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Planejamento editorial

PALOMA NAZIAZENO
Projeto gráfico, Capa e diagramação
GERMANA G. DE ARAUJO (UFS)
Fotografia
MELISSA WARWICK
Receitas
SEICHELE BARBOSA
Ilustração
ELISÂNGELA QUEIROZ
Revisão
GABRIELA AMORIM

Impressão
GRÁFICA MOURA BRASIL

ARACAJU
2020
Dedicatória
Para minhas avós, Anete (in
memoria), Elza (in memoria)
e minhas tias-avós Ceres e
Menininha (in memoria)

Para Gustavo, onde todo o


amor começa e não se encerra.

Agradecimentos
Minha família e Glêyse
Santana, aos amigos Júlio
César, Rosane Guedes,
Seichele Barboza, Melissa
Lee Warwick, Josêvania
Rabelo, Amanda Rodri,
Givaldo Barbosa e Isaura
Gama Torres (AKAIÚ Ateliê
de Cerâmicas), Comunidade
Quilombola Sítio Alto, Juliana
Venturelli, Gabriela Amorim,
Elisângela Queiroz, Germana
de Araujo, Slow Food Brasil,
equipe Rumos Itaú Cultural
e a todos os personagens
presentes neste livro.
Prefácio
São inúmeros os caminhos que uma pesquisa pode per-
correr, são muitas as formas para recontar histórias e
trazer vivos os cheiros e sabores do passado e do pre-
sente. Paloma Naziazeno escolheu entrar no mato e nas
cozinhas, sentar-se ao lado das pessoas que habitam o
sertão sergipano, onde há seca e terra molhada graças
ao rio São Francisco, o velho Chico. Este senhor-entida-
de abarcada no silêncio dos pescadores velhos, que es-
preitam e respeitam a vontade do rio, dono dos peixes e
da água, de onde vem abundância e escassez. Os velhos
sabem lidar com a rotina pendular da vida, deixando o
legado da paciência aos mais novos.

Nas histórias escolhidas para compor seu trabalho, a


autora nos apresenta um Sergipe rigoroso, sofrido, mas
carregado de temperos e esperanças, como nos aponta o
agricultor Isaías, que religado com seu território e com a
Escritura Sagrada, diviniza o seu chão, consagrando Be-
tume como sua Canaã, a Terra prometida.
As paisagens que compõem o universo pesquisado, dis-
tante da urbanidade, nos possibilita encontrar com o
frescor das palavras e ações legítimas, plantadas no co-
tidiano de quem muito fez e ainda faz.

Pensar em Sítio Alto, povoado de Simão Dias como um


povoado chamado outrora de “mais pobre e atrasado”
da região é assistir a réplica de discursos que enxergam
e querem colocar a visão progressista sobre populações
Com Dona Josefa, outra coisa não podíamos conhecer
tradicionais, os indígenas e quilombolas na vitrine do atra-
senão o maracujá de trovoada, “que flora quando o tro-
so, para chegarem com seus tratores e leis desmatando,
vão corta”.
“despovoando”, removendo, dilacerando saberes e prá-
ticas ancestrais e sustentáveis. O mundo moderno pede O Maracujá se enrosca em seu quintal, sempre para o
passagem e se não lhes dão, enchem a terra de agrotóxi- alto, como a trajetória dela e do lugar. Paloma observa
cos, genocídio amplamente aplicado no governo de 2019. tal fruta como parte indissociável da existência de Dona
Josefa e assim nos traz poeticamente a definição de fruta
Foi em Sítio Alto que a desesperança de ontem abriu ca- e mulher inseparáveis.
minhos na faca e foice para a luta de sempre. Dona Jo-
sefa, moradora de lá, ciente das coisas, sem precisão de Todo o percurso traçado pela autora apresenta persona-
gens imanentes às suas origens. A permanência em seu
ler e escrever sabia da importância da leitura e da escrita
território é uma característica predominante dos mais ve-
para que seu povo pudesse lutar com as mesmas armas
lhos, o ancoramento de sua cultura ligado às práticas an-
dos que escrevem e corrompem leis. Conseguiu escola
cestrais. A frase do historiador, etnólogo e filósofo Ama-
e mudou o nome das terras quilombolas para Sítio Alto, dou Hampaté Bâ sinaliza que “Na África, cada anciã/o
antes considerado a terra da moléstia, também batizado que morre é uma biblioteca que se queima”. São elas as
por outros nomes que definiam o lugar como um lugar guardiãs dos tesouros da terra, águas e quintais e que
sem saída. Ela gritou e fez revolução com quadro e giz, Paloma nos apresenta como quem abre o livro da Vida.
trazendo escola para o seu povo, apontando saídas para
Vida que cresce na seca, flor que desabrocha no des-
o atoleiro colonialista.
campado, cacto que vira cocada na panela- espelho de
Lembrando a poeta dos pobres Cora Coralina “O saber a Dona Edeuza, a mestra das lenhas que alimentam o fogo.
gente aprende com os mestres e os livros. A sabedoria se Vida que se esvai, mas que graças aos registros em dis-
aprende é com a vida e com os humildes”. sertações, teses, livros e vídeos podem ser perpetuadas
para que gerações vindouras conheçam as origens das
coisas. Como pesquisadoras das tradições, sabemos da
importância de cadastrar em palavras e imagens as falas
e modos de ser dessas populações.

Mulheres do fogo e mulheres das águas. A gente sabo-


reia os elementos femininos presentes nas narrativas
sergipanas que Paloma transcreve. É como se ouvísse-
mos o som das vozes e dos sotaques. Tal esmero não
é tarefa fácil, uma vez que toda escrita tem o tom da
Apresentação
interpretação e da invenção, por mais acurada que seja.
Registrar o universo oral é um desafio colossal. A autora
alcança o primor dos atravessamentos que é deixar-se ir.
“Comer é sempre
Quando se permite ir, ela se deixa traspassar e a ponta mais que comer”.
do lápis é apenas a continuidade da escuta.
(Lucy Giard)
A alma da autora é povoada de inquietações, mas tam-
bém de silêncios e, talvez por isso ela tenha se especiali- O cheiro de comida de vó, conversas, sorrisos. Cozinha
zado na arte da escuta, antes da arte da escrita. cheia delas, das mulheres que me antecederam, daquelas
Alberto Caeiro nos deixou uma máxima: “Não é bastante que vieram antes, das mulheres pontes sobre a história
ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também de um outro lugar, o mesmo lugar, minha terra, Sergipe.
que haja silêncio dentro da alma”. Elo entre o que sou e o que fui, através das mãos que
mexiam panelas e tachos. Passavam horas preparando
Eis aqui um prato cheio, um banquete, um festim de en- quitutes, conversando. Da cozinha saíam pratos e mais
contros às beiras, margens, contornos e bordas que nos pratos com sotaque, com jeito, com afeto. Mesa posta,
convidam a entrar no profundo das águas e dos quintais saliva, boca se abria.
sergipanos, terra das araras, cajus e muitas histórias.
Minhas mulheres, antigas guardiãs da memória, dos ges-
tos, da oralidade, foi por causa delas que abri minhas asas,
fui Sergipe adentro conversando com esse povo de sorriso
farto, de alma, de afagos. Em cada casa que chegava, um
dedo de prosa, um café e abraços. Sergipe é vasto, como
somos diversos; da casa que faz fundo à Lagoa Salomé ao
Juliana Lucinda Venturelli sertão, do sertão de Canindé. Quantos homens, quantas
Professora e pesquisadora mulheres… minha avó, minhas tias velhinhas.
terra

Fogões a lenha, panelas sempre ariadas e a vontade de


cada um contar suas histórias. Coletei todas elas, ouvi,
me emocionei. Através da comida, pude reconhecer essa
terra de araras e cajus. O que nos contam os alimentos
dos antigos? Na bagagem sociológica e antropológica,
alimento é o gosto familiar do dia a dia, nossa ancestra-
lidade e cultura.

Através da comida preservamos a memória de um povo,


englobamos emoções, caracterizamos formas de perten-
cimento, damos significados e estreitamos as relações
sociais, reafirmando identidades coletivas. A memória
social e sua narrativa se encontram também na comida.

Este livro tem como objetivo promover o resgate do sa-


ber fazer de antigos alimentos que povoavam as mesas
dos sergipanos do campo. Uma velha dieta cotidiana,
intrinsicamente ligada à terra, que se fazia presente in-
clusive na capital. Ao longo de um ano de viagens, três água
mulheres, cada uma com sua arma: a fotografia, a gastro-
nomia e a palavra. Três mulheres que ouviram histórias quintais
e que, através delas, viveram outras, as suas próprias,
pesquisaram por todo o estado catalogando 15 tipos de
alimentos e a cachaça especial produzida no estado. As
formas de cultivá-los e maneiras sergipanas de pô-los à
mesa. Nascia então o projeto Panela Sergipana: sabores
das terras de araras e cajus, com o apoio do instituto Itaú
Cultural, através do edital Rumos Itaú Cultural 2017-2018.
Foram mais 2000 quilômetros rodados, cobrindo Sergipe
de ponta a ponta e descobrindo gostos do passado que
se fazem ainda presentes, através de nossa gente. A pes-
quisa foi dividida em quatro capítulos.
Terra: Cambuí, Maracujá de Trovoada, Coa- a distância entre campo e cidade foi imposta. Um fosso
lhada de Pepino, Maniçoba, Cabeça de Frade, surgiu: perdemos a relação com o que comemos. Mas
Cominho e Maxixão. perdemos, sobretudo, antigos saberes de cultivo, formas
ancestrais e diversidade de sementes. Passamos a comer
Águas: Pirambeba, Caboge e Saburica.
demais e nos alimentar de menos. A quebra do hábito
Quintais: Major Gomes, Uricurí, Café de saudável na alimentação implica diretamente na ascen-
Quiabo, Umbucajá, Bufú e a Cachaça de são de uma outra indústria, a farmacológica. Adoecemos
Capela. porque comemos o que comemos, e encontramos os an-
Receitas culinárias Contemporâneas. tídotos nos frascos das farmácias.

No entanto, a resistência existe. Ao caminhar por todo


Os respectivos alimentos são apresentados através das Sergipe encontrei mulheres e homens dispostos a cui-
narrativas daqueles que os plantam e os mantêm vivos
dar da terra e plantar nela possibilidades de futuro. Está
nos manuseios, usos, paladares e costumes; nos lugares
no campo a grande revolução. Nos pequenos pedaços,
onde crescem, convivem e constroem material cultural.
Neste sentido, a comida é patrimônio com seus modos nas constituições das famílias, nos discursos propagados
de produção, comer e viver. àqueles que se fazem ouvintes, nas mãos calejadas, nas
peles queimadas, nas lidas diárias.
Éramos nômades, caçávamos para nos alimentar. Em
um determinado momento da história da humanidade, Em cada rosto, em cada boca, em cada corpo político.
aprendemos a cultivar nossos alimentos: nascia então Foram eles que me fizerem crer que um outro mundo
a agricultura. Mantínhamos um laço estreito com o que é possível. Uma obrigação se faz presente e urgente a
nos alimentava. A terra era mãe absoluta, sua força de nós, personagens das urbes, do contar de horas, da fal-
brotar nos garantia a vida, sua ampla diversidade de cul- ta de horas, nós que não encontramos tempo no tempo
tivos nos ensinava o que comer e o quanto. Com o surgi- do mundo, que antes das seis fechamos portas, nós que
mento da Revolução Industrial, os contornos do urbano
buscamos a sombra, que deixamos de gostar do sol, da
começaram a surgir. A cidade se desenhava e com ela, o
quentura que germina: fortalecer e agradecer a cada uma
tempo se extinguia. Começamos a ter ânsia, o alimento
virou comida em lata. destas pessoas do campo, senhoras e senhores doutores
dos seus saberes. A cada comunidade originária, tradicio-
A agricultura tornou-se uma indústria, cujo foco princi- nal e que vive a garantir a perpetuação do saber-fazer, a
pal é o lucro. No Brasil, o sistema de produção agrícola, sustentabilidade, a manutenção da biodiversidade, a me-
baseado principalmente na monocultura de larga escala
mória do que somos, TERRA.
com o uso alarmante de pesticidas, promoveu a exclu-
são dos principais atores, os agricultores. Dessa forma, Paloma Naziazeno
terra I 19 águas I 39 quintais I 47
Cambuí, 20 I Maracujá de Pirambeba, 40 Bufú, 48 I Cachaça de Capela, 51
Trovoada, 23 I Coalhada de Caboge e Saburica, 43 Café de Quiabo, 55
Pepino , 27 I Maxixão, 29 Umbu-cajá, 58
Maniçoba, 31 Major Gomes, 61
Cabeça de Frade, 33 Dicurí, 63
Cominho, 36

Receitas I 67
Culinárias Contemporâneas
Sunomono de Coalhada, 69
Maracujá de Trovoada, 71
Tartar de Saburica , 73
Crocante de Maniçoba e Vinagrete de Caju, 75
Bufu e Pirambeba, 77
Capeletti de Majongome e manteiga de cominho, 79
Café de Quiabo, 82
Carne do Sol Flambada na cachaça de Capela, 84
Cabeça de Frade , 89
Caboge na moqueca com uricuri e maxixão no coco, 94
terra “A terra é vida
e sem ela não
há significado”.
(Autor desconhecido)

A terra toca profundamente. Sua superfície seca ou ir-


rigada. Suas covas rasas, raízes profundas. Terra das
mãos que aram, de mulheres e homens que cultivam
seus cotidianos áridos. Terras de quintais largos. De
frutas, legumes, de vegetais que se apresentam do ser-
tão ao semiárido.

Terra de matuto, do doce que se mistura ao amargo. Das


longas horas das enxadas, das brincadeiras das crianças
e repouso derradeiro dos velhos. Semente a semente,
palmo a palmo plantado.

A terra, as mãos e o alimento formam uma sacralidade:


a santa trindade. A terra por debaixo dos pés é política
ou propriedade. Acima deles, pode ser mato, luta ou o
Cambuí I Maracujá de Trovoada I Coalhada de ganho da feira de sábado. A terra é a sobrevida de quem
pepino I Maxixão I Maniçoba I Cacto cabeça tem urgência, a terra é pra quem cuida, como se fosse
de frade I Cominho um ofício nato.

18 I Panela Setgipana 19 I
Cambuí.

Em Ilha das Flores, doces também são feitos, em pane-


las lentas de fogo baixo. Todos nas comunidades vizinhas
também a conhecem, seu sabor e seus usos. É coisa dessa
terra, um senhor me diz. ”Antigamente, o povo consumia
mais, depois deixou”. Claudiney me diz que é por causa
dos tempos: “hoje o povo tem mais coisa pra comer. Mas
aqui em casa, eu ainda uso”. Os antigos usavam esta fruta
para remédio. Cura arranhão e dor de barriga. Seu suco já
foi mais apreciado, “hoje ninguém mais toma”, diz Claudi-
ney, “hoje o povo bebe refrigerante”.
Cinco da manhã, aberta a porta da venda, Claudiney sai
para catar as frutas no pé. “Não é longe, não”, ele me diz.
No dicionário Guarani, Tupi, Cambuí quer dizer de folha, “É logo ali”. O ali de Claudiney levou 40 minutos. “Pego
do mato. Fruta de mato, o cambuí é para todos, numa ter- na estrada pro Brejão dos Negros” (povoado quilombola,
ra em comum. No município de Ilha das Flores, em uma vizinho a Ilha das Flores). “Tirar não dá trabalho, o difícil
venda de secos e molhados, Claudiney me mostra o es- é desviar do cansanção”, ele ri. Depois de encher o balde,
toque de suas garrafadas. Uma cachaça maturada com a ele volta pra casa. Agora é que o trabalho começa; se-
fruta, especialmente a de cor preta. Como diz Claudiney, parar frutinha por frutinha. A catação descarta as frutas
“a mais procurada”. Cerca de três meses de infusão, e a estragadas, separa também por cores. Tem a amarela, a
bebida se apruma. Mas não só da cachaça vive o Cambuí. pretinha e a vermelha.

20 I Panela Setgipana terra I 21


Maracujá
de trovoada

O sumo doce dessa fruta, o cheiro exalado de suas pe-


quenas flores. Flora no mês de junho. Com muita chuva,
não sobrevive; com pouca chuva, morre. “Na quentura,
até as folhas caem”, me diz olhando o pouco movimento
da rua. Na quentura que fazia, em pleno sol do meio dia,
partimos mato a dentro. Não foi difícil de achar, no meio
da mata, lá estava. Uma planta pequena, de crescimento
lento. Pequeninas aves bicavam seus frutos, um docinho
no bico do passarinho.

De volta à venda de Claudiney, pergunto quantas garra-


fas de cachaça do cambuí ele vende. Me diz assim: “uma
ruma. O que botar, sai. Aqui o povo bebe cachaça. Não
há muito o que fazer, então… Custa R$20 uma garrafa
plástica de dois litros”. É muito cachaça, Claudiney, eu
“Não é de açu, não é da
digo. “É, mas o povo gosta, fazer o quê?”. De certo, papoco. É maracujá que
dessa água, o bico do passarinho não bebe.
flora quando o trovão
corta” (Dona Josefa)
22 I Panela Setgipana terra I 23
Sítio Alto, povoado de Simão Dias, foi um dos mais pobres
e atrasados da região. Outrora conhecido como Alto da
Moléstia, Alto da Ganguenza, Alto do Galo Assanhado
ou do Cacete Armado. Mas foi na luta quilombola que a
terra passou a ser ancestralidade.

Vislumbrei sua paisagem, aos pés de uma velha


mangueira que me acolhia, eu uma forasteira. Fitei dona
Josefa de perto. Liguei o gravador, ela me olhou como mato. “Vê? Nada aqui tem veneno. Por isso que o que
quem diz: agora é a minha história. Não falei, só escutei. você procura ainda tem por aqui”. Eu sorri. O maracujá de
Não começou do início, não deu nome completo, idade, trovoada ou de perruche surge como surge a própria vida
ocupação. Queria falar daquele pedaço de chão. Aquele na terra, enrosca-se em outras espécies e segue.
mesmo pedaço de chão no qual seus pais e avós pisaram.
O chão de vergonha, de fome e seca. Um chão político, e Contam as bocas miúdas que ele nasce quando o céu tro-
dona Josefa sabe disso. voa, entre os meses de junho e julho, e que se não se
risca o céu com a voz do trovão, ele não vinga. “A gen-
Me disse que não se pode perder oportunidade, que tem te tinha ele na roça, fazia uma coisa chamada umbuzada
que descansar sentado, mas esperar, não. Que era analfa- com ele. Tacava farinha e açúcar e servia pra comer. Não
beta, mas que havia aprendido a conhecer pessoas. “Todo tinha outra coisa, a gente se virava, servia de alimento.
dia eu digo, que uma coisa que vale bem pra gente é pe- Servia pra gripe também, como um lambedor”.
gar amizades com as pessoas”. A fala de dona Josefa era
sua cartilha do ABC, “a gente que não sabe ler, é como O maracujá de trovoada, ou do mato, era muito conhe-
cego que não vê”. Na fala de dona Josefa há lírios e lutas, cido no interior de Sergipe. Até os anos 1970, ainda se
aprendeu desde menina com mãe a falar, construir pontes. encontrava ele no mercado de Aracaju. Apreciado pelos
Não se importou quando disseram que ela, negra, mulher mais velhos como um doce em compota, hoje é quase
analfabeta não iria conseguir nada para o povoado. Con- extinto. Pergunto a dona Josefa se ela sabe o motivo.
seguiu casa de tijolo, escola, sede pra associação e posto Certeira, falou: “ele não gosta de veneno. E hoje, o povo
de saúde. Conseguiu mais: a adesão das mulheres, ho- só trabalha com veneno. Por que eu vou botar veneno no
mens e jovens da região. Pegou minha mão, me levou por que eu como? Isso é uma coisa que precisava rezar na ca-
beça das pessoas. É uma coisa que tá triste. Não sei que
todo canto, me mostrando os seus cantos de chão.
milagre a gente ainda tá vivo”. Me afasto de dona Josefa,
Orgulhosa dos seus pés de tudo um pouco, dos paus olho em silêncio o seu pedaço de mundo. Olho para a
e ervas, dona Josefa me levou no fundo, do fundo do terra embaixo dos meus pés, e ela está viva.

24 I Panela Setgipana terra I 25


Coalhada
de pepino

Deixei o pé de maracujá de trovoada enroscado à própria


história de dona Josefa, são inseparáveis, fruto e mulher.
Nasceram no espontâneo da vida, na terra que sempre
foi deles, mas não se sentem livres. Dona Josefa sabe
que o chão de um quilombola precisa ser arado de força
e fé em si mesma. A pequena e redonda fruta sabe que
está por desaparecer. Antes de partir soltou os cabelos, Da terra como ofício, do cuidado diário, da peleja pela
quis ser fotografada assim. Teve tempo para mais uma irrigação – terra que jorra leite e mel, porque tudo nela
frase: “Assim como nós estamos aqui na terra andando brota duas espécies distintas, Coalhada de pepino e
vivos, por aí também tem seres das árvores que fazem o Maxixão, nascem sem ter sido criadas pelas mãos do
bem”. Me buli inteira. Pela mulher, trincheira da sua exis- homem do campo. Um dia brotou, me diz Isaías, na terra
tência e pela fruta que me diz: ainda estou aqui. que ele chama de “minha Canaã”.

26 I Panela Setgipana terra I 27


Maxixão
De barco se chega a uma ilha no Betume, no município de
Neópolis. A ilha de Isaías, sua terra prometida. O barco
deslizava pacífico pelas águas do Velho Chico, paramos

Diferentes no formato, mas igualmente importantes pra


gente do meio rural, a Coalhada de pepino e o Maxixão
acompanham as vidas do povo no interior de Sergipe. Da
relação íntima com a terra, nada é desperdiçado: “se Deus
gerou, a gente come”. De fato, na terra das enxadas co-
tidianas, o alimento é sagrado, se antes não se conhecia,
um dia, experimentaram. E tomaram gosto, e cultivaram.

A Coalhada de Pepino não é pepino, não é abóbora e


nem abobrinha. Muito embora em outros lugares do Bra-
sil, possa ser chamada de abóbora-d´água, por se tratar
de um fruto longo. Para os moradores do assentamento
Jacaré-Curituba, no município de Poço Redondo “não é
abóbora, não, é outra coisa”, me contam os nativos do
sertão. Rama pelo chão, sua flor miúda é amarela e se
abre, desinibida durante o dia. Fora batizada de coalha-
da porque “se butar açúcar quando tá madura, fica igual
coalhada feita de leite”. É assim que o povo do sertão a De barco se chega a uma ilha no Betume, no município de
consome, como a sobremesa depois do almoço, ou antes, Neópolis. A ilha de Isaías, sua terra prometida. O barco
como a urgência do vazio no prato. Vendido nas feiras e deslizava pacífico pelas águas do Velho Chico, paramos
às margens das rodovias, usa-se também nos refogados na ilha maravilha,, os sons dos pássaros, os cheiros mis-
enquanto está verde; depois de muito madura, o sabor já turados. Pé de jenipapo, maracujá-açu, goiabeiras por
não é o mesmo. No sertão de Poço Redondo, sob o sol todo lado. Depois da casinha de taipa, base do descanso
que faz gastura, as mulheres me mostram sua comida, do trabalho, esparramado pelo chão, encontrei o Maxi-
um punhado de tempero ali e aqui e os frutos gerados, xão. Para Isaías é um legume, uma abóbora. Tem casca
“tudo vai pra dentro da barriga e nóis é feliz assim”. grossa, é uma planta de barro, não é de areia, me explica

28 I Panela Setgipana terra I 29


Maniçoba

com orgulho. “Quanto mais barro, mais viçoso fica”. Nas-


ce um brotinho, devagarzinho. Aos poucos vem uma flor,
mais envergonhada que a flor amarela da Coalhada, se
exibe branca, bonita, mas só à noite. A flor do Maxixão
só se encontra com quem ara seu chão.

Não é de todo desconhecido no resto do país, se conhe-


ce também pelo nome de Caxi. Muito embora não seja
cultivada por muitos, o Maxixão é um velho conhecido
dessa comunidade ribeirinha. Quando seca o fruto, re-
tiram-se as sementes, planta na terra. Brota com mais
vontade no verão, pois a chuva em demasia do inverno
a deixa mais amarelada.

Isaías a conhece desde pequeno, agricultor que desce


o rio todos os dias pra vender suas iguarias, lembra da
mãe e da avó cozinhando o Maxixão, pondo nas sala-
das, cortado em pequenos pedaços junto com a carne
frita. “Acrescenta mais um gosto, e se tiver feijão verde, Macaxeira, aipim, aipi, castelinha, mandioca-doce, man-
aí é que fica gostoso”. Trabalha para ele mesmo “eu sou dioca-mansa, maniva, maniveira, pão-de-pobre, aiapuã,
um microempreendedor”, tem o sonho de comprar um caiabana ou caarina; maniçoba. Vinda de uma indiazinha,
carro, facilidade para o trabalho. Roda com uma motoca Mani. “Tem as folhas de baixo que é seca. As de cima, as
cheia de tudo e corre Pacatuba, Brejo Grande e toda do olho é que é as verdinhas que tira pra fazer”.
Neópolis. Me vendeu uma ruma de maxixe, exibiu seus
olhos verdes e deu de presente um saco de jenipapo. Prato típico do Pará, do recôncavo baiano e do município
Perguntou-me se eu estava com o gravador ligado, eu de Lagarto, em Sergipe. Em cada canto um jeito de fazer.
disse sim: “bote aí, todo dia eu trabalho vendo a beleza Em cada povo, um gosto. Em terras sergipanas, a Mani-
do São Francisco”. Me leve Velho Chico. E sempre me çoba tem um ingrediente principal, a farinha da mandioca.
traga, meu bom Chico. Raiz típica de um país, da lenda indígena, da pequena me-

30 I Panela Setgipana terra I 31


Cacto
nina que morre e renasce planta e que vira bebida cauim,
vira beiju, vira farinha. E pelas mãos de Dona Joselita,
lagartense, vira maniçoba. Da memória de mãe, do cozi-
mento lento aprendido nos tempos de menina que vivia
numa malhada. “Tinha aquelas carnes, que quando chega- cabeça
va segunda-feira já sobrava, né? As carnes secas assim, aí
sobrava e mãe fazia a maniçoba. Dava sustança”. de frade
Cresceu comendo a comida materna, virou mãe e todos
os cinco filhos e seus doze netos e sete bisnetos se ali-
mentam da comida de Mani. Um dos filhos, Deus levou, o
outro, professor, come quando chega, e o ofício de mãe
que diz “sempre guardo pro meu fio comer quando vem
me ver”. Dona Joselita faz maniçoba há mais de 40 anos,
já não mexe mais a grande panela, “o braço não guenta”,
mas garante que o tempero e o olho são dela. Não vive
mais na roça, hoje tem um restaurante embaixo de uma
pousada, também da família, na cidade onde sempre vi-
veu, Lagarto. Prepara religiosamente o prato típico pra ser
vendido todo sábado. “Eu pago pra tirar a folha, depois
mói com um motorzinho de moer, depois lava, enquanto
tiver sumo tem que lavar, senão embebeda a pessoa, aí a
gente bota a folha no fogo, depois eu boto pé de boi, de
porco, carne muquiada, carne do sol, charque, né?! Passa
dois dias no fogo, na hora de mexer, eu boto farinha da
terra, da mandioca mesmo. A farinha é com água, pra ficar
bem molinha e ir engrossando, pra poder misturar, se bo-
tar a farinha seca, embola”. Mas sobre os temperos, não
me disse nada. Guarda em segredo. Me falou pouco sobre
ela, gosta mais da cozinha e de ter a família por perto. De
cabelo branco, penteado para trás não esboçou sorrisos.
Mas trazia o inconfundível cheiro de vó, do corpo peque- Sertão. Crianças não brincavam, não havia mulheres nas
no, roliço, colo farto no qual se encaixa e permanece. O portas. As cadeiras estavam guardadas. Sertão de Ca-
cheiro exato da comida, memória de sua própria vida. nindé, Curituba com a Rua dos Negros. No sertão nem

32 I Panela Setgipana terra I 33


Pela manhã, sai cedo pro mato sertanejo. Com um ca-
vador, arranca o cacto, tira seus espinhos, sua casca.
“Tira o pau que vem dentro dele, lava duas vezes, limpa
bem. Bota no fogo e depois tira, pega um saco de pano
bem alvinho, pendura numa ripa pra escorrer e no outro
dia fazer. Põe cravo e açúcar, junto com o cacto cortado
bem pequeno”. O pano “alvinho” de Dona Edeuza tremu-
la branco e imaculado ao vento do quintal, seu caldeirão
tudo que se planta dá; sem irrigação, quase nada. Poeira é um espelho. Mais importante do que tudo isso que ela
e cor de barro. As pessoas, as casas, as vidas. No meio da me contou, é o “ficar de olho no doce e as madeiras pro
paisagem seca, uma flor vermelha. É a flor do mandacaru fogão a lenha”. Todas secas, madeiras do sertão que ha-
que, venosa, se desnuda. Na caatinga, tudo é cacto. Es- bita em Dona Edeuza. Tem algaroba, graúna, jurema e
pinhento e resistente, alimenta gado e também gente. O bonome. “Madeira antiga, de todo canto daqui, por aí,
cacto cabeça de frade não é muito grande, redondo, traz antiga como eu”.
em cima de sua cabeça pequenos botões cor-de-rosa
choque. As cores que o sertão faz florescer precisam ser
fortes, avisando que existem, que resistem, assim como
o povo que o habita.

Bati na porta de Dona Edeuza era início de tarde. Ela deu


um pulo do sofá e me disse “entre, pode entrar. A casa é
pobre mas cabe”. Cabem filhas, netos e o povo que vem
de longe pra ver a mulher da cocada de cacto. Nascida
em Piranhas, Alagoas, chegou moça em Canindé. Faz 42
anos que mora na divisa com Paulo Afonso, Bahia. “Mo-
rava em Canindé de Baixo, tinha uma serra muito alta,
via os cactos e um dia passou na minha cabeça: vou fazer
uma cocada com isso daí”. Disse-me que a vida era mais
dura antes. Trabalhava fazendo vassoura, abano com pa-
lha, fazia corda e vendia nas feiras. Quatro filhos, todos
criados, agora ajuda a criar os netos. Sua cocada ganhou
fama e ultrapassou limites entre estados. Gosta de fazê-
-la. É mais rápida do que a cocada de coco.

34 I Panela Setgipana terra I 35


Cominho

Falso anis, o Cominho provavelmente veio da Ásia Central.


Os egípcios usavam-na como pimenta e oferenda. Na Ida-
de Média, foi uma especiaria da aristocracia; muito popu-
lar na África e Ásia e em algumas partes da América Latina
onde provavelmente chegou pelas naus espanholas. No
Brasil, seu sabor acentuado não agrada muito o Sudeste.
É no Nordeste, mais precisamente em terras sergipanas,
que o Cominho floresce. Não em roças, por estas bandas
não há cultivo, é nas bocas que Cominho é bem-vindo.
Tempero de todo dia, de todo prato, da sopa ao frango
assado. Em toda comida, o sergipano salpica cominho. Da
avó, passando pela bisavó, ou ao neto que vai chegar, o
cominho é presente no paladar. Nas bancas de feira, os
senhores gritam: “bora levar Cuminho, freguesa?”.

No interior, as sementes quando não são trituradas, pois


Especiaria das especiarias, não é sergipana, mas deveria. são elas que são usadas na cozinha, são preparadas como
Não há uma casa em Sergipe que não use o Cuminho digestivo, diurético e, para alguns, afrodisíaco. De gosto
– assim, com u, apertando a boca num biquinho. Suas forte e aroma inconfundível, o Cominho faz morada. E ai
folhas e sementes são aproveitados como condimento. daquele que não o usa por achar a especiaria ultrapas-
Suas sementes possuem sabor picante e adocicado, já as sada, sergipano gosta de comida temperada. E pode ser
folhas, são levemente amargas e também apimentadas. escargot, é só botar cuminho, meu Sinhô!

36 I Panela Setgipana terra I 37


águas

Cultiva, floresce, lava, encharca,


cai dos céus, brota da terra.
De rio, lagoas, açudes, de mar.
Salgada, doce.
Das orações, dos clamores,
dos migrantes.
A água e sua força.
Essencial à vida.

Pirambeba I Saburica e caboge


38 I Panela Setgipana 39 I
Pirambeba

Para o povo sergipano, esse rio tem nome, São Francisco.


Um velho, um Chico. Percorre muitos caminhos, aqui, são
dois: Bongue e Resina, o primeiro é povoado de Ilhas das
Flores, já Resina pertence ao município de Brejo Grande.

Os homens mais velhos sentam a observar, já entendem


a língua de Chico; os mais novos, aprendem. Costuram-
-se redes; a força da juventude empurra os barcos, à
espera que Seu Francisco lhes dê peixes. Nem sempre
é possível. Um antigo pescador me conta com um sem-
blante triste: “Já maltrataram tanto esse rio que hoje tem
cada vez menos peixe”. Vejo homens magros de braços
cruzados, pergunto a um deles: “Vai pescar?”. Ele me
responde sereno: “Só quando o rio deixar entrar”.
O rio que passa não é o mesmo, a cada hora as forças
Naquele tempo de maio, o rio deixou. Permitiu barcos,
das marés, dos ventos, a mágica da lua modifica o rio que
redes e suas quase extintas espécies de peixes. O Pi-
atravessa. O rio contorna seus percalços, seus pequenos
rambeba foi um deles. Presente na localidade do Bongue
obstáculos e tenta desesperadamente desaguar. Com e Resina quilombolas, alimenta o cotidiano e recheia as
força, um fio; com suavidade, abundância. bancas das feiras, forra a barriga, não tem muita carne,
não é um peixe grande. Com ele se faz a muqueca sergi-
O rio do encantado, da infância de todo nordestino. O rio
pana, que não leva o azeite de dendê.
dos desatinos, dos destinos daqueles que habitam suas
margens. Todo dia, sem cessar, o rio corta os ritmos, as Nas mãos de Dona Selma, nascida na Barra dos Coquei-
mãos, as esperanças. ros, longe da Resina, o leite de coco é sempre feito na

40 I Panela Setgipana águas I 41


Saburica e
caboge

hora, e a muqueca não demora a exalar seu cheiro. O


pirão acompanha, feito de caldo quente de peixe, mais Cedro de São João, casa de mulheres, mulheres da água.
a farinha nossa de cada dia. Muito coentro, cuminho, e a
Casa de porta aberta e uma lagoa que cruza a vida das
muqueca é posta à mesa. Dona Selma adotou aquele lu-
duas. A casa em questão é da mais velha das irmãs, “uma
gar, casou-se com um paulista, Seu Aldo, e juntos tocam
miudinha e que foi uma rainha na cozinha. Cuidava de nós
um restaurante cuja varanda nunca há de cansar a vista.
São famosas e pacientes suas iguarias. Reserva sua sina todos. Ficava com os menores. Serviço de menino é pou-
à cozinha, passa manhãs e tardes, quebra mais um coco co, quem pede dinheiro é louco”. No trabalho da pesca,
para extrair seu leite grosso. De vez em quando, olha pra as irmãs do meio: Dona Beá e Dona Ana Lúcia, criadas na
grande janela, corre longo o rio que encontra o mar. roça, plantando arroz, e na pesca, necessária para ali-

42 I Panela Setgipana águas I 43


diente que dá um sabor especial aos pratos. Ou ao modo
de Cedro de São João, cozidas com todos os temperos.

Dez reais na feira custa a lata cheia de saburica. O dinhei-


ro é dividido entre as duas. Vendem no município vizi-
nho, na feira de Aquidabã. Hoje a necessidade já não está
em alimentar os filhos, vender na feira é complemento
de renda: “Eu tenho o meu certinho, da aposentadoria.
mentar as bocas — elas eram muitas. Com relação à lida, Antigamente não, tinha que ir por precisão. Levantava 4
Dona Beá me diz: “pescar é tão puxado como cabo de horas da manhã pra fazer comida, pra levar pro trabalho.
enxada”. Cresceram assim e tiveram filhos, alimentados Uma carninha com travanca, toucinho da cabeça do por-
com a ajuda das águas. co, e deixava a comida dos meus fios”, me diz Dona Beá.

Uma lagoa com nome de mulher, a Lagoa Salomé. Antes Já o peixe Caboge elas não vendem. Quando ele aparece
do movimento do lanço com a rede, a preparação das is- na rede, é pra panela de casa que vai. O Caboge é um pei-
cas, molhos de manjuba de “velaime”. Duas ou três vezes xe que sobrevive à temporada de seca. Segundo me conta
por semana, não importa a chuva nem o sol, o que impor- Dona Ana Lúcia “se enterra na lama e fica. O Caboge é peixe
ta é o ganho da feira. Descem a ladeira com uma rede de de pobre”. Não tem escamas, possui uma espécie de “cou-
14 metros nos ombros, olham para a câmera fotográfica, ro” ou “carapaça”; tem um sabor marcante, terroso. Muito
fazem pose. O som das gargalhadas desafia a luta diá- abundante nos anos 60 e 70, o Caboge, para Dona Ana Lú-
ria. Movimento preciso e vagaroso. Arrastam a rede pelo cia, “anda. Eu já vi. Anda pela lama pra procurar comida”.
fundo caudaloso de Salomé, a lagoa que permanece com
Sua aparência não é das mais bonitas, Caboge é peixe
sua boca aberta a alimentar muitas Anas e Beás.
antigo, de águas doces e alimenta a pobreza até hoje. É
Quando o sol bate na superfície da rede que emerge, lá costume prepará-lo colocando-se na água quente para
estão elas, as saburicas, mas também as piabas manteiga retirar sua “couraça”. Na casa da irmã mais velha, a que
e o peixe caboge. Tudo vai pra dentro de um balde. Em cozinha, pode ser cozido, frito ou no coco. O Caboge
casa, começa a catação. Piabas de um lado, saburicas de aceita, aceita as barrigas vazias.
outro e o caboge.
Quando terminam a pescaria na Lagoa Salomé, recolhem
As saburicas são comida de população ribeirinha, são pe- tudo e fazem um rezo: “meus pés no chão são minha guia.
quenos camarões. Antes de ir pra panela ou para a fei- Recomendo a Deus e à Virgem Maria”. Sobem a ladeira,
ra, são lavadas e salgadas. “Lava em três, quatro águas, pernas cansadas, balde e rede. Dona Beá se despede da
depende do jeito que ela for, bota na panela com água e irmã. A alegria tímida de Dona Ana Lúcia dobra a esquina.
sal”. Quase em extinção, são apreciadas como um ingre- E a vida continua no tabuleiro de feira delas duas.

44 I Panela Setgipana águas I 45


quintais
Como eram grandes os quintais da gente. Na rua
da frente, frente de casa pequena, atrás sempre
maior que o mundo. Nos quintais cabiam bichos,
sonhos e infância. Cabiam as chuvas da peraltice,
as roupas quaradas ao sol. Os quintais da capital
quase nem existem, é nas terras de longe que os
quintais resistem.

Bufú I Cachaça de Capela I Café de Quiabo


Umbu-cajá I Major Gomes I Dicuri

47 I
Bufú

Verde sua paisagem. Um João e seu doce, feito de tempo


antigo, da batata do umbuzeiro.

Molecote, via as mulheres antigas fazendo a bufú, doce


feito com canela, açúcar e a batata raspada do pé de
umbu. “Leva dois dias pra fazer. Quando a batata chega
aqui, eu descasco ela, lavo bem lavadinha, pego uma co-
lher pra raspar, isso demora. Espremo na prensinha, boto
pra secar, pilo a canela, boto açúcar na panela, quando
açúcar ferver, pego a bufú e boto dentro mais a canela”.
Sem parar de mexer a panela antiga de mais de 30 anos de
bufú, Seu João me diz que só em fogão a lenha é que pres-
ta. “Se for no fogão normal, você morre e não dá o ponto”.

Nos quintais do município de Poço Verde, os umbuzei-


Nascido numa palhoça feita de folha de incó, um João, ros ainda resistem, mas já não são tão abundantes como
um doce. De Pindobal, Bahia, foi criado em roça, acor- antes. A vegetação antiga perde espaço para a monocul-
dava cedo, fogo no chão, panela e prato de barro. “Pai tura do milho. Seu João me mostra seu quintal de ser-
levantava a gente cedinho pra roçar, tomava café com tão e me diz: “Se eu pudesse ia embora daqui. Tenho 80
farinha pra aguentar, até esperar o feijão frio do almoço”. anos, gosto de movimento, aqui é tudo parado”. A velha
Havia um rio que fazia a divisa com Sergipe, um dia, ainda prensinha de madeira onde ele espreme a batata do um-
novo, seu João o atravessou. Já estava em terras sergi- buzeiro não para, assim como suas pernas balançam na
panas. Perambulou pra cá, pra lá e encontrou em Poço varanda daquela quentura.

48 I Panela Setgipana quintais I 49


Cachaça de
Capela

João não é mais João, agora é João do Doce, vende em


toda a região, os vizinhos compram, não sobra um. Com
a bacia entre as pernas, raspa compassadamente aquele
pedaço de raiz e me fala da vida, dos tempos de menino,
das namoradas que teve, da mãe que fazia comida e de
como era gostosa a vida. Para ele, o mundo moderno não
tem tanta graça. “Hoje fio não pede a bênça de pai, nem
mãe. Hoje a comida tem veneno. Antes não tinha ladrão,
antes o pão era pão”.

Já não tem mais a força de antigamente, seus 80 anos pe-


sam. Paga para alguém cavar a bufú. “Tenho medo de ter
uma dor e cair no mato. Com a batata por cima e eu por
baixo”. Seu João é sorridente, pediu licença para vestir
uma camisa alinhada, queria estar arrumado. Falou que a
vida passa rápido. “Só não pode ser rápido o doce”.

Então mexe lento, Seu João, esse tacho.

Capela, a Princesa do Agreste sergipano, cidade que pre-


serva uma parte da sua história nas fachadas dos casa-
rios que atravessam o tempo e na memória narrada pelo
seu povo daquilo que é possível lembrar.

50 I Panela Setgipana quintais I 51


tras cachaças são feitas com madeira do Espírito Santo,
Santa Catarina... Eu quis botar as coisas do estado, da
minha terra”. Umburana e Putumuju, madeiras de he-
rança indígena na cachaça dessa nobre dama. Envelhe-
cidas nelas, a Rainha dos Tabuleiros ganha outro sabor,
tão típico, tão nosso.

Aprendeu sozinho, vendo outros produtores pelo Brasil


afora. Pesquisa a limpidez da cachaça e sua obstinação
é achar o “barro espanhol”, uma espécie de argila que
retira toda a impureza do destilado. Aposentado, me diz
Uma panificação na esquina da princesa, feita de azu- que não vai sossegar enquanto não achar o tal barro.
lejos, o balcão expõe os pães. Tem de carrapicho, tem Quer ver sua rainha ficar mais conhecida, já fora apre-
de cocada, cilindro e o jacó. Tem bolachão seco e fofo. ciada numa feira nacional de cachaças. O processo para
O café coado já vem adoçado: “tá pelando”, o moço ad- obter a bebida não é o mesmo de antigamente, mas é
verte. Entra e sai de gente, o pão nosso de cada dia. No artesanal. Gota por gota enche a garrafa. Seu Dilton es-
quintal da padaria do Seu Dilton, uma rainha se esconde. pera sua Rainha aparecer.
A Rainha dos Tabuleiros, cachaça artesanal. A peleja de
Seu Dilton demorou dois anos pra ficar pronta. Tentativa Nas memórias da família Cabral a cachaça se faz presen-
e erro, muitos erros e andanças pra descobrir como se te. Seu Antônio e Dona Otília guardam as histórias. Dois
fazia a cachaça. irmãos, filhos e netos de alambiqueiros. Ele guarda de
cabeça aquilo que não quer se esquecido, ela é a guardiã
Capela foi uma cidade de engenhos, e todo engenho
dos objetos. O que um narra, o outro mostra.
tinha seu alambique. A indústria do álcool e vinagre ain-
da existe em Junco Novo, na mesma região. A cachaça Do diário antigo deixado por seu avô, Otaviano, causos
artesanal, não. Com a extinção dos engenhos, os alam- da família se misturam ao enredo da Fábrica Aliança,
biques aos poucos foram desaparecendo. Para seu Dil-
fábrica de aguardentes, deixada como herança ao filho
ton, a maior tristeza é não ver o povo capelense fazer
mais velho, José Cabral Neto. Seu José não queria aquela
cachaça artesanalmente.
vida, me diz dona Otília, mas o destino sim. O primeiro
Ele me exibe com orgulho suas crias. A Rainha dos Ta- alambique da região precisava continuar sua produção.
buleiros tem duas versões, ambas envelhecidas com Nele se produzia uma aguardente de milho que, segundo
madeiras da região. “Aqui tem madeiras de Sergipe, ou- seu Antônio, “era tão boa que foi falsificada”.

52 I Panela Setgipana quintais I 53


Café de
Quiabo
Os Engenhos forneciam o cabaú pros alambiques feitos de
cobre ou de barro e, assim, a história da cachaça começava.
“Garapa, bota o fermento, e ela matura e daí o brique, que
é o zero da fermentação. É o momento, o segredo da desti-
lação. Quando essa garapa vai pra caldeira, era hora de pôr
o milho, os grãos, junto com a garapa. O milho ficava dias
e dias no álcool, ele ficava pastoso e inchava”. Seu Antô-
nio me conta que o segredo mais importante é a acidez da
aguardente. “É você deglutir ela, e ela descer macia”.

A aguardente da Fábrica Aliança foi parar na Inglaterra,


levada por um capelense que trabalhava no aeroporto
do Galeão, no Rio de Janeiro. E junto com a do milho,
tinha também a cachaça de murici. “Ah, como eu gosta-
va”, me conta um nostálgico Antônio. Quando crianças,
os irmãos viviam metidos dentro da fábrica, lembram
das dornas de cobre, dos cheiros. A aguardente chegava
em várias regiões de Sergipe, nas bodegas e armazéns:
Aquidabã, Nossa Senhora da Glória, Muribeca. “Antes de
aparecer carro aqui, meu pai viajava em comboio de burro Nascida no povoado Belém, Porto Real, Alagoas, Dona
pra distribuir pelas cidades”. Cida veio menina para Sergipe, foi morar em Aquidabã
mais a mãe viúva. Elas duas, mãe e filha, trouxeram con-
No início dos anos 70, a fábrica fechou as portas. O alam-
sigo um saber ancestral de fazer uma bebida, conhecida
bique foi vendido. No entanto, a aguardente de milho,
como o café do sertão, o café de quiabo.
essa raridade, povoa as lembranças familiares. “Quem
sabe um dia eu faço?, diz seu Antônio na pracinha da Corpo pequeno de criança, o trabalho pesado não era
Princesa do Agreste. poupado. Subia na cadeira a “puta de jega” pra alcançar

54 I Panela Setgipana quintais I 55


No agreste sertanejo sergipano, o café de quiabo era
a bebida que Dona Cida conhecia, que era doce e es-
quentava o corpo. Também ajudava em casa a passar as
roupas com um ferro a carvão; soprava e passava. Via a
mãe incansável a tirar o barro pra misturar às “bagens”
de pau seco e tingir as cambraias de linho das madames
no dia de finados.

Termina a prosa dizendo: “o pior que às vezes eu digo,


o fogão de barro. Sua obrigação: abanar o fogo. A mãe devia voltar umas coisas do tempo pra trás. Sofrimento
ficava na porta até o café ser torrado. “Era um mistério”, daquele... me perguntam se eu sou doida. Eu rio”.
contou dando risada. A mãe com a colher a mexer o tacho
de café, e a porta não podia ser aberta. Pois se abrisse,
mãe tinha medo do vento pegar. “Naquela época, tinha
um vento que deixava a boca torta”. O remédio era pôr
fogo em tudo, durante uma ou duas horas de relógio.
Depois, o chá de noz moscada e pixilinga.

O café como conhecemos não existia naquelas bandas


nesse tempo. No tempo de um agreste seco e pobre,
Dona Cida esperava a mãe fazer a bebida. “Quiabo de
verdade que ia pro fogo, as sementinhas, aquelas bichi-
nhas pequenininhas”. O trabalho rendia quase um dia, “ti-
nha que torrar tudo no fogo, com açúcar, depois esfriava,
pra depois pisar. Jogava cinza embaixo pra ela alevantar
do chão, senão agarrava”. A morada no mato, o chão de
barro, pra fazer o café do sertão, as cinzas esfriavam, e o
café derretia. Depois, mais trabalho. Próximo passo era
bater o quiabo no pilão, pilão de jaqueira, até virar pó. O
pó do café do sertão. Dona Cida lembra de tudo, passo a
passo, contou que sua mãe aprendera com sua avó e que
esta aprendeu a fazer a bebida com os índios.

56 I Panela Setgipana quintais I 57


Umbu-cajá

De conversa solta e doce, tratou de me servir um milho


que, de tão mole, se desfazia antes mesmo de chegar à
boca. Eu disse que procurava o umbu-cajá, ele me res-
pondeu que no quintal de sua casa tinha um pé bem bo-
nito. Deixei-me ser levada pela guiança de seu Claro.

Sua história, como a de tantas outras pessoas que sobre-


vivem da terra, é marcada pela força da luta e do ofício.
“O peso da enxada é pesado, mas foi na terra que eu nas-
ci, vou morrer dentro dela”. Caminha com dificuldade, há
alguns anos sofre com uma inflamação em um dos pés.
Mas teve a disposição de me mostrar todas as frutas que
cultiva, muda por muda. “Se adaptar na terra é difícil. Eu
acho que cada um nasce com seu dom. Quando não se
nasce na terra, faz outro tipo de coisa, mas quem nasceu
pra ela, fica e gosta”.

Estrada rumo ao município de Poço Redondo assenta- Filho de Itabaiana, outro município sergipano, casou-se
mento Jacaré-Curituba. No acostamento, uma casinha em Nossa Senhora da Glória e veio morar em Poço Re-
de madeira. Legumes à mostra, no caldeirão milho verde dondo. “Tenho 64 anos, neste assentamento tenho vinte,
cozido. Então, um senhor de estatura pequena se levan- entre luta pra poder pegar essa terrinha e da terra pra
ta, era seu Claro, agricultor e morador do assentamento. poder pegar a irrigação”. Falou pouco sobre seu passado,

58 I Panela Setgipana quintais I 59


Major
Gomes

no passado de seu Claro, como ele frisou, não há muito


o que contar. “Se for contar do passado da gente... você
sabe que o mundo dá voltas, hoje pela idade que tenho já
passei por coisas boas e ruins”.

Seu Claro me guia por entre a terra, até que chego em sua
casa. Peço licença pra entrar no seu quintal, uma árvore
do jeito que ele havia descrito se mostrava farta para mim.
A cor amarela como a do cajá e a acidez de um umbu fez
nascer uma fruta presente no agreste e na caatinga. Para
seu Claro, é sagrada, e sua bebida, uma bênção.

“Nasceu no quintal, do nada. Quando vi, tava aí”. Per-


mitiu que a árvore crescesse e que desse seus frutos.
Manjagomes, manjagomes... Major Gomes. Não se
Retirou alguns tantos, entregou-os para mim. Seus um-
sabe ao certo o porquê desse nome, nem quem era o
bus-cajás eram sua riqueza, o alimento que se oferece ao
tal do Gomes. Mas eis aí uma planta rústica que existe
outro não é um agrado. O alimento daquele pedaço de
por todo o nordeste. Não sofreu domesticação, é mato
terra é sagrado. Disse-me que o umbu-cajá é da época de
que vai pro prato.
seu pai, do pai de seu pai, do pai do pai e por aí vai; que
sempre existira, que sempre o conheceu. “O umbu-cajá é Antiga conhecida do povo sergipano, comida de velho.
do começo do mundo, velho como eu”. Com ela se faziam caldos, sopas e moquecas. Depois,

60 I Panela Setgipana quintais I 61


Dicuri
caiu no esquecimento. Os mais novos nunca provaram,
não se ouvia falar. Nascida nas beiradas das calçadas,
nos terrenos baldios, nas brenhas da mata e nos quin-
tais como o de Dona Dulce, uma gaúcha que adotou
a sergipanidade. “Vim por amor ao coqueiro, a árvore
da vida”. Agrônoma, criou em seu quintal sua pequena
roça, o minifúndio da Dulce, e faz com o Major Gomes
quiches e caldo verde.

Escolheu a Agronomia porque se posicionava desde


muito jovem contra a fome e desnutrição das crianças.
Sua primeira escolha era a Medicina, um colega lhe su-
geriu a Engenharia Agronômica. Não era dada às pane-
las mas, durante a noite, na faculdade, aprendia num
curso de Ciências Domésticas. “Um curso que se dedi-
cava a educar as mulheres dos agricultores, enquanto
treinava estes agricultores”.

O que Dona Dulce ainda não sabia era que iria cozinhar,
forno e fogão, práticas de uma antiga alquimia. E que a
planta, espalhada pelos pássaros e vento, seria ela mes-
ma uma grande aliada contra a desnutrição. O povo nor-
destino aprendeu cedo a misturar as folhas aos outros
temperos. Comida de sertanejo.
Quintal de casa de vó. Sempre quintal grande na visão
É muito comum ver o Major Gomes nas comunidades de criança. Quintal das brincadeiras dos netos, com flor,
tradicionais, eles entendem que toda planta tem sua com pé de tudo que brota nas mais distantes das memó-
função e magia. Dona Dulce, também. A Agronomia vi- rias. Quintal do faz de conta.
rou sua bandeira e causa. Cuida dos pés de tudo que
tem. Se for plantada ou se é dádiva, mexe em cada pau, Sábado era dia de feira, mãe e vó se arrumavam. Quando
folha e fruta, como bruxa com seus unguentos, poções o dia raiava, bolsas de palha. Feira boa é quando o sol
e velhos caldeirões. nasce, garantia de tudo fresquinho. Os meninos ficavam
em casa, esperando o que da feira, vó trazia. Panelinhas

62 I Panela Setgipana quintais I 63


O que foi
de barro, caminha de madeira pra boneca, às vezes um
pião, às vezes, peteca. E o lanche da tarde, vó não esque-
cia. Trazia a panela cheia, cheia de coquinhos de dicuri.
Comprava na feira cozidos e sempre que sol baixava e a
calçada esfriava, era hora. Netos ao redor, vó cruzava as participar
do Panela
pernas e, com uma pedra, quebrava coquinho por coqui-
nho. Boquinhas ávidas e abertas, como passarinhos, vó
alimentava. Assobiava uma canção antiga, e a pedra con-
tinuava. Abrindo o coco, separando as carnes. Vontade
de menino doido: “Quedê, vó?”; vó respondia “paciência, Sergipana?
vai brincar”. E a infância corria, brincava de cinco pedras
de Maria, passava o anel, perguntava a cor da fita; vó não
se cansava da tarefa.
Um mergulho profundo na minha própria história, vascu-
Dicuri, licuri, oricuri, iricuri… fruto de palmeira alta. Dá lhar a imensidão da cultura sergipana dos rios aos man-
em Minas, na Bahia, Pernambuco, Alagoas e aqui. Os co- gues, da seca à fartura, do litoral ao sertão, uma miríade
quinhos nascem em cachos, vendidos secos num colar, de conhecimento, fonte inesgotável de sabedoria popular.
como um rosário, ou cozidos dentro da casca. Do dicuri
se aproveita tudo, do coquinho se faz artesanato, alimen- Foi nesse cenário que me descobri mais humana, acordei
ta o gado, alimenta gente e a fauna da caatinga. Símbolo e vi profundamente a origem do meu povo. Conhecer e
sagrado para povos indígenas, o dicuri também é fonte de reconhecer a força dos sergipanos e sergipanas em cada
renda para determinadas comunidades nordestinas. olhar, em cada abraço e sorriso. Ver um povo tão sincero
e humilde faz as forças brotarem em qualquer ocasião
Muitos eram os quintais que abrigavam o licurizeiro, alguns da vida. Elas e eles são os alicerces de ouro que mantêm
ainda são morada pra palmeira do dicuri; longe da capital, viva a cultura do grande estado chamado Sergipe.
os coquinhos ainda existem por trás das velhas casas. Ne-
tos e avós ainda praticam o ritual ancestral. As crianças Pessoas simples de coração puro que não se curvaram
com seus sonhos, suas meninices espalhadas nos quintais aos ventos das modas da tecnologia, mas que preferiram
de casa de voinha. Elas com suas pedras já marcadas de ser fiéis aos princípios passados de geração a geração.
quebrar o licuri, a nódoa nos dedos, alimentando os filhos
Vivenciar o pulsar dinâmico da nossa terra, ver cres-
de seus filhos, no fazer do gesto paciente que só vó tem.
cer sementes raras, espécies em processo de extinção
Voinha vai à feira. Traz dicuri pra mim. e respeitar a natureza que nos cerca. Sentir os sabores

64 I Panela Setgipana quintais I 65


Receitas
A leitura das receitas desse livro será
uma conversa entre você e eu.
ainda inexplorados de um estado tido como muito pe-
queno e acanhado comparado aos demais da nação - e
aquele velho ditado vem : “os melhores perfumes estão Algumas observações são de extrema importância antes
nos menores frascos”. de começar a executar essas receitas: faço as receitas com
vários alimentos que estão em processo de extinção - tan-
Sergipe é um tesouro escondido, conservado pelos seus
to o elemento como o saber fazer do povo. Em vários mo-
grandes guardiões de sabedorias seculares. A cada acha-
mentos, vou sugerir a adaptação das receitas por outros
do, uma vitória inestimável. Vimos de perto o quanto as
alimento para a preservação de algumas espécies citadas.
influências do mundo moderno eliminaram em parte a
possibilidade de sobrevivência de nossa cultura, mas a Dica importante: antes de começar qualquer receita, se-
luta por nossa história só está no começo. pare todos os ingredientes e leia a receita por completo
para saber qual resultado final desejamos. Outro ponto
Fui agraciada pelo convite da Paloma Naziazeno para
a ser observado é que as receitas podem ter resultados
fazer parte do Panela Sergipana: uma mistura de medo
diferentes devido aos elementos utilizados e, principal-
e felicidade tomaram conta de mim. Medo de não cor-
mente, porque são pessoas diferentes que estão execu-
responder a altura da grandiosidade da nossa terra, e
tando as preparações - e essa é a verdadeira magia da
felicidade plena por dar voz ao nosso bioma e nossas
arte da cozinha: ver as possibilidades de resultados!
histórias. O Panela Sergipana foi o reencontro com a
minha missão de levar os saberes e sabores da nossa Os ingredientes e as quantidades estarão em destaque
gente para o mundo. durante a leitura do texto.

67 I
Seichele Barbosa
66 I Panela Setgipana
Sunomono de
Coalhada
INGREDIENTES
600g de coalhada verde
em juliene (cortado em
tiras finas)
300ml de vinagre de álcool
50g de sal
80g de açúcar
1 col. de chá de chimichurri
1/2 col. de sopa pimenta
do reino em grão
cominho em pó a gosto
100g de cebola
4 dentes de alho inteiros
30ml de azeite
1/2 pimentão vermelho
em juliene

Molho:
100ml de sumo de maracujá
do mato
1 dente de alho em brunoise
(cubos bem pequenos)
4 lâminas finas de gengibre
em brunoise
1 col. de chá de caule de
coentro
sal a gosto
azeite a gosto

68 I Panela Setgipana
MONTAGEM (opcional) por 30 minutos. Passado o
lâminas de biribiri tempo, retire a coalhada da
lâminas de quiabo conserva e misture o restan-
te dela in natura.
PREPARO
Em uma panela doure a ce- Molho:
Maracujá
bola, o alho e o pimentão. Misture todos os ingredien- de Trovoada
Acrescente o vinagre, o açú- tes e tempere com sal e azei-
car, o sal e os demais tem- te. O molho deve ficar ácido. INGREDIENTES
peros, deixe ferver por 1 Bolo: Creme de Maracujá:
minuto. Reserve. Em outra MONTAGEM 3 xíc. de farinha de trigo 400 ml de leite
panela, faça o processo de Retire a polpa da coalhada condensado
2 xíc. de açúcar
branqueamento da coalhada: dando a ela um formato de polpa de 10 maracujás do
1 xíc. de óleo
aqueça 1 litro de água, des- um pote, retire uma pequena mato passada na peneira
peje 400g de coalhada, ferva parte de baixo para ter mais 1 col. de fermento químico
por menos de 30 segundos, apoio. Com cuidado arrume polpa com semente de Geleia de Maracujá
retire e imediatamente des- o sunomono, finalizando com 6 maracujás do mato do Mato:
peje numa vasilha com água as lâminas de biribiri, quiabo 3 ovos 100g de açúcar cristal
e gelo, espere mais um minu- e brotos. Para o molho, faça ou demerara
Bolo Crocante:
to e peneire para retirar o ex- o mesmo processo com a 100ml de sumo de
Quanto baste de farinha
cesso de líquido. Acrescente casca do maracujá, e com a panko para empanar maracujá do mato
a coalhada branqueada na ajuda de um colher derrame
Quanto baste de óleo
primeira preparação e deixe o molho na casca. para fritura
1 ovo
70 I Panela Setgipana
PREPAROS
Bolo: Geleia de maracujá:
Com a ajuda de um liquidifi- Misture o sumo ao açúcar e
cador, bata o acúcar com a leve ao fogo médio por apro-
polpa do maracujáaté tritu- ximadamente 15 minutos.
rar bem as sementes. Acres-
Bolo crocante:
cente o óleo e os ovos, bata
Esfarele metade do bolo e
até ficar homogêneo. Em
misture 100g de creme de
um bowl, despeje a mistura
maracujá, fazendo uma mas-
e vá incorporando aos pou-
sa. Boleie no tamanho dese-
cos a farinha de trigo com jado e leve ao congelador por
ajuda de um fouet (batedor 2 horas. Empane passando as
de arame), acrescente o fer- bolinhas primeiro no ovo ba-
mento. Por fim, despeje a tido e, logo em seguida, na
massa do bolo em uma for- farinha panko. Frite em óleo
ma untada e leve ao forno a a 180ºC.
180º por aproximadamente
25 minutos (o tempo pode MONTAGEM Tartar
variar conforme a potência
do seu forno). Depois de as-
Corte o bolo nos tamanhos
desejados. Com a ajuda de
de Saburica
sado, reserve e deixe esfriar. um saco de confeitar, espa-
lhe alguns pontos do creme INGREDIENTES
Creme de maracujá: de maracujá, pingue também
200g cebola branca em 120ml azeite extra virgem
Como o maracujá do mato um pouco de geleia e entre- brunoise
é bastante ácido, misture-o gue com os bolinhos fritos 100g manteiga
120g alho em brunoise
ao leite condensado aos ainda quentes. Óleo para fritura
poucos até dar o ponto de- 5g chimichurri
100g de couve em
sejado. A reação é parecida 3g de sal chiffonade bem fina
com a mistura de limão e lei- 200g saburica seca
3g pó de urucum
te condensado. e salgada
5g mix de ervas Seu
Sergipe (partes iguais 300g batata inglesa
de cominho, pimenta em cubos
preta, semente de coentro
100g coentro picado
moídas)
50g cebolinha
100ml limão cravo
72 I Panela Setgipana
3g pimenta calabresa
50ml de sumo de umbu-
cajá fresco
50g amendoim cozido
sergipano
100g açúcar
300g polpa de tamarindo
80g pimentão vermelho
em brunoise
400ml de água
80g de maxixe verde
em juliene

PREPAROS
Tartar de saburica: Torresmo de saburica:
Cozinhe as batatas por 5 No mesmo óleo, frite 15g de
minutos em água fervente, saburicas salgadas por apro-
logo em seguida, branqueie- ximadamente 2 minutos, re-
-as em água gelada, escorra
e reserve. Em uma salter an-
tire do óleo e deixe escorrer
em papel toalha.
Crocante de INGREDIENTES
tiaderente, aqueça o azeite e
adicione as batatas já escor- Mini salada de maxixe:
Maniçoba e O crocante:
ridas, deixe dourar levemen-
te sempre com movimentos
Junte ao maxixe uma pitada Vinagrete 300g de maniçoba com
bastante carne
de Caju
de saltear. Adicione as sa- de sal, uma pitada do mix de
buricas secas (não precisa ervas Seu Sergipe, um fio de 200g de farinha de mandioca
usar sal, a fonte de sal que azeite e o vinagre de uva.
Sal a gosto
vamos usar nessa receita é a
A maniçoba é um prato que Cominho moído a gosto
própria saburica). Acrescente
demora de 5 a 8 dias para
o restante do alho, doure por Coentro a gosto
dois minutos, acrescente o ficar pronto. Nessa receita,
vamos conservar o máximo Óleo para fritura
restante da cebola doure por
mais 1 minuto, acrescente o do sabor sem modificar a re- Maxixe em rodelas para
pimentão vermelho e doure ceita original. finalização
por mais um minuto. Acres-
cente metade da manteiga da
terra, adicione o coentro e a
cebolinha e desligue o fogo.

74 I Panela Setgipana
Vinagrete de caju: é necessário utilizar toda
a quantidade da farinha. A
50g de cebola em brunoise
ideia é a do pirão, mas com
100g de tomate em uma textura mais firme, por
brunoise isso é muito importante ir
100 g de caju brunoise aos poucos e parar antes de INGREDIENTES
Coentro a gosto ficar firme, já que depois de Bufu e O pirambeba:
1 limão galego
frio ele vai ficar ainda mais
duro. Deixe esfriar e mo-
Pirambeba 3 filés de pirambeba
80g de maxixe em dele como preferir, empane Essa receita é muito especial Sal e cominho moído a gosto
brunoise com o restante da farinha devido à raridade dos se- 100g farinha panko
Sal a gosto de mandioca e frite em óleo guintes elementos: a batata
80g de farinha mandioca
Azeite a gosto quente por aproximadamen- do umbuzeiro e o pirambe-
te 2 minutos, escorra em pa- ba. A sugestão é substituir o 1 limão galego
PREPAROS pel absorvente. cumba por cari, e a batata do 50g de cuscuz flocado
umbuzeiro por maxixão. Azeite quanto baste
Crocante de Maniçoba: Vinagrete de caju:
Numa panela desfie a car- Misture todos os ingredien- O Pirambeba será preparado 50g de cebola em juliene
ne da maniçoba e esquente tes e tempere com sal, limão em três versões: 1 ovo batido
toda a mistura. Acrescente e azeite.
sal, cominho e coentro, com Óleo para fritura
cuidado adicione aos poucos 50g manteiga da terra
a farinha de mandioca. Não 10 rodelas finas de batata
do umbuzeiro

76 I Panela Setgipana
Pirambeba no limão
galego:
Com o filé limpo e sem
pele, adicione metade de
um limão, o sal, a cebola e o
cominho, deixe marinar.
Pirambeba no cuscuz:
Tempere o filé do Pirambe-
ba com sal e cominho. Em
Molho: seguida, passe o filé no ovo
100ml de sumo da batata batido e empane com a mis-
do umbuzeiro tura de panko e farinha de
milho flocada, frite em óleo
50g de pimentão vermelho
a 180ºC, retire e ponha numa
em brunoise
papel absorvente.
1 dente de alho em
brunoise Pirambeba na farinha de
meio limão galego mandioca: Capeletti de Recheio com Mini-lulas:
Tempere o filé com sal, limão 300g de filé de mini lulas
10ml de azeite
sal a gosto
e azeite. Passe-o na farinha
de mandioca e frite dos dois
Majongome (pode ser outro recheio)
20ml de azeite de dendê
PREPARO:
lados numa frigideira com um e manteiga de 100g de cebola em brunoise

Batata do umbuzeiro:
fio de azeite.
cominho 50g de alho em brunoise
MONTAGEM: 80g de tomate em brunoise
Numa frigideira derreta a Esse prato exige bastante 80g de pimentão em
manteiga da terra, deixe dou- Tente seguir a sequência das atenção devido às várias pre- brunoise
rar bem, frite rapidamente as receitas para tudo sair na parações que o compõem.
30g de pimenta de cheiro
lâminas da raiz e reserve. temperatura correta. em brunoise
INGREDIENTES :
Molho:
Molho Branco de
Aqueça o azeite numa pa- Massa de Majongome:
nela pequena e doure ra-
Farinha de mandioca:
250g a 350g de farinha 80g de manteiga
pidamente o alho. Logo em de trigo
seguida acrescente o sumo 300 ml de leite
100g de folha de majongome
da Batata e os pimentões, branqueada e espremida 80g de cebola em brunoise
desligue o fogo. Tempere 1 ovo 30g de alho em brunoise
com sal e limão. sal a gosto
sal a gosto

78 I Panela Setgipana
Pipoca de Mostarda:
10ml de azeite
1 col. de sopa de semente
de mostarda

Manteiga de Cominho
50g de manteiga da terra
10g de semente de
cominho

Crisp de Majongome
óleo para fritar
folhas grandes de
majongome

PREPAROS:

Recheio Mini Lulas te, a minha dica é ir sempre Manteiga de Cominho to cuidado, a folha tem mui-
Aqueça uma frigideira com o adicionando-o aos poucos. Derreta a manteiga da terra to líquido e provoca vários
dendê, doure todos os ingre- Sove a massa por aproxima- em fogo baixo até mudar le- estouros na hora da fritura.
dientes menos as mini lulas. damente 6 minutos até ficar vemente a cor para um ama- Quando jogar a folha no óleo,
Refogue até reduzir bem o lí- mais elástica. Deixe descan- relo dourado. Acrescente as tampe imediatamente, quan-
quido, acrescente as mini lulas sar. Abra a massa e recheie sementes de cominho, mexa do parar de estourar retire e
e deixe ferver por 10 minutos. com a receita das mini lulas. por alguns segundos, pare a passe num papel absorvente.
Tempere com sal e coentro. Cozinhe em água fervente e cocção e reserve.
logo em seguida dê um cho- MONTAGEM:
Massa de Majongome que térmico em água gelada. Molho
Reserve em uma forma be- Doure o alho e a cebola na Num prato de risoto, co-
No liquidificador, bata o ovo loque algumas colheres do
suntada com azeite. manteiga, acrescente o leite
com o majongome até ficar molho branco, os ravioles
e o sal. Acrescente a farinha
uma pasta bem homogênea.
Pipoca de Mostarda de mandioca aos poucos até passados rapidamente na
Prepare uma bancada com fazer um molho ralo, lem-
Aqueça o azeite numa pa- manteiga. No canto, adicio-
300g de farinha de trigo, fa- brando que quando o molho
zendo um buraco no meio nela pequena, acrescente as ne a manteiga de cominho,
esfria tende a endurecer. espalhe a pipoca de mostar-
do monte de farinha. Verta a sementes de mostarda, tam-
mistura no centro e incorpore pe e deixe estourar. Passe a Crisp de Majongome da e por cima o crisp da fo-
a farinha aos poucos. A quan- pipoca para um papel absor- Frite a folha do majongome lha de majongome. Finalize
tidade do trigo varia bastan- vente e reserve. em óleo quente — tome mui- com brotos e mini tomates.

80 I Panela Setgipana
Café de
Quiabo
INGREDIENTES: PREPARO:
300g semente de quiabo seco No tacho de ferro, derreta o esfriar. Depois de frio, retire o
açúcar mascavo. Com uma co- excesso das cinzas e pise num
2 xíc. de açúcar demerara
lher de madeira, misture tudo pilão. Essa mistura depois de
1 xíc. de água e deixe o açúcar caramelizar, passada no pilão se transfor-
eleve a cor do açúcar até ter ma em um pó. Com o pó de
Utensílios necessários: um tom bem escuro. Quando café de quiabo pronto, você
chegar nesse tom, acrescente irá fazer prepará-lo como o
Tacho de ferro a semente de quiabo e envol- café que todos conhecem.
ve todas as sementes nesse
Esquente a água, num coa-
caramelo, aos poucos adicio-
ne a água na lateral do tacho dor de pano acrescente duas
para ir soltando o carame- colheres do pó de café de
lo que ficar mais escuro nas quiabo e passe a água quen-
bordas. Quando tudo estiver te pelo coador. Escolha sua
envolto e bem tostado, der- melhor xícara e pires e sirva
rame a mistura em cima de pó essa deliciosa iguaria da cul-
de carvão peneirado e deixe tura sergipana.

82 I Panela Setgipana
Carne do Sol
Flambada na
cachaça de
Capela
INGREDIENTES

400g carne do sol gorda Cebolinha 1 col. de sopa de amido


de milho
600g cebola brunoise Sal a gosto
200g tomate brunoise Mix de ervas Seu Sergipe 200ml de água
a gosto 300g de carcaça de frango
150g pimentão verde ou
vermelho 200ml de cachaça ou de carne de boi

150g dentes de alho 80g de gengibre 100ml azeite


laminado aproximadamente
300ml de shoyo
80g pimenta de cheiro 1 litro de leite
150g de rapadura picada
Coentro grosseiramente 400g de fava seca

84 I Panela Setgipana
Molho Teriyaki de Carne de Sol Flambada
Rapadura e Cachaça na Cachaça de Capela
de Capela:
Corte a carne em quatro pe-
Numa panela use 30ml de daços iguais, tempere com
azeite para selar a carcaça cominho, pimenta do reino e
que vc escolheu, depois de sal, se precisar. Em uma fri-
bem dourada acrescente 50g gideira, aqueça o restante do
de alho e 200g de cebola, re- azeite e sele a carne de todos
fogue por mais 5 minutos. os lados. Logo em seguida,
Adicione toda a cachaça de flambe a carne com o restan-
uma vez para flambar. Deixe te da cachaça.
a chama cessar e verta todo
o shoyu na panela, logo em
MONTAGEM:
PREPAROS: Escolha um prato de sua pre-
seguida acrescente o gengi-
Fava no leite: bre, a rapadura e os 200ml de ferência, faça um risco com o
água, deixe ferver por apro- molho e posicione a carne ao
Vamos iniciar com a fava que água deixe ferver por apro- lado da fava refogada e fina-
ximadamente 30 minutos.
tem a cocção mais lenta. Dei- ximadamente 30 minutos —
Ao final desse tempo, veri- lize com folhas de coentro.
xe a fava de molho por apro- esse tempo pode variar con-
ximadamente 12 horas. No forme a dureza da fava que fique a textura do molho e
momento do preparo, separe você escolher. engrosse dissolvendo o ami-
uma panela de pressão, use Tire da pressão e escorra o do em uma porção pequena
40ml do azeite para dourar líquido. Em outra panela, re- de água (no máximo 80ml).
50g de alho, 200g de cebola, fogue no azeite 50g de alho, A textura do molho depende
40g de pimenta de cheiro e 200g de cebola, 40g de pi- de como você quer o resul-
metade do pimentão. Quando menta de cheiro, o restan- tado final. Outra observação
todos estiverem bem doura- te do pimentão e o tomate, importante é a questão do
dos, acrescente na panela a deixe ferver por aproximada- sal, que é a característica do
fava já lavada e escorrida, re- mente 10 minutos. Tempere Shoyu. De preferência esco-
fogue por 5 minutos e despeje com sal, cominho, pimenta do lha um de boa qualidade com
todo o leite e mais 300ml de reino e finalize com coentro. baixo teor de sódio.

86 I Panela Setgipana
Cabeça de
Frade

INGREDIENTES PREPARO:
8 flores de hibisco secas Inicie o doce derretendo o
2 anis estrelado açúcar até ficar no ponto de
calda. Acrescente o cacto
1 col. de chá de semente
picado em cubos grandes,
de coentro
misture até todos os cubos
2 paus de canela estarem cobertos pela cal-
300g de cacto sem da. Acrescente os demais
espinhos ingredientes e deixe ferver
300g de açúcar mascavo por 5 minutos.

88 I Panela Setgipana
Caboge
INGREDIENTES
50g pimenta de cheiro
1kg caboge picada sem sementes
na moqueca 300ml leite de coco 200 ml de água
com uricuri 100g bagaço de coco cominho em pó a gosto

e maxixão 300g maxixão em cubos sal a gosto


pequenos
no coco 100g uricuri verde cozido
pó de urucum a gosto
coentro a gosto
200g tomate em rodelas broto quanto baste
200g cebola em rodelas 50ml dendê
100g pimentão vermelho farinha de mandioca
em rodelas quanto baste para o pirão

90 I Panela Setgipana
FAROFA DE URUCUM
300g farinha mandioca
10g semente de urucum
10g alho laminado
sal a gosto
80g manteiga da terra

PREPARO: PREPARO:
Aqueça, numa panela de pe- Derreta a manteiga e deixe
dra ou de barro, o azeite de dourar o alho numa frigidei-
dendê, acrescente a cebola, ra, acrescente a sementes de
os pimentões, as pimentas de urucum e o sal, finalize com a
cheiro e o tomate, deixe tam- farinha mexa e reserve.
pado até soltar mais líquido.
PIRÃO
Acrescente os demais ingre-
dientes, menos o caboge e o Separe uma parte do caldo
da moqueca numa panela
uricuri. Depois de fervido, ar-
menor e deixe ferver. Com
rume o caboge um ao lado do
uma colher de madeira mexa
outro dentro da panela, tam- o caldo, com a outra mão
pe novamente e deixe ferver cheia de farinha vá abrindo
por mais 15 minutos. Por fim, aos poucos e deixe a farinha
acrescente o Uricuri. Em ou- escorrer para a panela, mexa
tra panela, coloque o leite de até um ponto de não deixar o
coco, o maxixão, o bagaço do pirão muito duro.
coco e uma pitada de sal, dei-
xe ferver por 10 minutos. MONTAGEM:
Separe metade do peixe sem
espinha e ainda com a ca-
rapaça, acrescente o caldo
quente do peixe, ao lado ar-
rume um pouco de maxixão
no leite de coco, selecione
alguns uricuris e finalize com
os brotos. O pirão e a farofa
podem ser servidos a parte.

92 I Panela Setgipana
sobre a
autora Paloma Naziazeno é jornalista e poeta. Pós
graduada em Comunicação e Marketing pela Uni-
versidade Federal de Sergipe, ganhadora do prêmio
Estadual Especial Universitário-Sergipe em jornalis-
mo do Banco do Nordeste(BNB), integra a coletâ-
nea novos poetas pela editora Vivara, contemplada
com o edital do Projeto Rumos Itaú Cultural.

Pesquisadora da gastronomia sergipana e da me-


mória social. Panela Sergipana é seu livro de estréia.

94 I Panela Setgipana
FICHA CATALOGRÁFICA

TIPOGRAFIA DE TEXTO Cambay (Open Font License)


TIPOGRAFIA DE TÍTULO Berkshire Swash (Open Font License)
FORMATO Cuchê fosco
PAPEL Cuchê fosco 115 g/m2
IMPRESSÃO Offset 4x4
TIRAGEM 500 exemplares

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