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SINOPSE:

Numa pequena aldeia de Espanha em 1940, após uma devastadora guerra civil do país,
Ana, uma menina de seis anos de idade, vê um filme de Frankenstein numa exibição
itinerante e fica com essa imagem gravada na memória. Produzido no momento em que o
regime de Franco se aproximava do fim, o filme é um fascinante retrato da vida interior de
uma criança e, visualmente, um dos filmes mais arrebatadores já feitos.

ANÁLISE:

Este filme é considerado nos dias de hoje um clássico do cinema espanhol, fazendo um
retrato da Espanha pós guerra civil, num registro que envolve tanto a tristeza das vidas
adultas quanto o maravilhoso que irrompe a partir do olhar infantil.

Para lá do contexto político e histórico, O Espírito da Colmeia é, numa primeira instância,


um filme universal, um filme sobre a infância, sobre a descoberta do mundo (interior e
exterior), sobre os primeiros passos, sobre as interrogações e as dúvidas, o medo e a
capacidade de se deixar maravilhar e assombrar. Um filme sobre as emoções íntimas da
infância (que persistem, de uma forma ou de outra, no interior de qualquer jovem ou
adulto), que se expressam precisamente através de um cinema que não necessita de
palavras para mostrar o que uma criança ainda não sabe dizer, um cinema que se torna
mais profundo nas suas matérias e formas: a luz, a cor, os enquadramentos, os espaços,
os sons e os silêncios, os rostos, a duração, o tempo.

O genérico inicial, acompanhado de desenhos coloridos, mostra-nos que esta história será
guiada pelas mãos das crianças, verdadeiras narradoras dessa história que se inicia, como
num conto de fadas, pelo “era uma vez”.
As personagens principais de O Espírito da Colmeia, Ana e Isabel, são duas meninas que
habitam um casarão isolado na planície de Castela, nos primórdios dos anos 40. Na
aldeia, um cinema local garante a elas e a todos os moradores do vilarejo uma grande
fonte de entretenimento e distração. Quando o caminhão traz as películas para a exibição,
uma multidão se aglomera esperando ansiosamente para saber que nova fita será
projetada.
E eis que chega o filme que mudaria a vida de Ana: a história de Frankenstein, na sua
versão americana de 1931, com Boris Karloff na pele do monstro que sai do controle de
seu criador. Neste filme, um narrador sobe ao palco e apresenta a obra ao público,
avisando que, apesar dos sustos que o conto de horror pode proporcionar, ele não deve
ser levado muito a sério.
A reação de Ana, ironicamente, é exatamente oposta. Erice alterna as andanças
destrutivas da criatura na tela e as respostas, entre apavoradas e encantadas, das feições
da menina. Toda a audiência, aliás, parece ser tomada pelo espanto, pais e filhos, adultos
e crianças, embora apenas em Ana o efeito seja durador a ponto de se tornar perigoso. À
noite, deitada no quarto com sua irmã Isabel, ela quer saber o motivo do assassinato
executado pelo monstro, questionamento que se desdobrará por todo resto do filme.
As irmãs Ana e Isabel praticamente não têm contato com a própria família. O seu pai
Fernando é um apicultor que gasta a maior parte do tempo no trato com abelhas ou no seu
escritório, lendo e escrevendo; a sua mãe Teresa vive absorvida pela nostalgia do
passado, mandando cartas para o amado de quem se separou graças à guerra civil. Os
espectadores veem a família reunida apenas uma vez ao longo de toda narrativa, mas a
sequência é filmada com um silêncio perturbador ao qual se acrescentam os cortes secos
que segregam cada um, dispondo-os isoladamente no quadro.
Abandonadas à própria sorte, as crianças percorrem seu próprio caminho, marcado não
somente por divertimento, como por riscos e ameaças, dualidade sublinhada pela música
de Luís de Pablo, oscilante entre a serenidade da flauta e os ritmos de puro suspense. A
personalidade sádica de Isabel assusta Ana, que não consegue esquecer nem por um
momento o filme que assistira. Acreditando que o ser ameaçador se esconde numa
construção abandonada ao lado de um poço, ela vai procurá-lo em vários momentos, seja
depois da escola, seja em plena noite.

Certo dia, Ana encontra no local um inimigo do regime de Francisco Franco (é claro,
entretanto, que ela não faz ideia do conflito político que destruía a nação naquela época).
Nesse momento, a realidade e a fantasia como que se cruzam, o cinema e a violenta
ditadura ganham, para a menina, o mesmo status de realidade.
Toda a simbologia criada por Victor Eríce e o argumentista Ángel Fernández Santos está
na curiosa aproximação entre a vida quotidiana sob um governo autoritário e a vida das
abelhas na colmeia. Para isso, nada é mais eloquente do que a aparência da casa das
irmãs, definida por janelas subdividias em formas hexagonais que lembram favos de mel,
quase sempre iluminadas num tom amarelado. As abelhas vivem sem pensar, trabalhando
em fluxo infinito para o bel prazer da rainha; por analogia, cidadãos espanhóis se
encontram em estado anestesiado, apenas sobrevivendo, com pouca ou nenhuma alegria.
A situação melancólica é realçada tanto pela fotografia monocromática de Luís Cuadrado
quanto pelas casas empobrecidas e cenários sujos e escuros.

O Espírito da Colmeia (El espíritu de la colmena)- Espanha, 1973.


Direção: Victor Eríce
Roteiro: Victor Eríce e Ángel Fernández Santos
Elenco: Ana Torrent, Isabel Tellería, Fernando Fernán Gómez, Teresa Gimpera, José
Villasante, Ketty de la Cámara, Estanis González, Juan Margallo
Duração: 98 min.

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