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RESENHA

BORTULUCCE, Vanessa Beatriz. A arte dos regimes


totalitários do século XX. Rússia e Alemanha. São Paulo:
Annablume/Fapesp, 2008.

Renata Senna Garraffoni


Doutora em História pela Universidad e Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora do
Departamento de História da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Autora de, entre outros
livros, Gladiadores na Roma Antiga: dos combates às paixões cotidianas. São Paulo : Annablume/
Fapesp, 2005.

Recebido em: 25/04/2009 Aceito em: 25/06/2009

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RENATA SENNA G ARRAFFONI

BORTULUCCE, Vanessa Beatriz. A arte dos regimes totalitários do


século XX. Rússia e Alemanha. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2008.

Vanessa Beatriz Bortulucce é doutora em Dividindo o livro em dois capítulos acerca


História pela Unicamp (2005) com ênfase da arte alemã e dois sobre o universo russo
em História da Arte e futurismo italiano. da primeira metade do século XX, Bortulucce
Tendo estudado as obras de Umberto apresenta de maneira didática os contrastes
Boccioni no mestrado e doutorado, publicou da arte durante esse período. Partindo das
artigos na área e, atualmente, tem pesquisado principais vanguardas, os capítulos nos fazem
sobre arte e arquitetura durante o regime pensar como a pluralidade das formas de
nazista. O presente livro, publicado pela pensar e experimentar foram silenciadas
editora Annablume com apoio da Fapesp, é pelos regimes totalitários – nazismo e
parte do desenvolvimento desses novos stalinismo – e a profunda relação que se
trabalhos e, como destaca Luciano Migliaccio estabelece entre arte e sociedade,
no prefácio da obra, vem preencher uma desenvolvida em meio as proposições
lacuna na bibliografia disponível no Brasil nacionalista s impostas a partir do
sobre historiografia da arte durante regimes estabelecimento de uma única ordem
totalitários. possível.
Embora seja um tema pouco explorado No capítulo 1 Alemanha, 1900-1929: do
no Brasil, o livro é escrito em uma linguagem segundo Reich à República de Weimar, por
acessível aos que iniciam na área. Sem perder exemplo, Bortulucce comenta a Bauhaus e a
a profundidade necessária para uma boa Nova Objetividade para em seguida, no
abordagem crítica, Bortulucce nos apresenta capítulo 2 Alemanha, 1930-1945: da ascensão
um estudo do papel político da Arte no mundo do Nazismo ao fim do Terceiro Reich, contrapor
contemporâneo e, afastando-se de uma visão a estética nazista delineada a partir das
maniqueísta ou simplista, procura estudar a concepções de Hitler. A monumentalidade,
estética totalitária, uma arte de massa que as releituras do passado greco-romano e o
moldou a vida cotidiana de gerações de constante uso da Arqueologia, resultaram na
indivíduos na Alemanha e Rússia da primeira construção de uma estética própria, eivada
metade do século XX. Ancorada pelos de propaganda ideológica da nova ordem
aspectos políticos e ricamente ilustrada, estabelecida, que definia os parâmetros da
Bortulucce apresenta um livro dividido em arte aceita e perseguia a considerada
introdução, quatro capítulos e a conclusão, degenerada.
nos quais explora como as percepções de Já nos capítulos 3 e 4 somos introduzidos
mundo e os modos de sentir são no universo russo. A contraposição
reconfigurados a partir de uma estética estabelecida aqui segue a mesma lógica dos
totalitária, baseada na organização, controle capítulos sobre a arte alemã. Assim, o capítulo
e manutenção da ordem. 3, Rússia, 1900-1924: do Estado Czarista à

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União Soviética, trata das vanguardas russas, campo das artes foi atravessado por políticas
a produção de cartazes, fotomontagem e o de expressiva repressão. O trabalho de
cinema revolucionário, enquanto que o Bortulucce permite ao leitor iniciante entrar
capítulo 4, URSS, 1925-1939: da ascensão de em contato com as diversas formas de arte
Stalin ao início da Segunda Guerra Mundial, desenvolvidas na primeira metade do século
temos uma análise do culto à imagem de XX e, também, colabora com uma reflexão
Stalin. Os dois capítulos mencionados são sobre como regimes totalitários buscavam
bastante instigantes na medida em que construir um ideal estético a partir do
contrapõe as vanguardas russas, pouco fortalecimento de determinados traços da
estudadas e conhecidas no Brasil, ao identidade nacional. Nesse sentido, a
Realismo Socialista, arte oficial durante o materialidade das obras, nas suas diversas
período stalinista. Os cartazes apresentados expressões – pinturas, cartazes, fotografias,
pela autora permitem uma análise do discurso fotomontagem – tornam-se um importante
imagético no qual arte, ideologia política e instrumento para se pensar o passado
estética se contrastam e ajudam a compor a contemporâneo. A partir das imagens nas
um complexo quadro em que Stalin e os jovens suas mais diversas dimensões e materialidade,
indicam os caminhos da nova sociedade. Esses a autora propõe uma reflexão sobre violência,
cartazes educariam os trabalhadores e estética e liberdade, sobre visões de mundo
imprimiriam elementos estéticos com claros silenciadas e as hegemônicas, reconstruindo
apelos ideológicos, contrastando imagem e as complexidades e nuances desses
texto. momentos históricos que ainda nos deixam
A estratégia adotada, de contrapor as perplexos. Por essas razões, a leitura da obra
vanguardas com a arte oficial dos regimes é importante tanto para aqueles que
totalitários ao longo dos capítulos, é perspicaz gostariam de conhecer mais sobre arte alemã
na medida em que não há nenhum e russa do início do século XX como para
prejulgamento da qualidade técnica das aqueles que buscam abordagens alternativas
obras, mas ajuda a refletir sobre como o para o estudo da História Contemporânea.

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