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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

Pró-reitoria de Extensão – Núcleo de Integração Universidade & Escola


RECONSTRUÇÃO CURRICULAR NA ESCOLA DEMOCRÁTICA E POPULAR: desafio
para rede pública estadual no município de Porto Alegre

Planejamento: desamarrando nós, atando o fazer pedagógico2


Maria Bernadette Castro Rodrigues
FACED/UFRGS

Sugiro um retorno ao início dos anos 80, um retorno às práticas escolares no que se
refere à organização do ensino. Talvez, muitas dessas práticas ainda permaneçam na escola
desse século XXI... Entretanto, vale um retorno ao tempo de vinte anos atrás para
entendermos alguns nós que ainda amarram o nosso fazer de hoje.
Naquele tempo, aos professores eram exigidos planos3 de curso, das unidades e das
aulas que desencadeavam-se a partir de algumas informações iniciais decorrentes de um
trabalho específico de início de ano chamado "sondagem". A entrega desses documentos
era feita junto à supervisão pedagógica da escola.
Obviamente, muito da elaboração ficava a cargo de puro pensamento hipotético,
pois era preciso imaginar tanto as situações como as respostas dos alunos, as condições
climáticas favoráveis para o desenvolvimento de certas atividades, a distribuição de tempo
das atividades no semestre; por conseguinte, o planejamento banalizava-se em um ato
meramente burocrático. O setor pedagógico terminava recebendo e arquivando planos que,
na maioria das vezes, eram modificados. Havia uma mecanização instalada e aceita.
Planejamento era uma chatice, servindo apenas à burocracia.

2 Esse texto é uma adaptação reduzida do artigo publicado no livro PLANEJAMENTO EM DESTAQUE:
análises menos convencionais. Maria Luisa M. Xavier e Maria Isabel H. Dalla Zen (orgs.) Porto Alegre,
Mediação, 2000. p. 59-73.
3 O plano de curso, considerando a organização escolar da época, era elaborado ao início de cada ano letivo,
em reuniões específicas, havendo um plano para cada nível da pré-escola, um por série no currículo por
atividades, um por área no currículo por área (5ª a 8ª série do 1º grau) e um por disciplina, no currículo por
disciplina (2º grau). Os planos das unidades eram exigidos para a pré-escola e currículo por atividades. As
unidades deveriam atender ao princípio de globalização, cada uma deveria durar cerca de duas semanas.
Ocorria que, geralmente as séries definiam entre si as mesmas temáticas e até era possível repeti-las de um
ano para outro.

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Hoje, sabe-se o quanto havia de político e ideológico nessa conduta. Pois, enquanto
era dispensado tempo em sala de aula para pensar exclusivamente o "como", deixando os
planos exemplares em suas formas, pouco ou nada era questionado sobre a "quem servia-se
e para que e para quem" pensava-se tais ações.
Eis o poder de um planejamento. É ele uma proposta didático-pedagógica que
fundamenta-se em pressupostos teóricos e em princípios orientadores. Ou seja, há intenções
no fazer pedagógico. Tenho conceituado pressupostos como a expressão da fundamentação
teórica; são os alicerces, as referências para a prática; representam as metas e, até, os ideais.
Por sua vez, entendo princípios como necessários para garantirem a aproximação da prática
aos ideais e vice-versa. É uma forma de promover a reflexão sobre a ação (está havendo
uma aproximação ou não aos ideais?).
Dar-se conta da importância desse embasamento é o primeiro passo para que o
professor assuma de fato seu papel de planejador - um papel ativo no processo. Se
entendida a importância do planejamento, torna-se indispensável uma defesa a sua prática,
porém é preciso apoio e estudo para encaminhar um processo de planejamento mais
coletivo. Como integrar todos os envolvidos - a comunidade escolar - no processo de um
planejamento conjunto? Uma pista pode estar no livro "Planejamento como prática
educativa" (1985) de Danilo Gandin. Nele o autor sugere, passo a passo, em linguagem
clara e acessível, um trabalho com referências e para tanto sugere três questões básicas “O
que queremos alcançar?”, “A que distância estamos daquilo que queremos alcançar?”, “O
que faremos concretamente (em tal prazo) para diminuir esta distância?”. E desfaz um dos
nós que vem atando o fazer pedagógico ao afirmar:

Planejamento é elaborar – decidir que tipo de sociedade e de homem se


quer e que tipo de ação educacional é necessária para isso; verificar a que
distância se está deste tipo de ação e até que ponto se está contribuindo para o
resultado final que se pretende; propor uma série orgânica de ações para diminuir
esta distância e para contribuir mais para o resultado final estabelecido; executar
– agir em conformidade com o que foi proposto e avaliar – revisar sempre cada um
desses momentos e cada uma das ações , bem como cada um dos documentos deles
derivados. (Gandin: 1985: 22)

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em outras palavras, "planejamento é processo constante, através do qual a preparação, a
realização e o acompanhamento se fundem, são indissociáveis". Enquanto revisa-se uma
ação realizada está se preparando uma nova ação num processo contínuo e ininterrupto.
Ao revisitar brevemente um tempo não tão distante, espero ter argumentado a favor
do uso de um "planejamento de e com intenções" e, consequentemente, da relevância do
"conhecimento das razões, do por que e para que no sentido de qualificarmos cada vez
mais o como".

Um planejamento de e com intenções. Por onde começar?

Estabelecer referências, buscar intencionalidades devem ser atitudes constantes do


professor/planejador. Defendo veementemente que toda ação pedagógica deve estar
sustentada por pressupostos teóricos que explicitem concepções. Os pressupostos teóricos
estabelecem as diretrizes do trabalho, definindo procedimentos e estratégias metodológicas.
Em outras palavras, planejar é a constante busca de aliar o "para que" ao "como", através
da qual a observação criteriosa e investigativa torna-se, também, elemento indissociável do
processo. Para desatar mais esse nó - fundamentação - sugiro um exercício, pensar quais
são as concepções que estão sustentando o fazer de cada docente. Explicitá-las, discuti-las,
confrontá-las torna-se uma etapa relevante no processo de planejamento de um grupo. Para
sistematização desse trabalho, seria importante a escolha de alguns eixos como "sociedade,
homem, conhecimento, educação, aprendizagem, currículo e cultura".
Tal reflexão deveria estender-se ao grupo de professores de uma instituição, a
discussão conjunta promoveria a explicitação das concepções que permeiam a prática do
estabelecimento, podendo a este exercício incluir-se algumas perguntas orientadoras:
"Como vem sendo organizado o planejamento na escola? Para que se planeja? Para quem?
A serviço de quem?" E ainda, "Quais são as relações de classe, etnia, gênero, que fazem
com que o currículo seja o que é e que produza os efeitos que produz?”, esta última
pergunta sugerida por Moreira e Silva (1994:30) para auxiliar “no esforço contínuo de
identificação e análise das relações de poder envolvidas na educação e no currículo”. É
preciso uma filosofia de fundo, uma referência, por meio das quais os envolvidos

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manifestem-se, discutindo, posicionando-se, argumentando. Um exercício também
importante é pensar de que forma pode-se aliar o para que ao como. Uma alternativa seria
optar por um planejamento de currículo integrado. Para tanto, torna-se relevante eleger
princípios de ação.
Santomé (1998:187) nos auxilia na argumentação a favor de um currículo que
priorize a integração:

Entre as questões que podem persuadir-nos a favor desta modalidade de


organização e desenvolvimento curricular estão as que se referem à utilidade social
de todo currículo. Este deve servir para atender às necessidades de alunos e alunas
de compreender a sociedade na qual vivem, favorecendo consequentemente o
desenvolvimento de diversas aptidões, tanto técnicas como sociais, que os ajudem
em sua localização dentro da comunidade como pessoas autônomas, críticas,
democráticas e solidárias.

O autor também defende a promoção da interdisciplinaridade como um dos


princípios dos currículos integrados, alertando que a mesma “é uma filosofia que requer
convicção e, o que é mais importante, colaboração; nunca pode estar apoiada em coerções
ou imposições” (1998:79). Em outro momento, o mesmo autor explicita seu
posicionamento:

Falar de interdisciplinaridade é ver as salas de aula, o trabalho curricular,


a partir da ótica dos conteúdos culturais, ou seja, tentar ver que relações e
agrupamentos de conteúdos podem ser feitos, por matérias, por blocos de
conteúdos, por áreas de conhecimento e experiência, etc. (1996:61)

Depreendo no citado autor posições muito afins com as idéias de Paulo Freire,
educador incansável na defesa de uma pedagogia da pergunta, da curiosidade, inversa da
fragmentação, da imposição, do depósito de conhecimentos. Em suas obras encontra-se
explicitamente sua posição a favor da pedagogia da autonomia; eis um trecho de um de
seus últimos livros que confirma seus princípios:

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Quando saio de casa não tenho dúvida nenhuma de que, inacabados e
conscientes do inacabamento, abertos à procura, curiosos, ‘programados, mas para
aprender’, exercitaremos tanto mais e melhor a nossa capacidade de aprender e de
ensinar quanto mais sujeitos e não puros objetos do processo nos façamos. (Freire,
1997:65)

Algumas formas de integração

Pode-se então denominar ensino integrado as alternativas de ações pedagógicas que


buscam criar condições e ambientes nos quais os/as alunos/as se vejam motivados para
investigar, indagar e aprender. Segundo Santomé (1996:67), trata-se de “educar as cidadãs
e cidadãos com um ‘ceticismo informado’ ou, o que é a mesma coisa, com capacidades
para o pensamento crítico, como uma das estratégias diante de uma sociedade e um mundo
nos quais os fundamentalismos e o pensamento dogmático tendem a predominar e a se
colocar como único parâmetro a ser perpetuado”.

Acrescenta ainda o autor que, ao se pensar em propostas de trabalho, deve-se atentar


para que as mesmas façam com que os alunos “prestem atenção” e sejam desafiados a
manifestarem: "evidências" - como sabemos o que sabemos?; "pontos de vista" - que
perspectivas, critérios, escutamos, vemos ou lemos?; "conexões" - como estão relacionadas
umas questões com as outras?; "conjecturas" - que acontecerá se...? supondo que...?;
"relevâncias" - que controvérsias são estabelecidas?. Em suma, é muito mais do que a
aplicação de uma determinada metodologia ou uma técnica. Supõe não se perder de vista as
razões pelas quais se está optando por essa modalidade de trabalho, denominada aqui de
ensino integrado. Um currículo integrado, nas palavras de Santomé (1996:62)

é o produto de uma "filosofia sócio-política" e de uma "estratégia didática” o qual


tem como referência um ideal de sociedade ao qual se aspira, uma concepção do que
significa socializar as novas gerações, um sentido e valor do conhecimento e, além disso,
preocupa-se com o "como facilitar os processos de ensino aprendizagem". Desta forma, em
um currículo integrado e, consequentemente, em um ensino decorrente desta visão a

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estratégia visível, o motor para aprendizagem está movido por um determinado tema,
tópico ou centro de interesse, que serve de eixo integrador.

A seguir, são apresentadas algumas formas de integração, afins com a idéia de "eixo
integrador". Antes, porém, duas recomendações importantes devem ser feitas:
 há um risco desta sistematização ser usada para “enquadramentos”; deve-se evitar tal
tentativa, pois em uma proposta de integração pode-se cogitar a conciliação de mais de
uma destas formas;
 ao observar-se a época da origem da proposta, é importante remetê-la a um panorama
histórico-econômico-político-social-cultural, assim as críticas devem considerar este
contexto.

1. Os centros de interesse - Ovide Decroly (1871-1932)

Centros de interesse para Decroly são idéias-eixo ao redor das quais convergem as
"necessidades" fisiológicas, psicológicas e sociais da criança. Decroly (apud Feil & Lutz,
1985), no começo deste século, agrupa as necessidades em quatro blocos: alimentação;
lutas contra a intempérie; defesa contra os perigos e inimigos diversos; ação e trabalho
solidário somados ao lazer. As atividades escolares, em todas as matérias, devem
concentrar-se nos centros. Esses são os seguintes: a criança e a família; a criança e a
escola; a criança e o mundo animal; a criança e o mundo vegetal; a criança e o mundo
geográfico; a criança e o universo. Sugere três etapas de aprendizagem: observação direta
das coisas, associação das coisas observadas e expressão do pensamento da criança através
da linguagem oral e escrita, do desenho, da modelagem e de outros trabalhos manuais.
O método globalizado de centros de interesse é orientado por cinco princípios
fundamentais: liberdade, individualidade, atividade, intuição e globalização. No meu
entender, este último, "globalização", destaca-se por sintetizar as idéias do teórico acerca
do método e ainda, por revelar suas concepções de conhecimento e aprendizagem.
Segundo o autor deve- se atentar para este princípio uma vez que:

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a criança, com sua visão sincrética do mundo, não tem condições de perceber
partes separadamente para depois reconstruir o todo; o ensino fragmentado em
disciplinas não permite o desenvolvimento da inteligência, pois reduz a
aprendizagem a uma transmissão isolada, levando inclusive, a criança a se
desinteressar pela escola. (Decroly apud Feil & Lutz, 1985:19)

Afirma ainda que o programa deve tender à unidade, no sentido de que todas as suas
partes devem relacionar-se entre si, formando um todo indivisível. Desta forma, propõe o
estudo das diferentes realidades, através de um eixo, um centro de interesse que unifique e
dê sentido a essa globalidade.

2. Projetos - William Kilpatrick (1871 - )4

Hoje, década de 90, há uma tendência à proposição de organização do currículo por


projetos de trabalho. Porém é preciso lembrar que a proposta de um trabalho integrado por
projetos foi explicitada por Kilpatrick no início do século e consistia, essencialmente, em
levar à escola o mesmo senso do propósito, do desígnio, do projeto realizado na vida
ordinária. Segundo Luzuriaga (1978:240), “o método dos projetos é quiçá o que mais
corresponde às idéias da educação nova, pois compreende a totalidade delas ao favorecer a
liberdade e a atividade, mas dá, ao mesmo tempo, sentido e propósito ao trabalho
educativo”.
Para Kilpatrick, a base de toda a educação está na atividade ou, melhor, na auto-
atividade orientada e decidida. Todas as atividades escolares podem realizar-se em forma
de projetos, sem necessidade de organização especial.

3. Pedagogia do trabalho: uma organização cooperativa na escola - Celestine Freinet


(1896-1966)

Se Kilpatrick foi o “pai da idéia”, entende-se que outros autores souberam dar uma
abordagem mais social à proposta de projetos. Celestine Freinet não propõe explicitamente

4 Nas consultas bibliográficas realizadas não foi encontrada a data de falecimento de W. Kilpatrick

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tal método, mas defende veementemente a “noção de trabalho como função vital de todo e
qualquer ser vivo. É o trabalho necessidade natural. É a escola do trabalho que se
transforma em escola da vida e uma será naturalmente a outra” (Nascimento, 1995:63).
Posteriormente, Jolibert e seus colaboradores (1994), entre tantos outros/as
autores/as, influenciados pelas idéias de Freinet, formulam também proposta de trabalho
com projetos. Exemplificam para demonstrar como é possível promover a aprendizagem da
leitura e da escrita através de situações reais. Propõem uma organização do trabalho a partir
de princípios como a vida cooperativa, a apropriação dos alunos de sua vida escolar e a
organização do ensino através de projetos.

É preciso que as crianças que vêm à escola possam engajar-se em seu


próprio aprendizado (ao invés de sofrerem ensinamentos). Além disso, a pedagogia
de projetos permite viver numa escola alicerçada no real, aberta a múltiplas
relações com o exterior: nela a criança trabalha “para valer” e dispõe dos meios
para afirma-se. (Jolibert, 1994:21)

Merece ser salientado que a realização de cada projeto pressupõe os seguintes


passos: decidir o propósito do projeto; realizar um plano de trabalho para sua resolução;
executar o plano projetado; julgar o trabalho realizado.

4. Tema gerador - Paulo Freire (1921 – 1997)

Os temas geradores foram pensados por Paulo Freire (1980:32) para serem usados
no método de alfabetização, pois, segundo o autor, "procurar o tema gerador é procurar o
pensamento do homem sobre a realidade e a sua ação sobre esta realidade que está em sua
práxis".
Isto acontece quando, mesmo na etapa de alfabetização, há um interesse em
provocar debates mais profundos sobre as questões que as palavras geradoras apenas
sugerem. Os temas podem ser colecionados sob todas as formas possíveis de material:
entrevistas escritas e gravadas, dados sobre o lugar, sobre a comunidade, fotos,
documentos. Assim como na pesquisa do universo vocabular, cada palavra geradora

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aparece dentro das frases, de falas das pessoas, cada palavra aponta para questões, para
temas: temas geradores. Antes de trabalhar com a palavra para fazer o trabalho coletivo de
alfabetizar e alfabetizar-se, o grupo de educandos trabalha a questão que a palavra geradora
sugere, é desafiado a pensar sobre o assunto ou tema.

Durante todo o tempo da pesquisa: mais tarde, durante todo o tempo do


trabalho do círculo de cultura, é preciso estar atento para o que se fala. As falas, as
conversas, as frases, entrevistas, discussões dentro ou fora do círculo, tudo está
carregado dos temas da comunidade: seus assuntos, sua vida.(...) Estes temas
concretos da vida que espontaneamente aparecem quando se fala sobre ela, sobre
seus caminhos, remetem a questões que sempre são as relações do homem: com o
seu meio ambiente, a natureza, através do trabalho; com a ordem social da
produção de bens sobre a natureza; com as pessoas e grupos de pessoas dentro e
fora dos limites da comunidade, da vizinhança, do município, da região; com os
valores, símbolos, idéias. Reunidos para serem material de discussão em fases mais
adiantadas do trabalho do círculo, estes são os seus temas geradores.
(Brandão,1990:37)

Se a prática de eleger temas geradores tem sua expressão no método de


alfabetização de Paulo Freire, também estendeu-se para o uso no planejamento educacional,
sendo uma forma possível para promover integração curricular. Autoras como Madalena
Freire (1983) e Sonia Kramer(1989), em suas obras, relatam o desenvolvimento do trabalho
pedagógico através de temas geradores. Para Kramer os temas geradores possibilitam:

articular no trabalho pedagógico, a realidade sociocultural das crianças, o


desenvolvimento infantil e os interesses específicos que as crianças manifestam,
bem como os conhecimentos acumulados historicamente pela humanidade a que
todos têm direito de acesso. (1989:50)

A autora sugere ainda a seleção dos temas geradores considerando "temas cíclicos",
aqueles originários de festas, eventos ou comemorações periodicamente celebradas e,

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"temas contextualizados", detectados pelos professores como relevantes ou sugeridos pelas
crianças e pais.

5. Rede Temática, Complexo Temático, Temas Transversais,..

Há ainda outras formas de integração, já conhecidas ou criadas a partir de uma das


formas tradicionais como, por exemplo, a "rede temática", uma forma decorrente do
planejamento por tema gerador. A rede temática é definida a partir de levantamento de
dados locais sobre a comunidade onde a escola está inserida. Os educadores, após análise,
selecionam situações significativas e temáticas que explicitem contradições e limites
explicativos da comunidade. A esta análise se contrapõe a visão dos educadores sobre a
mesma realidade, que buscam superações e soluções até então desapercebidas pela
comunidade. Esse processo de discussões, análises e sínteses é registrado com a construção
de uma rede temática que relaciona as visões da comunidade e dos educadores sobre a
realidade vivida, percebida e concebida. Segundo Gouvêa (1996:215), é uma tentativa de
totalização histórica dos fenômenos sociais, econômicos e culturais que ocorrem no espaço
e no tempo. Mais do que um simples registro do processo:

a rede temática é um distanciamento e uma “releitura” coletiva da realidade em


que a escola está inserida, e passa a ser um instrumento pedagógico indispensável
para a construção de qualquer programação ou atividade pela escola. A partir dela
ocorrerá a seleção das situações, e dos temas geradores, que serão abordados nas
diferentes séries e classes.

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A título de exemplificação e ilustração, pode-se observar como vem sendo
concretizada esta maneira de articulação acompanhando a reorientação curricular das
escolas sob responsabilidade das secretarias municipais vinculadas aos governos de
Administrações Populares no país. Em especial, a capital gaúcha, em suas três5 gestões da
Administração Popular, através da sua Secretaria de Educação, insistiu na orientação de
uma organização curricular nas escolas que tenha como ponto de partida o questionamento
e análise da realidade local.

Campos conceituais são articulados em complexos temáticos pelos


educadores, servindo estes como referência para o processo problematizador do
ensino-aprendizagem, partindo das hipóteses e representações dos alunos. Busca-
se, portanto, suscitar conflitos que levam à apreensão dos conhecimentos das
diversa áreas. (Gouvêa, 1996: 226)
Também pode-se mencionar a opção de integração presente nas propostas
orientadas pelo atual Ministério da Educação. Declaradamente influenciada pela reforma
educativa da Espanha, a proposta de Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) apoia-se na
forma de articulação por "temas transversais". Ramos (1998:10), professor espanhol e
defensor da transversalidade, reconhece:
Embora, pelo menos à luz da escassa ênfase que se dá, os temas transversais sejam
uma espécie de ‘adorno’ do sistema, uma forma de responder com ares de
modernidade a um novo sistema educativo diante das exigências do mundo atual, o
fato é que a transversalidade é um desafio muito mais importante do que a
princípio se pretende propor. Ao invés de aprofundar-se nesse desafio, os governos
optam por manter o velho estabelecimento modernista, cujas incongruências são
responsáveis pela manutenção de velhas inércias.
Sendo assim, o autor questiona a interpretação de transversalidade pelos aplicadores de
currículo. Mantém-se a estrutura da organização escolar, áreas ou disciplinas, porém há
uma suposta integração através de temas transversais “contemporâneos” ao propor relações

5 A administração popular está em sua quarta gestão - 2001 a 2004. Neste ano de 2001, a Secretaria de
Educação de Porto Alegre está realizando uma série de reuniões de trabalho com as equipes diretivas das
escolas e com o corpo docente para flexibilizar as orientações referentes ao planejamento institucional.

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na fragmentação. Como afirma Ramos (1998:10) isto conduz “a uma trivialização do
conteúdo dos temas transversais ou assegura um efeito meramente estético”.

6. Temas culturais - uma forma de articulação?

Forquin (1993:167) explicita a importância de uma abordagem sociológica no


planejamento pedagógico ao afirmar que:

não é possível não levar em conta atualmente as contribuições positivas do


conceito sociológico de cultura (...) as contribuições descritivas e analíticas da
abordagem sociológica são inegáveis e, doravante, sem dúvida indispensáveis. A
sociologia nos ajuda a melhor compreender o que se passa efetivamente nas
escolas.

Desta forma, os estudos culturais apresentam-se como uma possibilidade para


análise das práticas culturais. Ao colocarem em evidência temáticas como gênero, etnia,
raça e outros elementos da nossa cultura, tais estudos introduzem novas perspectivas na
discussão acadêmica e na prática educacional, sustentadas na complexidade do nexo poder-
conhecimento.
Por sua vez, Steinberg (1997:102) alerta:

Tentar definir os Estudos Culturais é uma operação delicada, na medida em


que esse campo tem evitado, de forma consciente, definições acadêmicas e
disciplinares tradicionais. Entretanto, os Estudos Culturais têm algo a ver com o
esforço para produzir uma forma interdisciplinar (ou contradisciplinar) de se
estudar, interpretar e avaliar as práticas culturais em contextos históricos, sociais e
teóricos.

Sendo assim, não deve-se entender os estudos culturais como uma forma de
articulação mas, sim, como análises sociológicas relevantes para a compreensão das tramas
nas relações sociais. Como orienta McLaren (1997:211):

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Como educadoras/es precisamos nos tornar teóricas/os de um pós-
modernismo de resistência que possa ajudar as alunas e os alunos a fazerem as
conexões necessárias entre seus desejos, suas frustrações e com as formas sociais e
culturais que os informam. Norman Denzin observa que os teóricos do pós-
modernismo são inevitavelmente narradores de histórias que nos possibilitam a
compreensão da vida social como uma trama cultural.

Elementos básicos para o esboço de um planejamento didático-pedagógico

Reveladas as intenções, entendida a importância do princípio de articulação, o


esboço do planejamento já está iniciado. A escolha de uma forma de articulação é tarefa
facilitada pelo entendimento de que não devemos gastar muito tempo no enquadramento ou
na purificação de tal forma. É possível sim uma “trama” entre as formas apresentadas.
Porém, há elementos que são básicos em qualquer forma de planejamento. São eles:
objetivos, é preciso explicitá-los, tendo como questões básicas o que e para quê;
justificativa, toda proposta tem uma origem, um por quê;
temática, apresentação do eixo integrador;
conteúdos, sistematização dos estudos;
estratégias, momento do como ser explicitado;
localização, onde será desenvolvido? Para quem? É importante esta caracterização,
deixando esclarecido o contexto;
recursos, qual o apoio necessário, em termos de materiais, meios a serem
utilizados;
avaliação, como acompanhamento permanente do processo, revelar os indicadores,
critérios de avaliação.

Um destaque final para mais um dos nós - o registro

Por fim, sugere-se que os planos de aula sejam instrumentos de trabalho, garantindo
vínculos com a proposta/projeto da instituição.

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O diário de classe do/a professor/a também desempenha um papel importante para o
planejamento, pois este se faz e se refaz, dinamicamente, na prática. Como defende
Madalena Freire (1983:77) “o diário torna-se importante instrumento de reflexão
(constante) da prática do professor. Através dessa reflexão diária ele avalia e planeja sua
prática. É também importante ‘documento’, onde o vivido é registrado, com a colaboração
dos alunos. Neste sentido, educador e educando, juntos, repensam sua prática”.

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