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“Quase ao mesmo tempo em que o companheiro falava, ouvimos forte gemido, vindo de um local logo à nossa

frente. Parecia alguém em intenso sofrimento, que então exclamou:

-Socorram-me, socorram-me! Por que nós? Me ajudem, eu preciso sair deste inferno.

Ao nosso redor multiplicavam-se os pedidos de socorro, e me deixei envolver num profundo

sentimento por aqueles infelizes. Desejei auxiliar aqueles espíritos; queria tirá-los dali.

Wallace, por sua vez, deteve-me, enérgico:

- Nem pense em fazer tal coisa, Ângelo! Estes espíritos são perigosos e ainda não oferecem condições de serem
auxiliados.

- Mas não podemos deixá-los sofrendo assim. É falta de caridade! - declarei, quase chorando.

- Não é falta de caridade preservarmos nosso equilíbrio. Recobre seu juízo e deixe-os, por

agora. Na realidade, são filhos de Deus, como nós, e merecem nossas orações e todo o

incentivo para que melhorem.

Mas não é o caso de retirarmos nenhum deles daí, por ora, pois são entidades perversas, que

abusaram da vida em muitas oportunidades que Deus lhes concedeu. Tenha certeza: em seu

estado atual, não hesitariam em abusar dessa nova chance.

Olhei e vi que, do pântano umbralino, saíam mãos, cabeças e troncos humanos. O pedido de

socorro era muito intenso, e os gemidos aumentavam cada vez mais.

Catarina veio em meu socorro naquele instante:

- Não deixe de vigiar suas emoções, meu amigo. Esta lama umbralina que você observa é

uma espécie de fluido mais denso, de natureza absorvente. [Aqueles] que sofrem a ação

antitóxica desse fluido ou lama astral estão nessa situação porque trazem seus corpos

espirituais repletos de nódoas morais. Compactuaram com as trevas em sua última

encarnação. De tal modo aviltaram a divina lei e dilapidaram o patrimônio do corpo fluídico

que atraíram para si verdadeiras comunidades de larvas e vibriões mentais. O perispírito de

tais infelizes encontra-se profundamente afetado por fluidos mórbidos; trazem estampada em

si a marca de seus desvios clamorosos.

- A lama astral - falou o pai-velho - serve para absorver o fluido denso acumulado em seus

corpos espirituais.

De modo algum poderão reencarnar antes que uma cota dessa carga tóxica seja absorvida [...]

Também não detêm condição de sair daí, e

conviver em outro ambiente mais, digamos, espiritualizado. Como bem asseverou Wallace,

voltariam ao mesmo desequilíbrio de antes [...] Eles já estão sendo amparados, na medida exata dos recursos que

oferecem em favor de si mesmos. A própria lama astralina, absorvente, é a forma de auxílio

de que necessitam por ora.

- Mas não é muito doloroso o processo?


- Certamente, meu amigo - respondeu Silva. - No entanto, para cada enfermidade é preciso

medicamento apropriado. Para alguns casos, um simples elixir resolve a situação, para outros,

deve-se utilizar o remédio amargo, a seringa ou a cirurgia.

Entendi o recado do pai-velho, que conhecera na roupagem do companheiro Silva. Na verdade

nada poderíamos fazer por aqueles espíritos infelizes, além de orar. Os pedidos de ajuda

foram substituídos por palavrões e manifestações de ódio e ira, tão logo retomamos nosso

percurso”.

(Robson Pinheiro, livro Aruanda, fragmentos adaptados).

“Logo que penetramos as vibrações mais densas daquela área do plano extrafísico, ouvimos gritos

terríveis, gemidos e prantos que ecoavam pela escuridão sem estrelas. Os lamentos eram tão intensos

que Raul não se conteve e chorou. Gritos de mágoa, contendas e discussões, queixas iradas em diversas

línguas formavam um tumulto que tinha o som de uma tempestade. O médium, visivelmente abalado

com as vibrações que percebia, trazia nos pensamentos imagens que emergiam de regiões mais profundas do seu
psiquismo, realçando o que ocorria ali com as cores vivas das emoções das quais era portador.

— Pai João, quem são esses espíritos que sofrem tanto e se expressam com tamanha dor? — perguntou o
companheiro Raul, após empreender um esforço incomum para dominar as imagens que

emergiam de seu interior.

Olhando-o amorosamente, João Cobú demonstrou conhecer-lhe as lutas íntimas e os pensamentos

mais secretos. Respondeu pausadamente, dando tempo para assimilarmos a triste realidade daquele

lugar:

— Esta é a situação daquelas pessoas que não se definiram no mundo pelo bem divino, colocando-se numa posição
neutra, o que já representa um mal em si. Misturam-se com a multidão de seres e

confundem-se com os quiumbas, arrastando-se por entre a turba de marginais do astral. Não assumiram

uma posição clara e resoluta durante suas vidas; assim, meu filho, do lado de cá do véu que separa as

duas realidades, são arrastadas como num vendaval, sem encontrar forças para se subtraírem às influências
daninhas dos espíritos delinquentes. Seu sofrimento representa a angústia de quem sabe não

estar bem, mas julga não possuir recursos próprios para se libertar. A imagem que observamos neste

momento nos lembra uma águia, que, podendo singrar os céus, permanece com os pés enlameados,

presa a perigoso pântano.

A imagem evocada por Pai João não poderia ser mais perfeita, pois aquele bando de seres sofredores parecia se
contorcer em meio a um lamaçal de imenso poder magnético. Era uma espécie de areia

movediça do Além, ainda que suas presas não submergissem nela. A chamada lama astralina retinha

os espíritos prisioneiros ao solo da região, como se fora um lodo pegajoso; ao tentarem se libertar, eram

puxados de volta. A matéria astral da qual era composta a lama era viscosa e grudava como uma cola

poderosíssima, evitando que pudessem fugir. Conseguiam se locomover, embora sempre com os pés

mergulhados no solo astral de estranha aparência; escapar dali, porém, era algo aparentemente fora de
alcance. [...] Essa classe de espíritos compõe a imensa legião dos chamados encostos, que se aproximam dos
encarnados para se sentirem aliviados. Advêm desse contingente os chamados sofredores -, muitas vezes percebidos
pelos médiuns, que captam suas vibrações

doentias e entram também num processo de adoecimento.

— Então eles não fazem parte da legião de quiumbas, os marginais do mundo oculto? — indagou

Raul, surpreso.

— Digamos, meu filho, que os marginais os utilizem da mesma forma como eles próprios são

manipulados por espíritos perversos, sem que o saibam. Por exemplo: imagine a hipótese de um elemento da malta
de marginais ou quiumbas ser contratado por algum espírito mais especializado inteligente, a fim de provocar um
processo de enfermidade em alguém. Como procederá? O tal marginal

levará cativo em suas vibrações alguns desses sofredores, e, havendo sintonia mental e emocional com

o encarnado, ambos os espíritos se acoplam à aura do infeliz. Nessa circunstância, o sofredor absorve

certos fluidos animalizados, sentindo-se aparentemente mais revigorado, enquanto a vítima do processo

obsessivo padece das dores e dos incômodos daquele ser, que aos poucos são transferidos para seus

corpos etérico e físico”.

(Robson Pinheiro, livro Legião, fragmentos adaptados).

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