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Metodologias para a identificação de elites: três exemplos clássicos [Methods


for identifying elite: three classic examples]

Chapter · December 2015


DOI: 10.13140/RG.2.1.3844.9522

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1 author:

Adriano Codato
Universidade Federal do Paraná
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State elite and economic bureaucracy: a prosopography of the decision makers and managers of economic instruments within Brazil’s Public Administration View
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Como estudar elites
Renato Perissinotto
Adriano Codato (orgs.)
Como estudar elites
Reitor
Zaki Akel Sobrinho

Vice Reitor
Rogério Andrade Mulinari

Pró-Reitora de Extensão e Cultura


Deise Cristina de Lima Picanço

Diretora da Editora UFPR


Suzete de Paula Bornatto

Vice-Diretor da Editora UFPR


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Conselho Editorial
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Emerson Joucoski
Everton Passos
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José Carlos Cifuentes Vasquez
José Eduardo Padilha de Souza
Marcia Santos de Menezes
Como estudar elites
Renato Perissinotto
Adriano Codato (orgs.)
® Renato Perissinotto e Adriano Codato (orgs.)

Como estudar elites

Coordenação Editorial
Lucas Massimo

Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica


Indústria Inc.

Revisão
Lucas Massimo e Fernando Leite

Capa
Indústria Inc.

Foto de capa
Renato Perissinotto

Série Pesquisa, n. 290


Ref. 823

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


SISTEMA DE BIBLIOTECAS – BIBLIOTECA CENTRAL
COORDENAÇÃO DE PROCESSOS TÉCNICOS

Como estudar elites / Renato Perissinotto, Adriano Codato (orgs.). –


Curitiba : Ed. UFPR, 2015.
319 p. : il. – (Pesquisa; n. 290)

ISBN 978-85-8480-038-4
Inclui referências ao final de cada capítulo
Vários autores

1. Elites (Ciências sociais). 2. Metodologia. I. Perissinotto, Renato M.


(Renato Monseff), 1964-. II. Codato, Adriano Nervo. III. Série.

CDD 305.5

Andrea Carolina Grohs CRB 9/1384

Direitos desta edição reservados à


Editora UFPR
Rua João Negrão, 280 - Centro
Tel.: (41) 3360-7489
80010-200 - Curitiba - Paraná - Brasil
www.editora.ufpr.br
editora@ufpr.br
2015

Esta obra foi publicada com recursos do Programa Nacional de


Cooperação Acadêmica (Procad) referentes ao projeto “Compo-
sição e recomposição de grupos dirigentes no Nordeste e no Sul
do Brasil” desenvolvido em parceria entre UFPR, PUC-RS e UFS.
"Toda pesquisa científica requer
paciência, autodisciplina e uma ines-
gotável capacidade de se aborrecer".
Terry Eagleton.
Sumário

Introdução: como estudar elites? 9


Renato Perissinotto e Adriano Codato

Capítulo 1 Metodologias para a identificação de elites: 15


três exemplos clássicos | Adriano Codato

Capítulo 2 O uso do survey no estudo do recrutamento político: 33


limites e vantagens | Bruno Bolognesi e Renato Perissinotto

Capítulo 3 O desenho e as fontes da pesquisa com elites 63


parlamentares brasileiras no século XX | Luiz Domingos
Costa, Lucas Massimo, Paula Butture e Ana Paula Lopes

Capítulo 4 Análise de elites em perspectiva relacional: a 95


operacionalização da Análise de Redes Sociais (ARS)
Emerson Urizzi Cervi

Capítulo 5 Viagem pela alta hierarquia: pesquisa de campo 121


e interações com elites eclesiásticas | Ernesto Seidl

Capítulo 6 Pesquisando grupos profissionais: dilemas clássicos 151


e contribuições recentes | Fernanda Petrarca

Capítulo 7 Antropologia, política e etnografia: fronteiras disciplinares 187


e trabalho de campo | Wilson José F. de Oliveira

Capítulo 8 Os empresários enquanto elite: a pesquisa empírica 217


Paulo Roberto Neves Costa

Capítulo 9 A prosopografia explicada para cientistas políticos 249


Flavio Heinz e Adriano Codato

Apêndices metodológicos  279

Apêndice 1 | Como elaborar um survey281


Apêndice 2 | Como formar matrizes de dados biográficos 291
Apêndice 3 | Como produzir uma ficha prosopográfica 301
Apêndice 4 | Como preparar um questionário com questões abertas 309

Sobre os autores 318

Como estudar elites.indb 7 2/22/16 12:15 PM


Introdução:
como estudar elites?

GUIAS DE METODOLOGIA de pesquisa dão dois significados ao termo


“método”: ora o entendem como a estratégia geral da investigação cien-
tífica (com ênfase na lógica do trabalho, nos padrões de análise ou no me-
canismo das explicações), ora como as técnicas de seleção, validação, pro-
cessamento e análise de dados. Este livro concentra-se nas técnicas, mais
exatamente nos procedimentos práticos para o estudo de um objeto em
particular: os grupos dominantes na hierarquia social.
Não há uma receita para abordar esse assunto. As estratégias empregadas
tendem a ser muito variadas e, em alguns casos, complementares. Essa di-
versidade de procedimentos é resultado natural tanto dos múltiplos propó-
sitos pretendidos pelos investigadores, quanto da variedade de evidências
fornecidas por estudos com elites. Além disso, um procedimento – análise
estatística inferencial com vinte mil candidatos a deputado ou etnografia
multinível com um único caso – pode funcionar melhor num determinado
estágio da pesquisa; outro procedimento, no estágio seguinte. Pesquisas

9
Como estudar elites

como as de Donald Searing sobre as carreiras de políticos profissionais no


“universo de Westminster”, interessadas em entender a ambição política,
podem apelar tanto para a análise dos efeitos das regras sobre a configu-
ração dos vários papéis sociais na instituição (lobistas, líderes de partido,
ministros), quanto para as características pessoais daqueles que estão in-
vestidos dessas funções, características essas verificadas em longas en-
trevistas face a face com todo tipo de representante (insiders, outsiders,
backbenchers, sindicalistas, empresários, etc.). O fundamental é saber que
técnica empregar para que tipo de fenômeno, se e quando um determina-
do artifício pode ou não ser bem aproveitado. Purismos metodológicos e a
adição a procedimentos fixos para tratamento de dados empíricos reforçam
identidades de grupos científicos, mas trazem prejuízo à ciência das coisas.
Quando se consulta a literatura já publicada sobre classes dirigentes, a
disparidade de abordagens dos objetos empíricos e o caráter idiossincrático
das questões de pesquisa nos faz perguntar se há qualquer sentido em reco-
mendar algum procedimento. Justamente por isso, este livro evita prescre-
ver receitas. Preferimos adotar o tom de “relato de campo” onde cada pes-
quisador ou grupo de pesquisadores narra a marcha da sua investigação, as
suas dificuldades e soluções práticas.
Todo trabalho de pesquisa vai da elaboração das questões a serem res-
pondidas, passa pela definição do objeto, pela escolha das variáveis, pela
identificação das fontes disponíveis e das evidências que delas se podem
extrair, pela elaboração do instrumento de coleta de dados, pela coleta de
dados propriamente dita, pela sua sistematização e ordenação, para, só en-
tão, analisar todo o material e, enfim, apresentar os resultados.
Contudo, esses procedimentos anteriores à publicação dos resultados
tendem a ser arquivados, ou, muitíssimo raramente, reutilizados em algu-
ma nova investigação por outro pesquisador. De uma maneira ou de outra,
ele quase sempre é mantido longe dos olhos do público. Assim, esse mesmo
público se vê impedido de tomar contato com o longo percurso de apren-
dizado prático que toda pesquisa envolve, seus erros e acertos, suas hesi-
tações, os bloqueios sucessivos de caminhos e as más escolhas que sempre
fazemos. É uma pena que seja assim, pois é certo que muito empenho indi-
vidual poderia ser poupado se as experiências referentes aos procedimen-
tos habituais de construção de uma investigação científica viessem a pú-
blico com mais frequência. Com isso, tempo, energia e dinheiro poderiam
ser mais bem direcionados e a própria apresentação de resultados finais
poderia ser mais rápida. Enfim, conhecer as grandes e pequenas medidas

10
Introdução

práticas tomadas por outros camaradas da mesma área de estudos pode


não apenas ajudar no desenvolvimento de mais trabalhos, como também
representar economia de escala em termos de recursos e tempo.
Em alguns países, a exposição das decisões tomadas no curso de uma
investigação é prática corrente. Há periódicos para veicular, ao invés dos
resultados, os procedimentos intermediários da pesquisa científica. No
Brasil, não há publicações dessa natureza em Ciência Política ou Sociologia
Política, de modo que os dados referentes aos labirintos do trabalho cientí-
fico raramente vêm à luz ou, quando vêm, aparecem na forma de relatórios
burocráticos de difícil acesso, destinados apenas a prestar contas à agência
de financiamento. Esta é a contribuição que este livro pretende produzir.
Não se pretende revelar os mecanismos de todo e qualquer tipo de pes-
quisa social. Seria de pouca ajuda uma obra que fosse uma reunião alea-
tória de pesquisas sobre “a política brasileira”, por exemplo, com pouco
ou nenhum contato entre si. Por essa razão, este livro tem uma unidade
temática. Todos os textos aqui reunidos trabalham com o problema das
elites ou dos grupos dirigentes em diversas dimensões da vida social: eli-
tes parlamentares, partidárias, eclesiásticas, econômicas, profissionais e
elites de movimentos sociais.
O primeiro capítulo tenta ser uma exposição didática de alguns dos mé-
todos de pesquisa consagrados para identificar grupos de elites. O segundo
capítulo mostra como uma investigação sobre o processo de recrutamento
e formação da nominata de candidatos dentro dos partidos políticos só po-
deria ser levada a termo por meio da aplicação presencial de um questioná-
rio. Uma vez tomada essa decisão, resta saber: qual seria o melhor forma-
to do questionário? O terceiro, sublinha que o estudo diacrônico da classe
política brasileira exige o uso intensivo de fontes documentais. Como são
apresentadas nessas fontes as evidências necessárias ao entendimento do
recrutamento e como se deve codificá-las? O quarto capítulo revela como a
análise de redes pode captar padrões ideológicos nos processos de coaliza-
ção política. Mas como usá-la? Quais são seus requisitos técnicos? O quinto
capítulo discute os percalços para se ter acesso à elite de uma organização
tão hermética como a Igreja Católica. Que estratégias o pesquisador deve
adotar para facilitar o acesso à alta hierarquia e como comportar-se numa
entrevista em que pesquisador e pesquisado pertencem a mundos tão dife-
rentes? O sexto capítulo analisa as dificuldades para se definir o que é “pro-
fissão”. Que procedimentos teóricos e metodológicos um pesquisador deve
utilizar para delimitar um campo profissional? O capítulo seguinte relata os

11
Como estudar elites

expedientes utilizados para o estudo de líderes de grupos que, normalmen-


te, não são tidos como “elites”, como é o caso nos movimentos em defesa
do meio ambiente. O oitavo capítulo analisa como é possível estudar a po-
sição política de elites econômicas. Essa elite deve ser definida em termos
patrimoniais (o tamanho da empresa) ou em termos de atuação institucio-
nal em organizações de classe? Uma vez definido o grupo, como acessá-lo
e que cuidados devemos ter ao formular questões sobre o que eles pensam
sobre a política? Por fim, o capítulo nove apresenta um resumo do que é e
de como se pode fazer prosopografia.
Esses são os problemas que este livro procura responder. A enorme
diversidade de questões é resultado da multiplicidade de objetos e de
preocupações teóricas e metodológicas que orientam as pesquisas aqui
relatadas. No entanto, a unidade da coletânea está garantida pelo fio que
conduz todos os textos e que pode ser resumido na pergunta que dá título
ao livro: como estudar elites?
Essa integração entre autores, temáticas, propósitos e objetos não é ca-
sual. Por meio do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica (Procad),
financiado pela Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Supe-
rior (Capes), professores de três instituições diferentes (Universidade Fe-
deral do Paraná, Universidade Federal de Sergipe e Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul) trabalharam coletivamente, de 2011 a 2015,
em projetos de pesquisa que tinham os grupos de elite como foco principal.
Este livro é o resultado deste esforço de reflexão conjunta.

Curitiba, inverno de 2015.

Renato Perissinotto
Adriano Codato

12
1. Metodologias para
a identificação de elites:
três exemplos clássicos
Adriano Codato

ESTUDOS SOBRE ELITES políticas podem ser reunidos em torno de quatro


grandes temas: exame de backgrounds sociais, análise de padrões de carrei-
ra, surveys sobre valores e atitudes de grupos de elite diante de temas pre-
cisos e pesquisas sobre interações entre grupos e seus graus de competição
e integração (HOFFMANN-LANGE, 2007, p. 911–912)1.
Seja qual for a temática investigada, duas questões se impõem antes de
tudo: de que artifício metodológico se lançar mão para identificar a elite?; e
como estimar o seu poder diante da não elite?

1
Para ilustrar, mencionamos aqui alguns trabalhos em cada domínio. Para backgrounds
sociais, ver (GÖHLMANN; VAUBEL, 2007; MATTHEWS, 1962). Para estudo de padrões de
carreira na política ver (BORCHERT; ZEISS, 2003; SCHLESINGER, 1966). Sobre valores de
elites, ver (CZUDNOWSKI, 1983; POWER; ZUCCO, 2012; PUTNAM, 1973). Sobre conflitos
intra-elite, ver (CODATO, 2015; HOFFMANN-LANGE; NEUMANN; STEINKEMPER, 1985).

15
Como estudar elites

O objetivo deste capítulo é expor e explicar, para aqueles muito inician-


tes, as metodologias empregadas nas pesquisas com elites políticas e sociais.
Assim, sintetizo as fórmulas para identificar posições de elite, já que uma
primeira dificuldade de todo o estudo nessa área é definir a população a ser
analisada. Isso implica em circunscrever “quem manda” ou quem faz parte
do círculo íntimo do poder e consegue influenciar decisões chave. Cientis-
tas políticos desenvolveram, no século XX, métodos sistemáticos para fazer
isso sem que se precise improvisar ou inventar uma metodologia a cada nova
pesquisa. Na primeira seção há uma síntese dos três padrões de análise co-
nhecidos para mostrar como toda definição de “quem manda” exige que se
pense três conceitos da teoria política: poder, influência e decisão. Na segun-
da seção, apresento como o Departamento Intersindical de Assessoria Parla-
mentar (DIAP) elabora, todos os anos, uma listagem dos políticos brasileiros
mais influentes intitulada Os “Cabeças” do Congresso Nacional. Nas três se-
ções seguintes, exponho detalhadamente vantagens e limites operacionais
dos métodos “posicional”, “decisional” e “reputacional”, enfatizando os
procedimentos práticos para aplicá-los e apontando algumas armadilhas.

1. Os padrões de análise para identificar posições de elite


Há três métodos consagrados (PUTNAM, 1976) nesse domínio de conheci-
mento para se definir a população a ser analisada.
O método posicional enfatiza que os que decidem são aqueles indivíduos
ou grupos que preenchem as posições formais de mando em uma comu-
nidade (diretorias de grandes empresas, cúpulas do Executivo, posições
superiores nas organizações políticas e militares). Sua grande vantagem é
identificar o maior número possível de indivíduos influentes com seguran-
ça. O livro mais representativo dessa abordagem é The Power Elite, de C.
Wright Mills (1956). Ele trata da solidariedade dos grupos dominantes dos
Estados Unidos em meados do século XX e do círculo de ferro formado pe-
las elites corporativas, políticas e militares.
O método decisional sustenta, por sua vez, que as pessoas com poder
são aquelas capazes de tomar as decisões estratégicas para uma comu-
nidade (ou influenciar as suas decisões mais importantes) e nem sempre
se confundem com aquelas que ocupam as posições formalmente de-
signadas como as mais relevantes. O estudo clássico aqui é o de Robert
Dahl, Who Governs? (1961), sobre a cidade de New Haven, em Connecti-
cut. Seu objetivo foi determinar “quem governa” uma comunidade, isto
é, entre os vários grupos de pressão e de interesse (incluindo também os

16
Metodologias para a identificação de elites

políticos profissionais), qual ou quais detêm influência suficiente para


estabelecer suas preferências nas decisões públicas2.
O método reputacional foi o método usado em Community Power Struc-
ture por Floyd Hunter (1953), uma monografia sobre Atlanta e depois apli-
cado em nível nacional no livro Top Leadership U.S.A. (1959)3. Trata-se de
um procedimento em duas etapas complementares. A primeira consiste em
elaborar uma lista ampla de lideranças em uma comunidade a partir das
posições formais que elas controlam em diferentes arenas decisórias (mé-
todo posicional). A segunda etapa consiste em submeter essa lista a espe-
cialistas solicitando que indiquem um pequeno número daqueles que são,
dentre os listados, os mais reputados, isto é, aqueles considerados como os
mais influentes ou os mais poderosos. O grupo de elite seria então formado
pelos que fossem mais vezes mencionados.
O quadro 1 a seguir resume como cada um desses métodos lida operacio-
nalmente com as noções de poder, influência e decisão.

Quadro 1. Poder, influência e processo decisório conforme os métodos posicional, reputacional e decisional

Método posicional Método decisional Método reputacional

Recursos de poder Poder de decisão Recursos de poder con- Recursos de poder


e influência formal cujas fontes são tingentes, dependentes posicionais e influência
as posições ocupadas das relações de força política com base
nas organizações funda- cambiantes entre uma no prestígio pessoal
mentais da comunidade pluralidade de grupos socialmente reconhecido

Envolvimento ativo Somente decisores


no processo decisório com poder político Atores políticos influen- Indivíduos considerados
tes, independentemente como influentes cujas
Envolvimento Decisores com mandatos de sua autoridade formal preferências são levadas
ativo e influência políticos e titulares de sobre o processo de em conta na tomada
política indireta no posições de liderança em tomada de decisões de decisão política
processo decisório organizações importantes

Fonte: Adaptado de Hoffmann-Lange (2007).

2
Dahl fornece uma descrição detalhada do método no apêndice do livro. É preciso calcu-
lar o número de iniciativas ou vetos bem-sucedidos de cada participante em uma decisão
e o número de insucessos. Em seguida deve-se considerar como mais influente o parti-
cipante que tiver a mais alta taxa de sucessos ou tiver a mais alta relação entre os seus
sucessos e o total de suas tentativas. Ver Dahl (1961, p. 331–333).
3
Hunter expõe minuciosamente o procedimento da pesquisa no apêndice. Ver Hunter
(1953 Apêndice).

17
Como estudar elites

Hoffmann-Lange chamou a atenção para uma coisa importante e que


normalmente tem passada despercebida: as diferenças entre essas metodo-
logias são substantivas. Enquanto a definição da população a ser estudada
pelo método decisional e posicional tende a incluir um maior número de
indivíduos e/ou grupos, a abordagem reputacional tende a restringir o uni-
verso observável (2007, p. 914). Vejamos a seguir como uma pesquisa com a
elite parlamentar brasileira consegue combinar esses métodos.

2. Identificando e hierarquizando elites na prática


No Brasil, o DIAP publica todos os anos a relação dos que são conside-
rados os parlamentares federais mais influentes (deputados e senado-
res). O propósito é “listar os operadores-chave do processo legislativo”.
A relação do DIAP é sempre composta por 100 nomes que “realmente
exercem influência no processo decisório do Poder Legislativo” (DIAP,
2014, p. 8). Como medir o poder desses agentes? Poder é entendido es-
sencialmente como habilidade, experiência, especialização ou posse de
recursos (“materiais, econômicos, organizacionais, humanos, técnicos,
partidários, ideológicos ou regionais”) passíveis de serem convertidos
em liderança política. Liderança ou influência política é, na definição
adotada pelo DIAP, “uma relação entre parlamentares na qual as pre-
ferências, desejos ou intenções de um ou mais parlamentares afetam a
conduta ou a disposição de agir de outros” (DIAP, 2014, p. 11). A meto-
dologia empregada é uma ilustração do método de Hunter combinado
com os outros dois. Primeiro são selecionados os membros, presidentes
e relatores das Comissões legislativas, as lideranças dos partidos polí-
ticos e os integrantes as Mesas Diretoras da Câmara e do Senado. Essas
são as posições-chave das duas Casas tal como estipuladas formalmente
pela estrutura da organização (método posicional). Em seguida, a equipe
de técnicos do DIAP, com o concurso de outros experts4, classificam os
parlamentares em função das qualidades que reputam mais significa-
tivas (método reputacional): debatedores, articuladores, formuladores,
negociadores e formadores de opinião (DIAP, 2014, p. 12–13). Todavia,

4
O DIAP faz entrevistas com os próprios deputados federais e senadores, e também
com os assessores da Câmara e do Senado, jornalistas, cientistas políticos e analistas
de conjuntura.

18
Metodologias para a identificação de elites

essas características e o poder de condicionar a opinião ou a ação de


outros parlamentares deve ser atestada na análise das decisões efetivas
tomadas na Câmara e no Senado (método decisional).
O trabalho de hierarquização e classificação que o Departamento Inter-
sindical de Assessoria Parlamentar faz dos “Cabeças” do Congresso Nacio-
nal permite ressaltar alguns princípios metodológicos em estudos de elites.
Primeiro, é preciso eleger um ou uma combinação de métodos de identi-
ficação do grupo de elite analisado (PAPPI, 1984). Cada um deles enfatiza o
aspecto fundamental que precisa ser levado em conta. No caso do método
posicional é indispensável conhecer a estrutura formal da organização, isto
é, o organograma, os aparelhos e os cargos, seus níveis de poder e as respec-
tivas capacidades de exercer influência estando em um aparelho ou cargo.
No caso do método decisional, toda dificuldade está em selecionar “a” ou
“as” decisões mais importantes para uma comunidade, já que isso não é ób-
vio. Assim, é indispensável estudar uma série de políticas de governo. Além
disso, essas políticas – a resultante final do processo decisório – têm de ser
geradoras de conflitos que oponham grupos distintos de elite. Doutra ma-
neira é impossível saber quem perde, quem ganha, quem tem, quem não
tem capacidade de tomar decisões públicas ou exercer sua influência sobre
elas. No caso do método reputacional, é preciso escolher uma e somente
uma arena sobre a qual um conjunto restrito de indivíduos tem a fama de
exercer seu poder/influência (não há grupo hegemônico que influencie to-
das as decisões executivas e legislativas durante todo o tempo).
Segundo princípio metodológico: é imprescindível explicitar a definição
de “poder” com a qual se está lidando. Essa dificuldade passa, necessaria-
mente, pela discussão teórica sobre o conceito de poder, suas noções corre-
latas (“influência”, “autoridade” ou “liderança”, etc.) e suas implicações
no domínio empírico para o desenho do estudo5. Passa ainda pela forma
como se concebe a distribuição do poder numa comunidade ou organiza-
ção. Uma estrutura de poder pode ser competitiva (Dahl), hierarquizada
(Mills) ou altamente integrada (Hunter).
Terceiro e último princípio metodológico que o relato das pesquisas anu-
ais do DIAP com os líderes do Congresso sugerem: é preciso criar indica-
dores empiricamente observáveis, isto é, mensuráveis em termos de grau,

5
Para um panorama desse debate, ver a entrada Community Power Debate na Encyclo-
pedia of Power (DOWDING, 2011, p. 122–126).

19
Como estudar elites

de presença ou de ausência, distribuição ou concentração, etc. para tentar


hierarquizar os grupos de elite (ou os indivíduos) conforme o maior ou me-
nor poder que eles enfeixam. Nesse sentido, um relatório de métodos em-
pregados e das variáveis utilizadas no estudo, como elas foram construídas,
com que finalidade e o que pretendem explicar é mais do que necessário.
Vejamos em detalhe como operar cada método para identificar e hierar-
quizar elites empiricamente.

3. O método posicional
De acordo com Wright Mills (1956), os membros da elite são aqueles que
“ocupam as posições estratégicas de comando da estrutura social”. Essas
posições, por sua vez, são estratégicas porque controlam “as principais hie-
rarquias e organizações da sociedade moderna”: o aparelho do Estado, as
forças armadas e as grandes empresas capitalistas.
Em que pese a tautologia embutida na definição de quem é a elite, di-
zemos que esta é uma definição “posicional”, uma vez que a elite é discri-
minada em função das posições de comando que ela ocupa. Essas posições
são “institucionais”, isto é, para fazer parte da elite não é suficiente ocu-
par posições informais de mando, mas formais, nas principais instituições
econômicas, políticas e militares de uma dada sociedade. Escreve Mills: “A
riqueza não se centraliza na pessoa do rico. A celebridade não é inerente
a toda e qualquer personalidade. Ser célebre, ser rico, ter poder, exige o
acesso às principais instituições, pois [são] as posições institucionais [que]
determinam em grande parte as oportunidades de ter e conservar essas ex-
periências a que se atribui tanto valor” (MILLS, 1956 capítulo 1).
Isso posto – a elite é aquele grupo social que ocupa, controla e comanda
as principais instituições de uma comunidade –, poderíamos formular, a
partir de Mills, seguindo os passos do seu livro, uma lista de procedimentos
“metodológicos” para os estudiosos dos grupos dirigentes.
Em primeiro lugar, é preciso se perguntar: quais são as instituições mais
importantes de uma sociedade determinada? Sociedades são históricas,
isto é, suas características variam ao longo do tempo (e também geografica-
mente, frise-se). Assim, não há “a” instituição ou “a” organização que con-
centra desde sempre todos os meios de poder. Em segundo lugar, uma vez
determinada a ou as instituições principais, é preciso descrever seus traços
fundamentais: seu poder é abrangente ou não, ou seja, afeta muitas áreas
da vida em comum ou da vida de indivíduos?; essas instituições exercem o
poder em regime de monopólio, oligopólio ou são concorrentes?

20
Metodologias para a identificação de elites

Em terceiro lugar, é preciso saber se as cúpulas dessas instituições,


seus ocupantes, estão ou não ligados entre si formando aquilo que Mills
chamou de uma “elite do poder”, e como é efetivamente essa ligação. As
questões aqui são do seguinte tipo: há evidências de conexões entre os
indivíduos que comandam as ordens institucionais principais?; qual é a
intensidade dessas conexões: forte, fraca?
Em quarto lugar, é preciso saber que tipo de recurso social confere poder
ao grupo ou aos grupos mais importantes. Aqueles que pertencem à elite
possuem, segundo Mills, “uma parte maior que os demais nas coisas e nas
experiências mais altamente valorizadas [pela sociedade]. Assim, a elite é
simplesmente o grupo que tem o máximo que se pode ter de [...] dinhei-
ro, poder e prestígio” (MILLS, 1956 capítulo 1). De onde vêm esse prestígio,
esse poder e esse dinheiro? É precisamente devido à posição central “nas
grandes instituições, que são a base necessária do poder, da riqueza e do
prestígio, e ao mesmo tempo constituem os meios do exercício do poder,
de adquirir e conservar riqueza, e de desfrutar as principais vantagens do
prestígio” que a elite é, afinal, elite (MILLS, 1956 capítulo 1).
Em quinto lugar, o controle dos recursos sociais mais valorizados por de-
terminados indivíduos que circulam pelas diferentes posições de elite pro-
duz o que Wright Mills chama de o “tipo de pessoa” característico daqueles
que dominam uma sociedade determinada. Essa noção é especialmente
útil: o tipo de pessoa de “elite” que uma organização social produz, traz ins-
crito nela aquilo que essa comunidade mais valoriza.
O sexto passo que podemos deduzir de A elite do poder é a necessidade
de delimitar afinal qual o tamanho da elite que realmente manda. Há uma
linha de corte acima da qual podemos dizer que um grupo de elite tem mais
poder do que outro? Para Mills, fazem parte das altas rodas executivos, po-
líticos e comandantes militares que tomam decisões de caráter nacional,
capazes de afetar toda a comunidade.
Por último, o sétimo procedimento metodológico para circunscrever e
descrever “a elite do poder” exige que se delimite o tipo de unidade desse
grupo. Esse atributo é bem mais exigente do que o descrito no terceiro pas-
so (conexões eventuais entre os indivíduos da elite através das instituições
que comandam). Um grupo de elite pode estar fechado em si mesmo graças
à sua: i) unidade “psicológica”: nesse caso, o grupo partilha a mesma hie-
rarquia de valores, as mesmas concepções de mundo, os mesmos princí-
pios; ii) unidade com base em “interesses”: as relações entre os indivíduos
que comandam as instituições-chave de uma sociedade pode gerar uma co-

21
Como estudar elites

munidade de interesses afins entre eles que devem ser perseguidos pelo gru-
po; e iii) unidade de “ação”: a proximidade entre os interesses perseguidos
pelas cúpulas das instituições centrais de uma comunidade pode produzir
uma ação coordenada entre elas a fim de atingirem mais facilmente seus
fins (MILLS, 1956 capítulo 1).
Essas etapas aqui descritas resumidamente foram pensadas por Wright Mills
para analisar uma sociedade. Podemos, entretanto, adaptá-las para uma insti-
tuição em particular. Por exemplo, se estudamos o Parlamento de um deter-
minado país, as mesmas questões se colocam. De saída: quem manda?; ou por
outra, quem é a elite do Legislativo nacional? Devemos assim buscar nas insti-
tuições formalmente descritas como sedes do poder essa resposta. Poderíamos
dizer: o presidente e todos os indivíduos que ocupam a mesa diretora da Casa.
A partir daí todos aqueles passos descritos acima precisariam ser dados: qual é
tipo de poder desse grupo e como ele é exercido; saber se esses indivíduos for-
mam um grupo coeso; que recursos eles conseguem mobilizar para chegarem
e se manterem nessa posição de “elite da elite” política; quais são as caracterís-
ticas desses indivíduos; qual o seu tamanho e o que os mantém unidos.

4. O método decisional
O método posicional para identificar qual é o grupo de elite é bastante in-
tuitivo e de fácil operacionalização. A elite é aquela que controla posições
formais de mando numa dada sociedade ou organização.
Mas o método posicional falha em três raciocínios básicos. Primeiro, as-
sume que quem controla as posições formais de mando possui, por isso,
a capacidade efetiva de tomar as decisões mais importantes para uma so-
ciedade ou organização, o que nem sempre é correto. Segundo, não leva
suficientemente em conta aqueles que têm o poder de impedir que certas
iniciativas de determinados grupos sejam transformadas em demandas; ou
impedir que essas demandas se tornem questões políticas e, a partir daí,
objeto de deliberação pelos governos; ou que, uma vez deliberadas, cer-
tas decisões sejam implementadas. E, terceiro, que só é possível saber se
um grupo de elite é elite e manda de fato, tem poder, estudando o ciclo do
processo decisório. É, segundo Robert Dahl, através da análise de decisões
concretas de governo que se pode determinar quem, efetivamente, possui a
capacidade de influenciar as decisões públicas. Este é o método decisional.
Os princípios do método decisional foram sistematizado por Dahl num
célebre artigo publicado na American Political Science Review em fins dos
anos cinquenta (1958). De acordo com ele, para se determinar quem gover-

22
Metodologias para a identificação de elites

na e quem é governado, quem tem poder de iniciativa, quem tem poder


de veto, só é possível responder de forma suficiente esses pontos “by an
examination of a series of concrete cases where key decisions are made:
decisions on taxation and expenditures, subsidies, welfare programs, mili-
tary policy, and so on”6 (DAHL, 1958, p. 469).
O artigo de Dahl desloca a pergunta fundamental colocada por Wright
Mills – quem é a elite numa comunidade – para uma questão ainda mais
ambiciosa e que está na base de toda a reflexão política: o que é o poder e
como podemos provar que um grupo tem, de fato, poder sobre outros.
Mas como medir isso? Testes nesse campo são problemáticos se não se
tem presente que é preciso diferenciar potencial de controle de um grupo
sobre uma questão-chave para a comunidade de controle efetivo sobre a
política em questão. Além disso, é preciso ter presente que uma ação polí-
tica efetiva é tanto mais provável se e somente se um grupo é capaz de agir
unido (é o que Dahl cama de potencial de unidade). Em seguida, não se deve
assumir que a ausência de igualdade política numa comunidade prova, por
si mesma, a existência de uma elite poderosa. Além disso, não é porque um
grupo tem um alto grau de influência numa área (educação, por exemplo)
que ele terá em todas (urbanismo, tributos, transportes, etc.), a menos que
isso seja constatado empiricamente (DAHL, 1958, p. 464–465).
Alternativamente, Dahl propõe um teste de hipótese para saber se há,
numa dada comunidade, uma elite governante baseado em três condições:
i) a elite dirigente hipotética deve ser um grupo bem definido empiricamen-
te, com contornos claros; ii) deve-se escolher uma quantidade razoável de
casos envolvendo decisões políticas chave, onde as preferências da suposta
elite dirigente estariam em confronto com as preferências de outros grupos
(a serem determinados); e iii) deve-se então provar, através do estudo dos
conflitos envolvendo as preferências da suposta elite dirigente contra as
preferência de outros grupos, que as primeiras prevalecem com uma boa
regularidade (DAHL, 1958, p. 466). Por isso, para comparar o potencial de
influência sobre decisões de dois grupos distintos (que podem ser classes,
partidos, etc.), é preciso, antes de tudo, saber que objetivos cada um deles
persegue, que interesses defendem (1958, p. 463–464).

6
Tradução: “através de um exame de uma série de casos concretos onde são tomadas
decisões importantes: decisões sobre tributação e gastos, subsídios, programas de bem-
-estar social, política militar, e assim por diante”.

23
Como estudar elites

Há dois pontos cegos nessa formulação. O estudo do processo decisó-


rio é feito sobre decisões efetivas e não sobre decisões frustradas (“não
decisões”). Por isso, aqui também, como no caso do método posicional,
não se identifica quem impede decisões. O outro ponto, objeto de crítica
dos marxistas, é que as perspectivas elitistas ignoram quem se beneficia
das decisões públicas. Esses de fato são dois problemas dessas aborda-
gens, mas o raciocínio dos estudos marxistas é igualmente problemá-
tico, seja porque sua ênfase nos condicionantes das estruturas sociais
faz com que se desinteressem completamente por estudar quem decide,
quem governa (PERISSINOTTO; CODATO, 2009); seja porque assumem
que quem se beneficia de determinada política de Estado deve estar, ne-
cessariamente, na origem dela.

5. O método reputacional
O método reputacional, como mencionamos mais acima, foi utilizado por
Floyd Hunter em Community Power Structure: A Study of Decision Makers
(1953). O livro conduziu os estudos sobre governo a um novo patamar ao
tentar compreender o jogo político olhando para grupos sociais específicos
de uma comunidade específica. Community Power Structure é uma pesquisa
monográfica sobre Atlanta, uma cidade média, à época com 500 mil pessoas,
no estado da Georgia, EUA. Hunter recupera e amplia os estudos políticos
de comunidades na tradição de Democracy in Jonesville (1949), de William
Lloyd Warner (STRONG, 1954). Trata-se de uma análise empírica sobre o que
é o poder, os tipos de poder que existem e como ele está distribuído entre os
grupos minoritários. Sua motivação é encontrar onde está, ou quem detém,
melhor dizendo, o “real power” por detrás do “formal power”.
Community Power Structure mostrou que o poder nos Estados Unidos
nos anos 1950 numa “regional city” estava concentrado – e não disperso
em múltiplos grupos de interesse que concorriam entre si. Além disso,
mostrou que se ele era gerido a partir da prefeitura municipal (adminis-
tration), não era ali que era produzido (policy). Esse poder estava reuni-
do nas mãos de uma pequena elite – top leaders –, formada por homens,
brancos, na sua maioria empresários de negócios e bancos, que estavam
interconectados, e as decisões que realmente importavam eram tomadas
no Piedmont Country Club. Nesse sentido, as análises de Hunter irão evi-
denciar que onde se decidem as coisas fundamentais, raramente (ou qua-
se nunca) são os comitês burocráticos, escritórios políticos ou repartições
administrativas formalmente designadas para tanto.

24
Metodologias para a identificação de elites

Hunter pediu a quatorze cidadãos, em geral profissionais liberais de alta


classe média, que tinham um bom conhecimento sobre como as coisas
funcionavam em Atlanta, que escolhessem apenas dez nomes de uma lista das
175 pessoas importantes. Hunter compilou essa lista de 175 notáveis a partir
das posições formais eles que ocupavam na cidade, isto é, na Chamber of
Commerce, na League of Women Voters, no Community Council, no comando
dos jornais locais e entre os líderes comunitários. Ele indagou então a cada
um daqueles 14 cidadãos bem informados mais ou menos o seguinte: “se
houvesse um projeto na cidade que devesse ser decidido por um grupo de
super-líderes, reconhecidos por quase todos como tais, você poderia escolher
dez dentre eles nessa lista de 175 que elaborei?” Após checar as indicações
repetidas com mais frequência, surgiram quarenta indivíduos reputados,
considerados pelos quatorze como os influentes de Atlanta. Vinte e sete deles
foram então entrevistados. Nova rodada de questões foram então feitas a esse
subgrupo. Hunter pediu que eles indicassem os líderes mais importantes da
cidade, dissessem o quão bem conheciam aquelas pessoas e quais eram os dois
principais problemas de Atlanta. Esses vinte e sete indicaram mais cinco líderes
que não estavam naquela relação original dos quarenta, mas concordaram
que aqueles quarenta eram os mais poderosos7. Essa relação, que ao final
somava 45 nomes, e que poderíamos chamar de a “elite da elite”, não é uma
amostra probabilística, no sentido estatístico, mas pretendia ser representativa
dessa população que transitava pelo restrito círculo do poder (HUNTER, 1953).
A estratégia de pesquisa empregada por Hunter, que supõe acesso aos
maiorais de uma comunidade, dezenas de entrevistas sistemáticas e obser-
vação direta, o que nem sempre é possível para pesquisadores iniciantes,
foi grandemente facilitada pelo seu conhecimento prévio do terreno. Hun-
ter chefiou, de 1946 a 1948, o Atlanta Community Council. Essa experiência
pessoal no segundo escalão da burocracia do serviço social da cidade lhe
valeu o embasamento que mais tarde seria utilizado para desenvolver seu
esquema analítico e escrever sua tese de doutorado em Sociologia e Antro-
pologia em 1951 sobre a estrutura de poder numa comunidade8.

7
Hunter também entrevistou 34 líderes da comunidade negra e 14 assistentes sociais e
planejadores urbanos. Fez a eles a maioria das perguntas que ele tinha feito aos princi-
pais líderes da comunidade. A partir desse grupo de controle, ele foi capaz de precisar
as informações que possuía sobre as relações econômicas, políticas e pessoais entre os
poderosos (DOMHOFF, 2005).
8
<http://www.encyclopedia.com/topic/Floyd_Hunter.aspx>. Acesso em: 2 set. 2015.

25
Como estudar elites

Existem, entretanto, algumas dificuldades apontadas por vários críti-


cos ao método reputacional. A primeira é sustentar (e não supor como hi-
pótese) que haja um conjunto de pessoas altamente influentes e que isso
possa, além de tudo, ser identificado. A segunda é concentrar-se apenas
na face pública, na face mais visível do poder, ignorando outras arenas.
A terceira dificuldade é assumir o pressuposto de que são os indivíduos
os sujeitos do poder numa sociedade cada vez mais organizada em tor-
no de instituições (governos, partidos, igrejas, sindicatos, etc.). Em tal
ordem social, os indivíduos que comandam essas instituições são inter-
cambiáveis e podem ser invisíveis aos olhos do público, mesmo do mais
informado. Um quarto problema da abordagem reputacional é assumir
que “poder” é aquilo que as pessoas acham que ele é, sem que se orien-
te o respondente sobre que tipo de poder a pesquisa procura (CLEGG,
1989, p. 49–50).
Teoricamente, nada garante que, ao se repetir o mesmo estudo no
mesmo lugar, mas em momentos distintos, se chegará a encontrar o
mesmo grupo de pessoas influentes ou a mesma “estrutura de poder”.
Todavia, os achados de Floyd Hunter se mostraram poderosos. Jennings
(1964) encontrará 57 dos 59 nomes identificados no estudo piloto e,
entre os top leaders, 23 dos 27 entrevistados por Hunter uma década
antes e concluirá que a técnica empregada em Community Power Structure
“measures more than simply respect, popularity, or social status. It
serves to locate people of consequence in community decision making”
(JENNINGS, 1964, p. 164 apud Domhoff 2005). Stone (1976), que analisou
o programa de renovação urbana de Atlanta entre 1950 e 1970, conseguiu
mostrar que os conflitos de interesse em torno do redesenho da cidades,
seus personagens e suas forças relativas faziam de Atlanta uma cidade
mais próxima daquela descrita por Hunter do que a New Haven de Dahl
(DOMHOFF, 2005).
De toda forma, caso se decida utilizar a metodologia reputacional, de-
ve-se observar algumas indicações. Eleger bem os especialistas que irão
reduzir, graças ao conceito gozado na comunidade, o grupo maior no
grupo menor (ou seja, aqueles 14 que indicaram 40 dos 175 da relação
original de Hunter), é uma recomendação importante para, em seguida,
se perguntar diretamente aos poderosos quem, dentre eles, são os mais
poderosos. Assumir que toda seleção tem um viés e que as indicações
dos mais influentes são subjetivas e dependem tanto das preferências
como do nível de conhecimento que um indivíduo tem da elite e de

26
Metodologias para a identificação de elites

como a política de fato funciona. Por fim, esse método é operacionali-


zável em pequenas ou em médias comunidades e com um universo bem
delimitado, passível de ser entrevistado. A partir de certo tamanho, há
muitos atores, muitas variáveis, muitos tipos de políticas, muitas arenas
com as quais se deve trabalhar9.

Conclusões
Todos esses três métodos não se diferenciam entre si em um postulado. O
“poder” é sempre entendido aqui como “capacidade de tomar decisões”
(ou como a competência para influenciar aqueles que têm, formalmen-
te, a função política de tomá-las: prefeitos, burocratas, gestores, etc.). O
objetivo essencial desses três autores foi estabelecer um método onde se
pode provar que um grupo tem poder ou tem mais poder do que outros,
já que essa é uma medida relacional. Nesse sentido, toda a discussão se
concentra em torno da definição dos indicadores empíricos que serão
utilizados para testar se um determinado grupo – que pode ser político,
econômico, social, etc. – detém ou não poder e o quanto poder ele de-
tém. Mas esses procedimentos não permitem identificar quem impede
que decisões públicas sejam tomadas (embora os procedimentos descri-
tos por Floyd Hunter tenham um bom potencial para isso); nem quem
se beneficia das decisões dos governos. Assim, não devemos pedir mais
do que eles podem nos oferecer, por exemplo uma teoria política sobre o
mundo social. No entanto, há uma dificuldade maior e mais importante:
o que esses métodos não discutem é o que poderíamos chamar de os fun-
damentos estruturais do poder.
As condições de acesso a postos de elite, isto é, as colocações privile-
giadas numa comunidade, o controle desigual de recursos (econômicos,
políticos, ideológicos), e o grau variável de influência de certos grupos
sociais estão, conforme o postulado dos marxistas, condicionados funda-
mentalmente, ainda que não exclusivamente, por seu lugar na estrutura
social (OFFE; WIESENTHAL, 1984). Grupos – frações de classe, camadas

9
Ver sobre esse ponto a crítica de Dahl (1960) ao livro de Hunter (1959) sobre os EUA.
O método reputacional se assemelha com a técnica de construção de amostragens
snowball (“cadeia de informantes”). Ela consiste em descobrir, para o caso de popula-
ções pouco acessíveis, quem são os seus integrantes a partir de indicações sucessivas
dos seus membros (‘Discovering new influential individuals by asking others’). Ver para
mais detalhes Goodman (1961).

27
Como estudar elites

ou categorias sociais – podem estar em posições mais altas ou mais baixas


na estrutura de classes, mais próximos ou mais distantes dos centros de
poder político, dentro ou fora dos sistemas de propriedade econômica,
etc. Isso determina de antemão a estrutura de oportunidades políticas10
de cada um e qualifica, de saída, quem pode e quem não pode ascender a
posições de mando numa comunidade.
Nesse sentido, essas são metodologias para verificar, empiricamente,
se, quando e de que maneira um determinado grupo de elite atua para
influir ou impor uma decisão política. Elas não servem, ainda que Wri-
ght Mills tenha pretendido, para compreender o universo sociopolítico de
uma era ou de uma civilização. O termo “estrutura de poder”, de Floyd
Hunter, é para ser empregado de maneira descritiva e não como um sinô-
nimo de sistema de dominação social, algo muito mais amplo. E as indica-
ções práticas de Dahl são um princípio para se começar a medir o grau de
participação que um dado sistema político permite. Mas não uma medida
completa de democracia.

10
Para a expressão, ver Tarrow (1994).

28
Metodologias para a identificação de elites

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Cambridge: Cambridge University Press, 1994.

30
Sobre os autores

Adriano Codato é professor de Ciência Política na Universidade Federal do


Paraná (UFPR) e editor da Revista de Sociologia e Política
(www.scielo.br/rsocp). Realizou estágio de pós-doutorado no
Centre européen de sociologie et de science politique de la
Sorbonne (CESSP-Paris). Coordena o Observatório de elites
políticas e sociais do Brasil (http://observatory-elites.org/). É
pesquisador do CNPq.

Ana Paula Lopes é mestre em Ciência Política pelo Programa de Pós-Gradua-


ção em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e doutoranda em Ciência Política na Universidade Fe-
deral do Rio Grande do Sul.

Bruno Bolognesi é professor de Ciência Política na Universidade Federal do


Paraná (UFPR), doutor em Ciência Política pela Universidade
Federal de São Carlos (UFSCAR) e pesquisador do Núcleo de
Estudos dos Partidos Políticos Latino-Americanos (NEPPLA) da
mesma universidade e do Núcleo de Pesquisa em Sociologia
Política Brasileira (NUSP/UFPR).

Emerson Urizzi Cervi é doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de


Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e professor do Progra-

318
Sobre os autores

ma de Pós-Graduação em Ciência Política e do Programa de


Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal
do Paraná (UFPR).

Ernesto Seidl é doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio


Grande do Sul, professor do Programa de Pós-Graduação em
Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Uni-
versidade Federal de Sergipe (UFS). É pesquisador do CNPq.

Fernanda é pós-doutora em Sociologia pela Universidade Federal do


Rios Petrarca Rio Grande do Sul, professora do Programa de Pós-Gradu-
ação em Sociologia da Universidade Federal de Sergipe
(UFS) e pesquisadora do Laboratório de Estudos do Poder
e da Política (LEPP).

Flávio Heinz é doutor em História e Sociologia do Mundo Contemporâneo


pela Université de Paris X (Nanterre), professor visitante do Pro-
grama de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade
Federal do Paraná (UFPR) e pesquisador do Núcleo de Pesqui-
sa em Sociologia Política Brasileira (NUSP-UFPR).

Lucas Massimo é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciência


Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Editor Exe-
cutivo da Revista de Sociologia e Política (www.scielo.br/rsocp)
e pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política
Brasileira (NUSP-UFPR).

Luiz Domingos Costa é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciência Po-


lítica da Universidade Federal do Paraná (UFPR), professor da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e do Cen-
tro Universitário Uninter e pesquisador do Núcleo de Pes­quisa
em Sociologia Política Brasileira (NUSP-UFPR).

Paula Butture é mestre em Ciência Política pelo Programa de Pós-Gradua-


ção em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Sociologia
Política Brasileira (NUSP-UFPR).

Paulo Roberto é doutor em Ciência Sociais pela Universidade Estadual de


Neves Costa Campinas (UNICAMP) e Professor do Programa de Pós-Gradu-
ação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná
(UFPR). É pesquisador do CNPq.

Renato Monseff é pós-doutor pela University of Oxford, professor do Pro-


Perissinotto grama de Pós-Graduação em Ciência Política da Universi-
dade Federal do Paraná (UFPR) e coordenador do Núcleo
de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira (NUSP/UFPR).
É pesquisador do CNPq.

Wilson José é doutor em Antropologia Social pela Universidade Fede-


Ferreira de Oliveira ral do Rio Grande do Sul, professor do Programa de Pós-
-Graduação em Sociologia e do Programa de Pós-Gradua-
ção em Antropologia da Universidade Federal de Sergipe
(UFS). Pesquisador do Laboratório de Estudos do Poder e
da Política (LEPP-UFS) e do Observatório de Elites Políticas
e Sociais do Brasil (UFPR).

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