Você está na página 1de 7

III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES

15 a 17 de Maio de 2013
Universidade do Estado da Bahia – Campus I
Salvador - BA

A CONSTRUÇÃO DO TRABALHO MULTIPROFISSIONAL FACE ÀS


CARACTERÍSTICAS DO PROCESSO TRANSEXUALIZADOR NO SUS1

Autor: Zélia Lima Gebrath2

Co-autores: Guilherme Silva de Almeida3

Márcia Cristina Brasil dos Santos4

Samanta Rezende Crolman5

Resumo:

As transformações que ocorrem durante o processo transexualizador, não são apenas de


natureza física, mas subjetivas, econômicas, relacionais, jurídicas entre outras, demandando equipes
profissionais com competências complementares capazes de fazer frente aos desafios éticos,
políticos e programáticos relacionados ao tema. Na busca de uma assistência integral que contemple
o acesso a direitos variados como saúde, previdência, educação, entre outros e, em consonância com
a Portaria n. 457 de 19 de agosto de 2008, entendemos como relevante para a nossa pesquisa a
discussão da transexualidade, o processo transexualizador no SUS e as características da assistência

1
Este trabalho apresenta um esboço inicial do meu projeto de pesquisa para o trabalho de conclusão de curso da
FSS/UERJ. Conta com a orientação do Professor Guilherme Silva de Almeida da Faculdade de Serviço Social da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FSS/UERJ) e com a colaboração da assistente social e supervisora de
estágio do Hospital Universitário Pedro Ernesto Márcia Brasil dos Santos e de Samanta Crolman, Residente do Serviço
Social do Hospital Universitário Pedro Ernesto.
2
Zélia: Graduanda do curso de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FSS/UERJ). Bolsista de
Extensão do Projeto "Assessoria à equipe técnica de Serviço Social na implementação do Processo Transexualizador no
HUPE". Estagiária do Processo Transexualizador do Hospital Universitário Pedro
Ernesto. Contato: zeliagebrath@hotmail.com
3
Assistente Social. Doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (IMS/UERJ). Professor adjunto da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(FSS/UERJ). Contato: gsdealmeida@gmail.com
4
Assistente social do Centro de Referência do Processo Transexualizador do Hospital Universitário Pedro Ernesto.
Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (FSS/UFRJ).
Contato: mcristinabrasil@hotmail.com
5
Residente do 1 ano do curso de residência em serviço social do Hospital Universitário Pedro Ernesto. Graduada
pela Universidade Federal de Juiz de Fora (FSS/UFJF). Contato:samantacrolman@hotmail.com
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES
15 a 17 de Maio de 2013
Universidade do Estado da Bahia – Campus I
Salvador - BA

prestada às pessoas trans naquela realidade institucional, identificando impasses do trabalho


multiprofissional e os dilemas para o assistente social como trabalhador da saúde.

Palavras chave: trabalho multiprofissional; processo transexualizador; transexualidade e serviço


social.

Introdução

O Programa Transexualizador atua no atendimento pré e pós-operatório as (os) usuários (as)


transexuais, desde o acolhimento e acompanhamento terapêutico, passando pelos diversos
procedimentos cirúrgicos6. Após a realização das cirurgias de transgenitalização, permanece o
acompanhamento com uma consulta anual à urologia. O Programa é hoje um dos quatro centros de
referência no país no atendimento ao público transexual. Seu cotidiano, porém é atravessado pelas
características e limitações do próprio Hospital Universitário da UERJ, ao longo dos últimos anos
que, por sua vez, em grande medida relacionam-se aos rebatimentos do desmonte da política
pública de saúde no Brasil sob a égide do pensamento neoliberal: a escassez de quadros
qualificados, a diminuição no número de contratações de profissionais estatutários (com
estabilidade, salários sustentáveis e possibilidade de carreira no Hospital), os atrasos e/ou baixos
salários dos contratados (é comum à suspensão do trabalho de anestesistas por falta de pagamento
dos procedimentos), a falta de espaço físico adequado e equipamentos para realização de cirurgias.
Tais condições também afetam equipes e atendimentos de equipes não-médicas, como o Serviço
Social, a Psicologia e outras. Um problema persistente no que tange o SS é a falta de espaço
adequado para o atendimento dos usuários em entrevistas, sendo prejudicado muitas vezes o direito
destes ao sigilo e à privacidade.

6
Importante registrar que, embora no senso comum e mesmo para muitos/as usuários/as a cirurgia genital seja o maior
procedimento interventivo demandado ao Programa GEN. Muitas pessoas buscam entre as ações do Programa o
atendimento psiquiátrico, psicoterapêutico, endocrinológico (especialmente a hormonioterapia), dermatológico
(procedimentos de extração de pêlos fundamentalmente), cirurgias plásticas destinadas a alteração dos chamados
caracteres sexuais secundários (raspagem do Pomo de Adão, mastectomia, implante de próteses de silicone, entre
outras). É mais recente a procura por esta população também do atendimento do Serviço Social.
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES
15 a 17 de Maio de 2013
Universidade do Estado da Bahia – Campus I
Salvador - BA

A discussão teórica sobre a assistência prestada as/os usuários/as transexuais encontra-se no


campo das ciências sociais, psicologia e na medicina, sendo assim observamos a importância de
iniciar tal estudo na busca de conhecer e identificar os limites e possibilidades desse novo campo
para o Serviço Social buscando a troca de saberes por meio do trabalho multiprofissional com
outras áreas envolvidas no atendimento a estes usuários/as. Outro ponto relevante que observamos,
é a consequente melhoria no atendimento as/os usuários/as, a partir do embasamento teórico, que só
evidencia-se por meio de produção cientifica.

Objetivando descrever a construção, a pertinência e os entraves à assistência


multiprofissional num Centro de Referência do Processo Transexualizador no SUS, utilizaremos
das abordagens acerca da reforma sanitária e a política de saúde no Brasil (Bravo, 2006), (Fleury,
1989) que discutem a concepção de saúde que emergiu no Brasil após a Reforma Sanitária e que se
encontra em reta de colisão com o ideário neoliberal; as políticas sociais, as relações de força, poder
e exploração (Faleiros, 1985) de forma que possa melhor interpretar a correlação de forças
existentes no HUPE/UERJ e no próprio Programa Transexualizador, compreendendo de acordo
com Faleiros a realidade do Serviço Social como assalariado e subordinado no processo decisório; a
condição de trabalhador assalariado, que detém de uma relativa autonomia, contudo sofrem as
imposições e delimitações na condução de seu trabalho por meio de seus empregadores (Iamamoto,
2012) o que pode ser um dos limites na condução de um trabalho multiprofissional; o tema da
interdisciplinaridade (Minayo, 1994), (Melo & Almeida, G. S. 2000); da transexualidade (Bento,
2006) buscando uma discussão conceitual acerca do tema para entendermos que usuários são esses,
homens e mulheres; a sexualidade (Foucault,1988), (Louro, G. L. 1999) e as repercussões sociais da
assistência à saúde do transexual (Almeida, G. S. 2008) e finalmente qual o quadro atual das
políticas de saúde voltadas para pessoas transexuais ( Arán, M. 2008).
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES
15 a 17 de Maio de 2013
Universidade do Estado da Bahia – Campus I
Salvador - BA

Assistência Multiprofissional no processo transexualizador, em busca da consolidação de


direitos

O Movimento de Reforma Sanitária ganhou destaque e teve como pressupostos básicos:


democratização do acesso, universalização das ações, descentralização, hierarquização,
intersetorialidade, integralidade, participação popular e controle social. Constituiu-se numa luta
hegemônica com alianças como: Ações Integradas de Saúde (AIS); os Sistemas Unificados e
Descentralizados de Saúde – SUDS, no âmbito administrativo; a Plenária de Entidades pela Saúde
na Constituinte, no âmbito político; e a articulação de forças sociais progressistas.

No presente trabalho discutiremos especificamente as políticas voltadas os/as transexuais,


fazendo um recorte no atendimento do Hospital Universitário Pedro Ernesto, tendo como objeto a
construção do trabalho multidisciplinar das equipes envolvidas no processo transexualizador e quais
são as dificuldades existentes para a efetivação desta assistência multidisciplinar.

Os procedimentos cirúrgicos no processo transexualizador no HUPE ocorrem desde 20037,


contudo a Portaria que estabelece o trabalho multidisciplinar é de 2008. Não havia até então
regulamentação precisa deste atendimento. O que havia era a Resolução n° 1.652 de 6 de novembro
de 2002, do Conselho Federal de Medicina, que dispunha apenas sobre um dos aspectos do
atendimento: a cirurgia do transgenitalismo e não do “conjunto de alterações corporais e sociais que
possibilitam a passagem de gênero atribuído para gênero identificado” (cf. Bento, 2009: 146).

A partir de 2010 a equipe de Serviço Social demandou da FSS/UERJ e, mais


especificamente do Professor Adjunto da FSS Guilherme Silva de Almeida, que atuasse como
assessor através de encontros que vise ampliar a formação da equipe técnica e estimular a
construção de um projeto profissional, simultaneamente, em conformidade com a perspectiva ético-
política da profissão e com as demandas específicas desta população usuária. O trabalho de
assessoria no Serviço Social brasileiro tem pelo menos 30 anos. Para efeito deste projeto,
compreendemos assessoria como “aquela ação que visa auxiliar, ajudar, apontar caminho. Não

7
O Programa é hoje um dos quatro centros de referência no país no atendimento ao público transexual, juntamente com
o Hospital de Clinica de Porto Alegre-Porto Alegre/RS, Hospital de Clínicas da Universidade de Goiás-Goiânia/GO e a
Fundação Faculdade de Medicina USP-São Paulo/SP.
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES
15 a 17 de Maio de 2013
Universidade do Estado da Bahia – Campus I
Salvador - BA

sendo o assessor um sujeito que opera a ação e sim o propositor desta, junto a quem lhe demanda
esta assessoria” (Matos, 2009:515).

Tais encontros foram motivados pelo reconhecimento pela equipe do Serviço Social da
importância dos investimentos teórico-metodológicos empreendidos ao longo da trajetória
acadêmica e política no campo de estudos de gênero e sexualidade desde a última década e, mais
especificamente, nos últimos anos, a inserção deste professor nas discussões de transexualidade.

Em decorrência da Portaria 1.707 do MS de 18/08/2008 determinar “a necessidade de que os


profissionais de saúde envolvidos no processo transexualizador fomentem, coordenem e executem
projetos estratégicos que visem ao estudo de eficácia, efetividade, custo/benefício e qualidade do
processo transexualizador; além de se capacitar, manter e educar permanentemente em todo o
âmbito da atenção a pessoas transexuais, enfocando a promoção da saúde, da primária à quaternária,
e interessando os pólos de educação permanente em saúde”, a equipe de assistentes socais do
PASA/HUPE8 – Programa de Atenção Integral à Saúde do Adulto do Hospital Universitário Pedro
Ernesto, sentiu-se interpelada.

Intenciona-se desenvolver uma modalidade de assessoria descrita que dirigindo-se de um


assistente social aos profissionais da mesma profissão “visa qualificar a intervenção profissional e
traz o compromisso, em tese, da Universidade com a formação

profissional continuada dos assistentes sociais “ (Matos, 2009:521).

A partir da observação participante nesta assessoria, percebemos mais uma vez a


necessidade do trabalho multiprofissional e a que condicionantes tal construção encontra-se
atrelada. Entendendo que: “A parceria entre os profissionais de diversas disciplinas não é um luxo,
portanto, é uma necessidade, a fim de que o processo transexualizador possa efetivamente se
reverter em ganhos para a saúde dos sujeitos demandatários” (ALMEIDA, 2012: 228).

Contudo a troca de saberes entre profissionais está condicionada não somente a mera
vontade por parte das equipes, mas perpassa o próprio caráter conflituoso do tema da
transexualidade, a compreensão por parte dos profissionais envolvidos nesse processo acerca do que
deva ser a assistência à saúde, a pertinência do trabalho multiprofissional bem como a recente
8
Programa coordenado pela assistente social e mestre em serviço social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
FSS/UFRJ) Elizabeth da Luz Marques.
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES
15 a 17 de Maio de 2013
Universidade do Estado da Bahia – Campus I
Salvador - BA

inserção das diferentes categorias profissionais e ainda os poderes instituídos no processo que possa
vir a se apresentar como um dos limites encontrados.

BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, G. S. Repercussões sociais da assistência à saúde transexual. In: Eloísio Alexsandro da


Silva (org.). Transexualidade: princípios de atenção integral à saúde. 01 ed. Rio de Janeiro: Santos-
Grupo GEN, 2011, V., p. 01-260;

ARÁN M, LIONÇO T, MURTA D, VENTURA M, LIMA F, GONÇALVES L. transexualidade e


saúde pública: acúmulos concessuais de propostas para atenção integral. Rio de janeiro, IMS/UERJ,
2008;

BENTO, B. O que é Transexualidade? SP, Brasiliense: 2008;

BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria n° 1707 de 18 de agosto de 2008. Brasília: Diário Oficial da
União de 19 de agosto de 2008;

BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria n° 675 de 30 de março de 2006;

BRAVO, Mª Inês S. Política de Saúde no Brasil. In Mota, Ana Elisabete et al. (orgs) Serviço Social
e Saúde. SP: OPAS, OMS, Ministério da Saúde, Cortez, 2006.

FALEIROS , V. P. O saber profissional e o poder institucional. São Paulo: Cortez, 1985;


III SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES
15 a 17 de Maio de 2013
Universidade do Estado da Bahia – Campus I
Salvador - BA

Fleury, S. (org.) Reforma Sanitária – em busca de uma teoria. São Paulo/Rio de Janeiro,
Cortez/Abrasco, 1989;

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade Rio de Janeiro: Graal, v. 1, 1988;

IAMAMOTO, M. V. O Serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional, 3


ed. São Paulo: Cortez, 2000;

LOURO, G. L (orgs) O corpo educado: Pedagogias da Sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica,


1999;

MATOS, M. Assessoria, consultoria, auditoria, supervisão técnica. Serviço Social: Direitos e


competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009;

MELO, Ana Inês Simões; ALMEIDA G. Silva “Interdisciplinaridade: possibilidades e desafios para
o trabalho profissional. In: CFESS/ABEPSS (Organizadores) Capacitação Social e política Social.
Módulo 4. CEAD/UNB, 2000;

MINAYO, Maria Cecília de S. Interdisciplinaridade: Funcionalidade ou Utopia? Saúde e


Sociedade, 1994;

Você também pode gostar