Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
UMA ANÁLISE
DE ISAÍAS 42,1-4*
Resumo: a pesquisa tem como objetivo analisar o primeiro Canto do Servo de YHWH que
está inserido no livro do Dêutero-Isaías. A mesma se serviu dos instrumentos
clássicos da pesquisa bíblica. Primeiramente das várias teorias sobre a formação
dos Cantos, as quais nos possibilitou optar pela teoria de Duhm, o qual apresenta
o Servo como um personagem anônimo. O método histórico-crítico favoreceu a
compreensão do primeiro Canto de Isaías 42,1-4, especialmente dos conceitos-
-chave, que descrevem a figura do Servo. Nessa perícope, o Servo/escravo é cha-
mado a realizar uma missão específica, a de levar a esperança e a libertação ao
povo de Deus, conduzindo-os à salvação por meio da libertação dos opressores.
O
primeiro Canto do Servo de YHWH faz parte do conjunto dos textos que formam
o Dêutero-Isaías. A breve análise do primeiro Canto nos possibilita compreender
que o caminho realizado pelo Servo inicia no seio materno, lugar onde o Senhor
–––––––––––––––––
* Recebido em: 12.10.2017. Aprovado em: 21.11.2017.
** Doutora e Mestra em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
É professora no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências da Religião da
PUC Goiás. Pesquisa Exílio da Babilônia como espaço de afirmação da Identidade Étnica
dos Exilados: uma leitura partir do Dêutero-Isaías.
1
Eis o meu servo que eu sustento,
o meu eleito, em quem tenho prazer
Pus sobre ele o meu espírito,
ele trará o julgamento às nações.
2
Ele não clamará, não levantará a voz,
não fará ouvir a sua voz nas ruas;
3
não quebrará a cana rachada,
não apagará a mecha bruxuleante,
com fidelidade trará o julgamento.
4
Não vacilará nem desacorçoará
até que estabeleça o julgamento na terra;
na sua lei as ilhas põem a sua esperança.
Podemos ler estes versos como unidade composta de três peças: 1-4, oráculo
no qual Deus apresenta o seu Servo bem como o seu cometimento; 5-9, oráculo
dirigido ao Servo, explicando a eleição e o cometimento; 10-13, hino a Deus que
sai para intervir (ALONSO SCHÖKEL; SICRE DIAZ, 1988, p. 295-6).
Enquanto Alonso Schökel e Sicre Diaz (1988) delimitam o primeiro Canto do versícu-
lo 1 ao 13, Croatto (1998) estende o Canto apenas até o versículo 12; onde o
autor diz que
nossa unidade é formada por três subunidades: v. 1-4, 5-9 (5-7, 8-9), 10-12. O as-
sim chamado primeiro “cântico” do Servo de Javé (v. 1-7) é um texto separado,
que interrompe a continuação de 41,29 em 42,8 (CROATTO, 1998, p. 65).
Para compreendermos a composição da perícope (Is 42,1-4), será necessário observar os pa-
ralelismos. Entretanto, paralelismo não se limita apenas em ser um aspecto carac-
terístico da poesia hebraica, como afirma Silva (2000, p. 306), mas paralelismo é
mais do que rimar os sons, quer-se “rimar” as ideias ou os conceitos. Para tan-
to, utilizam-se várias analogias matemáticas (ou melhor, geométricas), dentre as
quais está o paralelismo, como uma das possíveis combinações signo-sequências.
Além disso, devemos observar que quanto maior o número de signos (elementos)
utilizados, maiores serão as possibilidades de variar a sequência (ordem), ou
mesmo de aglutinar duas ou mais das combinações desse elenco.
Podemos afirmar com Ballarini (1977, p. 210) que, além da afinidade que há entre os
cantos, é o paralelismo que os torna uma unidade.
COMPARAÇÕES E INTERPRETAÇÕES
O método exegético é o um dos meios que nos possibilita “compreender o texto bíblico
em si mesmo: as ideias, as intenções, a forma literária de um texto específico
e suas relações formais com outros textos” (SILVA, 2000, p. 29).
Nesse sentido, a exegese proporcionará meios para
O método exegético possibilitará afirmar que a missão do Servo nesse texto, além de denun-
ciar injustiças, diante de tanto sofrimento, violência, desprezo, pobreza, calúnia,
é a de reanimar a fé e devolver a esperança. Portanto, a missão do profeta-servo é
reanimar o povo, dar vida, organizá-lo e mostrar caminhos de libertação.
1
Eis o meu servo que eu sustento,
o meu eleito, em que tenho prazer
2
Ele não clamará, não levantará a voz,
não fará ouvir a sua voz nas ruas;
É no v.2 que começa a descrição da missão “do servo pela via negativa, dizendo aquilo
que ele não fará” (SILVA, 2006, p. 48). O termo “não levantará a voz” expressa
um pedido de socorro e pode se referir à escravidão do Egito, bem como ao
grito de dor e lamentação. O versículo pode ser também uma crítica ao uso das
armas, prática comum dos babilônicos (SILVA, 2006, p. 48-9).
O Servo/escravo escolhido por Deus não levantará a voz, pois sua missão é a de levar a
esperança e a libertação e, como escolhido, possui a serenidade.
Javé apresenta ainda um povo escravizado que, mesmo com toda escravidão, não revida
aos insultos e humilhações que vivia (MESTERS, 1985, p. 38).
3
não quebrará a cana rachada,
não apagará a mecha bruxuleante,
com fidelidade trará o julgamento.
d) Não vacilará
4
Não vacilará nem desacorçoará
até que estabeleça o julgamento na terra;
na sua lei as ilhas põem a sua esperança.
Silva (2006, p. 50) afirma que, com o versículo 4, há a conclusão da tarefa do Servo/
escravo. Ele deve permanecer firme, sem vacilar, até implantar o direito e sua
lei entre as nações mais distantes. No que se refere ao termo “lei”, pode ser tra-
duzido por “ensinamento”, “doutrina” ou “instrução”. Com a tradução, “lei”
pode ter o paralelismo com direito. Portanto, a compreensão deve ir na linha
da torah, que significa instrução, orientação.
Deus apresenta o seu Servo/escravo e sua missão, que é a libertação. É o próprio Deus
que vai dar todo apoio ao povo para realizar esta missão de libertar o seu povo
(MESTERS, 1985, p. 46-7).
Contudo, o Servo/escravo, dotado de espírito-força, não vacilará nem se lamentará ao concretizar
sua missão de libertação, mesmo dos povos mais distantes (CROATTO, 1998, p. 71).
Compreendemos que a palavra ‘ebed pode ser traduzida como Servo e escravo. “É útil
observar primeiramente que na Bíblia a mesma palavra designa tanto o Servo
como o escravo” (LÉON-DUFOUR, 2009, p. 282).
‘escravo’, como ela aparece no mundo pagão, onde o homem em servidão é
relegado ao nível dos animais e das coisas, e a do ‘Servo’, como é defendida
pela lei do povo de Deus: nesse povo, o escravo continua a ser um homem e
tem seu lugar na família, de sorte que, verdadeiro Servo, pode nela tornar-se
o homem de confiança, o herdeiro (Gn 24,2; 15,3) (LÉON-DUFOUR, 2009,
p. 966).
No Antigo Testamento houve diversas pessoas que foram chamadas de Servos de Deus:
Abraão, Isaque, e Jacó (Dt 9,27), Moisés (Js 1,2), Josué (Js 24,29), Isaías (20,3),
Jó (1,8), e até Nabucodonosor (Jr 27,6). A mesma expressão também foi aplicada
ao povo de Israel, que em alguns momentos foi chamado de Jacó, como povo
escolhido de Deus (Is 41,8; 42,19; Jr 30,10; Ez 28,25) (HARRIS, 1998, p.1067).
Harris (1998) apresenta que, além de Isaías, houve outros vocacionados que também
foram chamados de Servos.
Isaías não é o único profeta que aplica esse termo ao povo da aliança; veja-se
também Jeremias 30,10; 46,27-28; Ezequiel 28,25; 37,25. O título é aplicado
a Davi, o Messias da promessa, em Jeremias 33,21-22, 26; Ezequiel 34,23-24,
37,24-25, e ao descendente de Davi, Zorobabel, em Ageu 2,23. De especial
interesse é a relação dessa palavra com o título messiânico “Renovo” (Zc
3,8). Outros usos religiosos incluem os “adoradores” dos deuses (uma frase
comumente empregada por todos os povos semíticos em referências a seus
falsos deuses, e.g., “o servo [ou adorador] de Baal”, “o servo [ou adorador]
No Antigo Testamento aparece com frequência a palavra Servo, que possui muitas ve-
zes significados diferentes. Há momentos em que Servo está relacionado com
pessoas humildes (Gn 32,18.20), em outros momentos faz-se relação aos altos
oficiais da corte (Gn 40,20; 2Sm 10,2,4). Um terceiro significado diz respeito
àquela pessoa que recebe ordens de alguém, que está pronto para o ajudar (Ex
33,11). Contudo, o termo Servo no Antigo Testamento refere-se a um escravo,
alguém que está a serviço.
Harris afirma que
Há também algumas passagens em que o Servo e o Israel literal possuem uma certa distinção
(Is 49,1-9; 42,1-7; 50,4-10; 52,13-53,12). Nessas passagens o Servo aparece como
alguém que tem uma missão junto a Israel. Embora este Servo possa ser identifi-
cado com o Israel-Servo, faz-se necessário distingui-los, pois o Servo, como está
declarado em Is 49,5-6, tem uma missão junto a Israel (HARRIS, 1998, p. 1066).
Portanto, parece plausível afirmar que Servo e Escravo apresentado no primeiro Canto
possui a mesma função e é a mesma pessoa. É alguém que está a serviço do povo
e esse Servo/escravo fez a experiência de dor e escravidão no meio do povo
escravizado. Segundo as pesquisas, o Servo/escravo no exílio da Babilônia é
um escravizado com os escravizados, é aquele que faz a experiência de dor e
de esperança no meio dos sofridos e que, desde sua formação no ventre mater-
no, foi preparado para assumir sua missão de Servo/escravo com os escravos
(CRB, 1994, p. 173).
CONSIDERAÇÕES
Abstract: the research aims to analyze the first song of the Servant of YHWH that is in-
serted in the book of Dêutero-Isaiah. It is served in the classical instruments of
biblical research. First of several theories about the formation of the corners,
which allowed us to opt for the theory of Duhm, which presents the servant as
Referências
ALONSO SCHÖKEL, Luis; SICRE DIAZ, José Luis. Profetas I. São Paulo: Paulinas, 1988.
BALLARINI, Teodorico e VIRGULIN, Stefano. Os cânticos do Servo de Javé. In: BALLARI-
NI, Teodorico. Introdução à Bíblia. V.II/3. Petrópolis: Vozes, 1977.
BALLARINI, Teodorico e BRESSAN, Gino. O profetismo bíblico – Uma introdução ao profe-
tismo e profetas em geral. Petrópolis: Vozes, V. II/3, 1978.
BÍBLIA DE JERUSALÉM – Nova edição revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2001.
BÍBLIA SAGRADA (A) – Revista e Atualizada no Brasil. Tradução de João Ferreira de Almei-
da. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
CRB NACIONAL. A leitura profética da história. São Paulo: Loyola, 1994.
CROATTO, José Severino. Hermenêutica bíblica. Tradução: Haroldo Reimer. São Leopoldo:
Sinodal; São Paulo: Paulinas, 1985.
CROATTO, José Severino. Isaías-A palavra profética e sua releitura hermenêutica. Vol. II: 40-
55 A libertação é possível. Petrópolis: Vozes, 1998.
DUHM, Bernhard. Israels Propheten. Tübingen: Paul Siebeck, 1922.
DUHM, Bernhard. Das Buch Jesaia. Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1968.
GORGULHO, Maria Laura. O servo de Yahweh nos escritos do Dêutero-Isaías – Uma contri-
buição à história do tema do “justo sofredor” na literatura sapiencial do Oriente Antigo. Rio de
Janeiro: Editora PUC, 1989.
HARRIS, R. Laird. (Org.) Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento. Tra-
dução Márcio Loureiro Redondo, Luiz Alberto T. Sayão, Carlos Osvaldo C. Pinto. São Paulo:
Vida Nova, 1998.
LEÓN-DUFOUR, Xavier. Vocabulário de Teologia Bíblica. Tradução: Simão Voigt. Editora
Vozes, 2009.
MESTERS, Carlos. A missão do povo que sofre - tu és meu servo! Petrópolis: Vozes, 1985.
NAKANOSE, Shigeyuki; PEDRO, Enilda de Paula. Como ler o Segundo Isaías 40-55. Da
semente esmagada brota nova vida. São Paulo: Paulus, 2004.
SCHULTZ, Valdemar. Primeiro domingo após epifania – Isaías 42,1-7. Proclamar libertação
21. São Leopoldo: Sinodal, 1995. p.51-54.
SCHWANTES, Milton. Sofrimento e esperança no exílio: História e Teologia do povo de Deus