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XXIII Colóquio de Usinagem

12 e 13 de dezembro de 2019, Uberlândia, MG, Brasil


UFU - FEMEC- LEPU

ANÁLISE DE DESGASTE E QUALIDADE SUPERFICIAL NO


MICROFRESAMENTO DO AÇO INOXIDÁVEL 316L OBTIDO POR
FUSÃO SELETIVA A LAZER (SLM)

Letícia Cristina Silva, Universidade Federal de Uberlândia, leticia.cristina@ufu.br


Márcio Bacci da Silva, Universidade Federal de Uberlândia, mbacci@mecanica.ufu
Wayne NP Hung, Texas A&M University, hung@tamu.edu

Resumo. A manufatura aditiva de metais é uma tecnologia atual e em plena ascensão, no entanto, os parâmetros
utilizados para impressão 3D influenciam diretamente a microestrutura e as propriedades mecânicas da peça impressa,
o que dificulta também o entendimento da usinabilidade deste tipo de metal. Neste contexto, este trabalho tem como
objetivo investigar a microusinabilidade do aço inoxidável 316L obtido pelo processo de fusão seletiva a laser (SLM-
Selective Laser Melting). Para tanto, foram realizados ensaios que consistiram na usinagem de microcanais, utilizando
uma microfresadora CNC de 80 000 rpm, microfresas de metal duro de diâmetro 396 μm, v c = 74,6 m/min,
n = 60 000 rpm, fd = 5 μm/dente e ap = 40 μm. A partir dos dados experimentais, foram analisados a evolução do
desgaste, as formas e mecanismos de desgaste da ferramenta, a superfície microusinada e a rugosidade superficial. Os
resultados mostram que mesmo com a utilização de ferramentas similares e mesmos parâmetros de corte os resultados
são diferentes. Em um dos ensaios a ferramenta apresentou um desgaste 19 % menor mesmo usinando um
comprimento de corte 2 vezes maior. Os valores de Ra encontrados em um dos ensaios são estatisticamente
semelhantes aos resultados encontrados na microusinagem de 316L convencional.

Palavras chave: microfresamento, microusinabilidade, manufatura aditiva, 316L SLM, desgaste.

1. INTRODUÇÃO

O microfresamento mecânico é considerado uma excelente alternativa para fabricação de microcomponentes, sendo
considerado um processo versátil e viável por conseguir usinar geometrias complexas em uma ampla gama de materiais
(Takacs; Vero; Mészáros, 2003; Venkatesh et al. 2016).
Outra tecnologia em plena ascensão é a manufatura aditiva de metais capaz de produzir formas complexas que não
são possíveis apenas com a utilização das técnicas tradicionais de fundição e subtrativas (Renishaw, 2017). No entanto,
a técnica utilizada para a obtenção dos corpos de prova de aço inoxidável 316L utilizada neste trabalho, conhecida
como fusão seletiva a lazer (SLM), pode apresentar alguns problemas característicos do processo que limitam a sua
utilização em componentes de engenharia precisos ou de tolerância rígida, sendo necessário a utilização de processos
secundários para produzir as dimensões finais necessárias, como polimento ou usinagem (Sadiq et al. 2018).
Os parâmetros de impressão utilizados para a obtenção da peça SLM podem afetar completamente as propriedades
mecânicas do material, que inclusive apresenta microestrutura significativamente diferente quando comparada ao
mesmo metal produzido de forma convencional (Olakanmi; Cochrane; Dalgarno, 2015), tornando o estado da arte
relativo a microusinabilidade de metais, algo completamente questionável e desconhecido em relação sua aplicação à
componentes impressos.
Com base neste questionamento, este trabalho tem como objetivo investigar a microusinabilidade do aço inoxidável
316L obtido pelo processo de fusão seletiva a lazer (SLM) através da comparação dos resultados de microusinagem,
analisando a evolução do desgaste, as formas e mecanismos de desgaste da ferramenta, a superfície microusinada e a
rugosidade superficial.
Esta pesquisa justifica-se pela total ausência de referências que mencionassem especificamente a microusinagem do
aço inoxidável 316L impresso pelo processo SLM. Sendo o processo SLM objeto de grande desenvolvimento e
melhoria nas próximas décadas (Olakanmi; Cochrane; Dalgarno, 2015) aliado ao fato de que a microusinagem (apesar
das poucas aplicações práticas e comerciais claramente identificadas) é considerada uma potencial tecnologias-chave
do futuro que trará maneiras completamente diferentes pelas quais as pessoas e as máquinas interagem com o mundo
físico (Mondragon Unibertsitatea, 2018), torna-se necessário portanto, um estudo mais aprofundado antes que se possa
produzir em escala industrial produtos confiáveis e econômicos.
Letícia Cristina Silva, Márcio Bacci da Silva
Análise de Desgaste e Qualidade Superficial no Microfresamento do Aço Inoxidável 316L Obtido por Fusão Seletiva a Lazer (SLM)

2. METODOLOGIA

O bloco de aço inoxidável 316L SLM (20 x 10 x 13 mm) foi impresso no equipamento AM250 fabricado pela
Renishaw. O pó 316L foi fundido com a utilização de laser, adotando a estratégias de varredura Check (de tabuleiro de
xadrez), onde pequenos quadrados são impressos a laser de forma alternada em cada camada (Sadiq et al. 2018). Ao
final, a amostra foi separada da plataforma da máquina através de corte realizado perpendicularmente ao eixo z, através
de usinagem por eletroerosão a fio (EDM).
Para os experimentos apresentados neste trabalho foram utilizadas microfresas de metal duro sem revestimento, 396
µm de diâmetro, duas arestas de corte, raio de aresta de corte (r ɛ) de aproximadamente 1,1 μm, fabricadas pela empresa
Performance Micro Tools®.
O corpo de prova foi preparado primeiramente fixando-o a uma morsa de precisão para faceamento na
microfresadora. Ao final, a superfície apresentou um desvio tanto longitudinal, quanto transversal de 0,5 μm (medido
com interpolação) utilizando um relógio comparador analógico com resolução de 1 μm.
Os ensaios consistiram na usinagem de microcanais, na direção longitudinal (x), avanço da esquerda para direita,
com comprimento de 10 mm, utilizando microfresadora rotação máxima de 80 000 rpm e resolução de 0,1 μm e base de
granito sobre mesa inercial.
As condições de corte utilizadas nos ensaios (Tab.1) foram definidas tomando como base o trabalho realizado por
Gomes (2019), afim de que se pudesse comparar diretamente os resultados obtidos neste trabalho com a microusinagem
do aço inoxidável 316L obtido através do processo convencional.

Tabela 1. Condições de corte utilizadas


Amostr fd ap ae N° de
Ensaios Ferramenta n (rpm) vc (m/min)
a (µm/dente) (µm) (µm) canais
1 C Sem revestimento 5
60 000 74, 6 5 40 396
2 C Sem revestimento 15

Para a medição do desgaste da ferramenta, foi o utilizado a diferença no diâmetro em relação a ferramenta nova,
conforme ilustra a Fig. 1.a. Para estas medições, utilizou-se o software ImageJ 1.43.

Figura 1. Exemplo da medição de desgaste, em (a) ferramenta nova, (b) desgastada, (c) detalhe da medição do desgaste

A qualidade superficial foi avaliada através de análises de imagens obtidas no microscópio eletrônico de varredura e
medições de rugosidade Ra no fundo dos canais microusinados, com a utilização do Perfilômetro de contato modelo
Form Talysurf Intra 50 da marca Taylor Hobson®. Para medição da rugosidade Ra foram feitas 3 medições em cada
canal (início, meio e fim), utilizando-se comprimento de amostragem (cut-off) de 0,8 mm e comprimento de avaliação
de 4 mm, tomando o devido cuidado para que uma medição não fosse sobreposta a outra.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1. Desgaste das ferramentas

Na Figura 2 pode-se observar a evolução do desgaste no ensaio 1, nota-se que houve um desgaste acelerado da
ferramenta, cerca de 8,7% do seu diâmetro, ao longo da realização do primeiro canal, sendo este comportamento já
esperado, visto que a princípio a ferramenta se adequa ao sistema tribológico envolvido e este é considerado o primeiro
estágio da evolução do desgaste das microferramentas (Gomes, 2019 ; Silva, 2017; Santos, 2016). Logo em seguida,
tem-se o segundo estágio de desgaste, onde a taxa de desgaste da ferramenta diminui devido a mesma estar adaptada ao
processo e aos mecanismos de desgaste presentes (Machado et al., 2011). Esta situação permanece até a usinagem de
30 mm. A partir deste valor, a ferramenta pouco se desgasta e o diâmetro reduz cerca de 18% do diâmetro inicial.
XXIII COLÓQUIO DE USINAGEM

Figura 2. Redução do diâmetro da ferramenta - Ensaio 1

Observando a Fig. 3 é possível notar que após a usinagem de 30 mm, uma aresta apenas teve sua ponta arredondada,
enquanto a outra aresta perdeu parte da ponta, sendo arrancada uma porção considerável da junção entre a superfície
principal de folga e secundária de folga (setas em vermelho), conforme observado na Fig. 3.b, evidenciado também pelo
aumento repentino (visível a olho nu) das rebarbas no canal. Mesmo com a quebra de uma das arestas foram usinados
mais dois canais e o desgaste evoluiu apenas 0,1%, totalizando um desgaste de aproximadamente 17,7% do diâmetro da
ferramenta. De acordo com estas imagens, é possível perceber que o desgaste é muito alto ao final do teste, no entanto
não foi identificada uma causa para tal.

Figura 3. Quebra de uma das arestas, (a) ferramenta nova (b) indícios de quebra, (c) confirmação da quebra através
da sobreposição do desenho da ferramenta nova.

Na Figura 4 tem-se o comportamento do desgaste para o ensaio 2. Neste ensaio optou-se por repetir as mesmas
condições de corte do ensaio 1, em função da quebra brusca de uma das arestas da ferramenta. Após a usinagem do
primeiro canal observa-se que o diâmetro da ferramenta reduziu 34,8 µm, aproximadamente 9%. Logo em seguida a
ferramenta comporta-se como no segundo estágio de desgaste, apresentando uma diminuição considerável na taxa de
desgaste, com uma redução de diâmetro média de 0,76 µm ao longo dos 15 canais usinados. Totalizando ao fim deste
uma taxa de desgaste de 14,4% do seu diâmetro. Após a realização dos 15 canais o ensaio 2 foi encerrado por não se ter
mais espaço útil para realização outros canais na peça (bloco C).

Figura 4. Redução do diâmetro da ferramenta - Ensaio 2


Letícia Cristina Silva, Márcio Bacci da Silva
Análise de Desgaste e Qualidade Superficial no Microfresamento do Aço Inoxidável 316L Obtido por Fusão Seletiva a Lazer (SLM)

No que se refere às formas de desgaste apresentadas, para todas as arestas foi observado logo após a usinagem do
primeiro canal, uma perda de material na ponta. O desgaste observado é semelhante ao desgaste de flanco, porém de
forma mais acentuada onde além de desgastar a superfície de folga da ferramenta, perdeu-se também parte da superfície
de saída. Em relação aos mecanismos de desgaste, em todos os ensaios onde as ferramentas foram analisadas, foi
observado material do corpo de prova aderido a aresta de corte da ferramenta (Fig. 5), sugerindo a ocorrência do
mecanismo de desgaste por adesão, onde a remoção do material aderido arranca juntamente fragmentos microscópios
da superfície da ferramenta e estes são arrastados junto ao fluxo de material adjacente à interface (Machado et al.,
2011).

Figura 5. Ferramentas com material do corpo de prova aderidas a aresta de corte e superfície de saída

3.2. Qualidade superficial

O gráfico a seguir (Fig. 6) apresenta os valores do desvio aritmético médio Ra, calculados em função da média das 3
medições realizadas em cada canal e o desvio padrão com intervalo de confiança de 68,27 %.

0.60
Rugosidade Ra (µm)

0.50
0.40
0.30
0.20
0.10
0.00
1 2 3 4 5
Canal

Figura 6. Desvio aritmético médio Ra obtido para cada microcanal usinado nos ensaios 1 e 2

Os resultados do ensaio 1 sugerem uma tendência de aumento da rugosidade em função do número de canais, ou
tempo de usinagem. A diminuição da rugosidade no último canal pode significar uma avaria na ferramenta após usinar
3 canais. A rugosidade neste caso sofre uma grande influência da avaria da ferramenta.
Ainda no gráfico da Fig. 6, no ensaio 2, não foi possível a identificação de uma tendência estatísticamente
significativa nos valores de rugosidade, esses em sua maioria se mantém estatisticamente em uma média. Apesar do
desgaste progressivo e contínuo da ferramenta, também não foi observado nenhuma ligação com os valores de
rugosidade. Comparando as imagens ampliadas das superfícies usinadas nos canais: 1 (Fig. 7.a), 8 (Fig. 7.b) e 15 (Fig.
7.c), percebe-se através de análise qualitativa que não houveram diferenças significativas na qualidade das superfícies
usinadas com o aumento do comprimento usinado.

Discordante

Direção de
avanço 

Concordante

Figura 7. Ampliação das superfícies usinadas, em (a) após 10 mm, (b) após 80 mm e (c) após 150 mm

Entretanto, é importante destacar que o maior desgaste ocorrido na ferramenta do ensaio 1 influenciou em maiores
valores de Ra em todos os canais realizados, quando comparados aos mesmos comprimentos usinados no ensaio 2.
Mesmo assim, é possível afirmar que em ambos os ensaios, os valores obtidos de Ra foram baixos quando comparados
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a processos como por exemplo a retificação, caracterizada principalmente pelo fornecimento de superfícies com
excelentes acabamentos, em função dos pequenos valores de rugosidade obtidos entre 0,2 e 1,6 µm (Diniz; Marcondes e
Copinni, 2013).
Exceto pelo ensaio 1, onde houve a quebra catastrófica de uma das arestas da ferramenta, os valores de Ra obtidos
no ensaio 2, média de 15 medições com desvio padrão (intervalo de confiança de 68,27 %) igual a 0,18±0,03 μm, pode
ser considerada semelhante aos resultados obtidos por Gomes (2019) na microusinagem de 316 L convencional, com
ferramentas de metal duro, revestidas com (Al, Ti)N, diâmetro 400 μm, em que na realização de dois ensaios onde
foram utilizados a mesma rotação e avanço por dente, obteve média com desvio padrão (intervalo de confiança de
68,27 %) igual a 0,17±0,07 μm e 0,19±0,04 μm..

4. CONCLUSÕES

- O ensaio 2 apresentou um desgaste no diâmetro da ferramenta aproximadamente 19 % menor que o ensaio 1, mesmo
usinando um comprimento de corte 2 vezes maior.
- Em todos os ensaios ocorreu perda de material na ponta da ferramenta, com a forma de desgaste semelhante ao
desgaste de flanco, porém de forma mais acentuada, sendo o principal mecanismo de desgaste por adesão.
- O maior desgaste da ferramenta no ensaio 1 levou a rugosidades (Ra) muito maiores quando comparados aos mesmos
comprimentos usinados no ensaio 2. No entanto, quando analisados os ensaios de forma isolada, os valores de Ra no
ensaio 1 sugerem uma tendência de aumento da rugosidade em função do comprimento usinado, porém com grande
influência da avaria da ferramenta, enquanto os valores de Ra obtidos no ensaio 2, não apresentam uma tendência
(estatisticamente significativa) de aumento ou diminuição, e neste caso o desgaste da ferramenta (mesmo sendo
progressivo) não teve relação direta com as rugosidades observadas.
- Os valores de Ra encontrados no ensaio 2 são estatisticamente semelhantes aos resultados encontrados na
microusinagem de 316L convencional.

4. REFERÊNCIAS

Diniz, A. E., Marcondes, F.C. e Coppini, L.L., “Tecnologia da Usinagem dos Materiais”, 4. ed. São Paulo: Art. Liber,
2013. 247p.
Gomes, M.C., “Estudo Experimental do Microfresamento do Aço AISI 316L”, 2019, 119 f. Dissertação de Mestrado,
Universidade Federal de Uberlândia - MG.
Machado, A.R., Silva, M.B., Coelho, R.T. e Abrão, A.M., “Teoria da Usinagem dos Materiais”, 2 a edição. São Paulo:
Blucher, 2011.
Mondragon Unibertsitatea, “Micromilling Technology: Global review”, Disponível em:
<https://pdfs.semanticscholar.org/ee92/1b63870d58bb261dcc19bd5e200b86784819.pdf>. Acesso em 20/08/2018.
Olakanmi, E.O., Cochrane, R.F. e Dalgarno, K.W., “A review on selective laser sintering/melting (SLS/SLM) of
aluminium alloy powders: Processing, microstructure, and properties”, Progress in Materials Science. V. 74, p. 401-
477, 2015. ISSN 0079-6425.
Renishaw, “Catalogo do fabricante: Manufatura aditiva de metais”, 2017. Disponível em: <http:
www.renishaw.com.br>. Acesso em 14/08/2018.
Sadiq, M.A., Hoang, N.M., Valencia, N., Obeidat, S. e Hung, W.N.P, “Experimental study of micromilling selective
laser melted Inconel 718 superalloy”, Procedia Manufacturing, v. 26, p. 983-992, 2018.
Santos, A.G., “Microfresamento de Aço Inoxidável Duplex UNS S32205 com Ferramentas de Metal Duro Revestidas
com Nitreto de Titânio”, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Uberlândia, 2016.
Silva, L.C., “Investigação da Usinabilidade do Aço Inoxidável Duplex UNS 32205 no Microfresamento”, 2017. 137 f.
Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia.
Takacs, M., Vero, B. e Mészáros, I., “Micromilling of metallic materials. Journal of Materials Processing Technology”,
v. 138, p. 1–3, 2003.
Venkatesh, V., Swain, N., Srinivas, G., Kumar, P. e Barshilia, H. C. “Review on the machining characteristics and
research prospects of conventional microscale machining operations”, Materials and Manufacturing Processes,
2016.

4. AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica da UFU, FAPEMIG, CNPq e


CAPES pelo apoio financeiro.

5. RESPONSABILIDADE PELAS INFORMAÇÕES

Os autores são os únicos responsáveis pelas informações incluídas neste trabalho.

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