são, ou possam ser necessa
rios, para augmento do commercio, e para os inte
ressescommerciaes dos vassallos commerciantes de
cada uma das duas corôas. Porém fica expressamente
estipulado, que os consules, de qualquer classe que
forem , não serão reconhecidos, recebidos, nem per
mittidos obrar como taes , sem que sejam devida
mente qualificados pelo seu proprio soberano, e ap
provados pelo outro soberano em cujos dominios
elles devem ser empregados. Os consules de todas
as classes dentro dos dominios de cada uma das
altas partes contractantes serão postos respectivamente
no pé de perfeita reciprocidade, e igualdade. E sendo
elles nomeados somente para o fim de facilitar, e
assistir nos negocios de commercio e navegação, go
sarão portanto somente dos privilegios que perten
cem ao seu logar, e que são reconhecidos, e admit
tidos por todos os governos, como necessarios para
0
devido cumprimento do seu officio, e emprego.
Elles serão em todos os casos, sejam civis , ou cri
minaes , inteiramente sujeitos às leis do paiz em que
388

residirem , e gosarão tambem da plena e inteira pro


tecção d'aquellas leis, emquanto elles se conduzirem
com respeito a ellas.

ARTIGO X.

S. A. Real o principe regente de Portugal, dese


jando proteger, e facilitar nos seus dominios o com
mercio dos vassallos da Gram-Bretanha, assim
como as suas relações e communicações com os seus
proprios vassallos, ha por bem conceder-lhes o pri
vilegio de nomearem , e terem magistrados especiaes
para obrarem em seu favor como juizes conservado
res, n'aquelles portos e cidades dos seus dominios
em que houverem tribunaes de justiça, ou possam
ser estabelecidos para o futuro . Estes juizes julga
rão, e decidirão todas as causas, que forem leva
das perante elles pelos vassallos britannicos, do mesmo
modo que se praticava antigamente, e a sua autori
dade e sentenças serão respeitadas . E declara - se serem
reconhecidas, e renovadas pelo presente tratado as
leis, decretos e costumes de Portugal relativos á ju
risdicção do juiz conservador . Elles serão escolhidos
pela pluralidade de votos dos vassallos britannicos,
que residirem , ou commerciarem no porto , ou logar,
em que a jurisdicção do juiz conservador fôr esta
belecida ; e a escolha assim feita será transmittida
ao em baixador, ou ministro de S. M. Britannica
residente na côrte de Portugal , para ser por elle
apresentada a S. A. Real o principe regente de Por
tugal, afim de obter o consentimento e confirmação
de S. A. Real ; e no caso de a não obter, as partes
interessadas procederão a uma nova eleição, até que
389

se obtenha a real approvação do principe regente .


A remoção do juiz conservador, nos casos de falta
de dever, ou de delicto, será tambem effectuada por
um recurso a S. A. Real o principe regente de Por
tugal, por meio do embaixador , ou ministro britan
nico residente na côrte de S. A. Real. Em com
pensação destas concessões a favor dos vassallos bri
tannicos , S. M. Britannica se obriga a fazer guardar
a mais estricta , e escrupulosa observancia aquellas
leis, pelas quaes as pessoas e a propriedade dos
vassallos portuguezes , residentes nos seus dominios
são asseguradas e protegidas; e das quaes elles (em
commum com todos os outros estrangeiros ) gosam
do beneficio pela reconhecida equidade da jurispru
dencia britannica , e pela singular excellencia da sua
constituição .
E demais estipulou -se, que, no caso de S. M.
Britannica conceder aosvassallos de algum outro
estado qualquer favor ou privilegio que seja analogo
ou se assemelha ao privilegio de ter juízes conser
vadores, concedidos por este artigo aos vassallos
britannicos residentes nos dominios portuguezes , o
mesmo favor ou privilegio será considerado como
igualmente concedido aos vassallos de Portugal re
sidentes nos dominios britannicos, do mesmo modo
como se fosse expressamente estipulado pelo presente
tratado .

ARTIGO XI.

8. A. Real o principe regente de Portugal, e S.


M. Britannica , convém particularmente em conce
der os mesmos favores, honras, immunidades, pri
50
390

vilegios, ę isenções de direitos e inu postos aos seus


respectivos embaixadores, ministros, ou agentes acre
ditados nas côrtes de cada uma das altas partes con
tractantes : e qualquer favor que um dos soberanos
conceder a este respeito na sua propria côrte, o
outro soberano se obriga a conceder semelhante
mente na sua côrte.

ARTIGO XII .

S. A. Real o principe regente de Portugal de


clara, e se obriga no seu proprio nome, e no
de seus herdeiros e successores, a que os vassallos
de S. M. Britannica residentes nos seus territorios
e dominios não serão perturbados, inquietados, per
seguidos, ou molestados por causa da sua religião,
maş antes terão perfeita liberdade de consciencia , e
licença para assistirem , e celebrarem o serviço di
vino em honra do Todo Poderoso Deus , quer seja
dentro de suas casas particulares, quer nas suas
particulares igrejas, e capellas, que S. A. Real
agora, e para sempre, graciosamente lhes concede a
permissão de edificarem , e manterem dentro dos
seus dominios. Comtanto, porém, que as sobreditas
igrejas e capellas serão construidas de tal modo , que
externamente se assemelhem a casas de habitação;
e tambem que o uso dos sinos lhes não seja per
mittido para o fim de annunciarem publicamente
as horas do serviço Divino . Demais estipulou -se que
nem os vassallos da Gram- Bretanha, nem outros
quaesquer estrangeiros de communhão differente da
religião dominante nos dominios de Portugal , serão
perseguidos, ou inquietados por materias de cons
391

ciencia, tanto nas suas pessoas, como nas suas pro


priedades, emquanto elles se conduzirem com ordem ,
decencia e moralidade, e de uma maneira conforme
OS
usos do paiz, e ao seu estabelecimento religioso
e politico. Porém , se se provar, que elles prégam
ou declamam publicamente contra a religião catho
lica, ou que elles procuram fazer proselytos, ou
conversões ; as pessoas que assim delinquirem , po
derão , manifestando -se o seu delicto , ser mandadas
sahir do paiz, em que a offensa tiver sido commet
tida. E aquelles que no publico se portarem sem
respeito, ou com impropriedade para os ritos e ce
remonias da religião catholica dominante , serão cha
mados perante a policia civil, e poderão ser casti
gados com multas, ou com prisão em suas proprias
casas . E, se a offensa fôr tão grave , e tão enorme ,
que perturbe a tranquillidade publica, e ponha em
perigo a segurança das instituições da igreja, e do
estado , estabelecidas pelas leis, as pessoas que tal
offensa fizerem , havendo a devida prova do facto,
poderão ser mandadas sahir dos dominios de Por
tugal . Permittir-se -ha tambem enterrar os vassallos
de S. M. Britannica, que morrerem nos territorios
de S. A. Real o principe regente de Portugal, em
convenientes logares , que serão designados para este
fim . Nem se perturbarão de modo algum, nem por
qualquer motivo, os funeraes, ou as sepulturas dos
mortos. Do mesmo modo os vassallos de Portugal
gosarão nos dominios de S. M. Britannica de uma
perfeita, e illimitada liberdade de consciencia em
todas as materias de religião, conforme o systema
de tolerancia que se acha nelles estabelecido. Elles
poderão livremente praticar os exercicios da sua re
392

ligião, publica ou particularmente, nas suas proprias


casas de habitação , ou nas capellas , e logares de
culto designados para este objecto , sem que se lhes
ponha o menor obstaculo , embaraço, ou difficuldade
alguma, tanto agora, como para o futuro .

ARTIGO XIII .

Conveio -se , e ajustou - se entre as altas partes con


tractantes , que se estabelecerão paquetes para o fim
de facilitar o serviço publico das duas côrtes , e as
relações commerciaes dos seus respectivos vassallos.
Concluir-se - ha uma convenção , sobre as bases da
que foi concluida no Rio de Janeiro aos 14 de se
tembro de 1808 , para determinar os termos sobre
que se estabelecerão os referidos paquetes ; a qual
convenção será ratificada ao mesmo tempo que o
presente tratado .

ARTIGO XIV.

Conveio - se e ajustou - se, que as pessoas culpa


das de alta traição , de falsidade, e de outros cri
mes de uma natureza odiosa, dentro dos dominios
de qualquer, das altas partes contractantes, não se
rão admittidas nem receberão protecção nos domi
nios da outra . E que nenbuma das altas partes

contractantes receberá de proposito, e deliberada


mente nos seus estados, e entreterá ao seu serviço
pessoas que forem vassallos da outra potencia, que
desertarem do serviço militar della, quer de mar,
quer de terra, antes pelo contrario as dimittirão res
pectivamente do seu serviço , logo que assim forem
393

requeridas . Mas conveio - se e declarou -se , que ne


nhuma das altas partes contractantes concederá a
qualquer outro estado favor algum a respeito de
pessoas que desertarem do serviço d'aquelle estado ,
que não seja considerado como concedido igualmen
te à outra alta parte contractante , do mesmo modo
como se o referido favor tivesse sido expressamen
te estipulado pelo presente tratado. Demais, con
veio - se , que nos casos de deserção de moços ou
marinheiros das embarcações pertencentes aos vas
sallos de qualquer das altas partes contractantes , no
tempo em que estiverem nos portos da outra alta
parte , os magistrados serão obrigados a dar efficaz
assistencia para a sua apprehensão , sobre a devida
representação feita para este fim pelo consul geral
ou consul, ou pelo seu deputado , ou representante ;
e que nenhuma corporação publica , civil, ou reli
giosa , terá poder de proteger taes desertores.

ARTIGO XV .

Todos os generos, mercadorias, e artigos, quaes


quer que sejam , da producção , manufactura , indus
tria ou invenção dos dominios e vassallos de S. M.
Britannica , serão admittidos em todos, e em cada
um dos portos , e dominios de S. A. Real o princi
pe regente de Portugal, tanto na Europa como na
America , Africa , e Asia , quer sejam consignados a
vassallos britannicos, quer a portuguezes, pagando
geral e unicamente direitos de 15 % , conforme o
valor que lhes for estabelecido pela pauta , que na
lingua portugueza corresponde á taboa das avalia
ções , cuja principal base será a factura jurada dos
394

sobreditos generos, mercadorias e artigos, tomando


tambem em consideração (tanto quanto fôr justo e
praticavel ) o preço corrente dos mesmos no paiz
onde elles forem importados. Esta pauta ou ava
liação será determinada, e fixada por um igual nu
mero de negociantes britannicos e portuguezes, de
conhecida inteireza e honra, com assistencia , pela
parte dos negociantes britannicos , do consul geral
ou consul de S. M. Britannica , e pela parte dos
negociantes portuguezes com a assistencia do supe
rintendente ou administrador geral da alfandega
ou dos seus respectivos deputados. E a sobredita
pauta, ou taboa das avaliações se fará e promul
gará em cada um dos portos, pertencentes a S. A.
Real o principe regente de Portugal, em que haja
ou possam haver alfandegas. Ella será concluida
e principiará a ter effeito logo que fôr possivel,
depois da troca das ratificações do presente tra
tado , e com certeza dentro do espaço de 3 mezes
contados da data da referida troca ; e será revista
e alterada, se necessario fôr, de tempos a tempos,
seja em sua totalidade, ou em parte , todas as
vezes que os vassallos de S. M. Britannica, resi
dentes nos dominios de S. A. Real o principe re
gente de Portugal, assim hajam , de requerer por
via do consul geral ou consul de S. M. Britannica,
ou quando os negociantes vassallos de Portugal
fizerem a mesma requisição para este fim da sua
propria parte.
ARTIGO XVI .

Porém, se durante o intervallo entre a troca das


C
395

ratificações do presente tratado e a promulgação da


sobredita pauta, alguns generos ou mercadorias da
producção ou manufactura dos dominios de S. M.
Britannica entrarem nos portos de S. A. Real o
principe regente de Portugal, conveio-se, que serão
admittidos para o consumo pagando os referidos di
reitos de 15 % , conforme o valor que lhes fôr fi
xado pela pauta actualmente estabelecida, se elles
forem generos e mercadorias dos comprehendidos
ou avaliados na sobredita pauta, e se o não forem
(assim como se alguns generos ou mercadorias vie
rem para o futuro aos portos dos dominios portu
guezes, sem serem dos especificadamente avaliados
em a nova tarifa ou pauta, que se ha de fazer
em consequencia das estipulações do precedente
artigo do presente tratado) serão igualmente admit
tidos pagando os mesmos direitos de 15 % ad va
lorem , conforme as facturas dos ditos generos e
mercadorias , que serão devidamente apresentadas e
juradas pelas partes que as importarem . E no caso
de suspeita de fraude ou de illicita pratica, as fac
turas serão examinadas, e o valor real dos generos
e mercadorias determinado pela decisão de um igual
numero de negociantes portuguezes e britannicos de
conhecida inteireza e honra, e no caso de differença
de opinião entre elles, seguida de uma igualdade
de votos sobre o objecto em questão , então elles
nomearão outro negociante igualmente de conheci
da inteireza e honra, a quem se referirá ultima
mente o negocio , e cuja decisão será terminante , e
sem appellação . E no caso que a factura pareça ter
sido fiel, e correcta , os generos e mercadorias nella
especificados serão admittidos, pagando os direitos
396

acima mencionados de 15 % , e as despezas, se as


houver, do exame da factura serão pagas pela
parte que duvidou da sua exactidão e correcção .
Mas se se achar que a factura foi fraudulenta e
illicita, então os generos e mercadorias serão com
prados pelos officiaes da alfandega por conta do
governo portuguez, segundo o valor especificado
na factura , com uma addicção de 10 % sobre a
somma assim paga pelos referidos generos e mer
cadorias pelos officiaes da alfandega, obrigando-se
o governo portuguez ao pagamento dos generos assim
avaliados e comprados pelos officiaes da alfandega
dentro do espaço de 15 dias. E as despezas, se as
houver, do exame da fraudulenta factura serão pagas
pela parte que a tiver apresentado como justa e
fiel.

ARTIGO XVII .

Conveio-se e ajustou -se, que os artigos do trem


militar e naval importados nos portos de S. A. Real
o principe regente de Portugal, e que o governo
portuguez haja de querer para seu uso, serão pagos
logo pelos preços estipulados pelos proprietários,
que não serão constrangidos a vendel-os debaixo de
outras condições.
De mais estipulou -se, que se 0 governo portu
guez tomar a seu proprio cuidado e guarda algu
ma carregação ou parte de uma carregação com
vistas de a comprar, ou para outro qualquer fim ,
o dito governo portuguez será responsavel por qual
quer perda e damnificação que ella possa soffrer,
397

em quanto estiver entregue ao cuidado e guarda


dos officiaes do referido governo portuguez .

ARTIGO XVIII.

S. A. Real o principe regente de Portugal ha por


bein conceder aos vassallos da Gram - Bretanha o
privilegio de serem assignantes para os direitos que
hão de pagar nas alfandegas dos dominios de S. A.
Real, debaixo das mesmas condições , e dando as
mesmas seguranças que se exigem dos vassallos de
Portugal. E por outra parte conveio -se e estipulou
se, que os vassallos da corða de Portugal receberão ,
tanto quanto possa ser justo ou legal, o mesmo
favor nas alfandegas da Gram -Bretanha , que se
conceder aos vassallos naturaes de S. M. Britannica.

ARTIGO XIX .

S. M. Britannica pela sua parte e em seu proprio


nome, e no de seus herdeiros e successores , pro
mette e se obriga a que todos os generos, merca
dorias e artigos quaesquer da producção , manu
factura , industria ou invenção dos dominios ou dos
vassallos de S. A. Real o principe regente de Portugal,
serão recebidos e admittidos em todos em cada um
dos portos e dominios de S. M. Britannica, pagando
geral e unicamente os mesmos direitos que pagam
pelos mesmos artigos os vassallos da nação mais
favorecida . E fica expressamente declarado , que
se se fizer alguma reducção de direitos exclusivamente
51
398

em favor dos generos e mercadorias britannicas impor


tadas nos dominios de S. A. Real o principe regente
de Portugal , far-se-ha uma equivalente reducção sobre
os generos e mercadorias portuguezas importadas
nos dominios de S. M. Britannica e vice - versa. Os
artigos sobre que se deverá fazer uma semelhante
equivalente reducção, serão determinados por um
previo concerto , e ajuste entre as duas altas partes
contractantes.
Fica entendido que qualquer semelhante reducção
assim concedida por uma das altas partes á outra,
o não será depois ( excepto nos mesmos termos, e
com a mesma compensação ) em favor de algum
outro estado, ou nação qualquer que fôr. E esta
declaração deve ser considerada como reciproca da
parte das duas altas partes contractantes .
ARTIGO XX .

Mas como ha alguns artigos da creação e produc


ção do Brazil, que são excluidos dos mercados e
do consumo interior dos dominios britannicos, taes
como o assucar , café, e outros artigos semelhantes
ao producto das colonias britannicas ; S. M. Britan
nica , querendo favorecer e proteger ( quanto é pos
sivel ) o commercio dos vassallos de S. A. Real o
principe regente de Portugal , consente e permitte
que os ditos artigos, assim como todos os outros da
creação e producção do Brazil , e de todas as outras
partes dos dominios portuguezes , possam ser rece
bidos e guardados em armazens em todos os portos
dos seus dominios , que forem designados pela lei
por « warehousing ports » para semelhantes artigos, afim
399

de serem reexportados, debaixo da devida regulação,


isentos dos maiores direitos com que seriam carre
gados se fossem destinados para o consumo dentro
Cos dominios britannicos, e somente sujeitos aos
direitos reduzidos, despezas de reexportação e guarda
nos armazens .

ARTIGO XXI .

Do mesmo modo , não obstante o geral previlegio


de admissão concedido no artigo Xy do presente
tratado por S. A. Real o principe regente de
Portugal a favor de todos OS generos e merca
dorias da producção e manufactura dos dominios
britannicos ; S. A. Real o principe regente de Por
tugal se reserva o direito de impôr pesados e até
prohibitivos direitos sobre todos os artigos conhecidos
pelo nome de generos das indias orientaes britan
nicas, e de producções das indias occidentaes , taes
como o assucar e café, que não podem ser admittidos
para o consumo nos dominios portuguezes, por causa 1

do mesmo principio de policia colonial , que impede


a livre admissão nos dominios britannicos de cor- ,
respondentes artigos da producção do Brazil.
Porém S. A. Real o principe regente de Portugal
consente que todos os portos dos seus dominius,
onde haja ou possam haver alfandegas , sejam portos.
francos para recepção e admissão dos artigos quaes
quer da producção ou manufactura dos dominios
britannicos, não destinados para o consumo do logar
em que possam ser recebidos ou admittidos, mas
para serem reexportados, tanto para outros portos
dos dominios de Portugal , como para os de outros
400

estados. E os artigos assim admittidos e recebidos,


sujeitos ás devidas regulações, serão isentos dos
direitos maiores, com que haveriam de ser carre
gados, se fossem destinados para o consumo do logar
em que possam ser descarregados ou depositados em
armazens, e obrigados somente as mesmas despezas,
que houverem de ser pagas pelos artigos da pro
ducção do Brazil, recebidos e depositados em ar
mazens para a reexportação nos portos dos dominios
de S. M. Britannica .

ARTIGO XXII.

S. A. Real o principe regente de Portugal, afim


de facilitar e animar o legitimo commercio , não só
mente dos vassallos da Gram -Bretanha, mas tambem
dos de Portugal, com outros estados adjacentes aos
seus proprios dominios ; e tambem com vistas de
augmentar e segurar aquella parte de sua propria
renda que é derivada da percepção dos direitos de
porto franco sobre as mercadorias , ha por bem de
clarar o porto de Santa Catharina por porto franco,
conforme os termos mencionados no precedente artigo
do presente tratado.

ARTIGO XXIII .

S. A. Real o principe regente de Portugal, dese


jando estabelecer o systema de commercio , annun
ciado pelo presente tratado, sobre as bases as mais
extensas , ha por bem aproveitar a opportunidade
que elle lhe offerece de publicar a determinação
anteriormente concebida no seu real entendimento
401

de fazer Gða porto franco, e de permittir n'aquella


cidade e suas dependencias a livre tolerancia de
todas e quaesquer seitas religiosas.
ARTIGO XXIV .

Todo o commercio com as possessões portuguezas


situadas sobre a costa oriental do continente d’Africa
(em artigos não incluidos nos contractos exclusivos
possuidos pela corða de Portugal) que possa ter
sido anteriormente permittido aos vassallos da Gram
Bretanha, lhes é confirmado e assegurado agora e
para sempre do mesmo modo que o commercio,
que tinha até aqui sido permittido aos vassallos
portuguezes nos portos e mares d’Asia, lhes é con
firmado e assegurado em virtude do artigo vi do
presente tratado .

ARTIGO XXV .

Porém em ordem a dar o devido effeito ao sys


tema de perfeita reciprocidade, que as duas altas
partes contractantes desejam estabelecer por base das
suas mutuas relações, S. M. Britannica consente em
ceder do direito de crear feitorias ou corporações de
negociantes britannicos, debaixo de qualquer nome
ou descripção que fôr, nos dominios de S. A. Real
o principe regente de Portugal, comtanto porém que
esta condescendencia com os desejos de S. A. Real
o principe regente de Portugal não prive os vas
sallos de S. M. Britannica , residentes nos dominios
de Portugal, de gosarem plenamente , como indivi .
duos commerciantes, de todos aquelles direitos, e
402

previlegios , que possuiam ou podiam possuir como


membros de corporações commerciaes ; e igualmenie
que o trafico e o commercio feito pelos vassalos
britannicos não será restringido , embaraçado ou
de outro modo affectado por alguma companhia
commercial , qualquer que seja, que possua privi
legios e favores exclusivos nos dominios de Portugal.
E S. A. Real o principe regente de Portugal tambem
se obriga a não consentir nem permittir que alguma
outra nação possua feitorias ou corporações de ne
gociantes nos seus dominios, emquanto se não esta
belecerem nelles feitorias britannicas .

ARTIGO XXVI.

As duas altas partes contractantes convém em


que ellas procederão logo á revisão de todos os ou
tros antigos tratados subsistentes entre as duas co
rðas, a fim de deterniinarem quaes das estipulações das
que elles contém , devem ser continuadas ou reno
vadas no presente estado de cousas .
Conveio-se comtudo e declarou-se que as estipu
lações conteúdas nos antigos tratados , relativamente
á admissão dos vinhos de Portugal de uma parte,
e dos pannos de lã da Gram-Bretanha da outra,
ficarão por ora sem alteração . Do mesmo modo
conveio-se que os favores, privilegios e immunida
des concedidas por cada uma das altas partes con
tractantes aos vassallos da outra , tanto por tratado
como por decreto ou alvará , ficarão sem alteração,
á excepção da faculdade, concedida por antigos tra
tados , de conduzir em Lavios de um dos dous
estados generos e mercadorias de qualquer quali
405

dade pertencentes aos inimigos do outro estado , a


qual faculdade é agora publica e mutuamente re
funciada e abrogada .

ARTIGO XXVII .

A leciproca liberdade de couu mercio e navegação,


declarada e annunciada pelo presente tratado , será
considerada estender -se a todos os generos e inerca
dorias quuesquer, à excepção d'aquelles artigos de
propriedade dos inimigos de uma ou outra poten
cia , ou de contrabando de guerra.

ARTIGO XXVIII .

Debaixo da deaominação de contrabando, ou ar


tigos prohibidos , se comprehenderão não somente
armas , peças de artilharia , arcabuzes , morteiros,
petardos, bombas , gnnadas, salchichas, carcassas, car
retas de peças , arrimo: de mosquetes , bandoleiras, pol
vora, mechas , salitre , balas , piques , espadas , capa
cetes, elmos , couraças, alabardas , azagayas, coldres ,
boldriés, cavallos e arieios ; mas tambem em geral
todos os outros artigos que possam ter sido especi
ficados como contrabando em quaesquer precedentes
tratados concluidos por Portugal ou Gram - Breta
nha com outras potencias . Porém generos que não
tenham sido fabricados em forma de instrumentos
de guerra , ou que não possam vir a sêl-o , não
serão reputados de contrabando , e muito menos
aquelles que já estão fabricados e destinados para
outros fins, os quaes todos não serão julgados de
contrabando e poderão ser levados livremente pelos
404

vassallos de ambos os soberanos, mesmo a logares


pertencentes a um inimigo, á excepção sómente
d'aquelles logares que estão sitiados, bloqueados
ou investidos por mar ou por terra.

ARTIGO XXIX .

No caso que algumas embarcações ou navios de


guerra ou mercantes venham a naufragar nus costas
dos dominios de qualquer das altas partes contrac
tantes , todas as porções das referidas embarcações
ou navios, ou da armação e pertences das mesmas ,
assim como dos generos e fazendas que se salvarem,
ou o producto dellas, serão fielmente restituidos logo
que seus donos ou seus procuratores legalmente
autorisados os reclamarem , pagando somente as des
pezas feitas na arrecadação dos mesmos generos,
conforme o direito de salvação ajustado entre am
bas as altas partes ; exceptuando ao mesmo tempo
os direitos e costumes de cada nação, de cuja abo
lição ou modificação se tratari comtudo, no caso de
serem contrarios ás estipulações do presente artigo ;
e as altas partes contractantes interporão mutuamente
a sua autoridade, para que sejam punidos severa
mente aquelles dos seus vassallos que se aprovei
tarem de semelhantes desgraças.
ARTIGO XXX .

Conveio-se mais para maior segurança e liberdade


do commercio e da navegação , que tanto S. A. Real
o principe regente de Portugal , como S. M. Britan
nica, não só recusarão receber quaesquer piratas ou
405

ladrões do mar em qualquer dos seus portos, sur


gidouros, cidades e villas, ou permittir que alguns
dos seus vassallos, cidadãos ou habitantes os recebam
ou protejam nos seus portos, os agasalhem nas suas
casas, ou lhes assistam de alguma maneira ; mas
tambem mandarão que esses piratas e ladrões do mar,
e as pessoas que os receberem , acoutarem ' ou aju
darem , sejam castigadas convenientemente para terror
e exemplo dos outros. E todos os seus navios, com
os generos e mercadorias que tiverem tomado e tra
zido aos portos pertencentes a qualquer das altas partes
contractantes , serão aprezados onde forem descobertos,
e serão restituidos aos donos, ou a seus procuradores
devidamente autorisados ou delegados por elles por
escripto ; provando - se previamente, e com evidencia,
a identidade da propriedade , mesmo no caso que seme
lhantes generos tenham passado a outras mãos por
meio de venda, uma vez que se souber que os com
pradores sabiam ou podiam ter sabido que taes
generos foram tomados piraticamente.
ARTIGO XXXI .

Para segurança futura do commercio e amisade


entre os vassallos de S. A. Real o principe regente
de Portugal e de S. M. Britannica, e afim de que
esta mutua boa intelligencia possa ser preservada de
toda a interrupção e disturbio , conveio-se e ajustou
se que , se em algum tempo se suscitar qualquer
desintelligencia , quebrantamento de amisade ou rom
pimento entre as côroas das altas partes contractantes ,
o que Deus não permitta ( o qual rompimento só
se julgará existir depois do chamamento , ou despedida
52
406

dos respectivos embaixadores e ministros ) , os vassallos


de cada uma das duas partes , residentes nos dominios
da outra, terão o privilegio de ficar e continuar nelles o
seu commercio sem interrupção alguma, em quanto se
conduzirem pacificamente, e não commetterem offensa
contra as leis e ordenações ; e no caso que a sua
conducta os faça suspeitos, e os respectivos governos
sejam obrigados a mandal-os sahir, se lhes concederá
o termo de um anno para esse fim , em ordem a

que elles se possam retirar com os seus effeitos e


propriedades, quer estejam confiadas a individuos par
ticulares, quer ao estado .
Deve porém entender- se que este favor se não
estende aquelles que tiverem de algum modo pro
cedido contra as leis estabelecidas.

ARTIGO XXXII .

Concordou - se e foi estipulado pelas altas partes


contractantes, que o presente tratado será ' illimitado
emquanto à sua duração, que as obrigações e con
dições expressadas e conteúdas nelle serão perpetuas
e immutaveis, e que não serão mudadas ou alteradas
de modo algum , no caso que S. A. Real o principe
regente de Portugal , seus herdeiros ou successores,
tornem a estabelecer a séde da monarchia portugueza
nos dominios europeus desta corôa.
ARTIGO XXXIII .

Porém as duas altas partes contractantes se reservam


o direito de juntamente examinarem e reverem OS
differentes artigos deste tratado no fim do termo de
407

quinze annos contado da data da troca das ratificações


do mesmo e de então propôrem , discutirem e fazerem
aquellas emendas ou addições que os verdadeiros
interesses dos seus vassallos possam parecer requerer.
Fica porém entendido que qualquer estipulação ,
que no periodo da revisão do tratado fôr objectada
por qualquer das altas partes contractantes , será
considerada como suspendida no seu effeito , até que
a discussão relativa a esta estipulação seja termi
nada, fazendo-se préviamente saber a outra alta
parte contractante a intentada suspensão da tal
estipulação , afim de evitar a mutua desconve
niencia .

ARTIGO XXXIV .

As differentes estipulações e condições do presente


tratado principiarão a effeito desde a data da
sua ratificação por S. M. Britannica , e a mutua
troca das ratificações se fará na cidade de Londres ,
dentro do espaço de quatro mezes , ou mais breve
se fôr possivel, contados do dia da assignatura do
presente tratado.
Em testemunho do que nós , abaixo assignados,
plenipotenciarios de S. A. Real o principe regente
de Portugal e de S. M. Britannica , em virtude
dos nossos respectivos plenos poderes , assignamos o
presente tratado com nossos punhos e lhe fizemos
pôr o sello das nossas armas .
Feito na cidade do Rio de Janeiro , aos 19 de
fevereiro do anno do nascimento de Nosso Senhor
Jesus Christo de 1810. - Conde de Linhares. ( L. S.)
Strangford . (L. S. )
408

Ratificação de S. A. Real.

D. João por graça de Deus principe regente de


Portugal , e dos Algarves, d'aquem , e d'além mar,
em Africa senhor de Guiné, e da conquista, nave
gação, e commercio da Ethiopia, Arabia, Persia, e
da India, etc. Faço saber a todos os que a pre
sente carta de confirmação, approvação e ratifi
cação virem , que em 19 de fevereiro do corrente
anno se concluio , e assignou na cidade do Rio de
Janeiro um tratado do amisade e commercio, entre
mim , e o serenissiino, e potentissimo principe Jorge III,
rei do Reino Unido da Gram - Bretanha, e de Irlanda,
meu bom irmão, e primo, com o fim de estender,
e ampliar o commercio reciproco dos nossos res
pectivos vassallos, e de procurar segurar sobre as
bases mais estaveis, mais liberaes, e de mais per
feita igualdade , a futura felicidade de ambas as
nações ; sendo plenipotenciarios, para esse effeito,
da minha parte, D. Rodrigo de Sousa Coutinho,
conde de Linhares , senhor de Payalvo, commenda
dor da ordem de Christo, gram - cruz das ordens de
S. Bento de Aviz , e da Torre e Espada, do meu
conselho d'estado, meu ministro e secretario d'estado
dos negocios estrangeiros , e da guerra ; e da parte de
S. M. Britannica, o muito honrado Percy Clinton
Sidney, lord , visconde, e barão de Strangford , do
conselho de sua dita Magestade, seu conselheiro priva
do, cavalleiro da ordem militar do Banho, gram
cruz da da Torre e Espada, e seu enviado extraordinario,
e ministro plenipotenciario nesta cổrte, do qual tra
tado o theor é o seguinte :
409

( Segue-se o tratado )

E sendo-me presente o mesmo tratado, cujo theor


fica acima inserido, e bem visto , considerado, e
examinado por mim tudo o que nelle se contém , o
approvo , ratifico, e confirmo, assim no todo, como
em cada uma das suas clausulas, e estipulações ; e
pela presente o dou por firme e valido para sem
pre, promettendo em fé, e palavra real, observal- o,
e cumpril - o inviolavelmente, e fazêl-o cumprir, e
observar por qualquer modo que possa ser. Em tes
temunho , e firmeza do sobredito , fiz passar a pre
sente carta, por mim assignada, passada com
sello grande das minhas armas, e referendada pelo
meu secretario, e ministro d'estado abaixo assignado.
Dada no palacio do Rio de Janeiro , aos 26 de fe
vereiro do anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus
Christo de 1810. -O PRINCIPE, com guarda. — Conde
de Aguiar .

DECLARAÇÃO .

O abaixo -assignado, principal secretario d'estado


de Sua Magestade, da repartição dos negocios estran
geiros, no momento de trocar com o Cavalleiro de
Sousa Coutinho , enviado extraordinario e ministro
plenipotenciario de S. A. Real o principe regente
de Portugal, as ratificações do tratado de commercio
assignado no Rio de Janeiro no dia 19 de fevereiro
de 1810 pelo lord , visconde Srangford , por parte
de Sua Magestade, e pelo conde de Linhares, por
parte de S. A. Real o principe regente : recebeu
ordem de Sua Magestade, afim de evitar alguma
410

equivocação, que talvez se possa originar da exe


cução d'aquella parte do artigo v do dito tratado,
em que se define quaes navios serão considerados
com direito aos privilegios de navios britannicos,
para declarar ao Cavalleiro de Sousa Coutinho que ,
além das qualificações nelle expressas, serão igual
mente intitulados a considerarem-se como navios bri
tannicos os que houverem sido aprezados ao inimigo
pelos navios de guerra de Sua Magestade, ou pelos
vassallos de Sua Magestade fornecidos de carta
de marca pelos lords commissarios do almirantado,
e regularmente condemnados em um dos tribunaes
de preza de Sua Magestade, como boa preza : assim
como se consideram navios portuguezes em virtude
do paragrapho seguinte do mesmo tratado as em
barcações tomadas ao inimigo pelos navios de Por
tugal, e condemnadas em iguaes circumstancias .
O abaixo assignado roga ao Cavalleiro Sousa que
aceite os protestos da sua alta consideração.
( Assignado ) Wellesley. - Ao Cavalleiro de Sousa
Coutinho, etc. , etc. , etc. , 18 de junho de 1810.
Nota - C (*).

Reconhecida equidade, e excellencia da constituição .


a da Gram -Bretanha ! Eis como ainda ha pouco pro
cedeu ella com os irlandezes e habitantes da Jamaica ,
tudo relatado pelos proprios jornaes inglezes, dos
quaes tiramos os seguintes extractos.
Entre a imprensa ingleza ha um jornal que con
siderou atrocidade a maneira porque o governo inglez
e as suas autoridades procederam
a respeito dos fenianos.
Este jornal é o Morning - Star, que n'um artigo
por aquella occasião publicado, disse, que era um
insulto ao systema do governo vigente em Inglaterra
terem - se suspendido todas as leis civis, para se re
primir um movimento de tão pequena importancia ,
como era o do fenianismo.
O Morning- Star declarou que não conhecia bem
os artigos da lei sobre alta traição , que foram di

(*) Da pag. 56 (LXVII). '


412

tados especialmente para a Irlanda , e que não tinham


applicação em Inglaterra ; mas o jornal inglez asse
gurou ao mesmo tempo que aquella lei não podia
justificar de modo algum o incrivel procedimento dos
magistrados a quem foram submettidos os prezos, por
isso que na maioria dos casos as provas de alta
traição subministradas pela policia não serviriam de
fundamento para qualquer magistrado inglez .
« A policia , escreveu aquelle jornal, apresenta ao
juiz uma carta dirigida por um irlandez a outro
qualquer, e é sufficiente que nessa carta se leia
alguma expressão pouco clara , para ser tomada
como uma prova de fenianismo, sendo mandado
para a cadeia aquelle que a escreveu e aquelle á
quem era dirigida. »
O Morning - Star citou tambem os seguintes casos :
« Apresentou -se a um magistrado um escripto em
que se fallava de um tal Rafferty ; mas como a
policia não pode encontrar este individuo , foi pren
der e vai ser submettido aos tribunaes um outro
individuo chamado Mallighain , pretextando- se que
os dous appellidos pertencem ao mesmo individuo ,
e que o primeiro era apenas um nome de guerra ,
pelo qual se tornava conhecido entre os associados. »
A este facto accrescentou o jornal inglez o se
guinte :
« O'Brennam , redactor do Patriota , foi tambem
prezo , sem outro motivo que encontrarem -se-lhe na
carteira alguns manuscriptos, que elle não tinha
querido publicar no seu jornal, em consequencia de
serem demasiados hostís ao governo inglez . »
Quem , ha ahi que não tenha ouvido uma e muitas
vezes elevar ás nuvens a liberdade individual de que
413

se gosa na Inglaterra ? Não ha inglez que não affir


me o respeito escrupuloso das suas autoridades pela
lei e pelas formulas quando se trata da liberdade in
dividual : não ha estrangeiro , tendo tido a dita de ir á
Inglaterra, que se não extasíe entre os seus naturaes ,
quando lhes conta como o individuo, comtanto que
não seja verdadeiramente criminoso , está livre de todos
os incommodos e vexames porque o faz passar a auto
ridade em outros paizes, por simples suspeita de crime .
E então o governo inglezl ... Esse tem sempre
á sua disposição uma série de raciocinios e conse
lhos que dirige aos governos estrangeiros, reco
mendando-lhes as mais puras doutrinas dos moralistas
e criminalistas theoricos relativamente á liberdade
individual ! E se algum subdito britannico se col
locou em posição de dar explicações á policia , ou á
justiça , ahi vem logo a exigencia de indemnisações,
com ameaça de represalias, tudo acompanhado com
uma dissertação em que leis e autoridades estranhas
são atacadas como contrarias a todo o direito e até
ao bom senso . Por pouco que nesse interesse , o
engrandecimento directo ou indirecto do commercio
britannico , as cousas não ficam somente em conse
lhos , dissertações e ameaças, – vão muito adiante.
Nós podiamos dizer alguma cousa a este respeito ,
ahi nos doem as violencias que temos soffrido.
Entretanto cá e lá más fadas ha. Tambem na In
glaterra a liberdade individual tem soffrido aggres
sões e sido ferida tão brutalmente, como em qual
quer parte do mundo . Pedimos pois aos nossos lei
)
tores que leiam os seguintes periodos com que o
correspondente de Londres da Gazeta da Cruz, de
Berlim , terminou uma de suas cartas :
53
414

« A imprensa (de Londres) vê -se obrigada a de


fender -se contra ataques novos a respeito dos ne
gocios da Irlanda. Esses ataques vem de todos os
lados , e os editores estão visivelmente de mau . hu
mor. Ao lado dos jornaes allemães está a imprensa
franceza nas fileiras dos assaltantes, inclusive o
cantador Constitutionnel, com grande desprazer dos in
glezes. Naturalmente nenhum destes ultimos quer
concordar que os assaltantes têm razão .
« Esforçam -se os inglezes, muito inutilmente para
provar a necessidade das medidas tomadas contra
a Irlanda . Ninguem as censura , apenas aconselha -se
muito amigavelmente á Inglaterra que d'ora avante
não grite tanto contra os governos estrangeiros que
se defendem o melhor que podem contra as insur
reições.
« Na Irlanda passaram -se cousas que não têm
exemplo na historia moderna. Não é pelo menos
muito original que, por denuncia de um servente
de padaria, se entrasse á força na casa de um juiz
de paz muito considerado, durante sua ausencia,
dessem busca em todos os seus papeis, e finalmente
desculpem -se do facto , dizendo que fôra engano?
« Ainda outro facto entre muitos : 0 Helvetia ,
que faz o serviço entre New - York e Liverpool,
toca em Queenstown , quando tem passageiros para
a Irlanda. Em sua ultima viagem á Inglaterra, não
tinha passageiros para a Irlanda e quiz passar sem
communicar com a terra . Fizeram sahir um navio
armado para perseguil- o , e forçaram o capitão a
tocar em Queenstown. Os vinte e dous' passageiros
que trazia foram forçados a desembarcar e a todos
prenderam indistinctamente ; levaram -os depois para
415

uma casa onde lhes deram minuciosa busca cor


poral . Fizeram ainda mais : tomaram - lhes todos os
seus papeis e cartas, abriram -as e leram tudo. Como
porém nada achassem que fosse suspeito , deixaram
sahir os passageiros , menos um que teve de dar
explicações sobre a posse de um revolver ( ! ) .
« Eis o que contaram as folhas inglezas , sem accres
centarem uma palavra de censura .
« Por ventura em Alemanha , já aconteceu que,
mesmo em tempo de uma verdadeira revolução, se
tenha exigido dos viajantes mais do que o seu pas
saporte ? Que sem motivos fundados e serios os te
nham detido em massa para tomar -lhes seus papeis
e lêl- os ? E entretanto estas cousas se fizeram na
Irlanda quando nem ao menos uma vidraça tinha
sido ainda quebrada, nem mesmo tivera logar uma
algazarra feniana.
« Não se pode resistir ao riso quando se le que,
para atacar uma casinha isolada, os policiaes arma
dos iam em numero de cincoenta ou sessenta, os
quaes surprehenderam uma viuva velha que estava
fazendo o seu café. O Telegraph muito encarece não
se ter empregado tropa na Irlanda. Querem porém
saber como está armado um policiman irlandez ? Traz
capacete, espingarda, espala, cartuxeira e o restante .
Se não o tomarem por um soldado, diga a imprensa
ingleza o que lhe falta exteriormente .
« Aceitamos as confissões involuntarias de um jornal
liberal , que, a respeito das medidas tomadas contra
o periodico irlandez The Irisch People, - diz : « Acções
<< nocivas á sociedade não podem reivindicar a impunidade
« só porque os seus fautores occupam -se em publicar, um
« jornal. » E' essa precisamente a resposta que tantas
416

vezes tem dado os estrangeiros ás gritarias da im


prensa ingleza.
« O que fariam se se tratasse de uma revolução
séria, visto que se confunde tudo na Irlanda, só por
acreditarem que estão no rasto de uma revolução ?
A liberdade ingleza terá as vezes seus inconvenien
tes para aquelles a quem protege ? »
O Times e outros jornaes referiram , segundo as
noticias de Dublim, o que se passou na audiencia
em que foi julgado o feniano O'Leary, pronunciando
se
o jury pela culpabilidade do accusado. Já por
mais de uma vez temos dado noticia dos rigores da
legislação e dos tribunaes inglezes nos processos ins
taurados a respeito da insurreição irlandeza. Mas as
circumstancias occorridas no processo de O'Leary,
depois do veredictum do jury, são dignas de menção.
Sendo o accusado convidado para dizer em seu
favor o que entendesse e quizesse, O'Leary respondeu :
Senhores, eu esperava este mesmo resultado.
Sabia perfeitamente que estes bancos do tribunal
estavam occupados por homens que são instrumentos
do governo ... »
O juiz Fitzgerald , disse :
-« Estamos aqui todos para ouvir o que quizer
des dizer em vossa defeza, mas, não empregueis
expressões injuriosas. >>
O Times publicou do seguinte modo a continua
ção deste dialogo :
« O'Leary. - Mr. Luby absteve- se de tratar desta
materia , porque receava prejudicar os demais prezos ;
mas eu não tenho disso o menor receio , porque um
jury que foi capaz de me condemnar, condemnará
igualmente todos os outros. Mr. Luby reconheceu
417

que estava culpado, segundo o texto desse instru


mento , de grande elasticidade a que se chama a lei
ingleza ; mas eu nunca acreditei que esses homens
(apontando para os advogados da municipalidade)
chegassem a fazer -me passar por culpado . E este
facto induz-me a fallar de outro ponto : trata - se dos
relatores e dos denunciantes. O juiz Keogh confessou
no processo Luby, que tinha , por dinheiro , ou por
outros motivos, gente prompta á disposição do go
verno e para revellar as palavras dos conspiradores .
Ha sempre , de certo , gente para ficar por dinheiro,
á disposição do governo ; mas são malvados, e não
rebeldes, que se deixam comprar para , em proveito
proprio , tirarem interesse desta infamia . O misera
vel a que me refiro chama-se Barrı...
« Juiz . - Não podemos permittir que se empregue
semelhante linguagem a respeito de uma teste
munha .
< Accusado. - Aquelle homem denunciou -me ; dei
xarei portanto de me defender ; eu e os meus ami
gos limitamo-nos a apontal-o como um assassino
moral.
« E agora fallarei do juiz Keogh , que ultimamen
te discorreu a respeito das resoluções que se toma
ram , e que fez uma arenga a Mr. Luby . Fallou
de casas queimadas, de gado apprehendido , de ho
mens mortos, e nestes termos proseguio . Quererei
saber se no tempo de guer
não acontece tudo isto
Direi
ra , assim como pas épocas das revoluções ?
ainda mais algumas palavras . Sou accusado de trai
ção ! A traição é de certo um crime vergonhoso .
Dante, o celebre poeta, mandou effectivamente os
traidores para o novo circulo do inferno . Mas quem
418

são esses traidores ? São os traidores ao seu rei,


ao seu paiz, aos seus amigos e aos seus bemfeito
res. Mas a Inglaterra não é o meu paiz , e eu
não trahi um amigo , nem
um bemfeitor !
« Sidney e Emmett eram traidores, segundo as
disposições da lei. Jeffreys e Norbury eram homens
leaes . E ' isto unicamente o que tenho que dizer. »
« O juiz Fitzgerald pronunciou a sentença nestes
termos :
- « João O'Leary , depois de um processo exami
nado com attenção pelo jury , constituido de ho
mens do paiz , e depois de uma defeza muito habil,
foi julgado criminoso .
« O meu distincto collega e eu approvamos este
veredicto , convencidos de que foi dado por homens
imparciaes . Os depoimentos eram de unia natureza
irrecusavel. Resta -me cumprir o doloroso dever de
pronunciar a sentença , e asseguro -vos que, apezar
da linguagem que acabo de empregar, sinto pro
fundamente este dever . Não quero accrescentar mais
cousa alguma, porque irei penalisar -vos ; mas vós
que sois um homem que haveis recebido uma edu
cação esmerada, e que sois dotado de intelligencia,
não foi de certo por ignorancia que vos haveis lan
çado nesta empreza desesperada...
« O'Leary : - Não era desesperada...
Juiz : - Sabeis que haveis fomentado uma insur
reição, que poderia produzir uma guerra de exter
minio ?
« O'Leary : - Não , nunca foi essa a minha in
tenção .
* Juiz :- Estaveis empenhado nesta empreza de
sesperada , mas haveis perdido as esperanças, graças
419

á vigilancia das pessoas encarregadas da autoridade


publica.
« O meu collega e eu temos examinado com a
maior solicitude o vosso processo , para vermos se
nelle encontravamos alguma cousa que vos descul
passe mais do que a Luby. Não encontramos diffe
rença alguma e por consequencia a sentença não
pode deixar de ser a mesma : trabalhos forçados
durante vinte annos.
« Permitte -me accrescentar que esta pena não é
ditada, da minha parte, pelo espirito de vingança ;
é unicamente necessaria para evitar que outros si
gam o vosso exemplo.
« Um penoso dever obriga -me a dizer-vos que a
vossa carreira está terminada, salvo se mais tarde
a misericordia da soberana vos vier comprehender.
Como disse o vosso chefe Stephine, « é o desastre
« mais collossal, e é impossivel toleral - o . »
« A vossa traição, se tivesse progredido, traria
comsigo males innumeraveis. Sinto-o sinceramente
porque a justiça é sempre piedosa, ainda mesmo
quando castiga ; mas somos obrigados a proferir uma
sentença, que deve afastar outros do mesmo caminho
que haveis seguido. >>
Assim terminou este processo , que produzio a
condemnação de Mr. O'Leary, a vinte annos de tra
balhos forçados.
As noticias da Jamaica levadas á Inglaterra pelo
vapor Shannon , diziam que a insurreição estava quasi
completamente suffocada . A maior parte dos chefes
foram enforcados. Perto de 200 revoltosos foram fusi
lados ou enforcados. Descobrio-se que estava prepa
rado um levantamento geral dos pretos, em toda a
420

ilha. O dia do levantamento estava fixado para o


Natal.
Como se vê foi suffocada a insurreição com uma
implacavel energia , fazendo -se justiça summaria para
decidir das sortes dos culpados. Um processo bas
tante curioso vai lançar viva luz sobre aquillo que
os relatorios officiaes tentaram dessimular .
O infeliz membro da legislatura indigena , Mr.
Gordon , que o governo mandou enforcar com tanta
precipitação, tinha feito um seguro sobre a sua vida
em uma poderosa companhia ingleza , por uma
quantia de 50 :000$ 000 .
A companhia recusou - se a ' pagar sob pretexto de
que, sem a intervenção do governador, o seu segu
rado estaria cheio de vida e pagaria o premio
durante muitos annos . Asseverava- se que se a cul
pabilidade de Mr. Gordon não fosse claramente pro
vada no tribunal, não seria para admirar que os
50 :000 $ 000 ficassem á cargo do governador.
A ilha da Jamaica , descoberta por Christovão
Colombo em 1444 , e theatro de successos tão im
portantes, foi como todas as ilhas desse formoso
archipelago, um torrão de dominio hespanhol, e foi
mais tarde senão o berço em que nasceu a cultura
da canna, e a rica industria do assucar, pelo menos
a escola onde se aperfeiçoaram ambas as cousas até
o ponto de baptisar com o seu nome os apparelhos
de fabrico mais populares : os apparelhos jamaicos .
A Jamaica pertenceu á Hespanha até 1655 , anno
em que se apoderou della o almirante Penn . Desde
esta época a bandeira britannica tem fluctuado sempre
nos fortes que dominam aquella ilha.
A Jamaica , pela sua extensão , é a terceira ilha
421

do archipelago das Antilhas ; está situada ao sul da


ilha de Cuba, distante apenas 25 leguas do Cabo da
Cruz, e mede 146 milhas de comprimento, 49 de
largura, com uma área de 6,250 milhas quadradas.
A sua população é de 441,264 habitantes, dos quaes
16,000 são brancos.
Sob o titulo -- Mulheres dçoutadas na Jamaica 0

Daily News publicou uma carta de M. H. Pringle,


antigo magistrado na Jamaica, o qual severamente
censurou o revoltante e barbaro castigo dos açoutes
applicados a algumas mulheres na Jamaica.
Não sómente o instrumento de tortura que os
inglezes chamam — cat -o -nine-tails - é atroz , mas
tambem os homens, diz M. Pringle, são açoutados
nas costas e hombros .
« As mulheres são despidas completamente , e é
na parte inferior do corpo que são açoutadas.
« Assim não somente a mulher soffre physica
mente, senão que fica vergonhosamente exposta aos
olhares do publico em um estado de nudez com
pleta. »
A mulher, por certo, não pensa nisto sem corar,
mas é mister, a bem da justiça, e para honra da
humanidade ultrajada que semelhantes torpezas sejam
conhecidas na Inglaterra.
« O brigadeiro general Nelson , diz Mr. Pringle
ao acabar, acha-se actualmente na Inglaterra. Foi
elle que mandou açoutar as mulheres ... Que me
desminta se avancei uma falsidade. »
Os rigores da autoridade britannica na Jamaica,
continuaram a ser commentados na imprensa. Al
guns jornaes julgaram que foi um espectaculo ex
traordinario o que a civilisação da Inglaterra deu
54
422

ao mundo, perseguindo nos seus dominios uma


raça, cujos direitos têm sustentado, proclamando-se
sempre sua ' protectora.
Um dos violentos actos da autoridade britannica
foi o designado nas posteriores noticias das Antilhas.
0 imperador Suluque teve ordem do governador
para vender as propriedades que possuia na Ja
maica, devendo ir viver retirado em S. Thomaz.
Esta severidade com um ancião inoffensivo , foi
altamente condemnada pelas correspondencias d'a
quella ilha.
Quando se manifestou a insurreição na Jamaica
as autoridades inglezas prenderam muitos cidadãos do
Haiti, entre os quaes se encontraram dous dos antigos
ministros do imperador Suluque . O proprio imperador
foi então cautelosamente vigiado , e apenas termi
nou a revolta, ordenou-se a sua expatriação, temen
do-se que elle servisse de centro a novas intrigas.
Determinando - se ao imperador Suluque a sahida
da colonia, o velho soberano escolheu para sua re
sidencia S. Thoniaz .
Alguns jornaes de Londres, referindo estes factos,
manifestaram a esperança de que o futuro parla
mento se havia de occupar deste assumpto, que
lançava uma nodoa na historia da Gram-Bretanha,
cujas autoridades quizeram na Jamaica recordar os
actos do governo russo a respeito da Polonia.
As posteriores noticias da Jamaica annunciaram
que a insurreição estava vencida, e que estava em
toda a parte restabelecida a tranquillidade, depois
de terem sido passados pelas armas muitos dos in
surgentes.
Parece que dos processos que foram instaurados a
; 423

respeito deste movimento , existe ainda grande obs


curidade, quanto ás suas consequencias ,..
A linguagem da imprensa ingleza a respeito dos
povos d'aquella colonia foi sempre violenta.
O Morning Post, em um dos seus artigos, exami
nou o caracter da raça negra, concluindo que essa
raça carece ser governada com mão forte.
« 0 negro, disse aquelle jornal, – comprehende
perfeitamente a obediencia para com um senhor, nas
relações do escravo para com o proprietario , e de
subdito para com um despota : mas não entende

cousa alguma quanto á essa submissão que os mem


bros de uma communidade civilisada se impõe em
relação às leis que ella propria instituio no in
teresse geral . 1
A unica noção de força social ou politica que
o negro possue reduz-se á faculdade de poder
tyrannisar os outros ; e segundo disse o Morning
Post, foi isto que provou a liberdade dos escra
vos no sul da America , ou o primeiro uso que elles
fizeram da sua liberdade .
O Morning Post mostrou estar convencido de
que os negros da Jamaica não são de maneira
alguma dispertados pela esperança de conquistarem
as vantagens sociaes ou politicas de que os bran
COS gosam , mas têm unicamente em vista extermi
nar uma raça a que são pouco affeiçoados.
O jornal de Londres foi, pois , muito severo na
sua linguagem , a respeito dos insurgentes.
Já disse que o Times annunciára que se ia pro
ceder a um inquerito para conhecer das causas
do movimento insurgente que rebentou n'aquella
ilha , e das medidas de rigor empregadas para o
424

reprimir, e, especialmente , da condemnação e sen


tença de morte mais ou menos legal, segundo as
diversas opiniões, de William Gordon .
Mr. Stwart Mill respondia ultimaniente nos se
guintes termos á um convite , que tivera para as
sistir a um meeting, acerca dos negocios da Ja
maica .
- « Tenho a maior satisfação de saber que se vai
realisar um meeting geral para manifestar a indig
nação que merece a maneira de proceder brutal e
illegal das autoridades da Jamaica . Espero que assim
se obterá a desapprovação e censura não só dos
crimes que se commetteram sombra da justiça ,
mas tambem o condigno castigo dos autores desses
crimes. »

Assegurou - se que este negocio seria largamente


tratado no parlamento. Alguns jornaes disseram que
n'aquella assembléa, não deixaria de haver quem
levantasse a sua voz em favor dos direitos impres
criptiveis da justiça.
Vê-se , pois , que o inquerito neste negocio foi
acceito pela opinião publica em Inglaterra.
.

Nota - D . (* )
-

Convenção addicional ao tratado de 22 de janeiro de 1815, entre


o Senhor D. João VI rei de Portugal e Jorge III rei da Gram
Bretanha, para o fim de impedir qualquer commercio illicito de
escravatura, assignado em Londres a 28 de julho de 1817, e
ratificado por parte de Portugal em 8 de novembro, e pela da
Gram -Bretanha em 18 de agosto do mesmo anno.

Sua Magestade el -rei do Reino Unido de Portugal,


e do Brazil e Algarves, e Sua Magestade el-rei do
Reino Unido da Gram - Bretanha e Irlanda, adherindo
aos principios que manifestaram na declaração do
congresso de Vienna de 8 de fevereiro de 1815 , e

desejando preencher fielmente , e em toda a sua ex


tensão, as mutuas obrigações que contractaram pelo
tratado de 22 de janeiro de 1815, enquanto não
( *) Das pags. 200 e 206 .
426

chega a época em que, segundo o theor do artigo


IV do sobredito tratado , S. M. Fidelissima se resol
veu de fixar, de accordo com S. M. Britannica, o
tempo em que o trafico d'escravos deverá cessar
inteiramente e ser prohibido nos seus dominios , e
Sua Magestade el -rei do Reino Unido de Portugal
e do Brazil e Algarves, tendo - se obrigado pelo artigo
11 do mencionado tratado , a dar as providencias ne
cessarias para impedir aos seus vassallos todo o com
mercio illicito d'escravos; e tendo - se Sua Mages
tade el-rei do Reino Unido da Gram - Bretanha e
Irlanda obrigado , da sua parte , a adoptar, de accordo
com S. M. Fidelissima, as medidas necessarias para
impedir que os navios portuguezes que se empre
garem no commercio d'escravos , segundo as leis
do seu paiz e os tratados existentes, não soffram
perdas e encontrem estorvos da parte dos cruzadores
britannicos : suas ditas Magestades determinaram
fazer uma convenção para este fim ; e havendo no
meado seus plenipotenciarios ad hoc , a saber :
Sua Magestade el-rei do Reino Unido de Portugal
e do Brazil e Algarves , ao Illm . e Exm . Sr. D.
Pedro de Sousa e Holstein , conde de Palmella , do
seu conselho , capitão da sua guarda real da com
panhia allemã, commendador da ordem de Christo ,
gram -cruz da ordem de Carlos III em Hespanha, e
seu enviado e ministro plenipotenciario junto a S.
M. Britannica ; e Sua Magestade el - rei do Reino
Unido da Gram - Bretanha e da Irlanda ao muito
honrado Roberto Stewart, visconde de Castlereagh,
conselheiro de Sua Magestade no seu conselbo
privado, membro do seu parlamento , coronel do re
gimento de milicias de Londonderry, cavalleiro da
427

muito nobre ordem da Jarreteira , e seu principal


secretario d'estado encarregado da repartição dos
negocios estrangeiros : os quaes, depois de haverem
trocado os seus plenos poderes respectivos, que se
acharam em boa e devida forma con vieram nos se

guintes artigos :
ARTIGO I

O objecto desta convenção é, por parte de ambos os


governos, vigiar mutuamente que os seus vassallos
respectivos não façam o commercio illicito d'es
cravos. As duas altas partes contractantes declaram
que ellas consideram como trafico illicito d'escra
vos, o que, para o futuro, houvesse de se fazer
em taes circumstancias como as seguintes, a saber :
1.9 Em navios e debaixo da bandeira britannica,
ou por conta de vassallos britannicos em qualquer
navio, où debaixo de qualquer bandeira que seja.
2.0 Em navios portuguezes em todos os portos ou
paragens da Costa d'Africa que se achem prohibidas
em virtude do artigo i do tratado de 22 de janeiro
de 1815 .
3.0 Debaixo de bandeira portugueza ou britannica,
por conta de vassallos de outra potencia.
4.° Por navios portuguezes que se destinassem para
um porto qualquer fóra dos dominios de S. M. Fi
delissima.

ARTIGO II .

Os territorios nos quaes, segundo o tratado de 22


de janeiro de 1815 , o commercio dos negros fica
428

sendo licito para os vassallos de S. M. Fidelissima,


são :
1. ° Os territorios que a corða de Portugal possue
nas costas d’Africa ao sul do Equador, a saber : na
Costa Oriental d’Africa, o territorio comprehendido
entre o Cabo Delgado e a Bahia de Lourenço Marques;
e na Costa Occidental , todo o territorio comprehen
dido entre o 8.º e 18.° gráos de latitude meridional.
2.° Os territorios da Costa d'Africa do sul do Equador,
sobre os quaes S. M. Fidelissima declarou reservar
seus direitos, a saber :
Os territorios de Molembo e de Cabinda na Costa
Occidental d'Africa, desde o 5. ° gráo e 12 milhas até
o 3. de latitude meridional .

ARTIGO III .

S. M. Fidelissima se obriga, dentro do espaço de


dous mezes depois da troca das ratificações da pre
sente convenção a promulgar na sua capital , e logo
que fôr possivel, em todo o resto de seus estados,
uma lei determinando as penas em que incorrem
todos os seus vassallos que, para o futuro , fizerem
um trafico illicito d'escravos, e a renovar, ao mesmo
tempo a prohibição já existente , de importar escravos
no Brazil debaixo de outra bandeira que não seja
a portugueza . E a este respeito , S. M. Fidelissima
conformará , quanto för possivel , a legislação Portu
gueza com a legislação actual da Gram - Bretanha.

ARTIGO IV.

Todo o navio portuguez que se destinar para fazer


429

o commercio d'escravos em qualquer parte da Costa


d'Africa, em que este commercio fica sendo licito,
deverá ir mudido de um passaporte real, conforme
ao formulario annexo á presente convenção , da qual
o mesmo formulario faz parte integrante : o passaporte
deve ser escripto em portuguez , com a traducção
authentica em inglez unida ao dito passaporte, o
qual deverá ser assignado pelo respectivo ministro
da marinha, pelo que respeita aos navios que sahirem
do Rio de Janeiro ; para os navios que sahirem dos
outros portos do Brazil e mais dominios de S. M.
Fidelissima fóra da Europa, os quaes se destinarem
para o dito commercio, os passaportes serão assignados
pelo governador, e capitão general da , capitania a
que pertencer o porto. E para os navios que, sahindo
dos portos de Portugal , se destinarem ao mesmo
trafico, o passaporte deverá ser assignado pelo secre
tario do governo da repartição da marinha.
ARTIGO V.

As duas altas partes contractantes, para melhor con


seguirem o fim que se propem, de impedir todo
o commercio illicito d’escravos aos seus vassallos
respectivos, consentem mutuamente em que os navios
de guerra de ambas as marinhas reaes que, para
esse fim se acharem munidos das instrucções especiaes
de que abaixo se fará menção , possam visitar os
navios mercantes de ambas as nações que houver
motivo rasoavel de se suspeitar terem a bordo escravos
adquiridos por um commercio illicito : os mesmos
navios de guerra poderão (mas somente no caso em
que de facto se acharem escravos a bordo ) detêr e
55
430

levar os ditos navios, afim de os fazer julgar pelos


tribunaes estabelecidos para este effeito , como abaixo
será declarado.
Bem entendido, que os commandantes dos navios
de ambas as marinhas reaes , que exercerem esta
commissão , deverão observar, stricta e exactamente
as instrucções de que serão munidos para este effeito .
Este artigo , sendo inteiramente reciproco , as duas
altas partes contractantes , se obrigam , uma para com
a outra , á indemnisação das perdas que os seus
vassallos respectivos houverem de soffrer injustamente
pela detenção arbitraria, e sem causa legal, dos seus
navios. Bem entendido que a indemnisação será sempre
á custa do governo ao qual pertencer o cruzador que
tiver commettido o acto de arbitrariedade. Bem en
tendido tambem que a visita e a detenção dos
navios d'escravatura , conforme se declarou neste
artigo só poderão effectuar-se pelos navios portu
guezes ou britannicos que pertencerem a qualquer
das duas marinhas reaes , e que se acharem munidos
das intrucções especiaes annexas á presente convenção .

ARTIGO VI.

Os cruzadores portuguezes ou britannicos não pode


rão deter navio algum d'escravatura em que actual
mente não se acharem escravos abordo ; e será pre
ciso , para legalisar a detenção de qualquer navio ,
ou seja portuguez , ou britannico , que os escravos
que se acharem a seu bordo, sejam effectivamente
conduzidos para o trafico , e que aquelles que se
acharem abordo dos navios portuguezes hajam sido
tirados d'aquella parte da Costa d'Africa onde o
431

trafico foi prohibido pelo tratado de 22 de janeiro


de 1815 .

ARTIGO VII .

Todos os navios de guerra das duas nações que


para o futuro se destinarem para impedir o trafico
illicito d'escravos , irão munidos pelo seu proprio
governo , de uma cópia das instrucções annexas á
presente convenção, e que serão consideradas como
parte integrante della . Estas instrucções serão escrip
tas em portuguez , e em inglez , e assignadas para
os navios de cada uma das duas potencias pelos
ministros respectivos da marinha.
As duas altas partes contractantes se reservam a
faculdade de mudarem , em todo ou em parte , as
ditas instrucções , conforme as circumstancias o exi
girem . Bem entendido todavia, que as ditas mudan
ças não se poderão fazer senão de commum accordo ,
e com o consentimento das duas altas partes con
tractantes .

ARTIGO VIII.

Para julgar com menos demoras e inconvenientes


os navios que poderão ser detidos como empregados
em um commercio illicito d'escravos, se estabele
cerão (ao mais tardar dentro do espaço de um anno
depois da troca das ratificações da presente conven
ção) duas commissões nixtas,compostas de um numero
igual de individuos das duas nações, nomeados
para este effeito pelos seus soberanos respectivos.
Estas commissões residirão, uma nos dominios de
432

S. M. Fidelissima, e a outra nos de S. M. Bri


tannica. E os dous governos declararão na época da
troca das ratificações da presente convenção , cada
um pelo que diz respeito aos seus proprios domi
nios, os logares das residencias das sobreditas com
missões : reservando- se cada uma das duas altas
partes contractantes o direito de mudar, a seu arbi
trio , o logar de residencia da commissão que resi
dir nos seus estados. Bem entendido todavia , que
uma das duas commissões deverá sempre residir no
Brazil, e a outra na Costa d'Africa.

ARTIGO IX .

S. M. Britannica , em conformidade ao que foi


estipulado no tratado de 22 de janeiro de 1815 , se
obriga a conceder, pelo modo abaixo explicado , in
demnidades sufficientes a todos os donos de navios
portuguezes e suas cargas, aprezados pelos aprezado
res britannicos desde a época do 1.º de junho de
1814 até a época em que as duas commissões indi
cadas no artigo VIII da presente convenção se acha
rem reunidas nos seus logares respectivos.
As duas altas partes contractantes convieram que
todas as reclamações da natureza acima apontadas
serão recebidas e liquidadas por uma commissão mixta
que residirá em Londres , e que será composta de
um igual numero de individuos nomeados pelos seus
soberanos respectivos, e debaixo dos mesmos prin
cipios estipulados pelo art. viii desta convenção addi
cional, e pelos demais actos que formam parte in
tegrante della
A sobredita commissão entrará em exercicio seis
433

mezes depois da troca das ratificações da presente


convenção , ou antes se fôr possivel .
As duas altas partes contractantes convieram em
que os donos dos navios, tomados pelos cruzadores
britannicos , não possam reclamar indemnidade por
um maior numero d'escravos de que aquelle que,
segundo as leis portuguezas existentes lhes será per
mittido de transportar , conforme o numero de to
neladas do navio aprezado.
As duas altas partes contractantes igualmente con
vieram , que todo o navio portuguez aprezado com
escravos abordo para o trafico , os quaes legalmente
se provasse terem sido embarcados nos territorios da
Costa d'Africa situados ao norte do Cabo de Palmas ,
e não pertencentes á corða de Portugal; assim como
que todo o navio portuguez, aprezado com escravatura
abordo para o trafico , seis mezes depois da troca
das ratificações do tratado de 22 de janeiro de 1815 ,
e ao qual se puder provar, que os ditos escravos
houvessem sido embarcados em paragens da Costa
d'Africa, situados ao norte do Equador , não terão
direito a reclamar indemnidade alguma.

ARTIGO X.

S. M. Britannica se obriga a pagar, o mais tardar


no espaço de um anno , depois que cada sentença
fôr dada , as sommas que , pelas commissões men
cionadas nos artigos precedentes, fôrem concedidas
aos individuos que tiverem direito de as reclamar.

ARTIGO XI.

S. M. Britannica se obriga formalmente a pagar


434

as 300.000 libras esterlinas de indemnidade, esti


puladas pela convenção de 27 de janeiro de 1815 ,
a favor dos donos dos navios portuguezes aprezados
pelos cruzadores britannicos, até a época do 1.º de
janeiro de 1814, nos termos seguintes, a saber :
O primeiro pagamento de 150.000 libras esterlinas
seis mezes depois da troca das ratificações da pre
sente convenção ; e as 150.000 libras esterlinas res
tantes , assim como os juros de 5 % devidos sobre
toda a somma, desde o dia da troca das ratificações
da convenção de 21 de janeiro de 1815, serão pagas
nove mezes depois da troca da ratificação da pre
sente convenção. Os juros devidos serão abonados
até o dia do ultimo pagamento. Todos os sobreditos
pagamentos serão feitos em Londres ao ministro de
S. M. Fidelissima, ou ás pessoas que S. M. Fidelissi
ma houver por bem de autorisar para esse effeito .
ARTIGO XII .

Os actos ou instrumentos annexos á presente con


venção, e que formam parte integrante della, são os
seguintes :
N. 1.0 — Formulario de passaporte para os navios
mercantes portuguezes que se destinarem ao trafico
licito da escravatura.
N. 2.0 -- Instrucções para os navios de guerra das
duas nações, que foremi 'destinados a impedir o tra
fico illicito da escravatura .
N. 3.0 — Regulamento ás commissões mixtas que
residirão na Costa d'Africa , no Brazil e em Londres .
435

ARTIGO XIII.

A presente convenção será ratificada, e as ratifi


cações serão trocadas no Rio de Janeiro , no termo
de quatro mezes , o mais tardar, depois da data do
dia da sua assignatura .
Em fé do que os plenipotenciarios respectivos a
assignaram e sellaram com o sello das suas armas .
Feita em Londres aos 28 dias do mez de julho
do anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus
Christo de 1817. - Conde de Palmella . (L. S .) — Castle
reagh . (L. S.)
N. 1 .

Formulario de passaporte para as embarcações portuguezas, que se


destinarem ao trafico licito d’escravos.

(Logar das armas reaes.)

F ... ministro e secretario d'estado dos negocios


da marinha, e dominios ultramarinos , etc., etc., (ou
governador, ou secretario do governo de Portugal).
Faço saber a todos que o presente passaporte vi
rem que 0 navio denominado... de ... toneladas
levando ... homens de tripolação, e... passageiros ;
de que é mestre... e dono ... portuguezes e vassal
los deste Reino Unido , segue viagem para os portos
de ... e... Costa de... d'onde hade voltar para...
Os ditos mestre e dono havendo primeiro pres
tado o juramento necessario perante a real junta do
commercio desta capital (ou meza da inspecção desta
capitania ), e tendo provado legalmente que no dito
navio e carga não tem parte pessoa alguma estran
436

geira , como se mostra pela certidão da mesma real


junta (ou da meza da inspecção) , que vai annexa a
este passaporte.
Os ditos ... mestre e ... dono do dito navio ficando
obrigados a entrar unicamente n'aquelles portos di
Costa d'Africa, onde o trafico da escravatura é pe :
mittido aos vassallos do Reino Unido de Portugal,
do Brazil e Algarves, e a voltar de lá para qualquer
dos portos deste reino , onde unicamente lhes será
permittido desembarcar os escravos que trouxerem ,
depois de ter satisfeito ás formalidades necessarias
para mostrar que se tem em tudo conformado com
as determinações do alvará de 24 de novembro de
1813 , pelo qual Sua Magestade foi servido regular.o
transporte d'escravos da Costa d'Africa para os seus do
minios do Brazil. E deixando elles de cumprir qual
quer das condições , ficarão sujeitos ás penas im
postas pelo alvará de (*) ... contra aquelles que fi
zerem o trafico d'escravos de uma maneira illicita.
E porque na ida ou volta pode ser encontrado em
quaesquer mares ou portos pelos cabos e officiaes das
náos e mais embarcações do mesmo reino : ordena
el - rei nosso senbor que lhe não ponham impedi
mento algum , e recommenda aos das armadas, es
quadras e pais embarcações dos reis, principes, re
publicas, potentados, amigos e alliados desta corða,
que lhe não embaracem seguir a sua viagem, antes
para a fazer lhe dêem a ajuda e favor de que ne
cessitar, na certeza de que aos recommendados pelos
seus principes se fará pela nossa parte o mesmo e
igual tratamento. Em fé do que Sua Magestade lhe

(*) Este alvará deverá ser promulgado em consequencia do art.


3.º da convenção addicional de 28 de julho de 1817.
437

mandou dar este passaporte , por mim assignado e sel


lado com o sello grande das arn as reaes ; o qual passa
porte valerá somente por ... e só por uma viagem .
Dado no palacio de ... ' aos dias do mez de... do anno
do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo .
N.
(L. S. )
Por ordem de S. Ex .

O official que lavrou o passaporte.


Este passaporte (N ... ) autorisa o navio nelle men
cionado a levar a seu bordo de uma vez qualquer
numero d'escravos,não excedendo ... sendo ... por
tonelada, conforme é permittido pelo alvará de (*) ...
exceptuando sempre os escravos empregados como
marinheiros ou criados , e as creanças nascidas a
bordo durante a viagem . ( Assignado como passa
porte pelas autoridades portuguezas respectivas ).
Conde de Palmella . (L. S.) - Castlereagh. ( L. S.)

N.° 2.

Instrucções destinadas para os navios de guerra portuguezes e in


glezes que tiverem a seu cargo o impediremo commercio illi
cito d'escravos.

ARTIGO I.

Todo o navio de guerra portuguez ou britannico


terá o direito , na conformidade do artigo v . da con
venção addicional de data de hoje , de visitar os
navios mercantes de uma ou de outra potencia que

(*) Isto é o alvará de 24 de novembro de 1813 ou outra qual


quer lei portugueza que haja de se promulgar para o futuro em
logar desta .
56
438

fizerem realmente ou forem suspeitos de fazer o


commercio de negros ; e se abordo delles ' se acha
rem escravos, conforme o theor do art. vi, da con
venção addicional acima mencionada e pelo que
diz respeito aos navios portuguezes, se houverem
motivos para se suspeitar que os sobreditos escra
vos fossemi ein barcados em um dos pontos da Costa
d'Africa onde este commercio não lhes é já per
mittido , segundo as estipulações existentes entre as
duas altas potencias : neste caso tão somente, o com
mandante do dito navio de guerra os poderá deter ;
e havendo -os detido, deverá conduzil- os o mais
promptamente que fôr possivel para serem julgados
por aquellas das duas commissões mixtas estabele
cidas pelo artigo vni. da convenção addicional de data
de hoje, que estiverem mais proximos, ou á qual
o commandante do navio aprezador julgar, debaixo
da sua responsabilidade, que pode mais depressa
chegar desde o ponto onde o nayio d'escravatu ra
houver sido detido.

Os navios abordo dos quaes não se acharem es


cravos destinados para o trafico não poderão ser de
tidos debaixo de nenhum pretexto ou motivo qual
quer .
Os criados ou marinheiros negros que se acharem
abordo destes ditos navios , não serão em caso ne
nhum , um inotivo sufficiente de detenção .

ARTIGO II.

Não poderá ser visitado ou detido, debaixo de


qualquer pretexto ou motivo que seja, navio algum
mercante ou empregado no commercio de negros,
439

em quanto estiver dentro de um porto ou enseada


pertencente a uma das duas altas partes contrac
tantes, ou ao alcance de tiro de peça das baterias
de terra ; mas, dado o caso que fossem encontra
dos nesta situação navios suspeitos, poderão fazer-se
as representações convenientes ás autoridades do
paiz, pedindo-lhes que tomem medidas efficazes para
obstar a semelhantes abusos.

ARTIGO III.

As altas partes contractantes , considerando a im


mensa extenção das costas d’Africa ao norte do
Equador, onde este commercio fica prohibido, e a
facilidade que haveria em fazer um trafico illicito
n'aquellas paragens, onde a falta total ou talvez a
distancia das autoridades competentes im pedisse de
se recorrer a estas autoridades para se oppdrem ao
dito commercio , e para mais facilmente alcançarem
o fim util que teem em vista, convieram de con
ceder , ' e com effeito se concedem mutuamente , a
e
faculdad , sem prejudic ar aos direitos de soberania ,
de visitar e de deter, como se se encontrasse no
nar largo , qualquer navio que fðr achado com es
cravatura abordo , ainda mesmo ao alcance de tiro
de peça de terra das costas dos seus territorios res
pectivos no continente d'Africa ao norte do Equa
dor, uma vez que ali não haja autoridade local á
qual se possa recorrer , como fica dito no dito ar
tigo antecedente. No caso sobredito os navios vi
sitados poderão ser conduzidos perante as commis
sões mixtas, na fórma estipulada no artigo pri
meiro das presentes instrucções.
440

1
ARTIGO IV .

Não poderão ser detidos, debaixo de pretexto algum ,


os navios portuguezes mercantes ou empregados no
commercio de negros, que forem encontrados em
qualquer paragem que seja , quer perto de terra ,
quer no mar largo, ao sul do Equador, a menos
que não seja em consequencia de se lhe haver
começado a dar caça ao norte do Equador.

ARTIGO V.

Os navios portuguezes, munidos de um passaporte


em regra , que tiverem carregado a seu bordo escravos
nos pontos da Costa d'Africa onde o commercio de
negros é permittido aos vassallos portuguezes, e que
depois forem encontrados ao norte do Equador, não
deverão ser detidos pelos navios de guerra das duas
nações, quando mesmo estejam munidos das pre
sentes instrucções , comtanto que justifiquem a
sua derrota , seja por ter , segundo os usos da nave
gação portugueza , feito um bordo para o norte de
alguns gráos, afim de ir buscar ventos favoraveis ,
seja por outras causas legitimas, como as fortunas
do mar, devidamente provadas ; ou seja finalmente
no caso em que os seus passaportes mostrarem que
elles se destinam para algum dos portos pertencentes
á corða de Portugal, que estão situados fóra do con
tinente d’Africa .
Bem entendido que, pelo que respeita aos navios
d'escravatura que forem detidos ao norte do Equa
dor, a prova da legalidade da viagem deverá ser
produzida pelo navio detido ; e que ao contrario ,
acontecendo que um navio d'escravatura seja detido
441

ao sul do Equador, conforme a estipulação do artigo


precedente, neste caso a prova da illegalidade deverá
ser produzida pelo aprezador.
E' igualmente estipulado que, ainda mesmo quando
o numero d'escravos, que os cruzadores acharem a
bordo de um navio d'escravatura, não corresponder
ao que declarar o seu passaporte, não será este mo
tivo bastante para justificar a detenção do navio ;
mas neste caso o capitão e o dono do navio deverão
ser denunciados perante os tribunaes portuguezes
no Brazil, para ali serem castigados conforme as leis
do paiz .
ARTIGO VI .

Todo o navio portuguez que se destinar a fazer o


commercio licito d'escravos, debaixo dos principios
declarados na convenção addicional de data de hoje,
deverá ter o capitão e os dous terços, ao menos,
da tripolação, de nação portugueza. Bem entendido
que o ser o navio de construcção estrangeira nada
implicará com a sua nacionalidade ; e que os ma
rinheiros negros serão sempre considerados como
portuguezes, comtanto que ( se fðrem escravos) per
tençam a vassallos da coroa de Portugal , ou que
tenham sido forrados nos dominios de S. M. Fide
lissima.

ARTIGO VII .

Todas as vezes que uma embarcação de 'guerra


encontrar um navio mercante que estiver no caso
de dever ser visitado, aquella deverá comportar-se
com toda a moderação, e com as attenções devidas
442

entre nações amigas e alliadas; e em todo o caso a


visita será feita por um official que tenha o posto
ao menos de tenente de marinha.

ARTIGO VIII .

As embarcações de guerra que , debaixo dos prin


cipios declarados nas presentes instrucções, detiverem
os navios d'escravatura, deverão deixar a bordo
toda a carga de negros intacta, assim como 0
capitão e uma parte ao menos da tripolação do
dito navio .
O capitão fará uma declaração authentica por
escripto , que mostre o estado em que elle achou a
embarcação detida , e as alterações que nella tive
rem havido . Deverá tambem dar ao capitão do navio
d'escravatura um certificado assignado dos papeis
que houverem sido apprehendidos ao dito navio ,,
assim como do numero d'escravos achados a bordo
ao tempo da detenção .
Os negros não serão desembarcados senão quando
os navios , abordo dos quaes se acham , chegarem
ao logar onde a validade da preza deve ser julgada
por uma das duas commissões mixtas , para que , no
caso que não sejam julgados de boa preza , a perda
dos donos possa mais facilmente resarcir- se . Si
porém houverem motivos urgentes, procedidos da
duração da viagem , do estado de saude dos escra
vos ou outros quaesquer que exijam que os negros
sejam desembarcados , todos ou parte delles , antes
de poderem os navios ser conduzidos ao logar da
residencia de uma das mencionadas commissões, o
commandante do navio aprezador poderá tomar sobre
445

si esta responsabilidade, comtanto, porém , que


aquella necessidade seja constatada por um attes
tado em fórma.

ARTIGO IX.

Não se poderá fazer transporte algum de escravos ,


como objecto de commercio, de um üm para outro
porto do Brazil, ou do continente e ilhas da Costa
d'Africa, para os dominios do corôa de Portugal
fóra d'America, senão em navios munidos de pas
saportes ad hoc do governo portuguez .
Feito em Londres, aos 28 dias do mez de julho
do anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus
Christo de 1817 . Conde de Palmella . (L. S. ) – Cas
tlereagh . (L. S.)

N. 3.

Regulamento para as commissões mixtas que devem residir na Costa


d’Africa, no Brazil e em Londres.

ARTIGO I.

As commissões mixtas , estabelecidas pela com


venção addicional da data de hoje na Costa d'Africa
e no Brazil, são destinadas para julgar da legali
dade da detenção dos navios empregados no trafico
da escravatura , que os cruzadores das duas nações
houverem de detêr em virtude da mesma con
venção , por fazerem um commercio illicito d'es
cravos .
As sobreditas commissões julgarão , sem appella
ção, conforme a letra e espirito do tratado de 22
444

de janeiro de 1815 e da convenção addicional ao


mesmo tratado, assignada em Londres no dia 28
de janeiro de 1817. As commissões deverão dar as
suas sentenças tão summariamente quanto fôr pos
sivel ; e lhes é prescripto o decidirem (sempre que
fôr praticavel) no espaço de 20 dias , contados
d'aquelle em que cada navio detido fôr conduzido
ao porto da sua residencia :
1.° Sobre a legitimidade da captura .
2.º Sobre as indemnidades que o navio aprezado
deverá receber, no caso de se lhe dar liberdade.
Ficando estipulado, que, em todos os casos , a
sentença final não poderá ser differida além do
1
termo de dous mezes , quer seja por causa de ausencia
de testemunhas , ou por falta de outras provas ;
excepto a requerimento de alguma das partes in
teressadas , comtanto que estas dêm fiança suffi
ciente de se encarregarem das despezas e riscos da
demora , no qual caso OS commissarios poderão á
sua descripção conceder uma demora addicional, a
qual não passará de quatro mezes .

ARTIGO II.

Cada uma das sobreditas commissões mixtas, que


devem residir na Costa d'Africa e no Brazil, será
composta da maneira seguinte, a saber :
As duas altas partes contractantes nomearão ca
da uma dellas um conimissario -juiz e um com
missario -arbitro , os quaes serão autorisados a ouvir
e decidir, sem appellação, todos os casos de cap
tura dos navios de escravatura que lhes possam
ser submettidos, conforme a estipulação da conven
445

ção addicional da data de hoje. Todas as partes essen


ciaes do processo perante estas commissões mixtas
deverão ser feitas por escripto na lingua do paiz
onde residir a commissão . Os commissarios-juizes e
os commissarios -arbitros prestarão juramento , peran
te o magistrado principal do paiz onde residir a
commissão , de bem e fielmente julgar ; de não dar
preferencia alguma nem aos reclamadores nem aos
captores ; e de se guiarem em todas as suas deci
sões pelas estipulações do tratado de 22 de janeiro de
1815 , e da convenção addicional ao mesmo tra
tado .
Cada commissão terá um secretario ou official
de registro, nomeado pelo soberano do paiz onde
residir a commissão . Este official deverá registrar
todos os actos da commissão ; e antes de tomar
posse do logar deverá prestar juramento , ao menos
perante um dos juizes -commissarios, de se compor
tar com respeito à sua autoridade , e de proceder
com fidelidade em todos os negocios pertencentes
ao seu emprego .

ARTIGO III .

A fórma do processo será como se segue :


Os commissarios-juizes das duas nações deverão
em primeiro logar, proceder ao exame dos papeis
do pavio, e receber os depoimentos, debaixo de ju
ramento do capitão , e de dous ou tres pelo menos
dos principaes individuos abordo do navio detido ,
assim como a declaração do captor debaixo de ju
ramento , no caso que pareça necessaria , afim de se
poder julgar e decidir, si o dito navio foi devida
57
446

mente detido ou não , segundo as estipulações da


convenção addicional da data de hoje, e para que ,
á vista deste juizo , seja condemnado ou posto em
liberdade . E no caso que os dous commissarios
juizes não concordem na sentença que deverão dar,
já seja sobre a legitimidade da detenção, já cobre a
indemnidade que se deverá conceder , ou sobre qual
quer outra duvida que as estipulações da conven
ção desta data possam suscitar , nestes casos farão
tirar por sorte o nome de um dos dous commissa
rios-arbitros, o qual , depois de haver tomado co
nhecimento dos autos do processo , deverá conferir
com os sobreditos commissarios -juizes sobre o caso
de que se trata ; e sentença final se pronunciará
conforme os votos da maioria dos sobreditos com
missarios-juizes e do sobredito commissario - arbitro .

ARTIGO IV .

Todas as vezes que a carga d'escravos, achada


a bordo de um navio d'escravatura portuguez ,
houver sido embarcada em qualquer ponto da Costa
d'Africa, onde o trafico d'escravos é licito aos
vassallos de S. M. Fidelissima, um tal navio não
poderá ser detido debaixo do pretexto de terem sido
os ditos escravos trazidos na sua origem por terra
de outra qualquer parte do continente.

ARTIGO V.

Na declaração authentica que o captor deverá


fazer perante a commissão, assim como na certidão
dos papeis apprehendidos , que se deverá passar ao
447

capitão do navio aprezado no momento da sua de


tenção , o sobredito captor será obrigado a declarar
o seu nome , e o nome do seu navio , assim como
a latitude e longitude da paragem onde tiver acon
tecido a detenção e O numero d'escravos achados
vivos a bordo do navio ao tempo da detenção .

ARTIGO VI.

Immediatamente depois de dada a sentença , 0


navio detido (se før julgado livre ), e quanto restar
da sua carga, serão restituidos aos donos, os quaes
poderão reclamar perante a mesma commissão a
avaliação das indemnidades que terão direito de
pretender. O mesmo captor, e , na sua falta, o seu
governo , ficará responsavel pelas sobreditas indemni
dades. As duas altas partes contractantes se obrigam
satisfazer no prazo de um anno , desde a data da
sentença, as indemnidades que forem concedidas
pela sobredita commissão . Bem entendido que estas
indemnidades serão sempre á custa d'aquella poten
cia á qual pertencer o captor.

ARTIGO VII.

No caso de ser qualquer navio condemnado por


viagem illicita, serão declarados boa preza o casco ,
assim como a carga , qualquer que ella seja , á ex
cepção dos escravos que se acharem abordo para
objecto de commercio ; e o dito navio e a dita carga
serão vendidos em leilão publico a beneficio dos
dous governos . E quanto aos escravos , estes de
verão receber da commissão nixta uma carta de
448

alforria , e serão consignados ao governo do paiz


em que residir a commissão que tiver dado a sen
tença , para serem empregados na qualidade de cria
dos ou trabalhadores livres . Cada um dos dous go
vernos se obriga a garantir a liberdade d'aquella
porção destes individuos que lhe fôr respectivamente
consignada .
ARTIGO VIII.

Qualquer reclamação de indemnidade por perdas


occasionadas aos navios suspeitos de fazerem o com
mercio illicito d'escravos, que não forem condem
nados como bốa preza pelas commissões mixtas ,
deverá ser igualmente recebida e julgada pelas so
breditas commissões na forma especificada pelo artigo
III do presente regulamento .
E em todos os casos em que se passar sentença
de restituição , a commissão adjudicará a qualquer
requerente , ou aos seus procuradores respectivos ,
reconhecidos como taes em devida fórma, uma
justa e completa indemnidade, em beneficio da pes
soa ou pessoas que fizerem as reclamações :
1.° Por todas as custas do processo , e por todas
as perdas e damnos que qualquer requerente , ou
requerentes possam ter soffrido por tal captura e
detenção, isto é , no caso de perda total, o reque
rente ou requerentes serão indemnisados:
1. Pelo casco , massåme, apparelhos e manti
mentos .
2.0 Por todo o frete vencido , ou que se possa
vir a dever.
3.0 Pelo valor de sua carga de generos se а
tiver .
449

4.0 Pelos escravos que se achareni a bordo no mo


mento da detenção, segundo o calculo do valor dos
sobreditos escravos no logar do seu destino, dando
sempre porém o desconto pela mortalidade que na
turalmente teria acontecido, se a viagem não tivesse
sido interrompida ; e além disso por todos os gastos
e despezas que se hajam de incorrer com a venda
de taes cargas , incluindo commissão de venda ,
quando esta haja de se pagar.
5.0 Por todas as demais despezas ordinarias em
casos semelhantes de perda total.
E em outro qualquer caso, em que a perda não
seja total, o requerente ou requerentes serão in
dempisados :
1.0 Por todos os damnos e despezas especiaes occa
sionadas ao navio pela detenção e pela perda do
frete vencido, ou que se possa vir a dever.
2. ° Uma somma diaria, regulada pelo numero de
toneladas do navio, para as despezas da demora
quando a houver, segundo a cedula annexa ao pre
presente artigo .
3.0 Uma somma diaria para manutenção dos es
cravos, de um shelling (ou 180 réis) por cabeça ,
sem distincção de sexo nem de idade , por tantos
dias quantos parecer á coinmissão que a viagem haja
sido ou possa ser retardada por causa da detenção ;
e tambem :
4.0 Por toda e qualquer deterioração da carga ou
dos escravos .

5.0 Por qualquer diminuição no valor da carga


d'escravos, por effeito da mortalidade, augmentada
além do computo ordinario para taes viagens, ou
1

450

por causa de molestias occasionadas pela detenção ;


este valor deverá ser regulado pelo calculo do preço
que os sobreditos escravos teriam no logar do seu
destino, da mesma forma que no caso precedente
de perda total.
6.° Um juro de 5 % sobre o importe do capital 1

empregado na compra e manutenção da carga, pelo 1

periodo da demora occasionada pela detenção ; e


7.0 Por todo o premio de seguro sobre o aug
mento de risco.
O requerente ou requerentes poderão outrosim pre
tender um juro, á rasão de 5 % por anno, sobre
a somma adjudicada, até que ella tenha sido paga
pelo governo a que pertencer o navio que tiver feito
a preza. O importe total de taes indemnidades deverá
ser calculado na moeda do paiz a que pertencer o
navio detido , e liquidado ao cambio corrente do dia
da sentença da commissão, excepto a totalidade da
manutenção dos escravos, que será paga ao par,
como acima fica estipulado.
As duas altas partes contractantes, desejando evitar,
quanto fôr possivel, toda a especie de fraudes na
execução da convenção addicional da data de hoje,
convieram que, no caso em que se provasse de uma
maneira evidente e convincente para os juizes de
ambas as nações , e sem lhes ser preciso recorrer á
são do commissario -arbitro , que o captor fðra
induzido a erro por culpa voluntaria e reprehensivel
do capitão do navio detido ; nesse caso somente não
terá o navio detido direito a receber, durante os
dias da detenção, a compensação pela demora esti
pulada no presente artigo .
451

Codula para regular a estalia, ou compensação diaria


das despezas da demora .

Por um navio de :

100 toneladas até 120 inclusive .. 5


121 » 150 6
151 )) 170 )) 8
171 > » 200 10
Por dia.
201 ) 220 11
221 » 250 » 12
251 )) » 270 > 14
271 » 300 15
e assim em proporção.

ARTIGO IX .

Quando o dono de qualquer navio suspeito de


fazer commercio illicito d'escravos , que tiver sido
posto em liberdade, em consequencia da sentença
de
uma das commissões mixtas ( ou no caso acima
especificado de perda total ), reclamar indemnidades
pela perda d’escravos que possa haver soffrido,
nunca elle poderá pretender mais escravos além do
numero que o seu navio tinha direito de transportar,
conforme as leis portuguezas, o qual numero deverá
sempre ser estipulado no seu passaporte.
ARTIGO X ,

A commissão mixta, estabelecida em Londres pelo


art. ix da convenção da data de hoje, receberá e
decidirá todas as reclamações feitas acerca de navios
portuguezes e suas cargas aprezadas pelos cruzadores
452

britannicos por motivo de commercio illicito d'os


cravos, desde o 1.º junho de 1814 , até a época em
que a convenção da data de hoje tiver sido posta
em plena execução , adjudicando - lhes, em coriormi
dade do art. II da dita convenção addicional, uma
indemnisação justa e completa, conforme as bazes
estabelecidas nos artigos precedentes, tanto no caso de
perda total, como por despezas feitas e prejuzos soffridos
pelos donos e outros interessados nos citos navios e
cargas. A sobredita commissão estabelecida em Londres
será composta da mesma maneira , e será guiada
pelos mesmos principios já enunciados nos artigos
I, II e o deste regulamento para as commissões es
tabelecidas na Costa d'Africa e no Brazil .

ARTIGO XI .

Não será permittido a nenhum dos juizes- com


missarios, nem aos arbitros, nem ao secretario de
qualquer das commissões mixtas, debaixo de qual
quer pretexto que seja, o pedir ou receber, de, ne
nhuma das partes interessadas nas sentenças que
derem , emolumentos alguns em razão dos deveres
que lhes são prescriptos pelo presente regulamento.

ARTIGO XII .

Quando as partes interessadas julgarem ter mo


tivo de se queixar de qualquer injustiça evidente
da parte das commissões mixtas, poderão represen
tal - a aos seus governos respectivos, os quaes se re
servam o direito de se entenderem mutuamente
453

para mudar, quando o julgarem conveniente , os


individuos de que se compuzerem estas commissões .

ARTIGO XIII.

No caso que algum navio seja detido indevida


mente com o pretexto das estipulações da conven
ção addicional da data de hoje, e sem que o captor
se ache autorisado, nem pelo theor da sobredita con
venção, nem pelas instrucções a ella annexas , o
governo, ao qual pertencer o navio detido, terá o
direito de pedir reparação ; e em tal caso , o go
verno , ao qual pertencer o captor, se obriga a man
dar proceder efficazmente a um exame do motivo
de queixa, e a fazer com que o captor receba, no
caso de o ter merecido , um castigo proporcionado
á infracção em que houver cahido.

ARTIGO XIV .

As duas altas partes contractantes convieram que,


no caso da morte de um ou varios dos commissa
rios juizes e arbitros , que compõem as sobreditas
commissões mixtas, os seus lugares serão suppri
dos, ad interim , da maneira seguinte :
Da parte do governo britannico , as vacancias se
rão substituidas successivamente, na commissão que
residir nos dominios de S. M. Britannica , pelo go
vernador ou tenente governador residente n’aquella
colonia, pelo primeiro magistrado do logar, e pelo
secretario : no Brazil, pelo consul britannico e vice
consul, que residirem na cidade onde se achar es
tabelecida a commissão mixta .
58
454

1
Da parte de Portugal , as vacancias serão preen
chidas, no Brazil, pelas pessoas que o capitão general
da provincia nomear para este effeito ; e vista a
difficuldade que o governo portuguez acharia de
nomear pessoas adequadas para substituir os logares
que possam vagar
vagar na commissão residente nos
dominios britannicos, conveio- se que, succedendo
morrerem os commissarios portuguezes, juizes ou
arbitros, o resto dos individuos da sobredita com
missão deverá proceder igualmente a julgar os navios
d'escravatura que forem conduzidos perante elles,
e á execução da sua sentença. Todavia , neste caso
sómente, as partes interessadas terão o direito de
appellar, da sentença, se bem lhes parecer, para a
commissão que residir no Brazil : e o governo, ao
qual pertencer o captor, ficará obrigado a satisfazer
plenamente as indemnidades que se deverem, no
caso que a appellação seja julgada a favor dos recla
madores; bem entendido que, o navio e a carga
ficarão, em quanto durar esta appellação, no logar
da residencia da primeira commissão, perante a qual
tiverem sido conduzidos.
As altas partes contractantes se obrigam a preen
cher, o mais depressa que seja possivel, qualquer
vacancia que possa Occorrer nas sobreditas com
missões por de morte ou qualquer outro
causa
motivo. E no caso que a vacancia de cada um dos
commissarios portuguezes que residirem nos domi
nios britannicos não esteja preenchida no fim de seis
mezes, os navios que ali forem conduzidos depois
dessa época, para serem julgados, cessarão de ter
o direito de appellação acima estipulado .
Feito em Londres, aos 28 dias do mez de julho
455

do anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo


de 1817. - Conde de Palmella . ( L. S.) - Castlereagh.
(L. S. )
E sendo-me presente a mesma convenção addicional
cujo theor fica acima inserido, e bem visto , consi
derado , e examinado por mim tudo o que nella se
contém , a approvo, ractifico e confirmo em todas
as suas partes, e pela presente a dou por firme e
valida , para haver de produzir o seu devido effeito ;
promettendo em fé e palavra real de observal-a e
cumpril-a inviolavelmente e fazêl-a cumprir e obser
var por qualquer modo que possa ser. Em teste
munho e firmeza do sobredito fiz passar a presente
carta por mim assignada , passada com o sello grande
das minhas armas, e referendada pelo meu secretario
e ministro d'estado abaixo assignado .
Dado no Palacio do Rio de Janeiro , aos 8 de novembro
do anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo
de 1817. - EL -REI, com guarda .-- João Paulo Bezerra .

Artigo separado da convenção feita em Londres aos 28 de julho


de 1817, addicional ao tratado de 22 de janeiro de 1815,
entre o Sr. D. João VI rei de Portugal, do Brazil, e Algar
ves, e Jorge III rei do Reino Unido da Gram -Bretanha, e Irlan
da, assignado em Londres a 11 de setembro de 1817, e rati
ficado por parte de Portugal em 9 de dezembro, e pela da
Gram -Bretanha em 20 de setembro do dito anno .

ARTIGO SEPARADO .

Logo que se verificar a total abolição do trafico


d'escravatura para os vassallos da corða de Por
456

tugal, as duas altas partes contractantes convém em


adaptar de commum accordo, ás novas circumstan
cias, as estipulações da convenção addicional assig
nada em Londres em 28 de julho proximo passado;
mas, quando não seja possivel concordar em outro
ajuste, a convenção addicional d'aquella data ficará
sendo valida até a expiração de quinze annos, con
tados desde o dia em que o trafico da escravatura
fôr totalmente abolido pelo governo portuguez.
O presente artigo separado terá a mesma força e
vigor como se fosse inserido palavra por palavra na
sobredita convenção addicional. E será ratificado, e
as ratificações serão trocadas o mais cedo que fôr
possivel.
Em fé do que, os plenipotenciarios respectivos o
assignaram , e sellaram com o sello das suas armas.
Feito em Londres, aos 11 dias do mez de setembro
do anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo
de 1817. — Conde de Palmella. (L. S.) – Castlereagh .
(L. S. )
E sendo-me presente 0 mesmo artigo separado,
cujo theor fica acima inserido, e bem visto, consi
derado, e examinado por mim : o approvo, ratifico ,
e confirmo, e pela presente o dou por firme, e va
lido para haver de produzir o seu devido effeito :
promettendo em fé e palavra real de observal-o, e
cumpril-o inviolavelmente e fazêl - o cumprir, e obser
var por qualquer modo que possa ser. Em teste
munho e firmeza do sobredito, fiz passar a presente
carta por mim assignada , passada com o sello grande
das minhas armas, e referendada pelo meu secre
tario , e ministro d'estado abaixo assignado.
Dado no palacio do Rio de Janeiro, aos 9 dias do
457

mez de dezembro do anno do nascimento de Nosso


Senhor Jesus Christo de 1817 .
EL-REI, com guarda. - Thomaz Antonio de Villa
Nora Portugal.

Declaração dos plenipotenciarios portuguez e britannico que assigna


ram a convenção de 28 de julho de 1817, ácerca do artigo Il
da dita convenção datada em Londres a 3 de abril de 1819.

DECLARAÇÃO .

Havendo-se concluido entre S. M. Fidelissima e


S. M. Britannica uma convenção , assignada em
Londres aos 28 de julho de 1817, que tem por
objecto o impedir o trafico illicito d'escravatura :
E tendo - se declarado pelo artigo II da sobredita
convenção, que o trafico d'escravatura continúa
a ser permittido aos vassallos portuguezes, unica
mente em certos territorios que no mencionado ar
tigo se descrevem :
E por quanto os territorios de Molemibo e Ca
binda se acham designados no sobredito artigo como
situados na costa oriental d'Africa , o que evidente
mente se mostra serum engano de palavras , pois
que os ditos territorios de Molembo e Cabinda estão
de facto situados na costa Occidental e não na costa
Oriental d'Africa :
Declaram os abaixo assignados que se terá por
annullada a palavra Oriental n'aquella parte do
artigo ir acima mencionada , substituindo-se-lhe a pa
lavra Occidental, e que a ultima parte do referido
artigo fica por tanto sendo do theor seguinte :
158

<< Os territorios de Molembo e Cabinda na costa


Occidental d’Africa , desde o quinto gráo e doze mi
nutos até ao oitavo gráo de latitude meridional. »
Convieram outrosim os abaixo assignados emque
à presente declaração seja considerada como parte
integrante da sobredita convenção .
Em testemunho e fé do que os abaixo assignados
enviado extraordinario e ministro plenipotenciario
de S. M. Fidelissima junto a S. M. Britannica , e
secretario d'estado de S. M. Britannica na repar
tição dos negocios estrangeiros, firmaram a presente
declaração com os seus proprios punhos, e a sella
ram com os sellos das suas armas, em Londres , aos
3 dias do mez de abril de 1819. - Conde de Palmella .
(L. S.) – Castlereagh . (L. S.)
.
了。
‫‪U‬‬
‫بار‬
‫داری‬
‫‪.‬‬
This book should be returned to
the Library on or before the last date
stamped below.
A fine of five cents a day is incurred
by retaining it beyond the specified
time .
Please return promptly .
SA 6050.10
O Brazil e a Inglaterra ;
Widener Library 004883192

3 2044 080 500 952

Você também pode gostar