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Segundo MOISÉS, José Álvaro apud PRADO, Geraldo. Sistema acusatório – a conformidade
constitucional das leis processuais penais, p. 36, a democracia política possui os seguintes caracteres:
– Direito de participação de todos os membros adultos da comunidade política no processo de formação de
governos em todos os níveis;
– Prevalência da vontade da maioria, verificada através de mecanismos de eleições periódicas e previsíveis;
– Garantia de acesso de quaisquer indivíduos, grupos, tendências ou organizações coletivas aos diferentes
mecanismos que envolvem decisões relevantes para a comunidade política.
2
justiça e solidariedade universal, era imperioso submetê-lo a uma mudança global que
permitisse que o sistema processual acompanhasse as mutações sofridas pela ordem
constitucional, o que vinha sendo reclamado pelo meio jurídico e a realidade social.
Desde sua edição em 1941, o Código de Processo Penal passou por várias reformas
pontuais e já foi alvo de proposta de substituição integral por um novo Código. As
propostas mais recentes, inspiradas no Código Modelo de Processo Penal Ibero-Americano,
consistiram em sete anteprojetos (todos acompanhados de uma exposição de motivos) que,
por sua vez, originaram os seguintes projetos de lei:
Passados oito anos, apenas os PL nº 4.204, 4.203, 4.205, 4.207 foram apreciados
pelo Congresso, transformando-se nas Leis n. 10.792/2003, n. 11.689, n. 11.690 e n.
11.719.
1. Emendatio Libelli
2
MARQUES, Frederico. Elementos de direito processual penal, p.151.
5
dependerá da qualificação jurídica dada a este fato. O pedido é delimitado pela acusação,
que postula a aplicação de penas previstas para o tipo penal descrito na denúncia.
3
Neste sentido, MARQUES, Frederico, Elementos de direito processual penal, p.152.
6
Sobre o tema, quando ainda em vigor a antiga redação do art. 383 do Código de
Processo Penal, o Supremo Tribunal Federal já decidira que: Não é lícito ao Juiz, no ato de
recebimento da denúncia, quando faz apenas juízo de admissibilidade da acusação,
conferir definição jurídica aos fatos narrados na peça acusatória. Poderá fazê-lo
adequadamente no momento da prolação da sentença, ocasião em que poderá haver a
emendatio libelli ou a mutatio libelli, se a instrução criminal assim o indicar. (HC
87.324/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, DJ de 18/5/2007). Também o Superior Tribunal de
Justiça se pronunciara no mesmo sentido, no HC 68.056/PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves
Lima, 5.ª Turma, DJ 1/10/2007.
Contudo, por vezes, tal posição gera implicações diretas no direito de liberdade do
acusado. Pensemos na hipótese de o acusador imputar ao réu o fato de ter beijado
4
Neste sentido, JARDIM, Afrânio Silva, Direito Processual Penal, p. 219.
5
Recurso Extraordinário nº 104.478-1/MS, 2ª Turma do STF; HC nº 64.966-1/SP – STF, in RT 620/384.
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Contudo, o julgador pode entender, desde logo, que o fato melhor se enquadra na
contravenção de importunação ofensiva ao pudor –infração de menor potencial ofensivo
(artigo 61 da Lei 9.099/95) –, à qual se aplica o procedimento sumaríssimo, não cabendo a
prisão em flagrante quando o autor do fato se comprometer a comparecer na audiência
preliminar, sendo possíveis, além da composição dos danos, a transação penal e a
suspensão condicional do processo, tratando-se de ação de natureza pública incondicionada.
Nesta hipótese, onde há um conflito aparente de normas, se não houver qualquer
modificação do fato narrado, a vedação de uma reclassificação jurídica antecipada, por
parte do julgador, implicaria verdadeira afronta aos direitos fundamentais do réu.
6
Exemplo formulado por Geraldo Prado, Sistema acusatório, p. 208.
7
Magalhães, Maria Cristina Faria.Da correlação entre a acusação e a sentença nas ações penais
condenatórias – A conformidade entre a lei processual penal e a constituição Federal. Ed. Lumen Juris,
págs.114 e 115.
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processo siga rito diverso daquele previsto para o crime que, ao final, seria qualificado
diversamente pela autoridade judiciária, o que implicaria violação ao princípio do devido
processo legal.
Parece mais lógico que o juiz possa desclassificar uma infração desde logo, e não ter
de esperar por uma longa e custosa instrução criminal, para só fazê-lo na fase da sentença,
correndo o risco de a nova classificação importar em rito diverso, o que poderia acarretar
nulidade do processo, caso o rito apurado, fruto da nova classificação, permitisse uma
maior atividade defensiva. O exercício dessa faculdade, desde o momento do recebimento
da denúncia, propicia a salvaguarda dos princípios da economia e celeridade processual,
além de se evitar uma prescrição da pretensão punitiva, que poderia ocorrer em decorrência
da nulidade do processo e da necessidade de repetição de todos os atos processuais.
Muito embora tenha sido refutada pelo Poder Legislativo a proposição do §2º do art.
383 do CPP na redação constante do PL nº 4.207/2001, que trazia expressamente a
possibilidade do juiz emendar a acusação no ato de recebimento da denúncia ou queixa, o
8
legislador infraconstitucional, ao incluir os parágrafos 1º e 2º ao referido dispositivo
processual, através da edição da Lei 11.719, de 20 de junho de 2008, se direcionou para o
posicionamento supra defendido.
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Art. 383:” O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúnica ou queixa, poderá atribuir-lhe
definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de lhe aplicar pena mais grave.
§1º Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão
condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.
§2º: Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos.”
9
A lei menciona que a proposta ao acusado deva ser feita antes do recebimento da
denúncia, mas, segundo a doutrina o recebimento deve preceder a proposta. A esse respeito,
escreveram Ada Pellegrini Grinover e outros: "Pela ordem legal, primeiro marcar-se-ia a
audiência de conciliação, ouvir-se-ia o acusado, celebrar-se-ia a suspensão, para depois o
juiz examinar a viabilidade da denúncia. Na verdade, o juízo de admissibilidade da
denúncia, exigido pela lei, deve anteceder à designação de audiência de conciliação" 9. No
mesmo sentido se posiciona Weber Martins Batista10.
Portanto, a denúncia deve ser aceita, ou seja, reconhecida sua regularidade formal, a
presença das condições da ação, dos pressupostos processuais e da justa causa para só
depois o acusado se manifestar se aceita ou não a proposta de suspensão do processo
oferecida, que estipula ao réu condições legais e judiciais a serem cumpridas para que ele se
livre das agruras de ver-se processado e julgado. Evita-se, desta forma, que o acusado
cumpra condições determinadas em razão do nascimento de um processo penal que estaria
fadado à extinção desde seu início.
9
Grinover, Ada Pelegrini. Gomes Filho, Antônio Magalhães. Fernandes, Antonio Scarance. Gomes, Luiz
Flávio. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p.222.
10
Batista, Weber Martins. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e a suspensão do processo. Rio de Janeiro:
Forense, 1998. P.381.
10
proposta de suspensão do processo desde logo, caso a nova definição jurídica do fato
apontada importar em pena mínima cominada para o referido crime igual ou inferior a um
ano.
12
Neste sentido, MARQUES, Frederico. Elementos de direito processual penal, p. 227.
12
Na hipótese de o juiz concluir que, pelos elementos de prova coligidos até aquele
momento, não há suporte probatório suficiente a fundamentar uma acusação de tráfico
ilícito de entorpecente, mas que a posse da substância destina-se a uso próprio, o caso é de
rejeição da denúncia, e não de emendatio libelli. Assim, na hipótese de o julgador, ao
receber a denúncia, fazer uma análise do investigatório que lastreou a incoativa e verificar
que os fatos nela descritos não correspondem aos elementos de prova constantes da
investigação pré-processual, deverá rejeitar a denúncia, ao invés de aplicar o artigo 383 do
Código de Processo Penal, sob o argumento de que inexiste suporte mínimo probatório
para a imputação formulada, nos termos da parte final do inciso III, do artigo 43, do
Código de Processo Penal.
Pelo Projeto de Lei nº 156, de 2009, que reforma o Código de Processo Penal, a
emendatio libelli passa a ser disciplinada pelo art. 407, caput e seus parágrafos 1º e 2º14,
sofrem poucas alterações. Praticamente o projeto manteve a redação do artigo 383 e seus
parágrafos, já alterados pela Lei 11.719, de 20 de junho de 2008.
13
Neste sentido, LIMA, Walberto Fernandes de. Jurisprudência comentada: emendatio libelli no juízo de
admissibilidade: é possível?
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Projeto de Lei nº 156, de 2009- Art. 407. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia,
poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.
§1º Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão
condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.
§2º Tratando-se de infração da competência de outro juízo, em razão da matéria, a este serão encaminhados os
autos.
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Espécie de ação prevista no artigo 5º, inc. LIX, de nossa Carta Política de 1988, a
ação penal privada subsidiária foi alçada à categoria de garantia constitucional, na medida
em que reza o aludido dispositivo constitucional que “será admitida ação privada nos
crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal”. Constitui-se em meio de
defesa social contra eventual desídia do Ministério Público no exercício de sua atividade
persecutória.
Embora, a ação penal privada subsidiária seja pública em sua essência, pois como,
qualquer outra ação desta natureza, seu móvel não é um interesse particular da vítima, mas
um interessa da sociedade, é ela iniciada por queixa, podendo a vítima ou seu representante
legal ter conferido capitulação jurídica inadequada ao fato descrito na peça deflagradora da
ação penal e o Ministério Público, no momento seguinte, não ter oferecido denúncia
substitutiva corrigindo a capitulação jurídica. Portanto, não percebeu o legislador que o art.
49 do Projeto de Lei nº 156, de 2009 não contempla esta situação, deixando-a sem solução,
face a impossibilidade de aplicação da emendatio libelli na queixa.
Esta previsão legal se ajusta ao disposto no art. 101 do mesmo projeto, que dispõe
que “Se, iniciado o processo perante um juiz, houver desclassificação para infração de
competência de outro, a este será remetido o processo.”
2. Mutatio Libelli
§3º Aplicam-se as disposições dos §§1º e 2º do art. 383 ao caput deste artigo.
§4º Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas,
no prazo de 5 (cinco) dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do
aditamento.
A nova redação recebida pelo art. 384 do Código de Processo Penal, por força da
reforma implementada no referido diploma legal, através da Lei nº 11.719, de 20 de junho
de 2008, dentre outras, não logrou espancar totalmente as imprecisões terminológicas que
acometiam a mencionada norma processual16. Eliminou a expressão ‘circunstância
elementar’, o que parecia, à primeira vista, sem sentido. Circunstância deriva de circum
stare, “estar em redor”. Em matéria de crime, “circunstância é todo fato ou dado que se
encontra em redor do delito. É um dado eventual, que pode existir ou não, sem que o crime
seja excluído”.17 Os dados e fatos que, ao lado dos elementos do crime, incidem sobre a
quantidade de pena, aumentando-a ou diminuindo-a, são as circunstâncias.
16
Antiga redação do art. 384 do CPP: “Se o juiz reconhecer a possibilidade de nova definição jurídica do fato,
em conseqüência de prova existente nos autos de circunstância elementar, não contida, explícita ou
implicitamente, na denúncia ou na queixa, baixará o processo a fim de que a defesa, no prazo de 8 (oito) dias,
fale e, se quiser, produza prova, podendo ser ouvidas até três testemunhas.
Parágrafo único. Se houver possibilidade de nova definição jurídica que importe aplicação de pena mais
grave, o juiz baixará o processo, a fim de que o Ministério Público possa aditar a denúncia ou queixa, se em
virtude desta houver sido instaurado processo em crime de ação pública, abrindo-se em seguida, o prazo de 3
(três) dias à defesa, que poderá oferecer prova, arrolando até três testemunhas.”
17
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal – parte geral, p. 479.
18
A circunstância, até então vista sob a ótica do tipo penal, “são os elementos que não
integram o tipo, porque acessórios e acidentais, influindo sobre a pena, para agravá-la ou
atenuá-la”.18
prova produzida indica que este fato processual não ocorreu, mas que o acusado teria
praticado outro fato penalmente relevante, que até o momento não lhe foi imputado. Para
que a sentença considere este novo elemento temporal, faz-se necessário o aditamento da
denúncia, para inclusão desse novo dado fático.
Cumpre registrar que o artigo 384 do Código de Processo Penal não permite a
substituição integral de todo o fato imputado, o que acarretaria verdadeira desistência da
ação penal, o que é expressamente vedado, por ter a mesma natureza pública (artigo 42 do
Código de Processo Penal).
instrução criminal, na verdade estaremos diante de uma nova ação. Inexistindo qualquer
liame que una o novo fato ao fato original, não se agregando o primeiro ao segundo, não é
caso do aditamento previsto no artigo 384 do Código de Processo Penal. O aditamento
referido acima só será cabível na hipótese de haver relação de conexão ou continência entre
os fatos e desde que o processo instaurado – tendo por objeto o fato original – não esteja em
fase avançada. Assim, este aditamento não se confunde com o regulado pelo artigo 384 do
Código de Processo Penal. Deve-se, pois, observar todo o procedimento, a iniciar-se pela
citação do réu.19
Autores do escol de Afrânio Silva Jardim atribuíam ao antigo artigo 384 do Código
de Processo Penal a previsão expressa da imputação alternativa no ordenamento jurídico
vigente. Tratar-se-ia de uma imputação alternativa superveniente, uma vez que a
alternatividade não é prevista desde o início do processo. Ao contrário. Primeiramente,
imputava-se ao réu a prática de uma conduta, mas depois, no curso do processo, em razão
da verificação de elementos mínimos indicadores da ocorrência de uma elementar ou
circunstância não descrita na denúncia ou queixa, a imputação original era acrescida,
alargando-se o thema decidendum, uma vez que o aditamento não importava em substituir a
imputação originalmente feita na denúncia, o que significaria violação ao princípio da
indisponibilidade da ação penal.20
19
Neste sentido, BATISTA, Weber Martins. Direito penal e Direito processual penal, p. 170. “Por último,
pode a prova colhida no processo dar notícia da existência de outro fato criminoso. Não se trata da simples
elementar não mencionada na inicial e que apenas modifica o fato que está sendo objeto do processo, mas de
prova de outro fato, de outro crime”. No mesmo sentido, JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal,
p. 185: “Esta segunda hipótese não deve ser confundida com a primeira. No aditamento do art. 384, parágrafo
único, o ‘fato principal’ permanece o mesmo, motivo pelo que não se acrescenta cumulativamente nova
imputação, tornando-se desnecessária outra citação. O réu estava sendo acusado de subtrair determinada coisa
móvel, passando a ser acusado, pelo aditamento, de ter efetuado esta subtração mediante violência. Já nesta
segunda hipótese de que estamos cuidando, se fará uma outra imputação a ser acrescida à imputação já
constante da denúncia, tendo em vista a prova que surgiu no processo. Neste caso, uma nova citação é de
rigor, vez que surgirá uma cumulação, objetiva ou subjetiva, de imputações em um mesmo processo.
A toda evidência, esta nova acusação também está vinculada ao princípio da obrigatoriedade, mas só deverá
vir em forma de aditamento se houver conexão de infrações ou continência (arts. 76 e 77), para que haja a
desejada unidade de processo e julgamento, nos termos do art. 79 do Cód. Proc. Penal. Em determinadas
circunstâncias, o aditamento poderá tumultuar o processo já em via de conclusão, motivo pelo qual a regra do
art. 80 pode autorizar que a nova acusação não se faça por aditamento, mas através de outra denúncia,
instaurando-se outro processo”.
20
Neste sentido: JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal, p. 186.
21
O Supremo Tribunal Federal, embora não vislumbrasse que o artigo 384 do Código
de Processo Penal fosse caso de imputação alternativa, afirmou, ainda sob a égide da antiga
redação do dispositivo: “[...] ou que o aditamento ali previsto não importa em desfazimento
da imputação originária, constante na denúncia ou queixa [...]”, conforme se verifica pela
ementa do acórdão transcrito:
Habeas corpus. Denunciado o réu com incurso no art. 171, do Cód. Penal,
converteu o Juiz o julgamento em diligência, em face do art. 384, parágrafo
único, do CPP, para que o Ministério Público pudesse aditar a denúncia,
acusando o denunciado de infração ao art. 297 do Código Penal. Na
sentença, o réu foi condenado por infringir o art. 171, do Código Penal.
Exegese do art. 384, parágrafo único, do CPP. Nessa hipótese, não fica o juiz
impedido de manter a primitiva definição da denúncia. O que a lei não quer é
que o réu venha a ser condenado por fato do qual não haja tido oportunidade
para se defender. No caso, não há falar em cerceamento de defesa ou
prejuízo para a defesa do paciente. O Juiz, na decisão, desprezou a
classificação de crime de falsificação de documento público, feita no
aditamento para condenar o réu, por estelionato, segundo capitulação
original da denúncia [...] (Rel. Ministro Néri da Silveira).21
21
Revista Trimestral de Jurisprudência do STF, p. 1047.
22
bem como a formação da coisa julgada em relação à imputação na forma original e com os
acréscimos. Caso contrário a imputação originária desapareceria, como substituída
integralmente pela decorrente do aditamento, não podendo o julgador condenar ou absolver
o réu em relação à primeira.
Acertada alteração feita pela Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008 foi a exclusão
da previsão de possibilidade de existência de circunstância ou elementar prevista
implicitamente na denúncia ou na queixa. Antes, previa o art. 384 do Código de Processo
Penal, em seu caput, a possibilidade de o juiz reconhecer uma nova definição jurídica do
fato, em razão de prova existente nos autos de ‘circunstância elementar’, não contida,
explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa, independentemente de qualquer
aditamento por parte da acusação, bastando apenas que seja aberta vista à defesa para se
manifestar e, se quiser, produzir provas e arrolar testemunhas.
22
Neste sentido: PENTEADO, Jacques de Camargo, Acusação, defesa e julgamento, p. 346: “Ora, para o bom
funcionamento do sistema, a acusação deverá ser explícita, clara, baseada em provas. Não se pode exigir que
a defesa procure dados que somente figurem na inicial de forma implícita, para, desvendando aquilo que o
acusador deveria explicitar, reagir plenamente à imputação. É de se lembrar toda a recomendação dos
documentos internacionais sobre a imprescindibilidade da acusação ser explícita”. Da mesma forma,
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy, op. cit., p. 172.
23
Neste sentido, PRADO, Geraldo. Sistemas processuais, p. 166. “Caso admita-se a alteração substancial dos
fatos, por iniciativa do tribunal, ainda quando seja dada oportunidade ao contraditório, sem dúvida, do ponto
de vista psicológico, estar-se-á diminuindo sensivelmente a possibilidade de o acusado defender-se
verdadeiramente. A alteração da acusação é o mesmo que alteração do pedido e da causa de pedir da ação
penal, e sua implementação representa modificação de elementos capitais da ação, direito do autor. Ao fazê-
lo, isto é, ao se permitir que o juiz altere o teor da acusação, na verdade o que ocorre é que se admite que o
juiz revolva a substância do direito da parte, que não lhe pertence. Um contraditório porventura instaurado
nestes termos é irreal, pois não há reação possível se o ato de conformação da acusação não parte do
adversário mas do julgador, ou, de outra maneira, se o julgador se transforma em adversário”.
24
A nova redação do art. 384 do Código de Processo Penal, neste particular, veio a
atender aos reclamos da jurisprudência e doutrina balizada que sufragava esta posição.
Defendia a doutrina que a atuação ex-officio por parte do julgador, preconizada pela
antiga redação do caput do artigo 384 do Código de Processo Penal, permitia que o fato
que fundamentou a imputação fosse diverso daquele que fundamentou a sentença, em razão
da imputação ser alterada por quem não tinha atribuição para fazê-lo, originalmente. Desta
forma, a alteração legislativa era necessária, cabendo ao Parquet adequar o fato imputado
ao fato real.
A atuação do Ministério Público no processo penal é pautada pelo princípio da
obrigatoriedade da ação penal. Isto implica que, nos crimes de ação penal pública, o órgão
do Ministério Público deve promovê-la tão logo tenha indícios suficientes da autoria do
crime e prova da ocorrência da infração penal. O Parquet deve promover a ação penal,
imputando ao acusado o fato que este, em tese, teria cometido. Verificado que o fato
imputado é diverso, deve ajustá-lo ao fato real.
24
TJRS, 5ª Câmara Criminal, Ap. 698464500, Rel. Des. Hamilton Bueno de Carvalho. Unânime. Apelante:
Luiz Celso dos Santos, Apelado: Ministério Público.
25
Ver FERRAJOLI, Derecho y Razon, p. 563.
25
Porém, pode o Ministério Público não proceder ao aditamento, por considerar não
estar provada esta nova circunstância ou elementar que o julgador entendeu apurada na
instrução criminal. Caso tal fato venha a ocorrer, determinou o legislador, expressamente, a
aplicação do art. 28 do Código de Processo Penal, ante a atual redação do §1º do art. 384,
adotando solução que já era apontada por balizada doutrina 26 e na nossa obra A Correlação
entre Acusação e sentença nas Ações Penais Condenatórias – A conformidade entre a Lei
Processual Penal e a Constituição Federal27. Defendia-se a aplicação analógica do art. 28
do CPP, repetindo a possibilidade do juiz exercer a função anômala a ele atribuída de
fiscalizar a observância do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública pelo
Parquet.
denúncia ou queixa, implicar desclassificação para crime menos grave, não poderá o juiz
condenar o réu pelo fato apurado, uma vez que o fato da condenação não estará
inteiramente narrado na peça acusatória. Se assim o fizesse, estaria violando o princípio
acusatório e o da correlação entre imputação e sentença.
Contudo, condenar o acusado pelo fato originalmente imputado, mais grave do que
aquele realmente praticado – segundo o entendimento do juiz –, apenas porque o Ministério
Público se recusou a aditar à denúncia, viola o princípio da verdade real, que, neste caso,
teria aplicação em favor da defesa. Assim, neste caso, ainda que todos os elementos do fato
imputado restarem provados, a solução será a absolvição. Decerto que o Ministério Público
poderá recorrer desta decisão, cabendo ao tribunal a decisão se o fato processual realmente
praticado é diverso e menos grave, não estando provada a imputação original, ou que não
há provas dos elementos especializantes que impliquem a diminuição de pena aludida.
Cumpre registrar que o Projeto de Lei nº 156/2009, através de seu art. 38 29, retirou
do juiz a função anômala de controle da obrigatoriedade da ação penal pública, depositando
nas mãos do próprio Parquet, através de sua instância revisora, o controle do arquivamento,
quando a vítima ou seu representante legal discordar da determinação de arquivamento
emanada do promotor de justiça.
Por esta razão, o aludido projeto, ao regular a mutatio libelli em seu artigo 408 não
previu a remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça no caso do promotor de justiça
não aditar a denúncia. Estas alterações permitem a subsunção do controle judicial do
arquivamento e, por conseguinte, do aditamento, a um modelo processual de perfil
acusatório, se ajustando aos balizamentos teóricos adotados pela Constituição da República
de 1988.
29
Projeto de Lei nº 156/2009:
Art. 38: “ Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma
natureza, o Ministério Público comunicará a vítima, o investigado, a autoridade policial e a instância de
revisão do próprio órgão ministerial, na forma da lei.
§1º Se a vítima, ou seu representante legal, não concordar com o arquivamento do inquérito policial,
poderá no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento da comunicação, submeter a matéria à revisão da instância
competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica.
§2º Nas ações penais relativas a crimes praticados em detrimento da União, Estados, Distrito Federal
e Municípios, a revisão do arquivamento do inquérito policial poderá ser provocada pela chefia do órgão a
quem couber a sua representação judicial.”
27
Já havíamos nos manifestado, em nossa obra32, que esta vedação de aditamento pelo
querelante na ação penal privada, na hipótese da mutatio libelli importar em agravamento
da situação do acusado, não tinha razão de ser, pois não poderia ser considerada a situação
fática omissa da queixa como sendo objeto de renúncia tácita, praticada em razão do poder
dispositivo do querelante. Não se podia olvidar que a mesma situação relativa à ação penal
pública podia ocorrer na ação penal privada, como, por exemplo, se, no momento da
propositura da demanda, o substrato fático apurado possuía determinado contorno e, no
decorrer da instrução criminal, tornou-se mais complexo.
Tais comentários ainda são pertinentes, ante a posição adotada pelo legislador ao
permitir o aditamento apenas ao Ministério Público, quer implique o acréscimo em
aumento ou diminuição da pena. Afastou o legislador a possibilidade do querelante
promover o aditamento da queixa na ação penal privada e na ação penal subsidiária da
pública.
32
A correlação entre Acusação e Sentença. Idem, pág. 141 .
33
Neste sentido, GARCIA, Basileu, op. cit., p. 508, e TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo
penal, p. 206. Em sentido oposto, TORNAGHI. Curso de processo penal, pp. 170-71, ao afirmar que “se o
crime for de ação penal privada, a lei subentende que o querelante, ao omitir na queixa a circunstância
elementar, usou de seu poder dispositivo. Por isso, o parágrafo único do art. 384 não aplica-se nesse caso”.
29
defesa apesar de preservarem o direito de defesa, não eram suficientes para garantir a
defesa em toda a sua amplitude, necessitando ser conjugada a parte do dispositivo que
permite à defesa ‘falar’ com o artigo 196 do mesmo diploma legal, permitindo novo
reinterrogatório do acusado, dando-lhe a oportunidade de exercer a autodefesa em relação
aos novos elementos introduzidos na imputação pela mutatio libelli.34
34
Magalhães, Maria Cristina Faria. Da correlação entre a Acusação e a Sentença, p. 157-8.
35
Neste sentido: GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal, p.84, in verbis:
“Tratando-se, pois, de um aspecto dos próprios direitos de ação e de defesa, seus titulares hão de ser os
mesmos aos quais o ordenamento reconhece tais direitos: assim, embora os textos internacionais antes
mencionados se refiram a um direito à prova do acusado, não vemos por que negá-lo aos titulares da ação
penal pública ou privativa do ofendido, pois se a Constituição (art. 129, I) ou a lei (art. 30, CPP) lhes confere
a iniciativa da persecução, obviamente também está lhes atribuindo os poderes de participação em todas as
atividades processuais, sobretudo aquelas destinadas à demonstração dos fatos em que se funda a acusação;
outra coisa não se deduz dos princípios constitucionais da igualdade e do contraditório”.
31
Com a nova redação, o prazo para a defesa arrolar testemunhas foi reduzido para 5
(cinco) dias. Prazo idêntico foi também conferido ao Ministério Público para arrolar
testemunhas, permitindo um contraditório efetivo.
Registra-se que este prazo é tão somente para arrolar testemunhas e não para
produzir a prova como anteriormente regulado. A produção da prova oral requerida pelas
partes, depois do recebimento do aditamento, ocorrerá na data designada pelo juiz para
continuação da audiência que foi suspensa. Nesta audiência serão ouvidas as testemunhas
arroladas, o acusado será novamente interrogado, serão realizados os debates orais e, por
fim, haverá o julgamento.
32
Pode ocorrer, nos termos do atual art. 402 do CPP, que ao final da audiência, o
Ministério Público, o querelante e o assistente e, a seguir, o acusado requeiram diligências
cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução. Neste caso, ao
examinar os autos detidamente, principalmente as provas produzidas na audiência, pode o
promotor de justiça verificar a presença de um mínimo de prova de circunstâncias ou
elementares da infração penal não descrita na peça acusatória, extrapolando o prazo de 5
(cinco) dias. Face o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, o prazo não preclui.
O § 4º confere prazo de cinco dias para cada parte arrolar testemunhas, limitadas a
três para cada. Resta saber se o prazo, que já consta no caput do art. 384 para o Ministério
Público aditar a denúncia, e no § 2º para a defesa apresentar suas razões preliminares, é o
mesmo prazo para cada parte arrolar testemunhas. Adotando uma interpretação sistemática
com os dispositivos que regulam o procedimento ordinário, e que determinam que as
testemunhas sejam arroladas quando do oferecimento da inicial ou da defesa prévia,
concluímos ser o mesmo prazo, não abrindo-se novo lustro.
33
A Lei no. 11.719, de 20 de junho de 2008 não alterou o artigo 385 do Código de
Processo Penal, sobre o qual já discorremos em nossa obra A correlação entre Acusação e
Sentença nas Ações Penais Condenatórias nos seguintes termos: ““O art. 385 do Código
de Processo Penal dispõe que: “nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir
sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição,
bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada”. Este dispositivo
legal permite que o juiz, ao sentenciar, considere circunstâncias agravantes genéricas
(artigos 61 e 62 do Código Penal) não descritas na denúncia ou queixa, isto é, não
34
imputadas ao réu, criando uma distinção entre circunstância que agrava a pena prevista na
parte geral do Código e a prevista em sua parte especial. Dessa forma, faz tábula rasa do
princípio da correlação entre imputação e sentença.
36
Neste sentido: RANGEL, Paulo. O garantismo penal e o aditamento à denúncia. Em sentido contrário,
FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional, p.177, in verbis: “Quanto ao
reconhecimento de agravantes pelo juiz, conforme autoriza o art. 385 do CPP, não nos parece que haja a
inconstitucionalidade alegada pelo autor, por ofensa à mesma disposição do art. 129, I. Não há nesta hipótese
mudança na acusação. O fato é o mesmo. As circunstâncias que o tipificam são as mesmas. A agravante influi
na fixação da pena e, mesmo sendo admitida, poderá a punição ser mínima ante a existência também de
circunstâncias atenuantes. O que se pode aventar é ofensa ao amplo direito de defesa, afirmando
constitucionalmente, quando a pena seja estipulada acima do mínimo, pois o réu, ante a admissão pelo juiz de
agravante não pretendida pela acusação, não teve oportunidade de se manifestar a respeito e, assim, poder
influir no pronunciamento judicial”. Entretanto, não levou em conta este autor que o fato considerado para
fins de verificar a observância do princípio da correlação entre a acusação e a sentença é o fato processual, e
não o fato penal.
35
acusatória, mas apenas que a conduta do réu incidiu numa circunstância que implica
redução de pena.
A pretensão processual penal é composta pelo pedido e pela causa de pedir. Nas
ações condenatórias, apesar de o pedido ser sempre de condenação do réu, há um certo grau
de especificidade, uma vez que se pugna pela condenação a uma determinada pena, a ser
fixada entre o mínimo e o máximo cominado ao tipo penal imputado. O ingresso no
processo de circunstância que implique causa de diminuição de pena caracteriza, para a
defesa, fato modificativo da pretensão do demandante, no que se refere ao quantitativo de
pena postulada.
37
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy, op. cit., p.186.
38
Neste sentido, NUOVOLONE, Pietro. Contributo alla teoria della sentenza istruttoria penale, p. 127:
“Questa definizione poggia sopra un principio generale che governa il processo:il giudice può ritenere in
sentenza cause di non punibilitá (inteso questo concetto in senso lato) totale e parziale indipendentemente
dall’essere queste cause radicate in fatto nella imputazione, perché l,imputazione há solamente il compito di
mettere in rilievo quelle circostanze di fatto che possone essere motivo di un’affermazione, non di una
negazione di responsabilitá: non può, invece ritenere cuase di aggravamento della responsabilitá, che non
siano radicate in fatto nella imputazione; e non può, in ogni caso, mutare totalmente (es. da rapina a lesione)
in sentenza la fattispecie concreta oggetto della imputazione definitiva, anche se la nuova fattispecie importa
conseguenze meno gravi, o se, comunque, la sentenza assolve com formula piena; perché in questo caso, pur
non violando talvolta il diritto di difesa, emanerebbe una sentenza senza processo: il che è assuro”.
36
Após a sentença de pronúncia, a acusação devia oferecer o libelo, que também não
podia ultrapassar os limites desta decisão.39 A sentença prolatada na fase de julgamento em
plenário acolheria ou rejeitaria o libelo.
Contudo, dentre as alterações trazidas pela Lei 11.689, de 9 de junho de 2008 temos
a supressão do libelo. Preclusa a decisão de pronúncia, os autos serão encaminhados ao juiz
presidente do Tribunal do Júri ( art. 421), caso não seja o mesmo juiz que presida a
primeira fase do procedimento, conforme disposto na Lei de Organização Judiciária Local.
Logo após, as partes serão intimadas para apresentarem rol de testemunhas que irão depor
em plenário, oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligências(art.
422). Em seguida, o juiz deliberará sobre requerimento de provas a serem exibidas ou
produzidas em plenário, ordenará diligências necessárias para sanar irregularidades e fará
relatório sucinto do processo, determinando sua inclusão em pauta (art. 423).
39
MARQUES, Frederico, A instituição do júri,, p. 230; TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo
penal, p. 50. Segundo este: “A pronúncia bitola o libelo. Aquela giza os contornos deste”.
37
Dispõe o parágrafo 3º do art. 411 do Código de Processo Penal com a redação que
lhe foi conferida pela Lei 11.689/2008 que “ Encerrada a instrução probatória, observar-
se-á, se for o caso, o disposto no art. 384 deste Código.”
O art. 384 do CPP trata da mutatio libelli, já comentada neste trabalho. Não
trazendo quanto à sua aplicação qualquer inovação.
Reza o art. 418 que “O juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa da
constante da acusação, embora o acusado fique sujeito a pena mais grave.”
Caso esta nova capitulação jurídica se refira a crime que não seja da competência do
Tribunal do Júri e não for o juiz presidente competente para o julgamento, remeterá os
autos ao Juiz que o seja. Esta regra, agora prevista no art. 419 do CPP, antes da edição da
Lei 11.689/2008 se encontrava 4º do artigo 408, que em sua segunda parte fazia ressalva à
aplicação do artigo 410 e seu parágrafo único. Este artigo, em seu caput, previa a
possibilidade de essa nova capitulação referir-se a crime que não fosse da competência do
Tribunal do Júri e sua remessa para o juízo competente, nada trazendo de novo a nova lei
neste ponto.
No Projeto de Lei 156/2009, o art. 320 que regula a emendatio libelli no Tribunal do
Júri trouxe uma inovação ao dispor: “O juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa
da constante da acusação, embora o acusado fique sujeito a pena mais grave, sendo –lhe
vedada a alteração substancial da acusação” (grifo nosso) Verificamos um afastamento
da disciplina da emendatio libelli que, até então, consiste tão somente na alteração da
qualificação jurídica do fato processual descrito na denúncia, que mantém-se inalterado,
passando a confundir-se com a mutatio libelli.
Em verdade, esta exceção regula a situação na qual ocorre uma alteração do próprio
fato. É o caso, por exemplo, de o réu ser pronunciado por homicídio tentado e, após a
decisão de pronúncia, tem-se notícia de que o mesmo veio a falecer em conseqüência das
lesões provocadas pelo acusado.
A alteração trazida pela nova lei merece aplausos, pois passou a prever remessa dos
autos ao Parquet para que tenha ciência da superveniência da circunstância que altera a
classificação do delito e possa proceder ao aditamento.
Na hipótese em comento, antes, juntada aos autos a prova do óbito após a decisão de
pronúncia, podia o juiz alterá-la, emendando-a ou produzindo outra, abrindo-se em seguida
vista à acusação para oferecimento de libelo, em conformidade com a nova decisão de
pronúncia.42 A simples alteração da decisão de pronúncia não era suficiente para se manter
intocável o princípio da correlação entre imputação e sentença. Não bastava que o juiz
modificasse a pronúncia, se esta não se encontrava em conformidade com a denúncia. Além
disso, não pode o juiz considerar a circunstância superveniente de ofício, na pronúncia, sem
41
Art. 421. Preclusa a decisão de pronúncia, os autos serão encaminhados ao juiz presidente do Tribunal do
Júri.
§1º Ainda que preclusa a decisão de pronúncia, havendo circunstância superveniente que altere a
classificação do crime, o juiz ordenará a remessa dos autos ao Ministério Público.
§2º Em seguida, os autos serão conclusos ao juiz para decisão.
42
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Código de Processo Penal Comentado, p. 36.
40
que o titular da ação penal a altere, sob pena de violar, além do princípio da correlação
entre imputação e sentença, o princípio acusatório.
A nova disciplina do §1º do art. 421, prevendo a remessa dos autos ao Ministério
Público, que cumprirá promover o aditamento, se adequa ao princípio da correlação entre
imputação e sentença e ao princípio acusatório. Promovido o aditamento, impõe-se abertura
de vista dos autos para a defesa se manifestar, respeitando-se o princípio do contraditório,
para depois advir a nova decisão.
Não sendo mais cabível a alteração da pronúncia e tendo o crime sido fixado por
esta com as circunstâncias pelas quais o réu será julgado pelo tribunal do júri, este não
43
Neste sentido, BADARÓ, Gustavo Henrique Ivahy, op. cit., p. 204.
41
poderá considerar outros elementos não constantes na pronúncia, sob pena de violação do
princípio da correlação entre imputação e sentença.
Permite o atual art. 492 do CPP que o juiz presidente considere circunstâncias
agravantes ou atenuantes alegadas pelas partes nos debates ao proferir sentença
condenatória, fazendo tábula rasa do princípio da correlação entre acusação e sentença.
Sobre o tema remetemos o leitor ao ítem 2.10 deste trabalho.
44
Ibidem, p. 206.
42
Ainda que exista prova suficiente da culpabilidade de outros indivíduos aos quais
não foram imputados os fatos descritos na denúncia, não pode a decisão de pronúncia os
alcançar. Esta situação só será revertida se houver aditamento por parte do Ministério
Público, para inclusão dos novos réus no pólo passivo da relação processual.
Em virtude do princípio da obrigatoriedade no exercício da ação penal, o Ministério
Público, ao verificar, no curso da ação penal, a presença de indícios da culpabilidade de
outro indivíduo não denunciado, quer na condição de autor, quer na condição de partícipe,
deve aditar a denúncia para inseri-los.
Regramento semelhante já se encontrava previsto na Lei processual antes das
alterações introduzidas pela Lei 11.689/2008. Entretanto o parágrafo 5º do artigo 408 do
Código de Processo Penal45 que regulava a hipótese previa expressamente o retorno dos
autos ao Ministério Público para aditamento da peça inicial.
46
Art. 77, I, do Código de Processo Penal: “A competência será determinada pela continência quando: I –
duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração”.
47
Art. 79 do Código de Processo Penal: “A conexão e a continência importarão unidade de processo e
julgamento, salvo: I – no concurso entre a jurisdição comum e a militar; II – no concurso entre a jurisdição
comum e a do juízo de menores”.
48
Segundo JARDIM, Afrânio Silva, Arquivamento e desarquivamento do inquérito policial – direito
processual penal, p. 233: “Em face da Súmula nº 524 do Supremo Tribunal Federal, tendo em vista que o
aditamento à denúncia pode importar em um desarquivamento do que estava implicitamente arquivado,
exigem-se novas provas para validamente fazer-se tal aditamento, muito embora na prática do foro a questão
43
Conclusão
Referências Bibliográficas
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47
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