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ENGLAND, PORTUGAL AND LA PLATA RIVER BETWEEN THE YEARS OF 1808 AND 1811:
RELATIONS AND CONFLICTS
MURIEL PINTO
Universidade Federal do Pampa
São Borja – Rio Grande do Sul, Brasil
Email: murielpinto@unipampa.edu.br
Id-ORCID: 0000-0001-7004-690X
RESUMO ABSTRACT
A vinda da Família Real portuguesa para o Brasil, The arrival of the Portuguese royal family to
em 1808, acarretou uma nova configuração das Brazil in 1808, resulted in a new configuration of
relações políticas e comerciais especialmente political and trade relations, especially regarding
tangentes às relações Portugal e Inglaterra no the relations between Portugal and England,
Brasil colônia. O projeto da união de domínios in Colonial Brazil. The project of uniting the
ibéricos sul-americanos sob a figura da princesa Latin American Iberian domains under the
Carlota Joaquina foi um exemplo desta atuação. figure of princess’s Carlota Joaquina was an
Embora não tenha se consolidado esta união example of this practice. Although this political
político-administrativa das possessões coloniais and administrative union of American colonial
americanas, em especial na região do Prata, pôde- possessions, especially in the Prata region, did not
se observar o poder de influência e, por vezes, consolidate, the power of influence and sometimes
contradições de interesses, com que a Inglaterra, contradictions of interests could be noticed, in
por meio de seus representantes, agia sob os which England, through its representatives, acted
governantes ibéricos visando maximizar seus on the Iberian leaders, aiming to maximize their
ganhos, especialmente comerciais. earnings, especially the commercial trade ones.
Palavras-chave: América colonial; Influência Key words: Colonial America; English influence;
inglesa; Poder; Região do Prata Power; Prata Region
Cómo citar: Bernardino Colvero, Ronaldo, Muriel Pinto. (2021). “Inglaterra, Portugal e o Rio da Prata
entre os anos de 1808 e 1811: Relações e conflitos”. Revista Historia Social y de las Mentalidades, 25(1),
187-218. https://doi.org/:10.35588/rhsm.v25i1.4120
1. INTRODUÇÃO
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Os ingleses, por sua vez, ficaram desgostosos pelo fato de que iriam
participar da abertura dos portos em condição de igualdade com os outros países.
Eles acreditavam não ser “justo” partilhar de tarifas iguais para a entrada de seus
produtos nos portos coloniais brasileiros em razão, principalmente, da dívida
de “gratidão” que o monarca português tinha com a Grã-Bretanha, já que fora
escoltado pela força armada inglesa em sua vinda para o Brasil e, além disso,
assinara tratados de auxílio perpétuo com aquele país. Alan Manchester, em seu
livro Preeminência Inglesa no Brasil, no qual aborda as relações entre Inglaterra
e Portugal desde os primeiros tratados entre as duas nações, comenta, baseado
no relatório do Foreign Office1 de 03 de março de 1808, que dom João, após
chegar ao Rio de Janeiro, perguntou ao Sr. Hill se a Inglaterra estava satisfeita
com a abertura dos portos proporcionada pelo decreto de 28 de janeiro de 1808,
recebendo a resposta de que
1 O Foreign Office, ou “Gabinete Estrangeiro”, era a ligação direta dos ministros e embaixadores
ingleses nos países ao redor do mundo. Portanto, os relatórios enviados e recebidos pelas legações
estrangeiras inglesas constituem o arquivo “FO”, da base de dados da The National Archives, em
Kew, Inglaterra.
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2 Suíças: é a barba que se deixa crescer nos lados da face, comuns na Inglaterra e nos Estados
Unidos, principalmente nos séculos XVIII e XIX, e que veio a ser moda no Brasil a partir da
grande massa de ingleses que vinha negociar suas mercadorias em terras coloniais nos princípios
do século XIX.
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3 Em seu texto Sidney Smith – Um marinheiro herói, Kenneth H. Light traça toda a trajetória da
vida desse marinheiro inglês que se tornou, entre 1808 e 1810, um dos pivôs da tentativa de
proclamar dona Carlota Joaquina como rainha da América Espanhola. Segundo o mesmo autor,
Sidney Smith nasceu em Londres, em 1764, filho de Cornelius Smith, tido como “libertino” para
os moldes da época, e da filha de um rico comerciante londrino. Com a união de seus pais, o avô
deserdou a filha, mas, através dos apelos de uma tia materna, seus estudos foram custeados por
ele. Aos 13 anos iniciou sua carreira naval, passando a tenente em 1780. Durante vários anos
serviu à Marinha Inglesa, conquistando inúmeras vitórias em batalhas, principalmente travadas
no mar Mediterrâneo contra esquadras francesas sob o comando de Napoleão. Em 1807, já
como almirante, passou a ser responsável pela segurança da costa portuguesa. Com a vinda da
família real para o Brasil, Smith ganhou terras e permaneceu no país, até sua saída forçada por
Lord Strangford, sempre conspirando a favor da causa “carlotista”. Em 1838, foi condecorado
pela rainha Victoria com a Ordem da Grã Cruz do Banho. Acabou falecendo em decorrência
de um derrame em 1840, aos 76 anos. Para uma verificação mais detalhada sobre a vida e as
batalhas comandadas por Sidney Smith, consultar: Light, Kenneth H. “Sidney Smith - Um
marinheiro herói”. IHP. 11 ago 2003. Web. 27 abr 2005 http://ihp.org.br/26072015/lib_ihp/docs/
khll20030811.htm.
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período regencial.” Era natural de Londres, onde nasceu em 1778 (Presas 49).
Em 1806, Percy Clinton Smythe (seu nome de batismo) fora enviado para Lisboa
como secretário de embaixada, a fim de garantir as ligações entre Portugal e
Inglaterra, servindo ao mesmo tempo que o general Junot, por parte da França
(Manchester 63). Ao contrário do que afirma Magalhães Junior, Strangford não
veio ao Brasil junto com a família real, pois antes voltou à Inglaterra para receber
mais instruções, chegando ao Rio de Janeiro somente em 22 de julho de 1808
(Manchester 110).
Naquele momento, ainda estavam vivos na memória do governo britânico
os insucessos ocorridos durante os últimos dois anos em relação ao Rio da Prata.
Por isso, os planos que seriam postos em prática na América Meridional deveriam
ter objetivos bem traçados, a fim de não incorrer nos mesmos erros do Ministério
de Todos os Talentos,4 que não possuía uma visão homogênea sobre as ações
implementadas. Dessa vez, portanto, as orientações britânicas dirigiam-se mais
a insuflar a independência das colônias espanholas na América, especialmente
no Rio da Prata, do que a ameaçá-las com uma intervenção direta. E a relação
com a corte portuguesa instalada no Rio de Janeiro seria fundamental para essa
empresa.
Por isso, uma das primeiras medidas de Lord Strangford foi acercar-se
do ministro Sousa Coutinho, pois sabia de seu declarado anglofilismo, além
da importância que tinha no governo do príncipe regente dom João. De fato,
essa proximidade surtiria efeitos na medida em que, por simples sugestão ou até
mesmo pela pressão declarada, de modo geral, o conde de Linhares respeitaria a
opinião do representante inglês.
Entre março e abril de 1808, quando ainda não se tinham notícias dos
fatos ocorridos na península, Strangford não interveio nas medidas adotadas pelo
conde de Linhares com relação ao Vice-Reinado do Rio da Prata. Entretanto,
com a tomada do poder espanhol por Napoleão, em maio, e a declaração da
4 O governo conhecido como “dos Talentos”, teve lugar na Grã-Bretanha em fevereiro de 1806,
após a morte do primeiro-ministro William Pitt (O jovem) e do fracasso da terceira expedição
contra Napoleão em Austerlitz. Ficou conhecido por este nome por ter sido formado pelos mais
expoentes políticos britânicos do período, tais como: Lord Greenville (primeiro-ministro),
Charles James Fox (ministro do Exterior), William Windham (secretário da Guerra), além de
Henry Addington, Tom Greenville e Lord Holland. Com a morte de Fox, Lord Howick assumiu
o ministério do Exterior em setembro de 1806. Assim, formavam um governo de coalizão, mas
com maioria whig (liberal), que tinha como principal tarefa barrar o expansionismo francês. Este
governo teve fim em março de 1807, quando o rei Jorge III decide formar um governo que fosse
mais maleável, com maioria tory (conservador). Ver mais detalhes da formação e das campanhas
durante o governo do Ministério de todos os Talentos no capítulo III de Gallo 73-102.
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Dessa maneira, dona Carlota iniciava suas tratativas para ter o controle
sobre o Império espanhol na América, mas, principalmente, sobre o Rio da Prata,
para onde pretendia mudar-se caso tudo corresse como desejava. Assim, no
mesmo manifesto, ambos os príncipes espanhóis seguiam insistindo:
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priori, que dom Pedro Carlos pudesse exercer a pressão necessária para aceitação da regência, mas
sendo inclinado, posteriormente, a aceitar Carlota como uma saída para a concretização desses
planos, já que percebeu na princesa maior destreza e astúcia para os assuntos políticos. Ver mais
em Azevedo, Carlota Joaquina na corte do Brasil 93.
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Prata.7 Essa indicação denota, portanto, que Presas, além do contato direto com
a princesa, manteria o almirante Smith sempre informado dos passos dela.
Aos manifestos de dona Carlota e dom Pedro Carlos seguiu-se a aceitação
do príncipe regente de se continuarem as comunicações com o Rio da Prata. Ele
asseverava o seguinte:
No primeiro parágrafo dessa carta, dom João reitera seu desgosto em ter
visto o quanto a Espanha fora desleal ao governo português, deixando que as
7 O próprio Presas, em sua obra, afirma que era necessário, além do envio do material mandado
pelas Juntas de Sevilha, que denotavam o estado caótico que se tinha na Espanha, se fizesse
proclamar a pessoa mais próxima pela ordem de sucessão ao trono espanhol. Para isso, fora
chamado a participar de um Conselho de Estado, presidido pelo próprio príncipe dom João, em
que se ratificou tal necessidade e fez-se redigir em espanhol o primeiro dos três manifestos que
reclamavam os direitos eventuais de dona Carlota Joaquina à Coroa da Espanha (Presas 35-36).
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Le premier pas vers cet objet reste encore a faire c’est de rendre la
signature de Madame la Princesse ostensiblement valable a cet effet
par sa presence sur le sol / et parmis les sujets espagnols. Il y a quelque
erreur dans l’idée que la Princesse n’est pas dispose a tout faire, ce
quelle dit est ([et]) qu’elle ne peut rien faire de valable etant ici,
moi j’ajoute que’elle peut promettre de faire et je me charge de cela
d’autant plus volontiers que je vois en traitant les affaires directement
avec V A R il y entre un degré de vivacite et quelque amertume qu’il
faut eviter, si je peux faire quelque bien je suis pret si non je me retire
toujours de loin comme de près le sincère ami et serviteur tres humble
et devoué de Votre Altesse Royale. (AGN, Política lusitana en el Rio
de la Plata. Colección Lavradio I 173-174)8
8 Tradução: “O primeiro passo para alcançar o objetivo ainda está por realizar-se, é o de fazer a
assinatura da Senhora Princesa ostensivamente válida, para este efeito, pela sua presença nesse
solo e entre os súditos espanhóis. Há algum erro na idéia de que a Princesa não está disposta a
fazer tudo; o que ela disse, é que não pode fazer nada útil estando aqui; eu acrescento que ela
possa prometer fazer e me encarrego disso tanto mais de boa vontade quando vejo, tratando dos
assuntos diretamente com V.A.R., que há um grau de vivacidade e alguma amargura que deve
evitar-se; se posso fazer algum bem, estou disposto, senão me retiro, de longe como de perto o
sincero amigo e empregado muito humilde e devoto de Vossa Alteza Real”. Para verificar a carta
completa consultar AGN, Política lusitana en el Rio de la Plata. Colección Lavradio I (1808-
1809) 173-174.
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9 Tradução: “Não somente produziria o efeito já suposto contra os sentimentos e desejos, bem
conhecidos e declarados de S.A.R., senão também ela aumentaria neste Continente, ocasionando
hostilidades entre estes dois países vizinhos, nos quais a Grã-Bretanha, em paz e aliança com
os dois, por simpatia que tivera não poderia obrar de nenhuma forma para evitar, nem a um
nem a outro, os resultados desagradáveis de uma guerra ruinosa e inútil.” Correspondência do
almirante Sidney Smith ao conde Linhares, orientando-o a não levar adiante tal investida pelas
conseqüências danosas que poderiam advir. 19 de novembro de 1808.
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Uma coisa, porém, ficaria certa daquele momento em diante: já que dom
Pedro Carlos não poderia ir a Buenos Aires auxiliado por tropas lusitanas, dona
Carlota também não poderia sequer sentir o cheiro dos campos buenairenses.
Sua partida seria desastrosa para os planos lusitanos, já que a princesa, por todos
os modos, tentaria na visão de Linhares, anular os elementos portugueses e o
próprio marido, se as condições assim a permitissem. Em uma nota destinada a
dom João, sem data e sem assinatura, lia-se o seguinte:
10 Importante registrar que a fonte está transcrita dessa forma em AGN, Política lusitana en el Rio
de la Plata. Colección Lavradio I (1808-1809) 275-276. E, por tal motivo, decidiu-se não alterar
a sua forma, a não ser indicando as palavras que realmente estão com concordância errada em
relação ao restante das frases.
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11 Nota enviada pelo príncipe regente dom João a dona Carlota Joaquina, em 26 de novembro de
1808, em resposta à carta da mesma princesa, datada de 19 de novembro de 1808.
12 Especialmente aqui se comenta o que afirma Francisca Azevedo em sua obra sobre Carlota
Joaquina, referindo-se aos pedidos que os buenairenses faziam em prol da ida da princesa para
Buenos Aires, na qual assevera que “na corte do Rio de Janeiro, o documento dos patrícios é
recebido com certa cautela e sigilo pelo conde de Linhares. Apesar da explícita referência à
princesa, na nota, dom Rodrigo altera as informações contidas nas correspondências, fazendo
crer a dom João que Buenos Aires convoca apenas a presença do infante, [...] havendo
chegado do Rio da Prata Felipe Contucci [...] havendo-me não só apresentado as Cartas que todas
levo a sua real Presença, mas igualmente exposto a triste anarquia em que vão cair as províncias
espanholas sendo de temer o que diz Sir Sidney Smith, e que só podem ser salvas aparecendo
ali alguma força com o Senhor infante D. Pedro, que leve plenos poderes da Augusta Esposa e
de V.A.R., tomo a liberdade de dirigir o mesmo Felipe Contucci” [Grifo nosso]. Esse trecho da
correspondência do ministro conde de Linhares está relacionado à correspondência já citada aqui,
enviada de Buenos Aires por Manuel Belgrano pedindo providências para a ida da princesa àquela
capital platina. In: Azevedo, Carlota Joaquina na corte do Brasil, 151.
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Nessas palavras, dom João, em tom mais ameno que na nota anterior,
justificava suas considerações acerca do impedimento de dona Carlota a ir até
Buenos Aires. O que toma relevo nesse trecho é o quanto a cena política lusitana,
principalmente em relação às questões sul-americanas, estava dependente do
quadro político externo (de Espanha e Grã-Bretanha). Na mesma correspondência,
o príncipe continuava expondo seus motivos, dizendo que “tonto pello contrario
que da Suprema Junta de Hespanha nao tenha oficio algum a esse respeito;
da Grão Bretanha tenho ofícios feitos pelo Embaxador que protesta contra a
sua ida emquanto a sua corte a não decedir;” assim, “me dificultao conscender
com a Princeza a esse respeito” (AGN, Política lusitana en el Rio de la Plata.
Colección Lavradio I 278).
No último trecho da carta, o príncipe regente garantia que, somente após
receber aprovação de seus aliados, a princesa deveria estar “certa que eu me nao
pouparei a tudo quanto puder concorrer para efetuar a sua hida com a degnidade
que lhe he devida, e em que eu tenho igual parte” (AGN, Política lusitana en el
Rio de la Plata. Colección Lavradio I 278). Esse projeto, porém, não aconteceu
tão rapidamente como dona Carlota desejava, sendo adiado para 1810, após o
reconhecimento dos direitos de sucessão da princesa por parte das cortes da
Espanha. E, mesmo nesse caso, em razão dos acontecimentos que estavam
ocorrendo em Buenos Aires e Montevidéu naquele ano, o projeto não foi posto
em prática.
No mesmo dia 19 de novembro de 1808, entretanto, o almirante Smith,
sempre presente em todos os acontecimentos que envolviam a princesa e,
sobretudo, o Prata, enviou correspondência ao conde de Linhares em resposta às
suas idéias de invadir Buenos Aires com o auxílio dos ingleses. Na carta, além
13 Correspondência do príncipe regente dom João a dona Carlota Joaquina, sem indicação de dia, do
mês de novembro de 1808, ainda em resposta à carta de 19 de novembro.
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L’ordre naturel dês choses nes peut être retabli que par l’operation
tranquille des loix d’Espagne aidée par une Autorité au dessus de
celle du Vice Roi pour le soucesse dans l’exercise de la sienne.
S.A.R. Monseigneur le Prince Regent, dont le droit de succesion
fût clairement designé par la voix unanime des Cortes en 1789 a
la preference au trône d’Espagne sur l’Infant Don Pedro Carlos.
Dans cet étât des affaires on ne devroit pas perdre de vue ni
negliger l’avantage de la presense de S.A.R. sur ce continent quand
on considere les circonstances critiques deja remarquées (AGN,
Política lusitana en el Rio de la Plata. Colección Lavradio I 280-
281)14
14 Tradução: “A ordem natural das coisas não pode ser reestabelecida, senão pelo jogo pacífico
das leis da Espanha, amparado por uma Autoridade superior à do Vice-rei para sustentá-lo no
exercício da sua. S.A.R. a Senhora princesa Carlota Joaquina, Esposa de S.A.R. Monsenhor o
príncipe regente, cujo direito de sucessão foi claramente expresso pela voz unânime das Cortes em
1789, tem preferência ao trono da Espanha sobre o Infante Dom Pedro Carlos.” Correspondência
do Almirante Sidney Smith ao conde Linhares, orientando-o a não levar adiante a investida pelas
conseqüências danosas que dela poderiam advir. 19 de novembro de 1808.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
desacordo acerca da política que seria levada adiante na América Espanhola. Assim, Smith deve
ter seguido aquilo que seu superior orientou, em detrimento das atividades de Strangford, que
recebia ordens diretas de Canning, pedindo que o enviado interviesse o máximo possível naquilo
que era de interesse inglês, afinal, Smith não tinha autorização para isso.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Fontes primárias
Arquivo histórico do Itamaraty – Rio de Janeiro (AHI). Lata 172, maço 1, pasta 4.
-----. Lata 175, maço 2, pasta 1.
Archivo General De La Nación – Buenos Aires (AGN). Política lusitana en el
Rio de la Plata. Colección Lavradio I (1808-1809). AGN, 1961.
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