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G.R.E.S.

Porto da Pedra – Carnaval


2021 - O Caçador que traz alegrias. “meu tempo é agora”
“assim aconteceu o O Tigre de São Gonçalo olha
encantamento” para aquela roça, as fitas de papel vermelhas e
brancas, ainda balançam no ar, os “pés de
Em frente àquela casa, santo”, continuam a dar seus frutos,
relembrando um passado não distante, vi uma alimentando todo o grupo. Passado e presente
menina arredia e reservada. Era noite de Natal, se encontraram. Tentar decifrar os mistérios do
luzes acessas, a mesa arrumada com frutas da tempo é mergulhar no que se viveu, o tempo é
época colhidas no quintal. Duas mulheres sagrado, tempo é Orixá, o tempo é como uma
conversavam sobre aquela menina de cabeça flecha que percorre os mundos e retorna ao
baixa. Ganhou da matriarca uma fruta, não presente. Hoje, vejo aquela pequena menina,
conseguia enxergá-la, a distância não permitia, em seus olhos marejados de saudade. Vejo
mas o perfume agradável bailou pelo ar. Era agora aquela mulher, cuidando da saúde, da
uma maçã tirada do “pé do santo”. Isso tudo alimentação de crianças; muitas vezes, ela foi
aconteceu nos arredores de São Gonçalo do mãe sem saber. Mãe, protetora e zeladora. Odé
Retiro. A imagem ficava cada vez mais nítida mostrou-lhe o caminho, ensinou-lhe a lutar
em meus olhos, percebi fitas vermelhas e com as contradições. Hoje, esta mulher
brancas que encantavam não só meu olhar, mas transformou-se em símbolo de luta pela
da menina, que olhava em silêncio, sem tradição da fé. Sinônimo de resistência contra
perceber que ali, num futuro presente, seria sua a discriminação de negros, pobres, mulheres e,
futura morada. Ainda com a fruta na mão, a principalmente, pela valorização do ser
menina levantou seu pequeno rosto, revelando humano. Para isto, precisou voar tão alto
um olhar atento, cruzando com os olhares quanto a flecha do seu Orixá, conheceu outros
carinhosos da matriarca. Uma questão de mundos. No retorno, trouxe a prosperidade,
destino traçado no céu, no infinito, preciso fazendo pelo seu povo aquilo que fez pelos
como a minha flecha de caçador. Orixás.
“o caçador que chegou com “o que não se escreve o
a alegria” tempo apaga”
Seu destino já havia sido traçado. Mulher negra, mãe, zeladora, Iá.
Xangô escolheu, Oxalá abençoou, Oxum Defensora da cultura negra e de nossas
cuidou da menina no dia do seu renascimento, tradições, recebeu prêmios, homenagens,
e Oxóssi, certeiro, lhe transformou em rainha. títulos de doutora, sentou-se em trono de reis e
Criança, Iaô1, adulta, Iá2, a partir de seu de academias, criou biblioteca e escola, viajou
renascimento, vida e sagrado tornaram-se uma o mundo. Escreveu. Em seus livros,
única pessoa. O caçador trouxe alegria para os ensinamentos passados pelas histórias
moradores da roça de São Gonçalo, Iá contadas pelas tias, dos dias e noites sentados
proporcionou felicidade e prosperidade. Iá aos pés dos mais velhos, escutando os mais
tornou-se uma mulher detentora da magia novos, os mais sábios, das viagens que fez, das
encantadora, tão poderosa quantos os mistérios pessoas que conheceu. Odé sabe o que faz.
da vida. Destemida, atravessou o tempo como Odé, com sua flecha, é a segurança de sua
a flecha de Odé3, criou um laço tão intenso de trajetória. Odé, o caçador de alegrias. Odé
fraternidade, com seu olhar carinhoso aos seus Kayodê traz a alegria, Odé Kayodê é Mãe
semelhantes. Aprendeu com Odé uma nova Stella de Oxóssi.
forma de viver, seu arco e sua flecha
significavam o ato criador em busca da Annik Salmon – carnavalesca
perfeição. Assim como seu eledá4, o dono de
Carlos Carvalho - pesquisador
sua vida, tornou-se uma grande líder.

1 Filhos de santo iniciados no candomblé. 3 Caçador.


2 O mesmo que Ialorixá, ou seja, Mãe de Santo. 4 Divindade que zela pela pessoa.

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