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Mariana Simbaldi Ruiz

Marcela Fornazari

A Bolha do Eu
Como as mídias sociais e os algoritmos interferem no narcisismo

Na década de 90 a premissa da conexão acompanha o desenvolvimento da

internet e das redes sociais, uma realidade onde os indivíduos do mundo inteiro

podem se conectar sem barreiras do tempo ou espaço começava a ser esboçada.

Entretanto em 2021 temos como resultado uma sociedade de pessoas cada vez

mais solitárias, as ferramentas desenvolvidas para aproximação acabam por nos

isolar para além do digital, afetando no indivíduo percepções de si próprio e de suas

relações interpessoais. Um dos fenômenos contemporâneos que são tanto um

resultado quanto perpetuadores do cenário moderno são as Bolhas Sociais. Este

trabalho pretende desenvolver uma análise do fenômeno no ambiente digital a partir

dos conceitos de narcisismo elaborados pela Psicanálise.

As redes sociais permitiram ao indivíduo uma autonomia em relação à

informação que recebe. A princípio, o conteúdo desejado é escolhido em um leque

diverso de opções disponíveis online, no Facebook é possível filtrar quem deseja

incluir ao círculo de amizades, escolhe-se as páginas que deseja curtir a partir de

interesses pessoais em um determinado estilo de música, hobby, livros etc, essas

mesmas ferramentas que permitem adicionar conteúdos e pessoas ao feed permite

a eliminação do que desagrade, seja um amigo ou uma página que apresenta


conteúdos conflituosos ao que se deseja consumir. Com o aprimoramento das redes

surge um novo fator, o algoritmo, que a partir de dados coletados na atividade online

cria um “universo particular” de conteúdos personalizados ao passo em que limita a

vida online á posts e anúncios corroborativos ao ponto de vista pessoal do usuário,

esse filtro automatizado criam as chamadas Bolhas Sociais. Apesar das

conveniências promovidas pela curadoria invisível, é preciso atentar-se ao fato de

que esses ambientes vêm se tornarem em um fator de isolamento ao eliminar

espaços de alteridade e conflito comuns à vida em sociedade.

Para compreender a forma em que somos afetados pelo fenômeno no âmbito

psíquico retomamos o mito grego de Narciso e Eco, nele Eco é uma ninfa

amaldiçoada a repetir apenas as palavras que escuta, certo dia se apaixona por

Narciso e tenta aproximar-se. O jovem ao ouvir apenas repetições das próprias

palavras acaba por se deparar com o reflexo de si em um lago, deste momento em

diante fixa-se em sua imagem e deixa de desejar ou perceber tudo que existe ao

redor, preso na paixão acaba por definhar nas águas que o refletem. No advento

das redes sociais as bolhas surgem como um paralelo ao mito grego de Narciso e

Eco onde o sujeito moderno perdido no eco do eu gera indiferença e invisibiliza

outrem, tal qual o jovem grego fundido na imagem do espelho, vive em estado de

isolamento. Em seu artigo de 1905 “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”

Freud apresenta os primeiros passos na construção do conceito de narcisismo,

nesse o eu como objeto de investimento libidinal é introduzido como elemento

fundamental para desenvolvimento do eu em que toma a si próprio como objeto de

amor antes de reconhecer o outro.

Nos primeiros estágios da vida o bebê que até então encontrava-se no meio

intra uterino onde todos seus desejos e necessidades são supridos imediatamente,
não é capaz de compreender que existe um mundo além de si, é papel das figuras

parentais portanto construir uma relação que permita o desenvolvimentos das

percepções e da unificação do eu. Freud identifica o narcisismo primário neste

momento em que a relação dos pais é regida por projeções narcisistas de seus

ideais perdidos e desejos frustrados sobre a criança e criam uma fantasia de

onipotência na qual o bebê representa o eu ideal, na ilusão existe a apreensão de si

como primeiro objeto de amor, tal experiência é identificada como Sua Majestade, o

Bebê. Nesse processo ao passo em que as experiências positivas são introjetadas

como parte do eu, estímulos negativos que geram angústia ou desconforto são

projetados e localizados fora de si, o mundo externo é indiferente, o sistema de

identificação auxilia o indivíduo na estruturação do eu, unificando as pulsões

parciais e auto-erótica, estabelece uma base para forma que irá redirecionar sua

libido a outros objetos no futuro.

Em “Uma introdução ao narcisismo” (1914), Freud formula sobre a existência

simultânea da libido do eu e uma libido do objeto, o Narcisismo Secundário

configura-se no fluxo da libido direcionada ao objeto externo de volta ao eu, e regula

a medida de investimento direcionado a cada tipo na busca de satisfação do ideal

do eu, conjunto de identificações idealizadas apreendidas na fase de Sua

Majestade, o Bebê, idealizações passadas pelos pais que não representam a

realidade. No mundo moderno as Bolhas Sociais criam um ambiente fertil para que

esse desejo de retornar ao estado de onipotência desequilibra a balança da libido

de volta ao eu, O filósofo Byung-Chul Han no seu livro A Agonia de Eros (2017)

identifica o sujeito narcisista moderno em um mundo de sombreamentos projetados

de si mesmo, o inferno do igual.


“E sobre este eu ideal recai agora o amor de si mesmo que na infância gozou o eu real. O

narcisismo aparece deslocado em direção a esse novo eu ideal que, como o infantil, encontra-se

possuído de toda perfeição e valor. Aqui, como sempre ocorre no âmbito da libido, o homem

mostrou-se incapaz de renunciar a satisfação de que gozou uma vez. (...) O que ele projeta diante

de si mesmo como o seu ideal é o substituto do narcisismo perdido de sua infância na qual ele era

seu próprio ideal “

(Freud [1914] 2006: 90-1)

Na incapacidade de compreender o outro o indivíduo se torna indiferente ao

mundo além das extensões de si, o que existe fora da zona de conforto pode

invocar confronto indesejado sobre questões pessoais e na tentativa de manter-se

intacto, os muros simbólicos são erguidos. Com redes sociais o processo é

intensificado pelo algoritmo, as consequências da questão generalizada aparece em

diversas formas, no fortalecimento de discursos de ódio, ou patologias como a

depressão. É preciso reconhecer o outro em sua alteridade, conflitos e tensões que

contrariam crenças e questões pessoais são necessários para que se deixe

distinguir o eu do reflexo, assim como o bebê que tem o seio da mãe negado, seja

na vida online ou não, quebrar os muros que criam-se para autodefesa exige

frustração.

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