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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende apresentar as principais características de


alguns elementos biográficos e, de modo especial, dos elementos fundamentais do
pensamento do filósofo italiano Benedetto Croce (1866-1952).
Croce apresenta por meio de sua filosofia o conceito de historicismo absoluto,
ou seja, a compreensão de que o verdadeiro conhecimento adquirido pelo homem
só pode ser alcançado e realizado na sua própria história e não a partir de
racionalizações especulativas. Essa característica ficará mais evidente e será melhor
explicada ao fim deste trabalho. No entanto, antes do pensamento específico de
Croce ser desenvolvido, houve um processo de transformação no modo de pensar e
de entender a filosofia que, ao longo de vários anos do período moderno, foi como
que cultivando a noção de historicismo, sobrepondo aos poucos as ideias
tradicionais da metafísica grego-medieval.
Em seu livro Introdução ao Cristianismo, Ratzinger (1970) faz uma síntese
bastante pertinente sobre como essas mudanças de pensamento ocorreram até
chegar às primeiras noções de historicismo. Primeiramente, Descartes (1596-1650)
foi responsável por um importante movimento de mudança de perspectiva,
associando a existência humana essencialmente com a razão (res cogitans), criando
uma dualidade radical com a realidade material (res extensa). Foi então que, mais
tarde, Giambattista Vico (1688-1744) apresentou um conceito revolucionário de
verdade, antevendo o movimento moderno e afirmando que o verdadeiro só é
reconhecido naquilo que o próprio homem realiza, contrariando o fundamento
escolástico de que o ente (a realidade) é a verdade, independente do homem. Na
concepção antiga e medieval, pensar e fazer formam uma única coisa e, portanto,
tudo o que existe foi pensado e contém em si uma lógica (logos). Isso fundamenta a
existência de um Deus criador que pensou e criou o homem, o qual, por sua vez,
tem uma possibilidade criativa limitada, apenas por participação, por que está
constrangido pelo tempo e não é capaz de conhecer a totalidade. Por isso a obra
humana é contingente, de modo que a ciência por excelência é a que reflete sobre o
ser e sua verdade (metafísica).
Descartes, apesar de criar o referido dualismo, ainda prezava a razão acima
do factível, mas é Vico quem (apoiando-se de modo parcial em Aristóteles) afirma
que o saber depende das causas, mas não da maneira da metafísica clássica, mas
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entendendo que só é possível conhecer as causas daquilo que foi feito pelo próprio
sujeito cognoscente:

O homem não produziu o cosmos, que, por isto, lhe permanece


impenetrável em suas derradeiras profundezas. Só lhe é acessível um
saber perfeito, comprovado, no âmbito das ficções matemáticas e da
história que representa a esfera do que o homem mesmo fez, sendo por
esta razão acessível ao seu conhecimento. No meio do oceano de dúvidas
que ameaça a humanidade após a derrocada da velha metafísica, nos
alvores do tempo moderno, redescobre-se no fato a terra firme sobre a qual
o homem pode tentar uma nova existência. Principia o reinado do "fato", isto
é, a volta radical do homem para sua própria obra, como o único elemento
que lhe é certo. (RATZINGER, 1970, p. 21).

Mais tarde, a dita “revolução copernicana da filosofia” realizada por Kant


(1724-1804) ao colocar o homem no centro e no domínio de qualquer possibilidade
epistemológica só foi possível a partir dessas premissas. Por isso, é resultado dessa
mentalidade, a ideia de que a modernidade é uma história nova, contraposta e
inclusive entendida como melhor que a antiga. E assim, a reflexão sobre o sentido
do ser passa a ser considerada uma vã tarefa sem fruto algum, de modo que as
ciências fundadas na matemática e na história passam a dominar qualquer
possibilidade de conhecimento que possa ser dito genuíno. (RATZINGER, 1970).

Filosofia torna-se um problema da história em Hegel, e, de modo outro, em


Comte, problema onde o mesmo ser é sufocado como processo histórico;
[...] Marx repensa historicamente a economia nacional, e até as ciências
naturais são afetadas por esta tendência geral para a história: Darwin
concebe o sistema dos seres vivos como uma história da vida; [...] Assim o
mundo acaba por não mais parecer uma estrutura do ser, mas um processo
cuja contínua propagação se identifica com o movimento do mesmo ser. [...]
O homem tornou-se incapaz de olhar acima de si, a não ser, novamente, no
âmbito do "fato", onde é obrigado a identificar-se com o produto ocasional
de evoluções imemoriais. (RATZINGER, 1970, p. 21).

Enfim, Ratzinger (1970) demonstra que esse caminho rumo ao historicismo


acabou tornando-se paradoxal, pois a promessa de um antropocentrismo libertador
na modernidade colocou o homem numa situação restrita, de modo que seu
conhecimento só é capaz de apreender sua própria obra e nada mais, entendendo a
si mesmo como um simples fato e não um ser propriamente dito.
Tendo compreendido essas premissas, é possível apresentar, na sequência o
pensamento de Benedetto Croce e seu historicismo absoluto e, mesmo tendo em
mente as considerações mencionadas, destacar os aspectos positivos e construtivos
desse sistema filosófico.
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2 BREVE BIOGRAFIA DE BENEDETTO CROCE

Durante a segunda metade do século XIX, estendendo-se ao século XX, na


Itália, ocorreu um movimento intelectual intitulado neo-idealismo, cuja principal
tendência era o desejo de fazer uma releitura, bem como atribuir maior rigor, ao
sistema filosófico de Hegel (1770-1831). Destacam-se, nesse empreendimento, os
pensadores Augusto Vera (1813-1885), Bertrando Spaventa (1817-1833), Francisco
De Sanctis (1817-1833), Donato Jaia (1839-1914), Sebastião Maturi (1843-1917),
Giovanni Gentile (1875-1944) e Benedetto Croce (1866-1952). (REALE, 2006).
Benedetto Croce nasceu em Pescasseroli (L’Aquila), na Itália, aos 25 de
fevereiro de 1886. Segundo relato de Reale (2006), sua família era importante
proprietária de terras e lhe garantiu um bom estudo em uma escola de religiosos.
Croce perdeu o pai e a mãe em um terremoto quando tinha 17 anos e foi morar em
Roma com seu tio Sílvio Spaventa, irmão de Bertrando Spaventa e amigo do
marxista Antonio Labriola (1843-1904). Três anos mais tarde, Croce retornou a
Nápoles e nesse período, além de cuidar de negócios da família, também viajou e
estudou muito, apesar de não buscar nenhum título acadêmico: “À formação
universitária preferiu ele o aprofundamento pessoal, em alguns campos do saber
para os quais se sentia mais atraído, como a filosofia, a história e a literatura”.
(MONDIN, 1983, p. 169).
Foi no período entre 1895 e 1899 que se dedicou a estudar Marx, buscando
criticá-lo em relação a inconsistências e procurando as qualidades de seu
pensamento, até que em 1903 funda, em parceria com Giovanni Gentile, a revista La
critica, “[...] que se impôs com extraordinária rapidez à atenção dos estudiosos e que
se tornou o órgão mais autorizado do mundo cultural italiano.” (MONDIN, 1983, p.
169). Conforme Reale (2006), esse caminho intelectual levou Croce ao estudo das
origens da linha de pensamento marxista, chegando, portanto ao estudo de Hegel,
em 1905, e iniciando uma releitura sistemática do hegelianismo. Croce chegou a ser
senador em 1910 e Ministro da educação entre 1920 e 1921. No entanto, segundo
Mondin (1983, p.169), “[...] quando Mussolini subiu ao poder, retirou-se da política
para se dedicar exclusivamente à pesquisa histórica e filosófica”. Essa decisão
política levou-o a afastar-se de Gentile, pois este aderiu ao fascismo. Após a queda
desse regime, Croce presidiu o partido liberal e foi membro da Assembleia
Constituinte e faleceu em Nápoles na data de 20 de novembro de 1952.
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3 AS OBRAS E OS FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA DE BENEDETTO CROCE

Segundo Reale (2006), Croce foi um filósofo intensamente produtivo e ele


mesmo decidiu ordená-las e sistematiza-las em duas grandes categorias:

I- Filosofia do espírito:
a) A estética como ciência da expressão e linguística geral, 1902;
b) A lógica como ciência do conceito puro, 1905;
c) Filosofia da prática. Economia e ética, 1909;
d) Teoria e história da historiografia, 1917;
II- Ensaios filosóficos:
a) Materialismo histórico e economia marxista, 1900;
b) Problemas de estética, 1910;
c) A filosofia de Giambattista Vico, 1911;
d) Ensaio sobre Hegel, 1912;
e) Novos ensaios de estética, 1920;
f) A poesia, 1936;
g) A história como pensamento e ação, 1938;
h) O caráter da filosofia moderna, 1941;
i) Discursos de filosofia, 1945;
j) Filosofia e historiografia, 1949;
k) Escritos de história literária e política (ao longo da vida);
l) Escritos diversos (ao longo da vida).

Para Croce (apud REALE, 2006), o pensamento de Hegel tem fundamental


importância para a filosofia, pois deu a esta a verdadeira profundidade que tem
capacidade de alcançar, especialmente por ser um pensamento conceitual (não
parte de uma intuição ou sentimento), universal (não é generalizante como as
ciências empíricas) e concreto (capta a própria realidade).

Voltar, pois, a Hegel, entendido como revisor do pensamento de Kant, mas


voltar tendo presente o incessante progresso e desenvolvimento do espírito
humano: eis, em poucas palavras, o programa que Croce se propôs a
realizar. (MONDIN, 1983, p. 170).
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Desse modo, para Croce, o grande trunfo de Hegel foi perceber, ao contrário
dos sistemas filosóficos precedentes, que os opostos não eram simplesmente
coincidências. Assim, as verdades anteriormente apontadas pela filosofia não são
destruídas pela dialética de Hegel, mas encontram a partir de sua filosofia a sua real
possibilidade de confirmação. (REALE, 2006).

Hegel ensinara, como sabemos, que a ideia (o pensamento, a razão, o


espírito) constitui a essência da realidade, a qual não é senão o complexo
dos momentos do devir da ideia. Esta, para tomar consciência de si, tem
necessidade, em primeiro lugar, de alienar-se, de constituir-se como objeto
e, em seguida, de recuperar-se na sua identidade originária. As fases finais
nas quais a ideia se torna plenamente consciente de si mesma são a arte, a
religião e a filosofia: na arte ela se torna consciente na forma de
representação sensível; na religião, na forma de um objeto separado da sua
relação essencial com o sujeito; na filosofia, na forma de saber absoluto.
(MONDIN, 1983, p. 170).

No entanto, conforme Reale (2006), Croce entende que Hegel estendeu


demasiadamente a abrangência da sua dialética, pois partiu de um erro básico, que
é a consideração de que a realidade é composta apenas de opostos que geram uma
síntese. Nesse sentido Croce afirma que a realidade, ou seja, o espírito, é formada
basicamente por distintos, que não são necessariamente opostos. Por exemplo,
razão e sensibilidade são distintos, mas não opostos.
Portanto, segundo Reale (2006), a dialética proposta por Croce deve
considerar tanto a síntese de opostos quanto a relação entre distintos. De modo
mais específico, a dialética croceana considera primeiramente que o espírito tem
duas atividades básicas: a cognoscitiva e a volitiva. A partir dessas duas atividades,
originam-se quatro distintos: conhecimento intuitivo e conhecimento lógico – como
resultados da atividade cognoscitiva –, atividade econômica e atividade moral –
como resultados da atividade volitiva. “As atividades estética e econômica têm por
objeto o indivíduo; as atividades lógica e ética têm por objeto o universal”. (MONDIN,
1983, p. 171).
O importante é ressaltar que a atividade cognoscitiva e a prática não são
opostas entre si, tampouco o são intuição e intelecção, atividade econômica e
atividade moral, ou qualquer uma dessas entre si. A oposição surge apenas a partir
de relações interiores de cada um desses distintos. Assim sendo, do interior da
intuição – que se dá na experiência estética – surge a oposição entre belo e feio; do
interior da intelecção – que se dá pela lógica – surge a oposição entre verdadeiro e
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falso; do interior da atividade econômica – que se dá na volição individual – surge a


oposição entre útil e danoso; e do interior da atividade moral – que se dá pela
volição universal (ética) – surge a oposição entre bem e mal. (REALE, 2006).
Sendo assim, segundo Reale (2006), nenhum conceito específico de um
distinto, como, por exemplo, o belo – que é específico da estética – pode ser oposto
a um conceito específico de outro distinto, como o verdadeiro – que é específico da
lógica.

Com este princípio, Croce quer dizer antes de tudo que cada uma das
quatro atividades [distintos] é irredutível e originária. Cada atividade tem seu
valor como expressão primária e inconfundível do espírito. Mas, [...] embora
distintas, não são separadas nem opostas: existe entre elas um nexo que
implica reciprocidade. (MONDIN, 1983, p. 171).

Esses quatro graus de distintos, ou atividades, portanto, são interdependentes


e dão ritmo circular à história, pois “nenhum dos momentos é começo absoluto,
porque todos têm igual função no âmbito do espírito.” (REALE, 2006, p. 116). Sendo
assim, cada um dos distintos é um momento que determina a realidade e supera
uma oposição interna. Pois entre os opostos, aquele que tem caráter negativo (como
o feio na estética) não tem autonomia, mas acompanha seu oposto positivo (o belo,
no caso) como uma abstração da realidade que é continuamente superada. E assim
a recíproca também é verdadeira, ou seja, os opostos não são distintos entre si, mas
um deles é sempre condição para que o outro seja verdadeiro no movimento
dialético da história, de modo que um não existe sem o outro. Croce (apud Reale,
2006), acredita que, dessa forma, sua dialética ajusta a dialética hegeliana por meio
dessa nova concepção da relação dos distintos e não exclusivamente pela redução
de tudo à constante síntese de opostos.
É também a partir da sua dialética que o trabalho de Croce, segundo Reale
(2006), pode ser dividido em quatro campos relacionados, cada um, aos quatro
graus de distintos resultantes da atividade do espírito. Portanto, a Estética é o
estudo próprio do momento intuitivo do espírito, a Lógica é o estudo próprio do
momento intelectivo, a Economia é o estudo próprio da prática particular e a Ética é
o estudo próprio da prática universal.
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4 ESTÉTICA E FILOSOFIA DA ARTE DE BENEDETTO CROCE

A proposição estética mais instigante de Croce (apud Reale 2006), afirma que
a arte é algo que todos sabem o que é. De tal modo que se não se soubesse o que
é arte, nem mesmo seria possível perguntar por tal conceito. Essa concepção
demonstra que Croce entende o homem como um ser com uma capacidade de
perceber e compreender verdades de maneira intuitiva, de modo que a tarefa da
filosofia autêntica é simplesmente sistematizar e esclarecer tais compreensões
prévias. Ou seja, a filosofia explica logicamente o que, na realidade, todos entendem
pela arte.
Portanto, para Croce, a arte é conhecimento intuitivo, afirmando que este tipo
de conhecimento é autônomo, livre em relação ao intelecto, baseado no conceito
dos distintos da dialética croceana, segundo a qual, a intuição é um distinto
irredutível aos outros:

Essa intuição não deve ser confundida com a percepção, que é a


apreensão de fatos ou acontecimentos reais, ao passo que, na arte, a
realidade ou irrealidade das coisas não tem relevância (na arte, tudo é real
e tudo é irreal). É importante observar ainda que aquilo que intuímos na arte
tem sempre “caráter ou fisionomia individual”. (REALE, 2006, p. 117).

Além de ser um conhecimento intuitivo, a arte na estética de Croce é também


uma forma de expressão daquilo que se intuiu, de tal modo que a expressão é como
um resultado natural da intuição, a ponto de se identificarem mutuamente.
Sendo assim, Croce entende que a intuição artística não é própria apenas de
grandes artistas ou gênios, mas pertence a todos os indivíduos do gênero humano,
havendo apenas uma diferença quantitativa e não qualitativa na atividade de um
gênio e outro homem, “[...] caso contrário, o gênio não seria homem e os homens
não o entenderiam”. (REALE, 2006, p. 117). Por isso todo homem carrega em si
capacidades artísticas, poéticas, musicais, etc., enfim tem parte da dimensão criativa
de um gênio.
Considerando esses aspectos de intuição e expressão, o que garante a
genuinidade ou “liricidade” da arte, para Croce, é o sentimento, ou seja, uma
aspiração que pode ser intuída e representada. Sendo assim, a relação intrínseca
entre intuição e expressão é entendida por Croce como uma “síntese estética a
priori”, partindo da correspondência com os juízos sintéticos a priori de Kant:
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[...] a arte é verdadeira síntese estética a priori de sentimento e imagem na


intuição, da qual se pode repetir que o sentimento sem a imagem é cego, e
a imagem sem o sentimento é vazia. Fora da síntese estética, o sentimento
e a imagem não existem para o espírito artístico: terão existência,
diversamente colocados, em outros campos do espírito [...]. (CROCE apud
REALE, 2006, p. 119).

A partir dessas concepções estéticas, Croce chega também ao conceito de


universalidade da arte. Isso se dá porque o sentimento expresso na intuição artística
não está fora do universo, de toda a realidade cósmica, mas justamente pertence a
ele, não pode surgir e desenvolver-se por si mesmo, de modo que o indivíduo
também não pode ser concebido fora do cosmos:

[...] o singular palpita na vida do todo, e o todo está na vida do singular. E


toda clara representação artística é ela própria e o universo, o universo
naquela forma individual, e aquela forma individual como o universo. Em
cada verso do poeta e em cada criatura de sua fantasia estão todo o destino
humano, todas as esperanças, as ilusões, as dores e alegrias, as grandezas
e misérias humanas, o drama inteiro do real que se torna e cresce
perpetuamente sobre si mesmo, sofrendo e alegrando-se. (CROCE apud
REALE, 2006, p. 119).

Portanto, a arte não tem a preocupação de expor doutrinas ou conceitos


lógicos e também não visa nenhuma finalidade moral ou econômica, ou seja, precisa
ser entendida como arte pela arte, independente da ciência, da economia e da ética.
Partindo desse conceito, conforme aponta Reale (2006) sobre a estética croceana,
pode-se também afirmar que a arte não tem categorias ou gêneros, pois estes são
apenas instrumentos intelectuais que na realidade são estranhos à arte. Sendo
assim, não existe belo natural, mas apenas artístico, pois o belo pertence ao distinto
estético do espírito e não se encontra reduzido a nenhuma outra percepção.
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5 A LÓGICA DE BENEDETTO CROCE

Na filosofia de Croce (apud REALE, 2006), a lógica é responsável por estudar


os conceitos puros, ou seja, daí vem o universal concreto, ou também chamado
transcendental, que é aquilo percebido pela razão (não pela intuição), que não é
genérico (mas universal), que é concreto (pertence à realidade na sua totalidade).
Assim, um conceito só apresenta uma forma, de modo que a multiplicidade é apenas
uma variedade de objetos inseridos em uma única forma.

Além disso, o conceito tem o caráter de expressividade, o que significa que


ele é “obra cognoscitiva” e, como tal (assim como a arte), é obra expressa e
falada e não ato mudo do espírito, como o são as atividades práticas da
economia e da ética. [...] O conceito puro não deve ser confundido com as
representações empíricas, por exemplo, de “cão” ou de “rosa”, e tampouco
com todos os conceitos abstratos de que fazem uso as ciências [...]. Estes
são “pseudoconceitos”, porque não correspondem a nada de
verdadeiramente universal e real. [...] O valor deles não é de caráter lógico,
e sim de mera utilidade e, portanto, de caráter econômico (ou seja, eles se
inserem na terceira categoria do espírito). (REALE, 2006, p. 121).

Sendo assim, para Croce, o conceito puro identifica-se com o juízo e o


silogismo, seguindo a ideia de Hegel de que o juízo é um universal concreto
pertencente ao espírito enquanto processo. A partir daí, Croce identifica o juízo
definitório com o juízo individual, pois o juízo individual atribui valor a um objeto e o
torna participante da universalidade. E como consequência desse pensamento,
Croce vê a identificação da história com a filosofia:

Filosofia e história já não são duas formas, e sim uma só forma, e não se
condicionam reciprocamente, mas até se identificam. A síntese a priori, que
é a concretude do juízo individual e da definição, é ao mesmo tempo a
concretude da filosofia e da história. [...] Nem a história precede a filosofia,
nem a filosofia precede a história: uma e outra nascem do mesmo parto.
(CROCE apud REALE, 2006, p. 122).

Esse é o ponto principal do pensamento de Benedetto Croce que o pode


definir, portanto, como um historicista absoluto, ao dar primazia para a importância
da história como expressão do espírito humano, como ficará mais claro adiante.
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6 A ECONOMIA E A ÉTICA DE BENEDETTO CROCE

Apesar de Croce ter definido claramente que a economia e a ética são os


distintos resultantes da atividade prática do espírito humano, ele, contudo, não
aprofundou seu pensamento de maneira tão detalhada a respeito dessas ideias,
como fez ao tratar da estética e da lógica. (REALE, 2006).
Em todo caso, a atividade prática do espírito está voltada para ações e, para
Croce, coincide com a vontade, de tal modo que ação e volição identificam-se
mutuamente e buscam sempre a um fim determinado, seja individual ou universal.
Se o fim é individual, então é resultado de uma atividade econômica, se for, por
outro lado, universal, então é resultado de uma atividade ética:

Atividade econômica é aquela que quer e concretiza aquilo que corresponde


somente às condições de fato em que o indivíduo se encontra. Atividade
ética é aquela que quer e concretiza aquilo que, embora correspondendo
àquelas condições, refere-se ao mesmo tempo a algo que as transcende.
[...] em uma, fundamenta-se o juízo sobre a maior ou menor coerência da
ação, tomada em si mesma; na outra, fundamenta-se o juízo sobre a maior
ou menor coerência da ação em relação ao fim universal, que transcende o
indivíduo. (CROCE apud REALE, 2006, p. 122).

Além dos pseudoconceitos, explicados anteriormente, e das ciências


particulares, Croce inclui na esfera da economia também o direito, as leis, a política
e o próprio Estado. Sendo assim, a atividade pública de um governo não está na
esfera ética, mas na sua capacidade utilitária, ou seja, econômica, algo que
Maquiavel também concebia em sua filosofia. (REALE, 2006)
Sabendo, portanto, que a ética é uma vontade voltada para o universal, pode-
se dizer que a ética volta-se para o próprio espírito, o qual é a própria realidade, é a
unidade entre pensamento e querer. Por isso Croce (apud REALE, 2006, p. 123)
afirma: “[...] no querer universal, ou seja, naquilo que o transcende enquanto
indivíduo, o homem moral volta-se para o espírito, para realidade real, para a vida
verdadeira, para a liberdade”.
A ética croceana, portanto, carrega consigo o conceito do espírito enquanto a
própria realidade, por isso, o homem não pode agir contra o próprio espírito, mas
deve tender ao seu bem universal.
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7 A HISTÓRIA ENQUANTO VERDADEIRO CONHECIMENTO

Segundo o que já foi apresentado, para Croce (apud REALE, 2006) filosofia e
história confundem-se, o que significa que qualquer período na história torna-se
atual ao ser submetido a um juízo histórico que procura dar significado a uma
situação do presente. Por isso a história, na verdade, é sempre contemporânea
porque vive no próprio ser humano e não fora dele. Ou seja, o homem é um
microcosmo, pois traz consigo a história, não num sentido naturalista, mas universal:

A história é o verdadeiro conhecimento do universal concreto. E não


somente todo juízo histórico conhecimento, mas o conhecimento histórico “é
todo o conhecimento”. Isso é “historicismo absoluto”.
A história e o juízo histórico são, portanto, necessários. Mas não o são no
sentido mecanicista em que os materialistas entendiam a “necessidade”, e
tampouco no sentido de força transcendente que, de fora, mova a história (a
Providência de Deus-fora-do-mundo), mas no sentido da racionalidade
imanente. (REALE, 2006, p. 123).

Nesse sentido, o “se” das especulações históricas torna-se completamente


vazio de significado, pois nega a racionalidade lógica do universal concreto
enquanto substância da história. Além disso, destaca Reale (2006), também não tem
sentido fazer juízos de valor da história, seja de aprovação ou censura, porque tais
juízos são de âmbito estritamente individual no momento de cada ação, mas depois
que viram história não podem ser julgados, apenas conhecidos e compreendidos.
Por isso, o mais importante, a partir do resgate do passado, que é uma atualização,
é a capacidade de conhecê-lo para que se torne, de fato, a base do movimento do
espírito, tanto no âmbito teórico, quanto no âmbito prático.
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8 CONCLUSÃO

É possível averiguar, a partir desse trabalho, que o historicismo absoluto e as


principais ideias filosóficas de Benedetto Croce, são resultado de uma longa tradição
moderna de pensamento, conforme apresentado na introdução. A partir disso, é
possível apreender desse sistema filosófico alguns pontos positivos, como, por
exemplo, a possibilidade de desenvolver pesquisas históricas mais bem
fundamentadas na realidade, mais preocupadas com a causalidade dos fatos do que
com o juízo moral ou ideológico do passado, de modo tal possibilidade garante um
conhecimento mais amplo e profundo da história, a partir de uma metodologia mais
científica e menos especulativa. No entanto, vale ressaltar, que pode ser um
equívoco considerar a história como um conhecimento absoluto, pois isso pode
gerar um esvaziamento de significado da realidade e pode conduzir o homem a
ignorar sua própria natureza, como se fosse possível construir e conhecer a si
mesmo, desconsiderando a verdade do ser como um dado objetivo.
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REFERÊNCIAS

MONDIN, Battista. Curso de filosofia: os filósofos do Ocidente. Vol. 3. Trad.:


Benôni Lemos. São Paulo: Paulinas, 1983.

RATZINGER, Joseph. Introdução ao Cristianismo. Trad.: Padre José Wisniewski


Filho, S.V.D. São Paulo: Herder, 1970.

REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia, 6: de Nietzsche à Escola de


Frankfurt. Trad.: Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2006.

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