CONHECIMENTO, EDUCAÇÃO E pacífica. A diferença cultural, cada vez mais mar- CONTEMPORANEIDADE cante, pauta-se por relações de poder que opri- mem determinados grupos e indivíduos e que res- pondem por crescentes xenofobia, racismo, Em inúmeros países têm-se desenvolvido fundamentalismo, terrorismo. Têm-se buscado, significativos esforços de reformulação dos currí- nos novos currículos, oferecer algumas respostas culos escolares. Trata-se certamente de um fenô- a esse complexo panorama cultural. Tais respos- meno global, já intensamente estudado por pes- tas tanto têm correspondido à intenção de har- quisadores que buscam compreender os proces- monizar e integrar os diferentes grupos no seio sos de elaboração e de implementação das novas do que se chamaria de cultura hegemônica, como políticas de currículo. Em algumas análises, procu- ao propósito de tornar visíveis, questionar e deses- ram-se explicitar as relações de poder que se ex- tabilizar as assimétricas relações entre esses mes- pressam nas reformas e evidenciar como elas se mos grupos. têm constituído em instrumentos de regulação e Todas as iniciativas de efetuar e de analisar de auto-regulação de indivíduos e grupos. Afirma- as mudanças curriculares que se vêm promoven- se mesmo que, por meio das reformas, preten- do em muitos países precisam ser referidas ao de-se o governo das almas, a instituição de de- processo de globalização em curso. Quer se terminadas maneiras de ver, sentir e entender o enfatizem seus aspectos econômicos ou seus as- mundo. pectos culturais, não há como negar seus contra- Em outros estudos, busca-se mostrar como ditórios reflexos no cenário educacional. Nas po- a reorganização dos currículos move-se pela in- líticas educacionais, nos currículos, nas formas de tenção de responder, ainda que de formas distin- avaliação, nas propostas de reformular a forma- tas, à reestruturação dos locais de trabalho e às ção docente, nas investigações, assim como nos demandas da economia. Seja visando a formar fu- encontros e seminários que se desenvolvem em turos trabalhadores em consonância com as com- inúmeros países, há, claramente, procedimentos, petências que o sistema produtivo parece desejar, objetivos e características comuns, a despeito de seja visando a formar trabalhadores críticos, autô- diferenças também observáveis. A conseqüência nomos e flexíveis (a despeito das dificuldades en- é que se torna sempre possível encontrar alguém, volvidas nos significados hoje atribuídos a tais ter- em qualquer continente, interessado em tais te- mos), as recentes reformas educacionais, em que mas, capaz de compreender o que se faz e o que inovações curriculares ocupam papel de destaque, se fala na área de educação em qualquer outra parecem levar em conta as recentes mudanças na parte do mundo. Nesse processo homoge- organização do trabalho. neizador, perdas e ganhos com certeza se fazem Outro aspecto que se evidencia como sentir. preocupação dos que têm coordenado e desen- O avanço tecnológico, que cada vez mais volvido os processos de reestruturação da esco- confere rapidez ao processo de comunicação, larização é o caráter inevitavelmente multicultural disponibiliza a um número crescente de pessoas de nossas sociedades. Inegavelmente plurais, es- uma ampla gama de informações. Esse desenvol- sas sociedades abrigam diferentes grupos cuja con- vimento, ao mesmo tempo, permite novas e efi-
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p. 9-11, novembro/ 9 cazes formas de controle do processo de produ- de conhecimentos socialmente significativos. In- ção do conhecimento. Acresçam-se, nesse con- siste, por fim, na necessidade de se desenvolve- texto, as idiossincrasias e as dificuldades envolvi- rem, por meio da escolarização, novas formas de das na concessão de recursos e na definição de solidariedade e de associação, capazes de contri- prioridades para a pesquisa, tão variáveis, quer se buir para a construção de identidades complexas, trate do Primeiro ou do Terceiro Mundo. Pode- nas quais se inclua o pertencimento a múltiplos se, em síntese, dizer que as condições globais em âmbitos. que os pesquisadores desenvolvem suas ativida- John Willinsky propõe um novo enfoque na des e constroem conhecimento são bem mais política da identidade e do multiculturalismo, su- complexas e intercontectadas do que jamais fo- gerindo que propiciemos ao nosso estudante a ram. O fato é que o trabalho intelectual que hoje compreensão de como categorias poderosas se desenvolve ao longo do globo pode pautar-se como cultura, raça e nação têm sido construídas. tanto por subordinação como por acentuado grau Pergunta se é possível continuar a dividir a realida- de autonomia em relação aos mecanismos oficiais de humana, como temos feito, em culturas, his- de homogeneização e de controle e às esferas em tórias, tradições, etnias e sociedades nitidamente que se tomam as decisões. diferentes, e sobrevivermos de modo humano às Os textos aqui apresentados abordam es- conseqüências dessa divisão. Sugere, então, que sas preocupações, enfocando a centralidade do focalizemos nos currículos a construção dessas conhecimento na sociedade mais ampla e nas re- categorias, tornando evidente como elas vêm sen- formas educacionais, a necessidade de uma orien- do produzidas e naturalizadas ao longo dos tem- tação multicultural nos currículos, bem como a pos. Trata-se, em outras palavras, de reconhecer produção de conhecimento sobre educação e e contestar a fabricação histórica de categorias usa- currículo. Apoiados em distintos pontos de vista e das para identificar-nos. Trata-se de compreender perspectivas teóricas, os autores desenvolvem suas como a humanidade veio a ser dividida de um argumentações considerando as marcantes carac- determinado modo, o que é indispensável para terísticas desse paradoxal início de novo século. se apreciar, criticar e desvelar o jogo político da Juan Carlos Tedesco toma como alvo de identidade no mundo contemporâneo. sua atenção a sociedade do conhecimento e da Michael Young preocupa-se com o currícu- informação em que vivemos. Nela, o conhecimen- lo do futuro. Continuará a ser baseado na separa- to e a informação estariam substituindo os recur- ção entre conhecimento científico e conhecimento sos naturais, a força e o dinheiro como variáveis- de senso comum? Continuará a preservar sua tra- chave na geração e distribuição do poder. Defen- dicional organização disciplinar? Continuará a ig- de o ponto de vista de que uma sociedade basea- norar as mudanças que se passam na sociedade e da no uso intensivo de conhecimento produz si- no mundo do trabalho? Empregando os concei- multaneamente fenômenos de mais igualdade e tos de insularidade (correspondente à separação mais desigualdade, de maior homogeneidade e nítida, no currículo, entre diferentes tipos de co- maior diferenciação. Argumenta que as instâncias nhecimento) e hibridização (correspondente à em que se produzem e distribuem o conhecimen- continuidade e unidade essenciais de todas as for- to e os valores culturais passaram a ocupar um mas de conhecimento e à permeabilidade das fron- lugar central, tanto na análise de novas configura- teiras entre eles), o autor defende uma base para ções como na definição de estratégias de inter- o currículo que possa superar tanto o caráter não venção social e política. Sugere que, no âmbito da histórico da organização disciplinar tradicional como educação, a formação básica e universal venha a as incertas conseqüências da hibridização e sua re- dotar os estudantes dos instrumentos e compe- núncia aos critérios pedagógicos e epistemológicos tências cognitivas indispensáveis à aprendizagem usuais. Em sua argumentação, recorre a Durkheim
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e a Vygotsky. Discute como ambos entendem as leira. Apoiando-se no conceito de campo de Pierre relações entre diferentes tipos de conhecimento, Bourdieu, o autor propõe perguntas e hipóteses bem como o caráter simultaneamente social e referentes ao funcionamento do GT nos últimos objetivo desse conhecimento. Pergunta então: há anos. Argumenta que o modelo adotado precisa que se optar entre o aistoricismo de Durkheim ser remetido à forma como a própria ANPEd se ou o historicismo equivocado de Vygotsky que afir- estruturou e ao modo como os Programas de Pós- ma conhecer o curso da história? Em sua respos- Graduação em Educação do país vêm responden- ta, defende a complementaridade dos dois enfo- do às políticas de organização e de avaliação do ques, ressaltando que o currículo deve enfocar sistema de pós-graduação. Analisa também os tra- tanto a realidade social do conhecimento, enfa- balhos apresentados no GT nos últimos anos, mais tizada por Durkheim, como o caráter histórico do uma vez sugerindo perguntas e levantando hipó- processo de transformar o conhecimento, desta- teses sobre a diversidade de temas e de influên- cado por Vygotsky. Um currículo do futuro, a seu cias teóricas observáveis nos estudos examinados. ver, precisa tratar o conhecimento como elemen- Questiona, em síntese, o processo de produção to distinto do processo histórico, no qual algumas do conhecimento no campo do currículo e suge- pessoas se esforçam por superar as circunstâncias re formas que, a seu ver, podem evitar fragmen- em que se encontram. Tais circunstâncias incluem tações e a desintegração do campo. fazer, refazer e cruzar fronteiras entre as discipli- Os leitores são convidados a refletir sobre nas e entre a escola e o mundo do trabalho. os diferentes argumentos, posicionamentos e de- Antonio Flavio Moreira focaliza o processo safios propostos nos textos. Da leitura com certe- de construção do conhecimento sobre currículo za emergirão concordâncias, dúvidas, discordân- no Brasil. Restringe-se à produção que se verifica cias, o que é ótimo para estimular novas reflexões, no espaço-tempo do Grupo de Trabalho de Cur- novos pontos de vista, novos desafios, novas polí- rículo GT da ANPEd, levando em conta que ticas, novas propostas. desse grupo participam tanto os pesquisadores seniores mais produtivos do campo, como os jo- vens pesquisadores interessados em questões curriculares. O que se produz no grupo, a seu Antonio Flavio Barbosa Moreira ver, portanto, é capaz de refletir a produção brasi- afmcju@infolink.com.br