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A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO COM A PSICOMOTRICIDADE NA

EDUCAÇÃO INFANTIL COM CRIANÇAS DE 0 A 3 ANOS

Núbia de Oliveira Machado Pinheiro1

RESUMO: O estudo tratou as fases do desenvolvimento psicomotor na primeira


infância junto os postulados teóricos de Piaget, Le Boulch, Negrine, Gallahue,
demonstrando posteriormente em estudo de campo que o desenvolvimento
psicomotor está atrelado diretamente ao desenvolvimento cognitivo, afetivo e social.
Desta forma a escola deve primar por um trabalho respaldado no Referencial
Curricular nacional para a Educação Infantil dando ênfase as atividades que
contemplem a Psicomotricidade e todos seus adendos.

PALAVRAS-CHAVE: desenvolvimento psicomotor; psicomotricidade; Educação


Infantil; desenvolvimento cognitivo-afetivo e social.

INTRODUÇÃO

O assunto abordado neste tratou as fases do desenvolvimento psicomotor na


primeira infância junto aos postulados teóricos de Piaget, Le Boulch, Negrine,
Gallahue, demonstrando posteriormente em estudo de revisão de literatura que o
desenvolvimento psicomotor está atrelado diretamente ao desenvolvimento
cognitivo, afetivo e social. Desta forma a escola deve primar por um trabalho
respaldado no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil dando
ênfase as atividades que contemplem a Psicomotricidade e todos seus adendos.
Este estudo traz uma abordagem mais ampla sobre o desenvolvimento motor
da criança partindo do pressuposto que este vai contribuir concomitantemente com o
desenvolvimento físico e intelectual da mesma. As crianças que estão na faixa etária
de 0 a 3 anos de idade e que estão nesta fase de desenvolvimento, necessitam de
1
Graduação em Educação Física, Especialização em Ensino Lúdico pela Faculdade de Educação
São Luís. E-mail do autor: nubia.poly@hotmail.com Orientadora: Luciane Mialich Scadelai.
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uma ação direcionada e comprometida, a fim de que seus direitos de aprendizagem


sejam garantidos de forma prazerosa e satisfatória.
O intuito principal desta pesquisa é trazer ao conhecimento dos profissionais
desta área a importância desta tarefa, a necessidade que o indivíduo possui nesta
fase em ter seu desenvolvimento integral e saudável garantido, além de trazer um
conforto a seus responsáveis em saber que a criança está sendo bem atendida e
respeitada dentro de suas necessidades.
A pesquisa está fundamentada em uma pesquisa de revisão bibliográfica
baseada na LDB (lei nº 9394/9) art.29, que tem como finalidade o desenvolvimento
integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico,
intelectual e social complementando a ação da família e da comunidade. O estudo
contou com postulados teóricos de autores como: Negrine, Gallahue e outros que
mostram a importância do desenvolvimento infantil e seu trabalho de acordo com
cada faixa etária.
  O problema de estudo é: Como a atividade física trabalhada na escola pode
contribuir para o desenvolvimento psicomotor da criança na fase da Educação
Infantil?
O objetivo geral deste estudo é trazer ao conhecimento dos profissionais de
Educação Infantil a importância de sua tarefa no contexto do desenvolvimento da
psicomotricidade infantil tendo em vista a necessidade que o indivíduo possui nesta
fase em ter seu desenvolvimento integral e saudável garantido, além de trazer um
conforto a seus responsáveis em saber que a criança está sendo bem atendida e
respeitada dentro de suas necessidades.
Os objetivos específicos são: descrever as principais atividades que
favorecem o desenvolvimento psicomotor que devem ser desenvolvidas nas escolas
de acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil; Identificar
as atividades que são trabalhadas na rotina escolar da Educação Infantil para
auxiliar no desenvolvimento psicomotor da criança de 0 a 3 anos.
A justificativa da pesquisa está fundamentada no desenvolvimento integral da
criança de 0 a 3 anos no contexto da Educação Infantil englobando seus aspectos
físico, psicológico, intelectual e social complementando a ação da família e da
comunidade.
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A metodologia de estudo deu-se de forma descritiva onde foram asseguradas


a apreensão dos conceitos desenvolvidos por intermédio de uma pesquisa
bibliográfica quanto ao desenvolvimento motor na Educação Infantil.
Sendo assim foram utilizados livros, revistas e pesquisa na internet como
fonte bibliográfica e consultas a periódicos de modo que toda referência utilizada foi
analisada e interpretada de forma crítica para que se realizasse a seleção da ideia
principal de cada texto.
A redação do estudo é do tipo descritivo, crítico e monográfico. Os sites de
pesquisa utilizados foram os sites acadêmicos com indexação de artigos de revistas
científicas, livros, anais de congressos, relatórios técnicos e outros tipos de
materiais, assim como para ser usado na pesquisa e recuperação de assuntos da
literatura científica nas bases de dados LILACS, Scielo, Google Acadêmico, entre
outras.

O DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR

Psicomotricidade “é uma ciência que estuda a relação entre o


desenvolvimento cognitivo, motor e afetivo”. Tem por objetivo de estudo o individuo
humano e suas relações com o corpo. Para formar sua base teórica, utilizou-se de
aquisições de varias ciências constituídas, como a biologia, psicologia, sociologia,
entre outros. De acordo com Negrine (1994, p.47): “A psicomotricidade tem sua
origem no termo grego ‘ psyché ‘, que significa alma, e no verbo latino ‘moto’ que
significa mover frequentemente, agitar fortemente” (NEGRINE, 1994, p 47).
Começou a ser praticada no momento em que o corpo deixou de ser visto
como carne. Desde então a psicomotricidade passou a ser vista como algo
indissociável do sujeito.
Conforme Henry Wallon (1949, Apud COSTE, 1987, p.16) a motricidade está
relacionada com a emoção- expressão mais primitiva da atividade especificamente
humana que é a relação. Ele mostrou que estão ligados comportamento tônico,
reações musculares e viscerais e transformações características das atitudes a toda
emoção, explicando o que chamou de “diálogo tônico-emocional”.
Segundo Coste (1987, p.33), o diálogo tônico-emocional ocorre desde o
surgimento do feto na barriga da mãe ate o primeiro ano de vida. São reações,
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gestos e fonemas sem sentido que a criança apresenta e que somente a mãe sabe
interpretar e, a partir disto, realiza uma tripla função: a de proteger a criança,
satisfazer suas necessidades e fornecer estimulações necessárias para o
desenvolvimento perceptivo e afetivo. A criança e a mãe então estabelecem uma
relação do tipo díade na qual a mãe percebe as necessidades e reações do filho e
este percebe as variações de humor, neurovegetativas e de disposições afetivas da
mãe a seu respeito.
O prazer-desprazer e a tensão-distensão, a hipertonia no apelo e a hipotonia
da satisfação da criança estão ligados a ausência e presença da mãe. Sendo assim,
conclui que o controle das reações tônico-emocionais é um elemento fundamental
para um comportamento equilibrado e para a reabilitação de um corpo. “Esse
controle permite a elaboração de uma gestualidade adaptada ao mundo e integrada
à personalidade” (COSTE, 1987, p.35).
Em 1935, Eduard Guilmain iniciou uma prática psicomotora mais específica e
elaborou protocolos de exames para medir e diagnosticar transtornos psicomotores.
A Sociedade Brasileira de Psicomotricidade, em 1982, define
psicomotricidade como “uma ciência que tem por objetivo o estudo do homem por
meio do seu corpo em movimento, nas relações com seu mundo interno e externo”,
e complementa ainda que este termo é “empregado para uma concepção de
movimento organizado e integrado, em função das experiências vividas pelo sujeito
cuja ação é resultante de sua individualidade, sua linguagem e sua socialização”,
indicando que o individuo, dentro dessa perspectiva, é visto como um todo e como
um ser integrado em seu corpo.
De acordo com Ajuriaguerra (s/d,apud COSTE,1987, p.52) “a
psicomotricidade não é exclusiva de um método, ou de uma ‘escola’ ou de uma
‘corrente’ de pensamento, nem constitui uma técnica, mas visa fins educativos pelo
emprego do movimento humano”.
Para Mattos (2002, p.36) afirma que a educação psicomotora pode ser
preventiva, quando visa oferecer condições da criança se desenvolver da melhor
forma possível em seu ambiente.
Vayer (s/d, Apud MATTOS, 2002, p.36) acrescenta que a educação
psicomotora se trata de “uma educação global que, associando os potenciais
intelectuais, afetivos, sociais, motores e psicomotores da criança, lhe dá segurança,
equilíbrio e permite o seu desenvolvimento, organizando corretamente as suas
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relações com os diferentes meios nos quais tem de evoluir”. Essa educação é
dirigida a atuação dentro do âmbito escolar, principalmente nos segmentos da
Educação Infantil.
Segundo Lê Boulch (2001) a educação psicomotora teve inicio na França, na
segunda metade da década de 60 do século XX, com o próprio autor quando ainda
era professor de educação física, e visava o desenvolvimento global do individuo por
meio dos movimentos, e especificamente, evitar distúrbios de aprendizagem.
Sobre essa educação Lê Boulch (1984, apud MATTOS, 2002, p 35) afirma
que esta faz com que a criança tome consciência do seu corpo, da lateralidade,
situe-se no espaço, domine o tempo, e adquira habilidade a coordenação de gestos
e movimentos. Por esta educação, podem-se prevenir inadaptações, difíceis de
corrigir quando já estão estruturadas.
A educação psicomotora concerne uma formação de base indispensável a
toda criança que seja normal ou com problemas. Responde a uma dupla finalidade:
assegurar o desenvolvimento funcional tendo em conta possibilidades da criança e
ajudar sua afetividade a expandir-se e a equilibrar-se através do intercâmbio com o
ambiente humano. (LE BOULCH, 2001, p. 13).
A corrente educativa em psicomotricidade nasceu das insuficiências da
educação física que não teve condições de corresponder às necessidades de uma
educação real do corpo. O terço- Tempo Pedagógico significou uma renovação na
pedagogia e a introdução da educação psicomotora na escola primaria. Os
questionamentos formulados por Lê Boulch em sua obra L’ éducation par lê
mouvement, publicada em 1966, tiveram contribuições neste processo.
Segundo Lê Boulch (2001)

“Esta educação é entendida como uma metodologia de ensino que


instrumentalista o movimento humano enquanto meio pedagógico para
favorecer o desenvolvimento da criança, permitindo trabalhar
especificamente dois grupos de funções fundamentais: a função de
ajustamento e as funções gnósicas. A função de ajustamento é o aspecto
que toma a acomodação logo que da a resposta motora as solicitações do
meio”.

A acomodação é um conceito definido por Piaget (ANO) que significa a


transformação das estruturas próprias em função das variáveis do meio exterior. As
funções gnósicas referem-se aos aspectos consciente da tomada de informações,
mostrando assim, que todo dado da informação não se traduz necessariamente por
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uma percepção.
Existe também a reeducação psicomotora, que oferece o tratamento para
indivíduos que apresentam qualquer problema de ordem psicomotora. São sintomas
que podem vir acompanhados de distúrbios mentais, orgânicos, psiquiátricos,
neurológicos, relacionais e afetivos.
No contexto da área reeducativa, o autor Lê Boulch afirma que em todos os
casos onde os transtornos da relação fundamental entre o EU e o mundo são
evidentes, a reeducação psicomotora em permitido obter resultados espetaculares.
Isto também é válido para as crianças normais durante todo período de maturação
de seu esquema corporal (LE BOULCH, 2001, p 24)
Este estudioso também pontua que se deve unir o aspecto funcional ao
afetivo, e que estes devem caminhar lado a lado. O primeiro aspecto é a forma como
o individuo reage aos estímulos do meio e quanto se modifica estes estímulos
podem ser naturais ou induzidos pelo educador psicomotor. Já o segundo aspecto,
dito afetivo ou relacional, é a forma como a criança se relaciona com o adulto, com o
ambiente físico e com as outras crianças: “a afetividade é expressa através da
postura, das atividades e do comportamento” (MATTOS, 2002, p37)
Neste cenário temos também a terapia psicomotora, voltada para indivíduos
que apresentam transtornos psicomotores associados com os da personalidade,
tendo como foco a readequadação do individuo a atividade mental que preside a
elaboração do movimento, melhorando as estruturas psíquicas pela transmissão,
execução e controle dos movimentos, por meio de um melhor reconhecimento
espaço-temporal, visando a integração mental do movimento.
Independentemente da área (estimulação, educação, reeducação ou terapia),
o processo é condicionado à confiança e clareza na relação ali estabelecida. Mas
para que se tenha tranquilidade sobre essa atuação, há que se esclarecer a sua
abrangência tanto na estimulação quanto na educação, na reeducação e na terapia
psicomotora. A psicomotricidade atuará proporcionando um ambiente que estimule
vivências corporais, permitindo a criança a viver e desenvolver seu corpo de forma
integral. (MATTOS, 2002, p37)

O Desenvolvimento psicossocial de crianças de 0 a 3 anos

Para melhor compreensão do sentido da influência da atividade física na


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aprendizagem infantil, a fim de entender essa influencia no educando com distúrbio


intelectual é importante, anteriormente, conhecermos estágios de desenvolvimento
psicossocial por quais as crianças passam.
Segundo Erikson (apud Barros, 1999, p. 88), um dos principais seguidores
das teorias de Freud, a criança de 0 a 3 anos, inserida nos estágios do
desenvolvimento pessoal está na fase fálica que corresponde aos sentimentos de
iniciativa x culpa.
Já na fase que compreende dos 3 aos 6 anos de idade em média, a criança
está na visão de Erikson, desenvolvendo sua identidade como menina ou menino. É
nesta fase, que a mesma busca identificar-se com o progenitor do seu próprio sexo
e aderir comportamentos semelhantes ao dele a fim de garantir sua masculinidade
ou sua feminilidade. (MATTOS, 2002, p37)
Este é o momento em que os meninos tentam imitar seus pais e as meninas
suas mães.
Em casos onde as famílias permitem a liberdade de expressão sem censurar
ou criticar a criança, comumente ouve-se comentários sobre o aparecimento da
sexualidade na criança e os reflexos desta descoberta para a mesma.
Erikson (1998) afirma que:

...muitas vezes os adultos acham difícil compreender a importância de tais


declarações. Acham absurdo que uma menina de 4 ou 5 anos proclame que
gostaria que a mãe fosse embora. A censura dos adultos a esses
comentários infantis poderá causar a criança fortes sentimentos de culpa
relacionados à sua identidade.

Neste caso, Erikson (apud Barros, p. 93), afirma que ações como punição,
ridicularização e sarcasmo por parte do adulto para com a menina que expressa seu
desejo natural de ser mulher farão com que a mesma sinta-se diminuída e culpada
por ter demonstrado alguns de seus sentimentos mais íntimos sobre a pessoa que
deseja tornar-se.
Nesta fase do desenvolvimento infantil é de suma importância transmitir a
criança segurança para que no futuro possam vir a ser adultos completos e
realizados sem carregar culpa por expressar seus desejos. (BARROS,1993)
Para Erikson (apud Barros, 1993), essa é a idade em que a criança sente
extrema necessidade de ser orientada quanto a sua sexualidade, de modo
gradativo, conforme for manifestada sua curiosidade sobre o assunto e de acordo
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com o nível de compreensão desenvolvido por ela em suas vivências.


Também é uma idade onde a aprendizagem significativa através da música pode
auxiliar a criança em seu desenvolvimento cognitivo, intelectual, social, emocional e
motor. (BARROS, 1993)
A maioria das crianças nessa idade são muito receptivas as iniciativas de
aprendizagem com a música. Muitas veem a música na atividade física como um
convite a brincadeira, ao movimento e passam a apreciar os ritmos, os sons e os
arranjos musicais aguçando suas habilidades e competências.

O desenvolvimento motor: orientações para o processo ou para o produto?

Nas décadas de 80 e 90, a ênfase dos estudos do desenvolvimento motor


mudou dramaticamente outra vez. Ao invés de concentrar-se no produto do
desenvolvimento como as outras abordagens normativas/descritivas das três
décadas precedentes, a ênfase voltou-se para a compreensão dos processos
subjacentes envolvidos no desenvolvimento motor. (WICKSTROM, 1983)
O relacionamento entre o processo e o produto (ou entre níveis de aptidão
física e avaliações de desempenho) é área interessante quase não pesquisada.
Wickstrom (1983) indicou, entretanto, que: “Há relação casual positiva, porém não
direta, entre aptidão e desempenho”. A aptidão desenvolvida aumenta o
desempenho, mas o bom desempenho não é totalmente dependente da aptidão
desenvolvida. Fatores como força, velocidade de movimento, agilidade,
coordenação e tempo de reação têm impacto nas habilidades de desempenho, mas
podem não influenciar a aptidão em qualquer grau significativo.
O desenvolvimento motor é estudado de três maneiras: o estudo longitudinal,
o estudo transversal e o estudo longitudinal misto. Visto que a pesquisa de
desenvolvimento motor envolve o estudo das alterações que ocorrem no
comportamento motor ao longo do tempo, o método longitudinal de estudo é o ideal
e o único meio real de estudar o desenvolvimento. (WICKSTROM, 1983)
O método longitudinal de coleta de dados tenta explicar alterações de
comportamento ao longo do tempo (isto é, tempo desenvolvimentista) e envolve o
mapeamento de vários aspectos do comportamento motor de um indivíduo por
vários anos. A abordagem longitudinal permite a observação de alterações em
variáveis selecionadas ao longo do tempo e, embora consuma tempo, trata o estudo
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do desenvolvimento motor como função do tempo desenvolvimentista, ao invés da


idade (isto é, tempo real). O método longitudinal envolve o estudo de um único grupo
de indivíduos, todos na mesma idade, ao longo de vários anos. O principal objetivo
do estudo longitudinal é medir as alterações relacionadas à idade no
comportamento. Esse estudo não permite, entretanto, a mensuração de diferenças
etárias no desenvolvimento. Em suma, o método longitudinal permite o estudo de
alterações intra-individuais ao longo do tempo. (WICKSTROM, 1983)
Observa-se facilmente que o método longitudinal de coleta de dados consome
bastante tempo. Além disso, a taxa de evasão é frequentemente alta, porque os
participantes mudam, ficam doentes ou incapacitados. Assim, inúmeros participantes
precisam ser testados a fim de obter-se amostragem representativa ao final do
período de estudo de 5 a 10 anos. Problemas na metodologia e no projeto também
têm probabilidade de serem obstáculos ao estudo longitudinal. Níveis variáveis de
confiabilidade e de objetividade nos examinadores, no decorrer do período de
estudo, podem causar problemas na interpretação dos dados. Os efeitos potenciais
de aprendizagem, que desempenhos frequentes dos itens medidos têm previsto, em
contrapartida, mostram-se, por vezes, problemáticos. Essas dificuldades levaram
muitos pesquisadores a optar pela abordagem transversal. (WICKSTROM, 1983)
O método de estudo transversal permite ao pesquisador coletar,
simultaneamente, dados de grupos de pessoas de variadas faixas etárias. O objetivo
principal do estudo transversal é medir as diferenças relacionadas à idade no
comportamento. Esse método não permite medir alteração relacionada à idade,
tendo atraído muita controvérsia em anos recentes. Basicamente, o método
transversal apresenta apenas diferenças médias em grupos no decorrer do tempo
desenvolvimentista.
A conclusão básica subjacente ao estudo transversal é a de que a seleção
randômica de participantes da pesquisa fornecerá amostragem representativa da
população para cada grupo etário testado. É questionável, todavia, que essa
conclusão possa ser alcançada na maioria das vezes. Na realidade, os estudos
transversais, embora simples e diretos, apenas podem descrever comportamentos
típicos das idades específicas abordadas. Como resultado, eles não são
considerados pela maioria dos especialistas como estudos desenvolvimentistas
reais. O problema é que, historicamente, a maioria da pesquisa de desenvolvimento
motor tem usado a abordagem transversal. (BARROS, 1993)
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Para superar a notória fraqueza da técnica transversal, os psicólogos


desenvolvimentistas e pesquisadores do desenvolvimento motor começaram a olhar
com mais presteza a combinação de projetos de pesquisa longitudinais e
transversais nas pesquisas de investigação individuais. Esse método sequencial de
estudo do desenvolvimento ou método longitudinal misto, como é frequentemente
denominado, combina os melhores aspectos dos métodos longitudinal e transversal,
abrangendo todos os dados possíveis que são necessários à descrição e/ou à
explicação de diferenças e de alterações, no decorrer do tempo, tanto das funções
do desenvolvimento como também das funções etárias. Basicamente, os
participantes das pesquisas são selecionados e estudados de maneira transversal,
mas também são acompanhados longitudinalmente por vários anos. Isso permite
comparar os resultados obtidos pelos dois métodos e serve de base para validar ou
para refutar alterações relacionadas à idade e as alterações realmente
desenvolvimentistas. É fornecida ao pesquisador, também, a oportunidade de
apresentar em curto tempo análises preliminares dos dados da pesquisa, ao invés
de esperar cinco ou mais anos. (BARROS, 1993)
De acordo com Gallahue (2003) os métodos básicos para o estudo do
desenvolvimento motor são:
Estudo Longitudinal: Os mesmos indivíduos são estudados por um período
de cinco a dez anos.
Estudo Transversal: Indivíduos diferentes, representando idades variáveis,
são estudados ao mesmo tempo.
Estudo Longitudinal Misto: Método sequencial de estudo do
desenvolvimento que combina elementos essenciais tanto do método longitudinal
quanto do método transversal.
Método Experimental: Disposição aleatória de participantes nas condições
de tratamento. Controle rígido das variáveis influentes.
Transversal Cultural: Pode ou não usar um projeto experimental.
Comparação de diversos fatores de culturas diferentes.
Observação Naturalista: Observação não-intrusiva do comportamento no
ambiente natural.
Pesquisa de Opinião: Entrevistas pessoais ou em grupo sobre uma série de
tópicos selecionados para revelar opiniões e atitudes.
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Histórico de Caso: Relatório dos participantes individuais. Fornece


informações variadas e pormenorizadas dos motivos.

Elementos básicos da psicomotricidade

Esquema Corporal

O esquema corporal diz respeito a representação global, cientifica e


diferenciada que a criança tem de seu próprio corpo. Conforme vai adquirindo
noções de esquema corporal, a criança passa a se perceber, a perceber as coisas
que a rodeiam e começa a tomar consciência do seu corpo e das possibilidades de
agir e transformar seu mundo. Isso faz com que desenvolva sua personalidade.
A criança, com o tempo, alcançará domínio corporal, conhecimento corporal e
então, um simples movimento passará a ser uma ação intencional. A partir daí, a
criança passará a se sentir bem quando perceber que seu corpo começa a lhe “
obedecer”. .(LE BOULCH, 2001)
O esquema corporal é anterior a estruturação espacial-temporal, pois esta
está fundamentada nas bases do esquema corporal, afinal, se a criança não
reconhece a si mesma, dificilmente reconhecerá o espaço que a rodeia.
É a partir do esquema corporal que o sujeito deverá ser capaz também de
expressar pelo corpo sua disposição ou indisposição nas relações com pessoas,
animais, objetos, etc.
Segundo Le Boulch (2001) a noção de esquema corporal vai sendo adquirida
aos poucos. Primeiro a criança adquire a noção do todo, adquire a percepção global
do corpo, para depois adquirir o conhecimento das partes, ou seja, de cada
segmento corporal e, desta forma, poderá identificar e nomear cada parte do corpo.
Depois, a criança começa a reconhecer as possibilidades com os gestos e as
posições que pode experimentar com o corpo, para que então possa, finalmente, se
movimentar e agir de duas formas: 1. De forma analítica, na qual alcançara domínio
corporal através da coordenação, equilíbrio, inibição e destreza; e 2.De forma
sintética, na qual pode tanto adaptar seu movimento para alcançar um objetivo
quanto expressar suas emoções e sentimentos através de seu corpo.
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Lateralidade
A lateralidade diz respeito a noção de dominância lateral, ou seja, a definição
de qual lado será mais forte, mais ágil, terá maior destreza e precisão, etc. A
lateralidade é definida por dados neurológicos, mas pode ser influenciada por
hábitos sociais. As observações de Bergés ( s/d, apud Lê Boulch 2001, p92)
mostram que um percentual de destros de utilização podem ser considerados como
sinestros de equipamentos, resultados da pressão social, ou seja, tornando-se
destros por inúmeras atividades cotidianas. Se a educação limitar as iniciativas da
criança, existirá maior probabilidade de discordância entre lateralidade espontânea
( potencial genético) e lateralidade de utilização.
Depois que a lateralidade for definida, pode-se introduzir os conceitos de
esquerda e direita. Afinal, estes conceitos decorrem da noção da dominância lateral.
Lê Boulch (2001, p.92) afirma que a lateralização é a tradução de uma
assimetria funcional, pois, os espaços motores do lado esquerdo e do lado direito
não são homogêneos, “esta desigualdade vai se tornar mais precisa durante o
desenvolvimento e vai manifestar-se durante os reajustamentos práticos de natureza
intencional”.
A lateralidade é função da dominância, sendo que um dos hemisférios tomará
a iniciativa de organização do ato motor, que traduzirá no aprendizado e
consolidação das práxis

Estruturação Espacial
A estruturação espacial é a consciência que a criança tem em relação as
possibilidades motoras e as possibilidades de agir e de expressar-se.(LE BOULCH,
2001)
Diz respeito à consciência do lugar e da orientação em relação as pessoas e
as coisas que a cerca, e da possibilidade de se organizar perante o mundo, de
organizar as coisas entre si, de movimentá-las e mudá-las de lugar.
De acordo com Meur e Staes (apud LE BOULCH, 2001, pág. 13) até mesmo
para realizar uma simples atividade, por exemplo, é necessário que a criança
consiga se situar, situar os objetos a sua volta e se organizar em função do espaço
que dispõe.
Os autores ainda propõem etapas para a formação da estruturação espacial.
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São elas:
1- Conhecimento das noções, na qual a criança deve saber se deslocar em
seu espaço habitual, se situar e situar objetos, perceber formas, grandezas e
quantidades.
2- Orientação Espacial que ocorre quando a criança consegue dominar
termos espaciais como frente, trás, lado (direito e esquerdo), alto, baixo, etc;
consegue ficar em fila, e percebe, através de discriminações visuais, o que está
orientado na mesma direção.
3- Organização Espacial na qual a criança, além de saber situar um objeto
em um determinado ponto de referência, consegue usar isso para atingir um
objetivo. Esta etapa difere-se das outras por exigir maior raciocínio em situações
bem precisas.
Um exemplo de como funciona essas etapas são: na primeira, a criança põe
uma figura humana diante de uma casa; na segunda, consegue colocar essa figura
no lado direito da casa; na terceira, cria um povoado e movimenta essa figura a fim
de que ela percorra um trajeto por todo este povoado, sem passar, por exemplo,
duas vezes pelo mesmo lugar.

Orientação Temporal

A orientação temporal é caracterizada pela capacidade do individuo de se


localizar em função da sucessão dos acontecimentos (antes, depois, durante); da
duração dos intervalos que engloba as noções de tempo (longo ou curto), de ritmo
(regular ou irregular) e de cadência (rápida ou lenta); da renovação cíclica dos
períodos (dias da semana, meses, estações); e da irreversibilidade do tempo, ou
seja, a noção de que o tempo não volta atrás. .(LE BOULCH, 2001)
A experiência vivida na temporalidade é muito precoce, começa na vida
intrauterina. Desde o nascimento o ritmo corporal deve ajustar-se as condições
temporais provenientes do ambiente, pois, caso contrário, pode-se acarretar
problemas futuros como desorganização do equilíbrio tônico emocional, ou,
dificuldades de adaptarem-se as exigências do meio.
“Orientar-se no tempo é importante na vida cotidiana, pois a maioria de
nossas atividades é regulada pelo tempo objetivo”. (MEUR E STAES, apud LE
BOULCH, 2001, pág. 96)
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Ainda segundo Le Boulch, (2001, p.273) “O tempo vivido está intimamente


ligado ao espaço reconhecido”.

Pré-Escrita

A estruturação espacial e a orientação temporal auxiliam para o


desenvolvimento da escrita.
Para Meur e Staes (apud LE BOULCH, 2001), os três fundamentos da escrita
são o domínio do gesto, a estruturação espacial e a orientação temporal. Dessa
forma, a criança poderá alcançar a direção gráfica; noções de cima, baixo,
esquerda, direita; e noção de antes e depois.
Também é importante que a criança tenha equilíbrio entre as forças
musculares, flexibilidade e agilidade de cada articulação do membro superior.

Pedagogia do movimento na escola de primeira infância

De acordo com Barros (1999) a pré-escola é um lugar que, pelo nome, deve
preparar crianças para a escola. Reduzir seu papel a isso, no entanto, seria uma
pena, pois a primeira infância é um período da vida onde se pode viver muito
intensamente. Quem não leu Monteiro Lobato, com seu Sítio do Pica-Pau Amarelo,
ou A História sem fim, de Michael Ende? Quantos de nós não mergulhamos em
mundos mágicos de fadas, bruxas, assombrações, dragões e heróis? Quem já não
foi Narizinho, Emília ou o Visconde de Sabugosa? Quem nunca viajou, como Atreiú,
nas costas de um dragão da sorte?
Essa coisa de pré-escola lembra um trecho de um livro de Rubem Alves
(1984, p. 15), Estórias de quem gosta de ensinar, em que um pai, todo orgulhoso,
pergunta ao filho o que ele vai ser quando crescer. A criança responde que vai ser
médico, um dos rótulos respeitáveis que o pai admite (poderia também ser
engenheiro, advogado, diplomata...). Já outro pai, que tem um filho leucêmico, diz-
lhe que “se tudo correr bem iremos ao jardim zoológico no próximo domingo...” Este
pai não pode fazer perguntas sobre o futuro simplesmente porque seu filho não tem
futuro. Por ironia, a segunda criança acaba vivendo com intensidade cada dia de sua
vida (que deverá ser curta), ao passo que a primeira apenas prepara-se para viver
um futuro distante, incerto, irreal... um futuro que inventam para ela. Assim é a pré-
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escola: sempre preparando para o que vai chegar. Mas, chegar quando? Os
quandos, os agoras, os depois não existem, pois o tempo adulto ainda não foi
inventado – as crianças dessa idade ainda não contam os dias que as separam da
morte, como nós, adultos, mesmo estando, às vezes, tão próximas dela.
As crianças de Educação Infantil provavelmente nunca terminarão seu
preparo. No 1º grau irão preparar-se para o 2º; neste, para a faculdade; nesta, só
hão de preparar-se para a profissão futura, para a ascensão a postos cada vez mais
altos... e chega-se à constatação de que o presente, o real, o que existe, não existe,
não é para ser vivido; o passado é aquilo que se deixou de viver e o futuro é o que
nunca chegará. (GALLAHUE, 2003, p.89)
De acordo com Gallahue (2003) poderia começar por mudar o nome pré-
escola. Inventemos qualquer outro, mas que dê ideia de presente, pois, na infância,
como em qualquer outra fase da vida, vale a pena viver como se cada dia fosse o
último de todos. Poderíamos usar outros nomes, como escola de primeira infância
ou jardim de infância (que já foi usado no passado), por exemplo.
O fato é que cada vez mais crianças estão sendo levadas para a escola na
primeira infância. Com o aumento da miséria em nossa sociedade, os pais, ou
conseguem colocar seus filhos em creches, berçários e escolas enquanto trabalham,
ou, na maioria das vezes, os deixam em casa, aos cuidados da criança mais velha
da família, de vizinhos, parentes. Cada vez mais as mães precisam trabalhar, porque
o salário do marido é insuficiente para suprir as necessidades básicas de uma
família. Bem que eu gostaria de todas as mulheres adquirissem o mesmo direito de
trabalhar que os homens, mas em condições justas, não pelos motivos
mencionados. (GALLAHUE, 2003, p.91)
De acordo com Neto (1994) levando seus filhos às escolas e creches, os pais
geralmente não têm expectativas de que eles aprendam muita coisa, mas sim, de
que sejam bem cuidados e alimentados. Até porque a hipocrisia que se vê na nossa
sociedade é tão grande, que se investe amplamente nessa expectativa: negam-se
aos pais condições dignas de trabalho que lhes permitam alimentar bem seus filhos,
de modo que passam – pais e filhos – a depender do alimento que o Estado lhes
concede.
Miséria neste país é o que não falta, tanto física quanto moral... não sei qual
a mais grave. Todos os que dão aulas para crianças sabem muito bem que,
mesmo em escolas particulares – inclusive as mais caras – esse é um
problema muito grave. (NETO, 1994, p.75)
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Quanto ao ensino propriamente dito, o que mais se espera é que as crianças


cheguem ao 1º ano alfabetizadas. Há, no entanto, uma parcela de pais que colocam
seus filhos nas escolas para serem orientados, desde o maternal, rumo à faculdade
– um caminho de direção única: o sucesso.

Atividade corporal e brinquedo

Neto (1994) cita uma interessante situação:

Se uma professora recém-contratada for trabalhar numa escola de primeira


infância e não tiver muito conhecimento teórico sobre o assunto ou uma boa
experiência prática, corre sério risco de atrapalhar muito mais que ajudar.
Aliás, risco quem corre mesmo é a criança. Já não bastasse o fato de que
os pequenos geralmente se traumatizam muito com a ida para a escola –
passam dias e dias chorando, fazem um escarcéu danado por causa da
separação das coisas e pessoas de sua casa, ainda tem a questão
econômica da escola: professores competentes custam caro, e às vezes é
preferível contratar alguém que não terminou ainda sal formação, ou nem a
iniciou (apesar de termos de reconhecer a competência de algumas
professoras não-formadas em escolas). Gostem ou não, as crianças
acabam se acostumando – não têm outro jeito. Arrumam amiguinhos e
dedicam-se ao que melhor sabem fazer na vida, sempre que as deixam:
brincar. Por sinal, fazem isso melhor que os professores, apesar do pouco
espaço físico que as chamadas pré-escolas reservam para as atividades
corporais (sendo mesmo assim autorizadas a funcionar, prova de que quem
as autoriza não deve entender do assunto).

Então, como é esse brinquedo da criança na primeira infância? Será


necessário compreender um pouco do desenvolvimento humano para entendê-lo,
mesmo porque não é pretensão, neste momento do estudo, definir a configuração
detalhada do brinquedo nesta ou naquela fase, a não ser suas tendências, pois o
brinquedo existirá de um jeito ou de outro, dependendo de fatores diversos como
cultura, condições sociais e econômicas, desenvolvimento biológico, etnia etc. O que
se pode dizer, sem risco de desrespeitar os fatores antes mencionados é, por
exemplo, que quanto mais nova a criança, mais individual e autocentrado é seu
brinquedo. A criança, em sua primeira infância, é muito centrada nela mesma.
Constrói sua realidade trabalhosamente, adquirindo noções espaciais, temporais e
do próprio corpo, diferenciando-se, assim, dos objetos ao seu redor. É plenamente
admissível, portanto, que essa centração nela mesma permaneça durante algum
tempo. O que não se deseja é que essa autocentração estenda-se por longo tempo,
atravessando a segunda infância, a adolescência e a idade adulta. (NETO, 1994)
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O conhecimento do mundo da criança nesse período depende das relações


que ela vai estabelecendo com os outros e com as coisas. Navega ainda em águas
rasas, pouco se distanciando da costa. O que conhece de si e das coisas é
insuficiente para estabelecer relações de grupo e, por isso, centra seu brinquedo em
sua própria atividade, em seus interesses. (NETO, 1994, p.76)
Para Le Boulch (2001) a autocentração é, portanto, a marca característica da
criança que entra na escola de primeira infância. Esse é um aspecto que vai sendo
modificado pouco a pouco e, se o espaço da escola permitir que a criança aja em
liberdade e o ambiente de sua casa não comprometê-la física e intelectualmente, ela
chegará ao Ensino Fundamental razoavelmente socializada e estabelecendo
relações de troca com seus iguais, ou seja, com seus colegas de turma na escola.
Tem muita escola que não leva muito em consideração a importância do
brinquedo e da atividade física para a criança. Algumas, inclusive, se dizem
piagetianas. Daquilo com que Piaget pode contribuir para o ensino, retiram apenas
aspectos relativos à alfabetização, o que geralmente é feito via Emilia Ferreiro,
porém, dos demais aspectos do desenvolvimento, como o social e o motor, Piaget
passa longe. Emilia Ferreiro possivelmente concordaria em que de nada vale esse
enorme esforço para alfabetizar se a aprendizagem não for significativa. E o
significado, nessa primeira fase da vida, depende, mais que em qualquer outra, da
ação corporal. Entre os sinais gráficos de uma língua escrita e o mundo concreto,
existe um mediador, às vezes esquecido, que é a ação corporal. Uma criança
bloqueada no seu espaço de ação, graças, muitas vezes, à ansiedade de pais e
professores por alfabetizá-la, acaba aprendendo a escrita e a leitura que lhe
impõem, mas com sérias dificuldades em estabelecer, entre essa aprendizagem e o
mundo, um elo de ligação.
Gallahue (2003) afirma que hoje em dia, até que algumas escolas de primeira
infância estão contendo seu ímpeto de alfabetizar precocemente, pois, pelo menos,
aprenderam com Emilia Ferreiro, entre outros, que a alfabetização se aprende desde
sempre, independentemente de professor. (...) Ou seja, nesse processo o professor
teria um papel importante, mas não exclusivo. Porém, a elaboração de uma escrita e
leitura socialmente compreensíveis não deve ser precoce, e sim consequência do
processo que a criança realiza, ajudada pela escola. Mesmo assim, raramente a
escola tem a clarividência de incluir nesse processo a atividade física e o jogo.
Resumindo a visão dos autores supracitados, uma criança não vai à escola
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apenas para se alfabetizar. Se fosse esse o papel da chamada pré-escola, de duas


uma: ou ela se condenaria a ser eternamente pobre como instituição de ensino ou,
fazendo apenas isso, o resto das coisas que a criança precisa aprender ficaria, bem
ou mal, por conta da sociedade. Cada vez mais a criança aprende menos na escola
e mais pelos meios de comunicação que, sem dúvida, exercem mais influência que
o sistema de ensino. A escola precisa perder a ilusão de que é ela a única que está
ensinando o que é necessário para se viver em sociedade.
Não é verdade que a Educação Física e o jogo sejam a única solução para os
problemas pedagógicos, mas diante das características da criança na primeira
infância, não há porque não valorizá-los. Se o contexto for significativo para a
criança, o jogo, como qualquer outro recurso pedagógico, tem consequências
importantes em seu desenvolvimento. (GALLAHUE, 2003, p.88)

O papel da atividade Física no desenvolvimento infantil

De acordo com Gallahue (2003) a Psicologia Infantil e depois a


Psicomotricidade dedicaram parte de seus trabalhos à descrição dos movimentos
que as crianças realizam ao longo de seu desenvolvimento, muitas vezes, contudo,
desconsiderando aspectos fundamentais desse desenvolvimento, como o cultural e
o social. Ou seja, as análises pautam-se muito mais por aquilo que se supõe existir
internamente em cada indivíduo do que por aquilo que lhe falta e é exterior a ele.
Resumindo, o que se pode entender é que não existem padrões de
movimento, pois, para tanto, ter-se-ia que acreditar também na padronização do
mundo. Constata-se, porém, a manifestação de esquemas motores, isto é, de
organizações de movimentos construídos pelos sujeitos, em cada situação,
construções essas que dependem, tanto dos recursos biológicos e psicológicos de
cada pessoa, quanto das condições do meio ambiente em que ela vive.
(GALLAHUE, 2003, p.88)
Assim, por exemplo, não há qualquer dúvida de que, fora situações especiais
que gerem deficiências, toda criança que nasce possui recursos biológicos para
respirar. Porém, isso não garante que ela respire. Um dos elementos indispensáveis
ao ato de respirar – o oxigênio do meio externo – não nasce com o indivíduo: é um
componente vital que não pertence a ele. Não se pode sequer afirmar que existe um
ato respiratório em cada pessoa, mas sim, que a ação de respirar só existirá no
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momento em que aparelho respiratório e oxigênio se encontrarem. Portanto, ao


descrever qualquer ação, qualquer movimento, não posso deixar de considerar que
o ser humano é uma entidade que não se basta por si. Parte do que ele precisa para
viver não está nele, mas no mundo fora dele. Como afirma Gallahue (2003), o
homem é um ser carente, pois lhe falta parte do que precisa para compor a vida.
Nem sequer para o simples ato de respirar ele se basta.
De acordo com boa parte das descrições sobre o desenvolvimento infantil
referem-se aos atos de pegar, engatinhar, sugar, andar, correr, saltar, girar, rolar, e
assim por diante, movimentos que são constatados em quase todas as crianças. O
que se espera é que as crianças possam, da melhor forma possível, apresentar em
cada período de vida uma boa qualidade de movimentos, de acordo com certos
modelos teóricos apresentados, ou seja, que aos três anos, por exemplo, corram ou
andem com certa habilidade, que saltem de uma certa forma aos sete anos etc. É
claro que é desejável que todos tenham habilidades bem desenvolvidas, mas o risco
que se corre é o de se estreitar a visão para o problema, destacando o ato motor
como alguma coisa que ocorre unilateralmente. Ora, um simples ato de pegar só
existirá no momento em que a mão, que pode fazê-lo, interagir com o objeto a ser
pego. A mão que pega possui muitos recursos, mas o que tem de ser pego está fora
dela, daí o sujeito precisar sempre completar-se no mundo, que possui a parte que
lhe falta. (MATTOS, 2002, p.77)
Outro risco possível a partir de uma consideração isolada do ato motor é a
redução do papel da atividade física. Se colocar como objetivo do trabalho
pedagógico apenas enquadrar as crianças em padrões de movimento, isso poderá
até ser conseguido, porém, com o risco de prejudicar um entendimento mais amplo
do projeto educacional. Não se deve esquecer que, em passado recente, o padrão
social de movimento na Alemanha nazista era de um tipo muito especial, rígido,
disciplinado. A atividade física corria atrás desse padrão. Hoje, entre nós, qual é o
padrão desejado? As academias estão aí para responder. Como deve se
movimentar uma criança atualmente? Somos nós que devemos responder a isso?
Será que sua forma de movimentação, mesmo contrariando os padrões, não é sua
maneira possível de estar no mundo? Adianta mudar uma parte de seu corpo sem
mudar o todo? É bem possível que estejamos procurando definir maneiras corretas
de movimentação das crianças sem sequer entendê-las como seres que vivem em
sociedade num determinado mundo. (MATTOS, 2002, p.78)
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Em relação ao seu papel pedagógico, o trabalho com a psicomotricidade na


Educação Infantil deve atuar como qualquer outra disciplina da escola, e não
desintegrada dela. As habilidades motoras precisam ser desenvolvidas, sem dúvida,
mas deve estar claro quais serão as consequências disso do ponto de vista
cognitivo, social e afetivo. Sem se tornar uma disciplina auxiliar de outras, a
atividade psicomotora precisa garantir que, de fato, as ações físicas e as noções
lógicas que a criança usará nas atividades escolares e fora da escola possam se
estruturar adequadamente. (MATTOS, 2002, p.78)
Além desses aspectos levantados pelos autores citados é preciso entender
que as habilidades motoras, desenvolvidas num contexto de jogo, de brinquedo, no
universo da cultura infantil, de acordo com o conhecimento que a criança já possui,
poderão se desenvolver sem a monotonia dos exercícios prescritos por alguns
autores. Talvez não se tenha atentado para o fato de que jogos, como amarelinha,
pegador, cantigas de roda, têm exercido, ao longo da história, importante papel no
desenvolvimento das crianças. Lamentável é o fato de que não tenham sido
incorporados ao conteúdo pedagógico das aulas. Aprender a trabalhar com esses
brinquedos poderia garantir um bom desenvolvimento das habilidades motoras sem
precisar impor às crianças uma linguagem corporal que lhes é estranha. Assim como
a linguagem verbal falada pela professora em sala de aula é, por vezes,
incompreensível para os alunos, também a linguagem corporal pode sê-lo, se não se
referir, de início, à cultura que é própria dos alunos. (MATTOS, 2002, p.81)
Finalizando, a adoção de atividades da cultura infantil como conteúdo
pedagógico facilita o trabalho de professores das escolas de primeira infância, pois
garante o interesse e a motivação das crianças.

A Atividade Física e o esquema motor na Educação Infantil

O ser humano, principalmente quando criança, precisa construir seus próprios


meios de transporte para empreender essa viagem chamada vida. Se ele não
consegue alcançar um objeto que o atrai, que ele deseja, só resta um recurso:
construir um mecanismo que o leve a seu objetivo. Um bebê de poucos meses, que
ainda não sabe engatinhar, terá que realizar um enorme esforço, arrastando-se, para
pegar qualquer objeto que esteja distante. Em pouco tempo, assim que a maturação
biológica gere força muscular e organização nervosa suficientes, o arrastar-se será
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superado pelo engatinhar. Isso porque o arrastar-se permite à criança uma viagem
muito limitada, enquanto o engatinhar já lhe permite ir mais longe e empreender
novas conquistas. (LE BOULCH, 2001, p.102)
A ação de engatinhar é um fenômeno que integra o sujeito com o mundo, uma
perfeita comunhão das partes, uma evidência da indissociabilidade entre as pessoas
e o mundo.
De acordo com Le Boulch (2001) se tivermos o cuidado de observar com
atenção uma criança muito pequena em seus intentos para pegar objetos ao seu
redor, verificaremos a dificuldade que alcançar certos objetos provoca. Com alguns
objetos, seu êxito é imediato; com outros, haverá uma sucessão de fracassos até
que ela obtenha um bom resultado. Por que isso ocorre? Acontece que o esquema
que permite manipular um objeto não serve de imediato para a manipulação de
outro. Cada coisa a ser pega exige uma atividade motora particular. Cada
assimilação exige uma acomodação. Podemos verificar, na criança, que seu impulso
mais imediato é aplicar ao objeto novo o esquema que já utilizou em outros.
Fracassando uma vez, ela tende a continuar tentando, passando, pouco a pouco, a
considerar as características do novo objeto, até que o esquema inicial utilizado
possa ser modificado, adaptando-se à nova situação.

Os objetos do mundo estão à disposição, mas, para alcançá-los, é preciso


satisfazer certas exigências. Podemos assimilá-los todos, desde que
paguemos o preço de nossa própria transformação, provocada pelas
características dos objetos. É por isso que, se olharmos à nossa volta,
veremos que as pessoas cada vez se parecem mais com o mundo e que o
mundo se parece cada vez mais com as pessoas. Ou seja, não apenas
sofremos, mas também provocamos transformações no meio ambiente. (LE
BOULCH, 2001, p.104)

Para entender a ação motora haverá mudanças radicais na maneira de


entender o mundo, da ruptura com conceitos clássicos da ciência, especialmente os
positivistas. Como afirma Gallahue (2003) à adoção de uma postura crítica de
análise, contrariamente à que prevalece atualmente – míope e descompassada com
nosso tempo –, será fundamental.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, chegou-se ao consenso neste estudo que a evolução psicomotora


na criança de 0 a 3 anos é indissociável das demais áreas do desenvolvimento
infantil atrelando sentimentos, emoções, conhecimento de mundo e situações de
aprendizagem que levam a criança a plenitude de cada uma das etapas de sua vida.
Desta forma, a escola tem importante papel e deve junto a sua equipe
pedagógica fornecer subsídios que contemplem o desenvolvimento global da criança
oferecendo um rol de atividades que traga aprendizagem com satisfação e
significado.

REFERÊNCIAS

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BEE, Helen. A Criança em Desenvolvimento, no Brasil: 9ª Ed. Artmed, 2003.

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Educação e do Desporto, Secretaria da Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF,
1998.

BRASIL, Lei das Diretrizes e Bases - LDB (9394/96). Ministério da Educação e do


Desporto, Secretaria da Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1996.

COSTE, Dalila Molina, de Psicomotricidade: Coordenação Visomotora e Dinâmica


Manual da Criança Infradotada. Método de Avaliação e Excitação Gradual Básica.
7 ed. Rio de Janeiro: Globo, 1987.

EGRINE, Airton da Silva.  A coordenação psicomotora e suas implicações. Porto


Alegre: A Negrine, 1987.

ERIKSON, E. H. e ERIKSON, J. O ciclo da vida completo. Porto Alegre: Artes


Médicas, 1998.
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GALLAHUE, David L.  Compreendendo o desenvolvimento motor: bebês,


crianças, adolescentes e adultos. São Paulo: Phorte Editora, 2003.

HAYWOOD, Katheen M.& GETCHELL, Nancy. Desenvolvimento Motor ao Longo


da Vida. 5ª ed. Artmed,2010.

LA TAILLE, Yves de; OLIVEIRA, Marta Kohl de; DANTAS, Heloysa. Piaget,


Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus,
1992.

LE BOULCH, Jean. O Desenvolvimento Psicomotor, Do Nascimento até 06


anos, A psicocinética na idade pré-escolar. 7ª Ed. Artimed, 2001.

MATTOS, Mauro Gomes de e NEIRA, Marcos Garcia. Educação Física Infantil:


construindo o movimento na escola. Guarulhos, SP: Phorte Editora, 4º Ano, 2002.

NETO, Carlos Alberto Ferreira. Motricidade e Jogo na Infância – Rio de Janeiro: 3ª


Edição, 1994.

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