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Projdoc UERJ
Projdoc UERJ
LINHA DE PESQUISA
DIREITO INTERNACIONAL
Título do trabalho:
JURISDIÇÃO INTERNACIONAL E SUA EFETIVIDADE. REFLEXOS AO
PROCESSO CIVIL INTERNACIONAL.
Rio de Janeiro
2020
RESUMO
INTRODUÇÃO
1
Analisando o cenário atual e suas características, François Ost disserta: “vamos considerar, por sua vez,
a aceleração do direito, o fenômeno da crescente especialização relacionado com a fragmentação do
conhecimento jurídico, o fenômeno da hiperinformação relacionado à informatização dos dados, a
crescente participação da consulta nos trabalhos de doutrina e, finalmente, a heterogeneização do campo
doutrinário correlativo à diluição do próprio domínio jurídico. Todas estas características, pode-se
perceber, referem-se a evoluções que não se limitam à própria doutrina: um direito cujas fronteiras se
diluem, que nem bem consegue fazer suas estruturas fundamentais escaparem da lógica do mercado, que
se curva sob a massa de informações disponíveis, que está se diversificando em setores cada vez mais
especializados e cuja temporalidade está se acelerando: bem, este é o contexto no qual a técnica
doutrinária é agora chamada a trabalhar.
2
No direito internacional, o termo jurisdição internacional é comumente usado para descrever o escopo
do direito de um tribunal internacional, como a Corte Internacional de Justiça ou a Corte Criminal
Internacional, em adjudicar sobre casos e a fazer ordens sobre as partes envolvidas. Em termos abstratos,
a jurisdição dos Estados e a jurisdição dos tribunais são ambas as instancias do conceito de poder de
determinada instituição jurídica; mas são tradicionalmente e, de forma mais prática, distinguidas e
tratadas de forma separada.
si a necessidade de cooperação internacional e algum grau de consentimento das nações,
de forma a garantir o acesso à justiça.3
Portanto, a efetividade de direitos no plano internacional quando proveniente de
atividade de adjudicação é tema de jurisdição internacional. Assim como a evolução
perceptiva da importância da efetividade da tutela jurisdicional prestada pelo Estado no
plano interno redundou em alteração conceitual de jurisdição; no plano internacional, a
(in)efetividade de direitos, em especial direitos humanos e ambientais, também redunda
em evolução conceitual e paradigmática de jurisdição internacional.
O chamado Processo Civil Internacional, apesar de ser nacional, abarca a
temática de jurisdição internacional, tendo por objeto as situações processuais civis com
contatos internacionais. O intercâmbio internacional para o cumprimento extraterritorial
de medidas processuais proveniente da judicatura de um outro Estado é o ramo do
processo civil internacional que se ocupa do diálogo entre jurisdições, aqui entendido
como jurisdição internacional.
O projeto visa o estudo e sistematização de jurisdição internacional sob o
aspecto da efetividade de direitos, em especial direitos humanos e ambientais, e seus
reflexos no Processo Civil Internacional, quando proveniente de atividade de
adjudicação jurisdicional.
3
Segundo Andre de Carvalho Ramos, há dois tipos de jurisdição universal: a) jurisdição universal
comum ou grociana e b) jurisdição universal especial ou qualificada, senda a primeira jurisdição nacional
extraterritorial e a segunda estaria ligada ao processo de internacionalização dos direitos humanos, com
jurisdição propriamente universal, aplicada por exemplo pelo Tribunal Penal Internacional.
4
Finalidade liberal pluralista do direito internacional tradicional é inteiramente organizado em torno do
princípio do Estado soberano, único pessoa jurídica sujeita ao direito internacional” (JOUANNET, 2013,
p. 14)
Após a Primeira Guerra Mundial, as relações internacionais evoluem de forma a
influenciar jurisdição internacional. Conhecida como modelo de cooperação interessada,
grociano, internalista, em que a soberania de cada Estado já não é total, mas limitada
pela soberania dos demais países, que se reconhecem como iguais em uma sociedade
internacional horizontalizada.
Nesse sentido Hildebrando Haciolly afirma que “é certo que o tratado de
Versalhes abre nova fase para as relações internacionais e para o direito internacional:
marca a passagem de direito internacional estritamente de coexistência, como vigia até
ali, e começa a existir o direito internacional de cooperação” (ACCIOLY;
NASCIMENTO E SILVA; CASELLA, 2008, p. 90).
Decorre dessa premissa o efetivo papel desempenhado pelo sistema jurídico do
direito internacional e pelas organizações internacionais, ou seja, de um abrangente
processo do interesse recíproco dos Estados. Por isso, a Carta da ONU de 1945, assim
como antes dela o Pacto da Liga das Nações de 1919, contém importantes ingredientes
grocianos (LAFER, 1995, p. 172). Segundo essa corrente, existe um dever de
cooperação jurídica internacional na medida em que existem princípios gerais do direito
internacional, costume internacional ou tratados internacionais.
O terceiro modelo, de cooperação cosmopolita, pós moderno, que teve sua
inspiração em Kant5, considera possível ir além do modelo grociano de cooperação
interessada, “admitindo a inserção operativa da razão abrangente do ponto-de-vista da
humanidade” (LAFER, 1995, p. 172). Assim, o paradigma de inspiração kantiana tem
como característica central a normatividade racional que impõe a solidariedade ao agir
5
No contexto histórico vivido por Kant, é a Revolução Francesa que revela a tendência de melhoria moral
da humanidade, tendência esta consubstanciada na afirmação de um direito natural de cada povo de se dar
a constituição civil que creia ser boa, e que, nesse ponto, só pode ser a republicana, única capaz de
impedir a guerra. Para Kant (2008, p. 10), a paz não é um estado natural do homem, que está mais para
um estado de guerra, já que há constante animosidade, ainda que não declarada. O estado de paz deve,
então, ser construído, pois a trégua com um vizinho não significa paz, mas apenas ausência momentânea
de guerra. Embora Kant soubesse que mola do progresso não era a calmaria, mas o conflito, dizia que o
antagonismo altamente destrutivo fazia nascer a necessidade de disciplina do conflito, para que se
chegasse a um ordenamento universal (BOBBIO, 2004, p.125).A construção, assim, da paz, em Kant,
deve ser fundamentada em três pilares básicos: a constituição de todo Estado civil deve ser republicana; O
direito das gentes deve fundamentar-se em uma federação de Estados livres; o direito cosmopolita deve
limitar-se às condições da hospitalidade universal. A ideia de Kant, na paz perpétua, de que os indivíduos
singulares, e não apenas os Estados, são sujeitos internacionais, para Bobbio, é claramente influenciadora
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, embora Kant nunca tenha
tratado de um elenco escrito de direitos. É fato hoje inquestionável que a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948, colocou as premissas para transformar também os
indivíduos singulares, e não mais apenas os Estados, em sujeitos jurídicos do direito internacional, tendo
assim, por conseguinte, iniciado a passagem para uma nova fase do direito internacional, a que torna esse
direito não apenas o direito de todas as gentes, mas o direito de todos os indivíduos. Essa nova fase do
direito internacional não poderia ser chamada, em nome de Kant, de direito cosmopolita?(BOBBIO,
2004, p.60)
estatal, como consequência do imperativo categórico imposto a todos os seres humanos,
comprometida com a transformação da realidade, de forma que os interesses dos
Estados cedam diante do valor da dignidade humana na construção de uma sociedade
global fundada em direitos humanos.
Essa nova perspectiva do direito internacional é inaugurada com a Carta das
Nações Unidas, de 1945, e correspondia aos novos objetivos da comunidade
internacional, com a emergência dos direitos humanos, a formar um direito
internacional contemporâneo. Nesse sentido, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948 representaria a síntese de um movimento dialético, que começa pela
universalidade abstrata dos direitos naturais, transforma-se na territorialidade concreta
dos direitos estatais, e termina na universalidade concreta do direito internacional dos
direitos humanos.6
Nessa esteira, Erik Jayme utiliza outra classificação para representar mesmo
fenômeno, de mudança de paradigma internacional. Na obra de Jayme, tem-se a
modernidade e pós-modernidade, definidas basicamente em função da ideia de Estado-
moderno. Assim, “Direito Internacional Privado-DIPr moderno” é aquele definido
apenas em função da ideia de Estado e de soberania, razão pela qual nessa perspectiva
somente o Estado regulamenta os negócios jurídicos com elementos de conexão
internacional. Por outro lado, “DIPr pós-moderno” se refere ao tratamento dos negócios
jurídicos com elementos de conexão que acontece para além do Estado e da ideia da
soberania, mas conjuntamente pelo Estados através do DIP e da ideia de solidariedade.
O DIPr pós-moderno de Erik Jayme passa pela extrapolação dos domínios do
direito nacional, linear e piramidal, e a adoção de novos referenciais teóricos, que
contemplem a complexidade da organização social contemporânea. Com a expressão
pós-moderno, Erik Jayme demonstra o caráter dessa mudança, de crise de modelos, de
variabilidade do nosso tempo e do direito (JAYME, 1995, p. 36). Essas mudanças não
se referem somente a conceituação e finalidade do Direito Internacional Privado, para
além do formalismo metodológico, mas abarca o engajamento da disciplina com a
concretização dos direitos humanos e, consequentemente, com a efetividade de
jurisdição.
6
Segundo CANÇADO TRINDADE, (1997, p. 20), “A universalidade dos direitos humanos, propugnada
pela Carta Internacional dos Direitos Humanos (Declaração Universal de 1948 e dois Pactos de Direitos
Humanos das Nações Unidas de 1966, por exemplo), vem sendo sustentada em termos inequívocos nas
duas Conferências Mundiais de Direitos Humanos (Teerã, 1968, e Viena, 1993). Tema recorrente na
evolução do presente domínio de proteção nas últimas cinco décadas, a questão da universalidade dos
direitos humanos ocupa permanentemente um espaço importante no tratamento adequado da matéria”
Observa-se portanto, que na atualidade, em especial razão da necessidade de se
efetivar direitos em âmbito universal, surge uma relativização da soberania, uma
soberania compartilhada expandida (ABADE, 2013, p. 33), calcada na cooperação entre
Estados, e que irradia seus efeitos na atual concepção de jurisdição internacional e
processo civil internacional.
Um impacto imediato do processo de internalização dos direitos humanos ocorre
nas noções de soberania e jurisdição, porquanto procuram refletir o standard
internacional e que deve ser observado pelos Estados. Verificou-se que a mudança pela
qual passou a estrutura da sociedade internacional no século XX acarretou mudanças na
função do direito internacional. Se antes era um mecanismo para permitir tão somente a
coexistência dos Estados, hoje tem por papel promover a cooperação entre eles a fim de
efetivar os direitos e tutelas jurisdicionais em âmbito mundial.
No plano da jurisdição nacional, teorias modernas como neoconstitucionalismo e
formalismo valorativo7 explicam as características desse novo momento processual. Na
perspectiva da visão processual moderna, afirma o professor Zaneti Junior (2014, p.
216) que: “à eleição do acesso material não basta a possibilidade de ingresso no
judiciário, é preciso garantir a possibilidade concreta de “saída”, do exercício real dos
direitos e de obtenção da prestação jurisdicional com justiça, garantindo o processo civil
de resultados.” Para Bedaque (2007, p. 17). Hoje, pensa-se no processo de resultados. O
instrumento estatal de solução de controvérsias deve proporcionar a quem se encontra
em situação de vantagem no plano jurídico-substancial, a possibilidade de usufruir
concretamente dos efeitos dessa proteção. Diante de tal premissa, torna-se necessário
rever a técnica processual, para adequá-la a essa nova realidade.
Nessa linha, pode-se citar os modelos de juiz estabelecidos pelo belga François
Ost, que, dentro de uma percepção histórica, cada modelo de Estado era marcado por
uma concepção de juiz, que representa não um comportamento pessoal do julgador, mas
uma concepção sobre a prestação jurisdicional. 8 O modelo representado pelo juiz
7
O fenômeno da constitucionalização do processo conduz a uma efetiva incidência das normas e
princípios constitucionais na própria norma e na forma de interpretação e aplicação da lei processual, o
que se denomina neoconstitucionalismo, uma proposta do pensamento jurídico contemporâneo que
sustenta o denominado formalismo-valorativo. O formalismo-valorativo advém do
neoconstitucionalismo, e pode ser compreendido como a metodologia jurídica que conduz a uma nova
percepção sobre o formalismo, que deve ser visto como fator colaborador para a condução judicial da
relação jurídica material, de forma a permitir, através de um processo válido, a efetiva atuação da
jurisdição para a concretização dos direitos fundamentais e para a realização da justiça material.
8
O Estado Liberal era marcado por um juiz Júpiter. A marca do Estado Liberal era a legalidade e, como
consequência, “o direito estaria apenas na norma jurídica, cuja validade não dependeria de sua
correspondência com justiça” Na passagem do Estado Liberal para o Estado Social, adota-se a concepção
de que cabe ao Estado garantir ao indivíduo além de sua vida, de sua propriedade e de sua liberdade,
hermes, impõe ao magistrado não apenas o controle de constitucionalidade das leis,
como a efetivação dos direitos fundamentais, na mesma linha da importância da
efetividade dos direitos no plano internacional.9
Para Ost e Kerchove um paradigma é acompanhado por um conjunto de imagens
e metáforas que evocam, de forma heurística, a lógica profunda por trás dele. Nesse
sentido, apresentam como alegorias, as imagens de pirâmide e de rede, assim como a
figura do leviatã de Hobbes e a litografia “relatividade” (ordem e desordem) de Escher
para representar a mudança de paradigma, revolução científica (KUHN, 2007) para um
modelo atual dialético interligado. Ost e Kerchove defendem a emergência do
paradigma dialético do direito em rede, resultado da crise do modelo piramidal,
positivista. A rede é utilizada pelos autores como metáfora para descrever as relações
interligadas do Direito plural, fragmentado.
Ao desenvolverem sua tese, sistematizam os principais elementos de mudanças
como: (i) o enfraquecimento da capacidade de ação dos Estados soberanos ante a crise
na missão providencial de assegurar e garantir direitos econômicos, sociais, e culturai;
(ii) o aumento do poder dos juízes, notadamente das cortes nacionais e internacionais,
assim como comunitárias, que relativizam a soberania do legislador nacional; (iii) os
direitos humanos e a consequente tensão entre valores universalistas e o pluralismo
jurídico, que envolve interdependência e as diferenças na mundialização cultural; (iv) as
novas formas de operar o Direito na globalização, como a ascensão dos poderes
privados, exercidos por empresas transnacionais, por meios de mecanismos de
autorregulação, ampliação das declarações de princípios, orientações e diretrizes de
organizações internacionais relativas a demandas globais, ascensão de instrumentos de
soft law; (v) multiculturalismo (vi) os avanços da tecnologia de comunicação, da
internet, proliferação de uso de energia nuclear, e armamento nuclear, desenvolvimento
direitos como saúde, educação, lazer, trabalho, moradia, seguridade social, etc. Nesse momento, o juiz era
caracterizado como Hércules. Caberia exclusivamente à jurisdição a entrega do direito e a pacificação dos
conflitos. Por sua vez, no Estado Democrático de Direito, tem-se a ideia de um juiz Hermes. O Estado
contemporâneo “não dispensa a conformação de toda a legislação infraconstitucional à Constituição,
especialmente aos princípios constitucionais, e sabe que isso apenas pode ser feito com o auxílio da
jurisdição” OST, François. Júpiter, Hércules, Hermes: três modelos de juez. Revista sobre Enseñanza del
Derecho. Buenos Aires: Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires, ano 4. Vol.. 8, 2007, p.
101-130 APUD MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Op.
Cit., p. 63
9
A concepção de jurisdição não pode ser mais concebida como de função exclusiva do Estado, como
atestam a arbitragem, as convenções processuais e os demais meios alternativos de resolução de
controvérsias, e muito menos, de função exclusivamente voltada para os interesses do Estado. O fim do
processo civil é a tutela dos direitos (MARINONI, 2006, p. 21-139; MITIDIERO, 2014, p. 51-74).
da biotecnologia e nanotecnologia e questões como mudança climática a repercutir os
riscos de forma instantânea e global, já que a sociedade atual constitui-se em rede
interligada.
Os autores procuram demonstrar a proliferação de conceitos híbridos,
decorrentes das mudanças acentuadas da globalização econômica e mundialização
cultural, a ingerir em conceitos clássicos como a soberania, que passa a ser
compartilhada ou relativa, as cidadanias, passam a ser múltiplas ou fragmentadas, assim
como a validade das normas jurídicas, que passa a ser condicional e provisória. (OST,
KERCHOVE, 2002, p.42) Utilizam a expressão hierarquia entrelaçada para representar
a lógica das relações circulares e recursivas entre normas de escalões diferentes, na
atualidade, cita-se, como exemplo, as normas do CNJ no ordenamento nacional.
Trata-se de relativização dos postulados da racionalidade e da soberania, que
representavam certeza e segurança para a relatividade, com a crescente aplicação do
princípio da proporcionalidade. Assim, defendem um direito em rede, voltado para
coexistência entre valores diferentes, muitas vezes opostos em sociedades plurais.10
Dessa forma, constata-se que tanto a jurisdição nacional, quanto a internacional
vem se desenvolvendo no mesmo caminho da importância e foco na efetividade da
tutela e de direitos. No âmbito internacional, a partir da nova concepção pós moderna de
soberania, voltada para a efetividade da tutela de direitos, constata-se um dever de
cooperação internacional circunscrito na ideia de “ordem pública internacional”, que
deixa de ser regulamentado somente pelos ordenamentos jurídicos doméstico, mas
sobretudo por tratados internacionais e princípios.
Jurisdição internacional sob a perspectiva de efetividade da tutela em qualquer
lugar do mundo, demanda um esforço cada vez mais intenso do valor solidariedade no
relacionamento entre os Estados e destes com as organizações internacionais. Nesse
sentido, a livre circulação de sentenças, de produção de provas e comunicação de atos
processuais é resultado direto dessa concepção pós-moderna de soberania, onde as
fronteiras estatais já não seriam obstáculos para a realização dos direitos com elementos
de conexão internacional.11
10
Nesse sentido, relevante mencionar a tese da “ductibilidade constitucional” que deve ser associada a
dois termos, coexistência e compromisso. A visão da política que está implícita não é da relação de
exclusão e imposição pela força (no sentido amigo-inimigo hobbesiano e schimittiano), mas sim a
inclusiva de integração através da rede de valores e procedimentos comunicativos, que é ademais, a única
visão não catastrófica da política possível do nosso tempo. ZAGREBELSKY, G. El derecho ductil. Ley,
derechos y justicia. Trad. Marina Gascón. Madrid: Trotta, 1995.
11
Atualmente as questões não se colocam mais na perspectiva do Estado-nação, mas do Estado
Democrático Constitucional, no âmbito interno, e da tutela dos direitos humanos, no âmbito internacional.
Assim, pelo fato de a comunidade internacional ser descentralizada e horizontal,
não existindo um poder central nem subordinação formal dos sujeitos a uma autoridade
superior, o “consentimento” passa a ser instrumento essencial nas relações jurídicas
entre os membros dessa comunidade. Dessa forma, a cooperação jurisdicional é pautada
sobretudo na coordenação dos interesses comuns, e não na subordinação de uma
instituição à outra.
Nesse sentido, a ampla e irrestrita adesão dos Estados aos tratados internacionais
de direitos humanos revela um certo consentimento em respeitar os direitos humanos,
consentimento este, que na opinião de Flavia Piovesan, “é reforçado pela possibilidade
de controle da comunidade internacional na hipótese de sua violação, seja por meio das
organizações internacionais ou mesmo por meio da jurisdição internacional”
(PIOVESAN, 2006, p. 133).
Ao mesmo tempo em que o padrão normativo universal dos direitos humanos 12
acarretou um novo recorte da soberania e da ordem pública nacional, induziu a um
esforço cada vez mais intenso do valor solidariedade no relacionamento entre os
Estados e destes com organizações internacionais.
No direito internacional não há uma fonte normativa que estabeleça a jurisdição
internacional.13 Diferentemente do que ocorre a jurisdição nacional que é dividida pela
Constituição, enquanto que no direito internacional na maioria das vezes os tribunais
O Processo Civil Internacional deve ser utilizado para a resolução de tais questões, visando a tutela dos
direitos, para a efetivação do Direito Internacional Privado voltado para este fim, com o objetivo de
“encontrar um ponto de equilíbrio, de modo a permitir que o direito interno seja soberano, mas também
capaz de regrar os fatos que extrapolam os limites territoriais do Estado” (PERLINGEIRO, 2014, p. 1)
12
Deve-se pontuar que há resistências a essa universalidade dos direitos humanos, como o nacionalismo,
que se constituiu na ideia central da construção e sedimentação dos Estados-nacionais a partir da
modernidade, que acabou por dificultar esse processo de universalidade. Nessa senda, para muitos
estudiosos de escol, a cooperação internacional não conseguirá romper com o paradigma estatalista, já
que sua efetividade esbarra no nacionalismo exacerbado dos Estados e no imperialismo cultural que esse
processo teria acarretado.
13
Para Teubner haveria um Direito sem estado no plano internacional. Entende que a lex mercatoria
como ordenamento jurídico transnacional dos mercados mundiais, seria exemplo do caso mais exitoso de
um direito mundial, um direito sem Estado, com redes próprias de adjudicação. Para ele, o direito global
só pode ser interpretado adequadamente por meio de uma teoria do pluralismo jurídico e de uma teoria
das fontes do direito correspondentemente concebida em termos pluralistas. Um ordenamento jurídico sui
generis, não podendo ser avaliado segundo critérios de aferição de sistemas jurídicos nacionais.
TEUBNER, Gunther. A Bukowina global: sobre emergência de um pluralismo jurídico transnacional.
Impulso, Piracicaba, v. 14, n. 33, p-9-31, 2003. O jurista usa o termo Direito Transnacional, como um
direito produzido por sistemas autônomos, mundiais autorreprodutores, uma pluralidade heterárquica de
ordens jurídicas, não enquadrável na dicotomia direito internacional público e privado. Nesse sentido,
atribui-se o primeiro esforço acadêmico de conceituação de termo “Direito Transnacional – Transnational
Law – a Philip Jessup, em conferência realizada em Yale Law School, em 1956, propõe a superação da
separação entre direito internacional público e privado pela complementariedade, por se tratarem de
relações humanas globais, que devem ser pensadas para além da fronteira, clássica das relações entre
atores estatais e não estatais. JESSUP, 1965, p. 12.
são baseados na arbitragem, formados exclusivamente para a solução de determinada
lide ou previstos em tratados.14
Essa ausência de hierarquia entre os sistemas internacionais de jurisdição pode
levar a um conflito de jurisdições, com a sobreposição de jurisdição, como por exemplo
decisões conflitantes provenientes de jurisdição regional e multilateral, de juízes da
OMC, do NAFTA e do MERCOSUL, posto que não há o delineamento e a fixação dos
poderes dos juízes por meio de normas verticais, que orientam a distribuição da
jurisdição internacional.
Impende destacar que a ausência de norma disciplinadora de distribuição de
competência faz surgir não apenas a sobreposição de jurisdição de forma não
hierárquica, mas também decisões divergentes que emanam de foros distintos sobre o
mesmo ponto jurídico, o que afeta a segurança jurídica das relações comerciais
internacionais. Não há hierarquia entre as normas de direito internacional multilateral e
regional, pois, são fontes de uma mesma ordem jurídica. Deste modo, estão no mesmo
patamar jurídico, porque a ordem jurídica internacional permite a coexistência jurídica
de uma pluralidade de Estados com várias ordens jurídicas nacionais.
O multilateralismo e o regionalismo avançaram de modo paralelo, porém sem se
preocupar com coordenação entre eles, gerando conflito de jurisdição, que não foram
previstos anteriormente. De igual modo, não há a verticalização de normas entre
regionalismo e multilateralismo, ainda que a OMC preveja a sua jurisdição como
obrigatória, contudo, suas normas não são jus cogens.
Essa sobreposição de jurisdições, juntamente com a proliferação de tribunais
internacionais, e fragmentação das ordens normativas em campos específicos do direito
são um fenômeno, mais do que uma ideia, segundo o relatório do Grupo de Trabalho
Fragmentation of International Law: Difficulties Arising from the Diversification and
Expansion of International Law, da Comissão de Direito Internacional – CDI da
Organização das Nações Unidas – ONU (2006a; 2006b).
14
Apesar de inexistir norma que discipline a jurisdição no contexto internacional, não se pode dizer que
ela é ilimitada, haja vista que os limites estão fixados a partir dos princípios gerais de direito internacional
e das normas de ius cogens. Estas são regras imperativas de direito internacional aceita e reconhecidas por
todos os Estados, disposta no art. 53, da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, e possuem
hierarquia superior às normas jurídicas internacionais. Assim, no sistema internacional, em regra, é
formado por regras horizontais, ausente um sistema de valores que compõe um sistema político
constitucional que estabelecerá a hierarquia entre as normas. Destarte, não há uma ordem jurídica
supranacional que concentre as decisões e imponha as limitações aos países, bem como defina a
competência internacional.
Acrescente-se o surgimento dos litígios transfronteiriços 15. Para Aluisio Mendes,
o próprio contexto brasileiro, a partir do Código de Processo Civil de 2015, revela não
haver qualquer ênfase aos litígios transfronteiriços, já que aborda apenas os mecanismos
de cooperação internacional nos artigos 26 a 41, que se inserem como centro do sistema
para efetivar, para além das fronteiras, as normas fundamentais do Estado brasileiro,
concluindo ser necessário repensar o direito processual, especialmente a cessação e a
reparação de danos de massa, para além das fronteiras dos Estados. Para o autor, os
litígios transnacionais envolvem muito além do que mecanismos de cooperação: é
necessário compreender a violação e as legislações envolvidas, de forma a evitar, por
um lado, a proteção insuficiente, para construir um modelo para além das fronteiras
estatais.
Para as autoras Valesca Raizer e Graziela Zaneti(2016, p.15), a mudança de
paradigma no processo civil internacional da soberania à tutela dos direitos como fim
perquirido faz-se ainda mais necessária diante dos litígios transfronteiriços, em razão da
sua peculiaridade de ocorrerem simultaneamente em diferentes jurisdições, não sendo
mais suficiente a análise, em tais casos, do problema com a visão estrita da soberania,
sob pena de prejuízo à tutela dos direitos efetiva, tempestiva e adequada, eis que
escolher uma jurisdição para o caso não solucionará a parte do litígio que diga respeito
ao ordenamento jurídico preterido na definição da jurisdição, bem como a divisão do
litígio de acordo com as diferentes jurisdições também será insuficiente para a tutela dos
direitos.16
Para fins do presente projeto, perfilha-se da ideia de que a melhor abordagem
não deve se restringir aos mecanismos de cooperação, mas deve abarcar todos os
15
Nesse sentido, os litígios transfonteiriços, em virtude de, por suas características, serem afetos aos
danos coletivos e ocorrerem simultaneamente em mais de um ordenamento jurídico, bem como serem
comuns na matéria ambiental, cujos princípios norteadores são poluidor pagador e usuário pagador, a
precaução/prevenção e a recuperação integral do dano e cuja característica é a ubiquidade, tornam-se
matéria de grande complexidade no âmbito do processo internacional. Isso porque a adequada tutela dos
direitos nos diferentes ordenamentos jurídicos envolvidos necessita ser pensada de forma estratégica para
que ocorra efetivamente a tutela adequada dos direitos nos diferentes países, e não apenas em um deles,
gerando parcialmente a recomposição do ilícito e resultando na quebra das premissas do poluidor pagador
e da precaução/prevenção. MOSCHEN, Valesca Raizer Borges e ZANETI, Graziela Argenta. Processo
internacional transfronteiriço: os litígios que não respeitam fronteiras – da soberania à tutela dos direitos.
Revista Brasileira de Direito Internacional. Brasília. V.2. Jan/jul.2016.
16
MOSCHEN, Valesca Raizer Borges e ZANETI, Graziela Argenta. Processo internacional
transfronteiriço: os litígios que não respeitam fronteiras – da soberania à tutela dos direitos. Revista
Brasileira de Direito Internacional. Brasília. V.2. Jan/jul.2016.
fenômenos que envolvem as relações internacionais a fim de buscar a efetividade de
direitos no plano internacional, que tratamos como jurisdição internacional. 17
Portanto, a linha de pesquisa pretendida justifica-se pela necessidade de
enfrentamento das dificuldades históricas de harmonização de jurisdições nacionais, a
abarcar fenômenos que, de alguma maneira, repercutem na aplicação e entendimento de
Processo Civil Internacional, com foco nas necessidades atuais de efetividade através da
cooperação e relativização das soberanias.
OBJETIVOS
17
Não se pretende descaracterizar a relevância dos meios de cooperação internacional, mas, na atualidade,
intensificou-se uma realidade que estampa a concentração urbana, a globalização, a produção e o
consumo em escala de massa, a padronização de contratos, a elaboração desenfreada de normas pelo
Estado, acordos e convenções coletivas de trabalho, discussões relacionadas a funcionários, empregados
públicos e aposentados, discussões relacionadas à constitucionalidade ou legalidade de tributos incidentes
sobre milhares de pessoas jurídicas ou naturais, transportes de massa, investimentos internacionais e
meios físicos ou virtuais e meios físicos ou virtuais que difundem informações em proporções até então
inimagináveis. Tem-se, portanto, um cenário propício para danos em massa, que afetam um grande
número de indivíduos. MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Resolução Coletiva de Conflitos. In:
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; WAMBIER, Teresa. O Processo em Perspectiva: Jornadas
Brasileiras de Direito Processual. São Paulo: RT, 2013, p. 48
Deve-se referir aqui que o solipsismo soberano é tão grande, que mesmo quando
os tratados internacionais propõem mecanismos para tornar efetivo o acesso à justiça, (o
artigo 19, §3o , do Protocolo de Medidas Cautelares de Ouro Preto e o art. 7o da
Convenção Interamericana de Cartas Rogatórias, por exemplo), dispensando o juízo
delibatório, os tribunais pátrios não permitiam a implementação dessas medidas, pois
estaria em desacordo com a sua Constituição. 18
O entendimento predominante do Supremo Tribunal Federal foi sempre no
sentido da sua não admissão, uma vez que se trata de atos de constrição judicial
inerentes à execução forçada, atentatórios à ordem pública, e que exigem sentença
transitada em julgado. Apesar de alteração normativa e algumas decisões contrárias pelo
STJ, atual órgão competente para tal, ainda se encontram decisões recentes pela
inadmissibilidade da medida.19
Na realidade, mesmo que não houvesse tratado internacional dispondo sobre a
possibilidade do atendimento do pedido com caráter executório, é preciso reconhecer a
nova ordem pública internacional e sua relação de interdependência entre as ordens
públicas nacionais na promoção e efetivação de direitos, o que se pretende aprofundar
como objeto da presente pesquisa.
Outra questão recorrente que demanda aprofundamento e revisão jurisprudencial
nacional é o entendimento dos Tribunais superiores nacionais sobre demandas
envolvendo bens imóveis situados no exterior. Tanto o STF, como o STJ já
manifestaram na linha de que se a demanda envolver bem imóvel situado no exterior,
caberá ao Judiciário estrangeiro do lugar da situação do bem julgar a demanda, com
fundamento na disposição nacional de competência internacional exclusiva a bens aqui
situados, fundamento que não se sustenta por se tratar de equivocada bilateralização 20 de
norma de competência exclusiva brasileira. 21
18
Isso é especialmente visível no caso do artigo 19, §3o , do Protocolo de Medidas Cautelares de Ouro
Preto, e o art. 7o da Convenção Interamericana de Cartas Rogatórias” (PERLINGEIRO, 2015, p. 10).
19
STJ, DJ 19. Out. 2018, AgInt no AREsp 1297819/SP, Rel. Min. Marco Aurelio Bellizze.
20
O Brasil, sob a égide do CPC de 1939, adotava o método da determinação indireta,caracterizado pela
possibilidade da bilateralidade, que no atual não existe. Naquele sistema, a competência jurisdicional de
outros Estados seria como um espelho da brasileira, podendo um juiz nacional determinar a competência
de juizes estrangeiros em questões simétricas, mas inversas. Sintetiza o Luiz Olavo Baptista, “dessa
forma,
tendo jurisdição o foro brasileiro no caso do réu ser aqui residente, teria jurisdição o tribunal estrangeiro
se o reú fosse residente no seu foro. Isso não ocorre mais.
21
Cita-se o caso da filha única de Jânio Quadros, que teve negada pelo STJ a sua pretensão de enviar
carta rogatória ativa para a Suiça visando obter informações sobre possíveis depósitos bancários feitos
pelo pai naquele país ao fundamento de ser inviável em razão da previsão nacional de competência
exclusiva brasileira. STJ, DJ 19.122002, REsp 397.769/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi. TIBURCIO,
Carmen. Extensão e limites da jurisdição brasileira: competência internacional e imunidade de jurisdição.
Observe-se, contudo, que nesses casos envolvendo bens imóveis no exterior, o
judiciário nacional já se absteve de julgar litígio que lhe foi submetido, dando margem a
algumas especulações, questionando-se se indiretamente o julgado foi influenciado pelo
princípio da efetividade ou da maior conveniência do foro estrangeiro para julgar a
demanda, fundamento aceitável sob o ponto de vista da nova ordem pública
internacional, que aceita a regra da kompetenz kompetenz, em que cada juiz é capaz de
controlar sua própria competência, sendo possível decliná-la, para evitar julgamentos de
causas inapropriadas para o seu juízo.
Se o juiz verificar um ônus desproporcional a uma das partes, passível de
obstruir o pleno acesso à justiça, a configurar a chamada jurisdição exorbitante e
abusivamente exercida pelos tribunais de um país, de forma a comprometer sua
responsabilidade internacional e afetar os valores constitucionais, o acesso à justiça e a
ampla defesa, deverá declinar da sua jurisdição.(VESCOVI, 2000)22 Trata-se da
doutrina do foro non conveniens, que teve maior aceitação no mundo jurídico anglo-
saxônico, mas nada impede que países que integram a família romano-germânica a
incorporem em seus sistemas.
Há resistência nacional na aplicação da mencionada doutrina, que prestigia a boa
fé processual e evita abusos do direito de litigar. Nesse sentido, “talvez se houver uma
mudança de enfoque, vinculando a sua aplicação a ideia de boa fé processual e abuso do
direito de litigar, sua aceitação seja mais facilitada.(TIBURCIO, 2019. P212)”
Para fins do projeto, essa análise comparativa de jurisdição estrangeira mais
apropriada a causa é tema de jurisdição internacional. Assim como o chamado forum
shopping, prática de escolha da jurisdição dentre as competentes no plano internacional,
que melhor aprouver o litigante, não só com base nas normas materiais aplicáveis, como
também das normas processuais. Trata-se de reconhecer que “a escolha da jurisdição
influi na determinação da lei aplicável, havendo uma íntima relação23”.
Salvador:juspodivm, 2019.p.212.
22
. VESCOVI, Eduardo. Derecho Procesal Civil Internacional. Montevidéu: Idea, 2000. p. 07.
23
Sabe-se que dentre os objetos de estudo do direito internacional privado estão a determinação da lei
aplicável e da jurisdição e que, apesar de serem questões distintas, normalmente há uma íntima ligação
entre esses dois objetos. O fato de um litígio ser submetido ao juiz brasileiro, e não ao juiz inglês, poderá
acarretar uma substancial diferença na solução da lide. TIBURCIO, Carmen. Extensão e limites da
jurisdição brasileira: competência internacional e imunidade de jurisdição. Salvador:juspodivm,
2019.p.212
Portanto, acredita-se que o tema jurisdição internacional possua interconexão
com direito internacional público, direito internacional privado, processo civil
internacional e direito estrangeiro.
Nessa linha, outra questão recorrente, que demanda maiores estudos, é o
tratamento nacional de casos envolvendo o chamado conflito de jurisdições. O Brasil,
em caso de exportações ao mercado brasileiro de pneus recauchutados procedentes da
União Europeia, foi reclamado em duas demandas, com o mesmo objeto, porém por
mecanismos de solução de conflitos distintos, que tomaram decisões contraditórias.
De forma resumida, a decisão da OMC revogou a decisão do MERCOSUL, bem
como modificou o entendimento do judiciário brasileiro que teve que cassar as decisões
liminares por contrariar o acordo da OMC. É de se questionar se o judiciário nacional
agiu de forma harmoniosa com a nova ordem pública internacional e na esteira da
efetividade de direitos no plano internacional, o que se pretende aprofundar.
Nessa linha, inclui-se no escopo do projeto, a análise das decisões provenientes
de Cortes Internacionais dos quais o país faz parte, como da Corte Interamericana de
Direitos Humanos, que enquadramos como jurisdição internacional, mas que parte
relevante da doutrina nacional dispensa um tratamento diferenciado das sentenças
estrangeiras provenientes de juízes estatais estrangeiros, já que para aquelas, defendem
a dispensa de homologação. Sentenças proferidas por “tribunais internacionais” não se
enquadrariam na roupagem de sentenças estrangeiras a que se referem os dispositivos
nacionais sobre homologação(MAZZUOLI, 2012. p. 911). Por sentença estrangeira
deve-se entender aquela proferida por um tribunal afeto à soberania de determinado
Estado, e não a emanada de um tribunal internacional que tem jurisdição sobre os seus
próprios Estados-parte.24 Há ainda a questão da incorporação dos fundamentos das
decisões das Cortes Internacionais a jurisdição nacional. Questões que demandam
aprofundamento. 25
24
Outro fundamento para a dispensa de homologação refere-se ao objetivo deste ato. Considerando que a
homologação de sentenças estrangeiras destina-se a verificar a adequação do direito alienígena com a
ordem pública nacional, ela não se impõe para as sentenças internacionais, pois a norma aplicável, o
tratado internacional, já foi incorporado ao direito nacional, após verificação realizada pelos poderes
Executivo e Legislativo, “não sendo necessária nova verificação de sua consonância com as regras
jurídicas do país”COELHO, Rodrigo Meirelles Gaspar. Proteção internacional dos direitos humanos: A
Corte Interamericana e a Implementação das suas Sentenças no Brasil. Curitiba: Juruá, 2008. p. 91.
25
Há doutrina que defende a incorporação, sem desvirtuamento, dos argumentos da Corte IDH aos
julgados nacionais, mesmo que seja para afirmar direitos ou garantias já previstos nas constituições
nacionais, como uma forma de assegurar, a longo prazo, uma maior aceitação das decisões pelos
membros do Poder Judiciário local. Exemplo disso é a recente decisão proferida pelo Juiz da Corte
Suprema da Argentina, Eugenio Raúl Zaffaroni, onde entendeu que dispositivo do código penal, que
previa o aumento de pena no crime de porte ilegal de arma em decorrência da existência de maus
Em função dos diversos obstáculos à operacionalização da justiça
transfronteiriça, urge uma mudança nos referenciais teóricos e práticos da jurisdição –
essencialmente nacionalista -, para fazer com que a prestação jurisdicional se abra ao
global, para dar conta dessa nova gama de demandas.
MATERIAL E MÉTODO
antecedentes, era inconstitucional. Na sua argumentação, trouxe trecho do caso Fermín Ramírez vs.
Guatemala, no qual a Corte Interamericana sustentou que a invocação de periculosidade para o
agravamento de pena constitui o exercício do direito punitivo do Estado com “base nas características
pessoais do agente e não no fato cometido”, o que seria incompatível com o princípio da legalidade
criminal199 9 Corte Suprema de Justicia de la Nación (Argentina). Recurso de Hecho. T.294.XLV. Causa
nº 6457/09, decisão de 05 de fevereiro de 2013.
Nesse sentido, “quem fala em pesquisa, fala em questão: isto é, questionamento,
percurso. Sem resposta predefinida, nem método absolutamente assegurado”(OST,
2015, p. 105)). O jurista belga em sua obra ‘A tese de doutorado em direito: do projeto à
defesa’, utiliza a teoria do conhecimento (epistemologia) para esclarecer a utilização da
teoria dos paradigmas de Kuhn para através da análise das anomalias e revoluções
científicas, reconhecer a crise de paradigmas dominantes (legalista, estatista e
positivista). Nesse sentido, afirma:
“Portanto, a questão muito específica que se coloca ao doutorando é saber se
ele vai desenvolver a sua tese como “defesa e ilustração” do paradigma
clássico ou se dará ênfase ao exame sério das anomalias que se apresentam
em seu domínio – seja porque ele conclui, então, pela necessidade de mudar
o paradigma no final de uma análise mais ou menos séria dos dogmas
estabelecidos, seja porque na verificação de fato a anomalia não atingirá a
fecundidade explicativa do paradigma analisado.”
E continua o professor:
“Penso que essa teoria dos paradigmas fornece um quadro muito rico para a
pesquisa jurídica. Em cada caso, tratar-se-á de: (i) Identificar o sistema
dominante de ideias dentro de um domínio (definir os contornos do
paradigma). (ii) Detectar de modo rápido as eventuais anomalias que
poderiam mostrar os limites do caráter explicativo do paradigma ou até
mesmo derrubá-lo. (iii) Identificar as eventuais reações da doutrina (de
juízes, legisladores etc.) em face dessas anomalias e as avaliar. (iv) Tomar
uma posição sobre a possibilidade de o paradigma resistir a essa evolução em
questão ou sobre a necessidade da sua substituição por um quadro teórico
mais amplo e mais explicativo.”
Atividades Meses
Revisão bibliográfica x x x x x
Submissão/publicação de artigo x x
Defesa da Tese x