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de aula, algumas das sugestões


oferecidas pelos autores. O livro,
Viana, V.; Tagnin, S. E. O.
(orgs.). Corpora no ensino de além de estabelecer mais firme-
línguas estrangeiras. São Paulo: mente o perfil da pesquisa e das
Hub Editorial, 2010, 375 p. aplicações da Linguística de Cor-
pus no Brasil, é de interesse para
professores de línguas, traduto-
res, lingüistas e outros profissio-
Ensinando línguas estrangeiras e nais da área de Letras, que certa-
tradução a partir do jeito que a mente nele encontrarão o alicerce
gente diz… para o desenvolvimento de suas
competências nas metodologias
Começo a apresentação deste e aplicações desse estimulante
livro resgatando as palavras de campo do saber.
Heliana Mello (UFMG), lidas na São ao todo 9 artigos, se-
contracapa da obra: guidos de um glossário muito
Os trabalhos agrupados neste conciso e pertinente sobre os
volume exploram através do viés principais termos e definições
da Linguística de Corpus, aplica- da Linguística de Corpus, bem
ções para o ensino de línguas e como de um repertório de refe-
de tradução, além de oferecerem rências, projetos e endereços de
subsídios teóricos e reflexões so- corpora já disponíveis on line.
bre essa emergente subárea dos Cada um dos nove artigos contri-
estudos lingüísticos. Corpora no bui de forma original como mo-
Ensino de Línguas Estrangeiras delo e difusão de uma perspectiva
é o primeiro volume de seu gêne- de trabalho lingüístico baseada,
ro no mercado editorial brasileiro essencialmente, na probabilida-
e inova pelo tema e por congre- de de uso, e não na intuição dos
gar pesquisadores experientes e falantes, como tão bem pontua
professores de línguas que jun- Viana no capítulo inicial da obra.
tos oferecem ao leitor elementos A descrição e a formulação de
para aguçar a sua curiosidade e atividades didáticas, exercícios e
colocar em prática, na sua sala questões propostas nos nove arti-
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gos a partir da frequência de usos falta de relação com o contexto


específicos, e considerando tipos nacional de ensino de línguas.
de discurso, gêneros textuais, Portanto, damos as boas-vindas
registros e atividades sociais da à chegada desta obra dirigida a
linguagem, são uma contribuição professores brasileiros com alu-
pioneira à área que Berber Sardi- nos e aulas no Brasil.
nha, no último capítulo, denomi- A clareza de exposição dos
na Lingüística de Corpus educa- nove artigos, o rigor metodoló-
cional brasileira. gico e a riqueza de atividades su-
Ainda segundo as considera- geridas para explorar corpora faz
ções finais de Berber Sardinha, dessa obra uma contribuição ím-
a maioria dos professores de lín- par nesse contexto educacional.
gua estrangeira frequenta mais No primeiro capítulo, Viana
as livrarias do que as bibliotecas, (Queen’s University Belfast) sin-
daí a importância da divulgação tetiza as bases da Lingüística de
linguística na forma de livros se Corpus (LC), conceitos, técnicas
queremos interferir na concepção e análises - explicando, de forma
de linguagem e de atividades di- muito clara e objetiva, quais os
dáticas dos principais agentes da recursos em termos de ferramen-
educação no Brasil, que não têm tas, tipos de análises e aplicações
tanta familiaridade ou facilidade didáticas que a LC oferece ao
de acesso a artigos acadêmicos ensino de línguas estrangeiras. O
publicados em periódicos, e pa- papel da introspecção na descri-
ra os quais os livros e os livros ção lingüística e o mito do ‘fa-
didáticos disponíveis em livra- lante nativo’ são minimizados em
rias físicas e virtuais, ainda são a detrimento da captura de padrões
principal fonte de atualização. O de uso, a partir da sua probabi-
problema, para Berber Sardinha, lidade de ocorrências em textos,
é que a maioria do material ofe- de acordo com sua situação de
recido é oriundo de editoras es- produção.
trangeiras, deixando de atender No segundo capítulo, Santos
bem nossos professores seja pelo (USP) analisa as colocações ad-
preço das publicações seja pela verbiais em inglês para negócios,
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comparando o input disponível distintos, os itens: ‘present’ mais


em materiais didáticos com os frequente nos resumos dos alu-
resultados de análises de aspec- nos do que nos resumos publica-
tos lexicais, pragmáticos e/ou dos; ‘find’ menos frequente nos
semânticos em textos escritos co- resumos dos alunos, ‘show’ que
letados em periódicos e relatórios ocorre com frequência semelhan-
de empresas. Ressaltando a im- te nos dois corpora. Interessante
portância da convencionalidade resultado retórico discursivo en-
no ensino de inglês como língua contrado; a falta de assertividade
de especialidade, são analisadas e posicionamento subjetivo nos
as oito colocações adverbiais resumos de alunos brasileiros.
mais frequentes encontradas em No quarto capítulo, Pinto e
função do seu cotexto: ‘actively’, Souza (PUC-SP) analisam diá-
‘adversaly’, ‘closely’, ‘directly’, logos de filmes comerciais com-
‘sharply’, ‘widely’ e seus respec- binando procedimentos da LC à
tivos colocados. teoria pragmática para a análi-
No terceiro capítulo, Dayrell se da partícula conversacional
(USP) analisa a léxico-gramática ‘just’. Em uma interação em au-
de abstracts produzidos por bra- la, a partir de atividade didática
sileiros em textos acadêmicos es- direcionada para a observação de
critos em inglês comparando os usos pragmáticos e variação, são
padrões léxico gramaticais dos repertoriadas as seguintes fun-
textos de alunos com os de textos ções comunicativas deste item:
publicados em revistas interna- mitigar ordens, justificar, inten-
cionais. Para a autora, na língua sificar, checar informação, expli-
franca da comunidade científica car, expressar irritação/aborre-
internacional, o Inglês, a tradi- cimento. Este repertório de usos
cional distinção entre falantes pragmáticos encontrados a partir
nativos e não nativos está em de atividade didática e interação
decadência. Dentre os padrões com os alunos contrasta com a
léxico-gramaticais mais freqüen- informação encontrada em mate-
tes, foram selecionados, por ilus- rial didático que apresenta o item
trarem três padrões de frequência apenas como advérbio de tempo,
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acompanhado de presente per- co; de conhecimento das culturas


fect, unidade lexical que ocorreu incluindo domínio de assuntos
em apenas 47 das 4.034 linhas de especializados, de conhecimen-
concordância analisadas, ou seja, to das convenções textuais; de
pouco mais de 1%. conhecimentos sobre tradução,
No quinto capítulo, Alves estratégias, procedimentos, fer-
(UFMG) e Tagnin (USP) ana- ramentas tecnológicas e estraté-
lisam o papel do automonito- gias de busca. As áreas técnicas
ramento e da coscientização carecem de referências bilíngües
cognitivo-discursiva no processo confiáveis, daí a proposta de uma
de aprendizagem de tradutores prática deliberada cujas condi-
novatos. Tradutores ingênuos ções necessárias seriam: propor
tendem a concentrar esforços na uma tarefa bem definida, com
solução de problemas lexicais dificuldade apropriada ao indiví-
desconhecendo as convenções duo, com feedback informativo e
linguísticas e acreditando na com oportunidade para a repeti-
equivalência unívoca, ou seja, na ção e a correção. A elaboração
possibilidade de uma tradução li- de glossários técnicos enquanto
teral e na necessidade de traduzir prática deliberada modifica pa-
cada item lexical. A confecção de drões de monitoramento, aloca-
um glossário para a tradução de ção de recursos e planejamento,
textos técnicos a partir da cons- com aumento na rotinização de
trução de um corpus especiali- processos cognitivos no domínio
zado é proposta, passo a passo, do desenvolvimento da compe-
enquanto atividade didática para tência tradutória.
o desenvolvimento da compe- No sexto capítulo, Zinato, Zí-
tência tradutória em direção à lio e Migotto (UFRGS) analisam
expertise. Os pressupostos cogni- artigos de Cardiologia em portu-
tivos, neste caso, são os de que guês e alemão e as contribuições
um desempenho consistente e de da pesquisa em corpus para o en-
alto nível de especialização é ad- sino de leitura, discutindo ques-
quirido com aumento no desem- tões teóricas sobre leitura e sua
penho de conhecimento linguísti- aprendizagem instrumental. A
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análise de três termos de Cardio- francês língua estrangeira ana-


logia e seus colocados adjetivais lisando o caso da marca ‘mas’
‘Insuficiência cardíaca/Herzin- em português e sua relação com
suffiziens’; ‘Valva aórtica /Aor- a marca ‘mais’ em francês, em
tenklappe’, ‘Infarto do miocá- corpus paralelo de cunho lite-
rido/Miokardinfarkt’ demonstra rário. São assim analisadas as
diferentes combinatórias e con- ocorrências e contexto de uso das
venções. Os textos em alemão marcas ‘mas’, ‘porém’, ‘entre-
têm parágrafos mais longos com tanto’, ‘todavia’e ‘contudo’ em
frases mais curtas que em portu- português, e das marcas ‘mais’,
guês. Chamam a atenção as dife- ‘cependant’, ‘pourtant’, ‘toute-
renças de convenção e de pontos fois’ e ‘néanmoins’ em francês.
de vista do saber científico en- A descrição é seguida de uma
volvido, não só pelas diferentes proposta de atividade didática
categorizações mais empregadas para aplicação desses conheci-
e ausências de correspondências mentos em aula a partir da explo-
(os diferentes colocados adjeti- ração de textos e da articulação
vais não são igualmente selecio- lógica do discurso. A partir da
nados pelas duas línguas), mas abordagem enunciativa culiolia-
também pela posição do adjetivo. na, são estabelecidas categorias
A experiência do contraste via semântico-funcionais - que re-
LC leva a perceber padrões de metem a universos de represen-
associação recorrentes que con- tação, referenciação e regulação
tribuem para caracterizar o arti- diferentes em cada língua - no
go científico nesse par de línguas intuito de levar os aprendizes a
e de culturas de escrita, contri- perceber que ‘mas’ não é equiva-
buindo para o desenvolvimento lente de ‘mais’; uma vez que a
do processamento do texto e da palavra equivalente remete a uma
competência leitora. relação de igualdade que exclui a
No sétimo capítulo, Zavaglia variação semântico-tradutológica
e Celli (USP) propõem a aplica- de ‘mas’ para o francês.
ção do conceito de transcatego- No oitavo capítulo, Pagano e
rialidade de Culioli ao ensino de Figueiredo (UFMG) analisam a
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gramaticalização da dor em por- baseados na análise da dor física


tuguês e em espanhol, propondo em três tipos de textos disponí-
uma abordagem comparada com veis na Internet (informativo, en-
subsídios da LC e da linguística trevista e fórum on-line), expli-
sistêmico-funcional. As autoras cam diferenças de funcionamento
identificam espaços de analogias na gramaticalização da dor nas
e diferenças nas duas línguas pela duas línguas. A partir das fun-
forma como elas gramaticalizam ções de processo e participante,
a experiência da dor, a partir dos demonstra-se a tendência mais
recursos léxico-gramaticais mais verbal e mental em espanhol do
utilizados em cada uma delas. que em português e a preferên-
Os resultados assinalam maior cia por tipos perceptivos: ‘sien-
representação da dor como pro- to dolor’e emotivos: ‘me duele’,
cesso na língua espanhola, com análogo a ‘me encanta’, ‘me gus-
destaque para processos mentais: ta’, ‘me emociona’, bem como
‘sentí dolor’; ‘sufra frecuentes a representação importante em
dolores’, ou, de ‘dolor’ encaixa- português como significado rela-
do em circunstâncias de assunto: cional: ‘estou com dor de’, dados
‘se queja de dolor de cabeza’, o que não se verificam em espanhol
que apontaria para um espaço de ‘estoy con dolor de’.
representação mental da experi- No nono capítulo, Berber
ência da dor. Já em português, a Sardinha (PUC-SP) propõe como
recorrência de participantes asso- usar a LC no ensino de língua
ciados a processos materiais: ‘a estrangeira e propõe o desen-
dor vai passar’, ‘dá a maior dor volvimento de uma Lingüística
de cabeça’ e, relacionais: ‘a dor de Corpus educacional brasilei-
pode ser considerada’, ‘a dor é ra, para a qual esta obra seria a
constante’ e, de circunstâncias de primeira contribuição importante
acompanhamento: ‘tou com dor na forma de livro. As atividades
de cabeça’ assinalaria uma espa- didáticas propostas, com prós e
ço de representação material da contras, ora centradas na concor-
‘dor’. Os resultados relacionados dância, ora no texto e ora em ati-
à linguística sistêmico-funcional, vidades multimídia/multigênero
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fornecem modelos de materiais boração de materiais didáticos


de ensino, vistos como artefatos, relevantes e eficazes. Os nove
instrumentos que transformam capítulos estão filiados institucio-
trabalhadores em profissionais nalmente a pesquisas nacionais
modernos. Portanto, para o autor com corpora e fornecem um ex-
são fundamentais para sustentar celente exemplo de cooperação
a prática do professor enquanto acadêmica e de trabalho conjunto
profissional e artista, pois sendo no sentido de produzir conheci-
cada aula única e irreproduzível mento linguístico relevante, útil
o trabalho do professor é uma ar- e necessário, procurando orga-
te mesmo. As propostas de ativi- nizar e difundir uma prática lin-
dades com foco em atividades so- güística - infelizmente - ainda
ciais, gênero, texto e elementos pouco conhecida, desenvolvida
de léxico-gramática inserem-se ou incorporada à formação de
na proposta de oferecer materiais profissionais para o ensino de
de ensino para fazer acontecer a línguas e tradução no Brasil. Os
LC nas aulas. A segunda parte do autores destes nove artigos, e os
artigo faz um balanço da inserção organizadores da obra, têm todos
dessa subárea no panorama edu- o grande mérito de enfrentar o
cativo nacional, o trabalho feito desafio hercúleo de preparar ma-
e o que falta por fazer, terminan- teriais e atividades complexas e
do com um convite generoso de que demandam um empreendi-
juntar-nos ao esforço de difun- mento coletivo de coleta ou um
dir essa visão da linguagem, do processo de preparo de dados que
ensino de línguas e da tradução requer muito tempo.
a partir de textos e ferramentas Não é por acaso que a obra
computacionais de análise. começa com uma homenagem
As contribuições para o ensi- a Tim Johns, marcando sua es-
no em cada um destes nove arti- colha de vida pelo ensino e sua
gos são contundentes, tanto apara dedicação ao desenvolvimento
a seleção do conteúdo pragmáti- de ferramentas de aprendizagem
co de cursos quanto para a ela- baseadas tanto em corpus, quan-
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to no processo de inferência, memória deste mentor do gru-


descrevendo a trajetória da cha- po, os fundamentos históricos e
mada aprendizagem direcionada a vocação incansável de trabalho
por dados (data-driven learning). da Lingüística de Corpus educa-
São particularmente relembradas cional brasileira cujos principais
a coragem, a determinação e a agentes colaboram na confecção
convicção lingüística de Johns desta obra coletiva. Obrigado
ao observar e descrever a lingua- Viana e Tagnin!
gem em uso, com base empírica
Leticia Rebollo Couto
e computacional, resgatando pela
UFRJ

desenvolvimento no Oriente, pois


muito antes das contínuas tradu-
Giordano, C. História d’As mil e ções ocidentais que o livro rece-
uma noites. Campinas/São Pau- beu a partir do século XVIII, as
lo: Editora da Unicamp/Oficina Noites, na condição de obra com
do Livro Rubens Borba de Mora- raízes externas ao mundo árabe,
es, 2009, 166 p.
supostamente foram arabizadas e
islamizadas com o auxílio da tra-
dução. Além disso, mesmo sua
A tradução sempre esteve nos constituição oriental tardia, não
caminhos da mais famosa obra livre da influência do sucesso das
da literatura árabe, a extensa co- narrativas de Shahrazad na Euro-
leção anônima de narrativas co- pa, valeu-se desse recurso para
nhecida como Alf layla wa-layla a inclusão de várias histórias em
(sécs. XIII-XIV), comumente de- seu corpus.
nominada em português de As mil O escritor argentino Jorge
e uma noites. Sem dúvida, o ato Luis Borges, um dos principais
tradutório foi fundamental tanto entusiastas das Noites na literatu-
para sua recepção e transforma- ra moderna, em sua conferência
ção no Ocidente quanto para seu “Las mil y una noches”, profe-

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