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A regra da correlação entre acusação e sentença no ordenamento jurídico


brasileiro – com as alterações introduzidas pelas Leis de nº 11.719, de 20
de junho de 2008 e nº 11.689, de 9 de junho de 2008

O nosso vetusto Código de Processo Penal, ao ser editado, estava em estreita


correspondência com a ordem constitucional que imperava na época de sua entrada em
vigor. Correspondia à ideologia autoritária que impregnava a Era Vargas. Porém, esse
período já faz parte de nossa história. Novos ventos sopraram, trazendo o regime
democrático, com a adoção formal, por nossa Constituição, do Estado Democrático de
Direito.

O novo regime democrático sufragado pela Constituição Federal de 1988 propiciou


a inclusão, neste diploma, de um elenco de direitos fundamentais do indivíduo. Em
decorrência desse novo regime, o cidadão passou à condição de titular de garantias
fundamentais, que o protegem da uma excessiva ingerência estatal em sua vida.

Contudo, as normas processuais penais não vinham sofrendo a devida adaptação ao


modelo constitucional vigente e continuavam a ser aplicadas em conformidade com as
correntes ideológicas que influenciaram o Código de Processo Penal, fugindo de uma
indispensável releitura os dispositivos legais que tratam da correlação entre imputação e
sentença, a fim de adequá-los aos princípios da ampla defesa, contraditório e acusatório, os
quais se encontram encampados pela atual Carta Política.

Para que o Código de Processo Penal vigente correspondesse à ideologia


democrática adotada constitucionalmente,1 voltada à realização de princípios de liberdade,

1
Segundo MOISÉS, José Álvaro apud PRADO, Geraldo. Sistema acusatório – a conformidade
constitucional das leis processuais penais, p. 36, a democracia política possui os seguintes caracteres:
– Direito de participação de todos os membros adultos da comunidade política no processo de formação de
governos em todos os níveis;
– Prevalência da vontade da maioria, verificada através de mecanismos de eleições periódicas e previsíveis;
– Garantia de acesso de quaisquer indivíduos, grupos, tendências ou organizações coletivas aos diferentes
mecanismos que envolvem decisões relevantes para a comunidade política.
2

justiça e solidariedade universal, era imperioso submetê-lo a uma mudança global que
permitisse que o sistema processual acompanhasse as mutações sofridas pela ordem
constitucional, o que vinha sendo reclamado pelo meio jurídico e a realidade social.

Desde sua edição em 1941, o Código de Processo Penal passou por várias reformas
pontuais e já foi alvo de proposta de substituição integral por um novo Código. As
propostas mais recentes, inspiradas no Código Modelo de Processo Penal Ibero-Americano,
consistiram em sete anteprojetos (todos acompanhados de uma exposição de motivos) que,
por sua vez, originaram os seguintes projetos de lei:

1º.) Projeto de lei nº. 4.209/01: investigação criminal;


2º.) Projeto de lei nº. 4.207/01: suspensão do processo/procedimentos;
3º.) Projeto de lei nº. 4.205/01: provas;
4º.) Projeto de lei nº. 4.204/01: interrogatório/defesa legítima;
5º.) Projeto de lei nº. 4.208/01: prisão/medidas cautelares e liberdade;
6º.) Projeto de lei nº. 4.203/01: júri
7º.) Projeto de lei nº. 4.206/01: recursos e ações de impugnação.

Os elencados projetos são fruto do trabalho da Comissão de juristas formada por


Ada Pellegrini Grinover(Presidente), Petrônio Calmon Filho (Secretário), Antônio
Magalhães GomesFilho, Antônio Scarance Fernandes, Luiz Flávio Gomes, Miguel Reale
Júnior, Nilzardo Carneiro Leão, René Ariel Dotti (que mais tarde saiu, sendo substituído
por Rui Stoco), Rogério Lauria Tucci e Sidnei Beneti e tiveram como finalidades precípuas
a modernização do velho código e a sua adaptação ao modelo acusatório, com os seus
consectários lógicos, tais como a distinção nítida entre o julgador, o acusador e o acusado, a
publicidade, a oralidade e o contraditório.

Passados oito anos, apenas os PL nº 4.204, 4.203, 4.205, 4.207 foram apreciados
pelo Congresso, transformando-se nas Leis n. 10.792/2003, n. 11.689, n. 11.690 e n.
11.719.

– Garantia de que a minoria não será perseguida e poderá transformar-se em maioria;


– Reconhecimento de que conflitos de interesse ou identidade em torno de questões econômicas, sociais,
políticas e religiosas são legítimos e autorizam o direito de associação e/ou organização para a sua defesa;
– Princípio de separação entre poderes, garantindo que a ação dos governantes, em suas distintas esferas e
níveis de competência, submeta-se a mecanismos públicos de controle.
3

Não obstante as reformas pontuais, considerável parcela de juristas nacionais via a


necessidade de um Código de Processo Penal inteiramente novo, adotando por linhas
básicas o respeito à dignidade do acusado, o modelo acusatório, em sintonia com o regime
constitucional vigente, evitando-se, desta forma, incoerência sistêmica e geração de
inúmeras lacunas e dicotomias internas.
Em março de 2008, foi aprovado pelo Plenário do Senado requerimento feito pelo
Senador Renato Casagrande propondo uma comissão de juristas para elaboração de um
anteprojeto de Código de Processo Penal. A comissão, formada por 7 integrantes (Fabiano
Silveira, Antonio Magalhães Gomes, Filho, Eugênio Pacelli de Oliveira, Félix Valois
Coelho Júnior, Hamilton Carvalhido, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Sandro Torres
Avelar, Antônio Corrêa e Tito Souza do Amaral) teve 180 dias para entregar o anteprojeto,
transformado em Projeto de Lei (PLS 156/09), tramitando atualmente no Senado.

No sistema acusatório, a tripartição das principais atividades processuais – acusar,


defender e julgar – deve ser preservada, a fim de se resguardarem os direitos humanos e se
obter a justa composição dos conflitos de interesses. O princípio acusatório, se efetiva no
curso do processo através da regra da correlação entre a acusação e a sentença. Os institutos
da emendatio libelli e da mutatio libelli estão intimamente ligados ao princípio da
correlação entre a acusação e a sentença, segundo o qual deve haver estrita correspondência
entre o fato descrito na petição acusatória e o fato pelo qual o acusado é condenado. Estes
institutos decorrem diretamente do sistema acusatório de processo e do princípio da inércia
da jurisdição e, como tal, precisavam ser objeto de uma releitura os dispositivos legais que
os regulam: necessário fazê-la para adequá-los aos princípios da ampla defesa, contraditório
e acusatório.
4

Neste panorama, as Leis de nº 11.719, de 20 de junho de 2008 e nº 11.689, de 9 de


junho de 2008, que alteraram dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1942
– Código de Processo Penal, a primeira relativos à suspensão do processo, emendatio
libelli, mutatio libelli e aos procedimentos e a segunda relativos ao Tribunal do Júri,
buscaram traduzir a releitura legislativa tanto almejada, ainda que não tenha sido completa.

A análise crítica destes institutos e da nova disciplina a elas conferidas pelo


diplomas legais supra mencionados e pelo PL nº 156 de 2009, que procurou adequá-los
integralmente aos princípios constitucionais é o alvo da abordagem deste trabalho.

1. Emendatio Libelli

A demanda é individualizada por três elementos: partes, pedido e causa de pedir.


Embora se afirme que o pedido na ação penal condenatória é genérico, há um grau mínimo
de especificidade, à medida que, por exemplo, numa denúncia por homicídio simples, o
pedido é de condenação do acusado à pena de reclusão de 06 a 20 anos. Não sendo
suficiente este elemento para individualizá-la, face à elasticidade do pedido e à existência
de outros tipos penais cuja sanção prevista encontra-se dentro deste patamar, desloca-se
para a causa petendi o ponto central da individualização da demanda. A causa petendi
consiste no fato que fundamenta o pedido, que, na esfera penal, representa o fato criminoso
imputado ao acusado.

Segundo o magistério de Frederico Marques, “a acusação está para o processo penal


condenatório assim como o pedido para o processo civil de conhecimento”. 2 No processo
civil, o pedido deve ser certo e determinado. Por outro lado, no processo penal, o pedido
contém um alto grau de generalidade, e a exigência de especificidade se dirige para a causa
de pedir, isto é, o fato processual. O fato delituoso que integra a imputação é que fixa o
objeto sobre o qual vai incidir a prestação jurisdicional, e a sanção a ser fixada na sentença

2
MARQUES, Frederico. Elementos de direito processual penal, p.151.
5

dependerá da qualificação jurídica dada a este fato. O pedido é delimitado pela acusação,
que postula a aplicação de penas previstas para o tipo penal descrito na denúncia.

O exercício da função de acusar compreende a delimitação do objeto do processo,


sobre o qual serão deduzidas as provas e deverá estar circunscrita a sentença. O objeto
litigioso do processo é constituído pelo pedido e pela causa de pedir, sendo esta última
determinada pelo elemento fático invocado, que só tem relevância no processo penal à
medida que se encaixa num dos tipos penais previstos no ordenamento jurídico-penal.

No entanto, o juiz não fica vinculado a esta qualificação jurídica expressa na


exordial, mas apenas ao fato, devendo julgá-lo da forma como está descrito, 3 conforme
preceitua o caput do artigo 383 do Código de Processo Penal. No processo penal, o juiz
julga o fato e aplica as conseqüências jurídicas previstas no ordenamento jurídico e que
decorram da prática do mesmo, segundo seu entendimento. Este é o comando do
supracitado artigo, ao dispor que “o juiz, sem modificar a descrição do fato contida na
denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em
conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave”.

Consistindo a imputação na atribuição da prática de fato criminoso a alguém, tem


por conteúdo uma base fática – relativa ao fato processual – e uma base jurídica – relativa à
qualificação jurídica do fato criminoso imputado, fruto de uma operação de subsunção do
acontecimento da vida à norma legal. A imputação, portanto, engloba matérias fática e
jurídica.

A base jurídica da imputação tem relevância em razão da necessidade de verificação


da tipicidade, em tese, da conduta imputada ao acusado, da competência do juízo, da
determinação do rito processual, cabimento de fiança, da prescrição. A base fática
configurada na causa de pedir é o núcleo da imputação.

O artigo 383 do Código de Processo Penal prevê expressamente a possibilidade de


mudança da qualificação jurídica do fato processual, pelo juiz, na sentença. Neste caso, o
fato processual permanece igual. A causa petendi que fundamenta a sentença é a mesma

3
Neste sentido, MARQUES, Frederico, Elementos de direito processual penal, p.152.
6

que fundamentou o pedido de condenação, com alteração apenas no resultado da operação


de subsunção deste fato aos tipos penais previstos. O objeto litigioso do processo não
sofreu mudança, apenas a base jurídica da imputação, visto que esta abrange a classificação
do crime, conforme dispõe o comando do artigo 41 do Código Processo Penal, posição esta
defendida, com acerto, pelo ilustre processualista Afrânio Silva Jardim.4

A faculdade consagrada ao magistrado pelo artigo 383 do Código de Processo


Penal tem fundamento no princípio narra mihi factum dabo tibi jus, cuja aplicação não
afronta o princípio da correlação entre imputação e sentença, em razão de a classificação
jurídico-penal do fato não estar incluída no objeto litigioso do processo.

1.1. Do momento da aplicação do artigo 383 do Código de Processo Penal

É corrente na doutrina e jurisprudência 5 o entendimento, embora não pacífico, de


que a correção da qualificação jurídica indicada na inicial só pode ser feita pelo juiz, na
sentença, em virtude de o artigo 383 do Código de Processo Penal estar posicionado no
título relativo à sentença.

Sobre o tema, quando ainda em vigor a antiga redação do art. 383 do Código de
Processo Penal, o Supremo Tribunal Federal já decidira que: Não é lícito ao Juiz, no ato de
recebimento da denúncia, quando faz apenas juízo de admissibilidade da acusação,
conferir definição jurídica aos fatos narrados na peça acusatória. Poderá fazê-lo
adequadamente no momento da prolação da sentença, ocasião em que poderá haver a
emendatio libelli ou a mutatio libelli, se a instrução criminal assim o indicar. (HC
87.324/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, DJ de 18/5/2007). Também o Superior Tribunal de
Justiça se pronunciara no mesmo sentido, no HC 68.056/PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves
Lima, 5.ª Turma, DJ 1/10/2007.

Contudo, por vezes, tal posição gera implicações diretas no direito de liberdade do
acusado. Pensemos na hipótese de o acusador imputar ao réu o fato de ter beijado

4
Neste sentido, JARDIM, Afrânio Silva, Direito Processual Penal, p. 219.
5
Recurso Extraordinário nº 104.478-1/MS, 2ª Turma do STF; HC nº 64.966-1/SP – STF, in RT 620/384.
7

lascivamente a vítima, contra a vontade desta, em local público ou acessível ao público,


capitulando-o como crime de estupro (segundo a nova redação atribuída ao art. 213 do
Código Penal pelo art. 2º da Lei 12.015 de 7 de agosto de 2009), considerado hediondo
(artigo 1º, inc. V, da Lei nº 8.072/90, com a nova redação conferida pelo art. 4º da Lei nº
8.072/90). De acordo com esta capitulação, a ação penal, via de regra, é pública
condicionada à representação (art, 225, caput, do Código Penal alterado pelo art. 2º da Lei
12.015 de 7 de agosto de 2009), o procedimento cabível é o ordinário, não se admite
liberdade provisória, tampouco progressão de regime, devendo toda a pena ser cumprida no
regime fechado.

Contudo, o julgador pode entender, desde logo, que o fato melhor se enquadra na
contravenção de importunação ofensiva ao pudor –infração de menor potencial ofensivo
(artigo 61 da Lei 9.099/95) –, à qual se aplica o procedimento sumaríssimo, não cabendo a
prisão em flagrante quando o autor do fato se comprometer a comparecer na audiência
preliminar, sendo possíveis, além da composição dos danos, a transação penal e a
suspensão condicional do processo, tratando-se de ação de natureza pública incondicionada.
Nesta hipótese, onde há um conflito aparente de normas, se não houver qualquer
modificação do fato narrado, a vedação de uma reclassificação jurídica antecipada, por
parte do julgador, implicaria verdadeira afronta aos direitos fundamentais do réu.

Urge salientar que, na hipótese aventada, a peça deflagradora da ação penal é


formalmente perfeita, presente o suporte probatório mínimo para a imputação formulada,
ou seja, a justa causa. A contravenção foi descrita na inaugural com todos os seus
elementos.6 O magistrado discorda apenas da classificação jurídico-penal do fato feita pela
parte acusadora.

Neste caso, já defendíamos a possibilidade de o magistrado, no momento do


recebimento da denúncia, aplicar o artigo 383 do Código de Processo Penal7, quando
discordar da classificação jurídico-penal feita pela acusação, provendo, desta forma, a
regularidade do processo desde seu nascimento. Agindo assim, impede também que o

6
Exemplo formulado por Geraldo Prado, Sistema acusatório, p. 208.
7
Magalhães, Maria Cristina Faria.Da correlação entre a acusação e a sentença nas ações penais
condenatórias – A conformidade entre a lei processual penal e a constituição Federal. Ed. Lumen Juris,
págs.114 e 115.
8

processo siga rito diverso daquele previsto para o crime que, ao final, seria qualificado
diversamente pela autoridade judiciária, o que implicaria violação ao princípio do devido
processo legal.

Parece mais lógico que o juiz possa desclassificar uma infração desde logo, e não ter
de esperar por uma longa e custosa instrução criminal, para só fazê-lo na fase da sentença,
correndo o risco de a nova classificação importar em rito diverso, o que poderia acarretar
nulidade do processo, caso o rito apurado, fruto da nova classificação, permitisse uma
maior atividade defensiva. O exercício dessa faculdade, desde o momento do recebimento
da denúncia, propicia a salvaguarda dos princípios da economia e celeridade processual,
além de se evitar uma prescrição da pretensão punitiva, que poderia ocorrer em decorrência
da nulidade do processo e da necessidade de repetição de todos os atos processuais.

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, adotando entendimento divergente


daquele esposado pelo Supremo Tribunal Federal, admitiu que não há vedação a que se
altere a capitulação logo no recebimento da exordial, nos casos em que é flagrante que a
conduta descrita não se amolda ao tipo penal indicado na denúncia. Tal possibilidade,
acentua-se ainda mais quando o tipo indicado e aquele aparentemente cometido possuem
gravidades completamente diversas, com reflexos jurídicos imediatos na defesa no
acusado. Nessas hipóteses, é patente o abuso na acusação (APn 290/PR, Corte Especial,
rel. Min. Felix Fischer, DJ de 26/9/2005).

Muito embora tenha sido refutada pelo Poder Legislativo a proposição do §2º do art.
383 do CPP na redação constante do PL nº 4.207/2001, que trazia expressamente a
possibilidade do juiz emendar a acusação no ato de recebimento da denúncia ou queixa, o
8
legislador infraconstitucional, ao incluir os parágrafos 1º e 2º ao referido dispositivo
processual, através da edição da Lei 11.719, de 20 de junho de 2008, se direcionou para o
posicionamento supra defendido.

8
Art. 383:” O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúnica ou queixa, poderá atribuir-lhe
definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de lhe aplicar pena mais grave.
§1º Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão
condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.
§2º: Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos.”
9

Prevendo o legislador, expressamente, a possibilidade do preenchimento dos


requisitos da suspensão do processo em decorrência da emendatio libelli, determina que o
próprio juiz “proceda de acordo com o disposto na lei”.

Segundo o disposto no art. 89 da Lei 9.099/95, o momento adequado para o


Ministério Público propor a suspensão do processo é o do oferecimento da denúncia. Reza
o parágrafo 1º do aludido dispositivo legal que “Aceita a proposta pelo acusado e seu
defensor, na presença do juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo,
submetendo o acusado a período de prova...”

            A lei menciona que a proposta ao acusado deva ser feita antes do recebimento da
denúncia, mas, segundo a doutrina o recebimento deve preceder a proposta. A esse respeito,
escreveram Ada Pellegrini Grinover e outros: "Pela ordem legal, primeiro marcar-se-ia a
audiência de conciliação, ouvir-se-ia o acusado, celebrar-se-ia a suspensão, para depois o
juiz examinar a viabilidade da denúncia. Na verdade, o juízo de admissibilidade da
denúncia, exigido pela lei, deve anteceder à designação de audiência de conciliação" 9. No
mesmo sentido se posiciona Weber Martins Batista10.

Portanto, a denúncia deve ser aceita, ou seja, reconhecida sua regularidade formal, a
presença das condições da ação, dos pressupostos processuais e da justa causa para só
depois o acusado se manifestar se aceita ou não a proposta de suspensão do processo
oferecida, que estipula ao réu condições legais e judiciais a serem cumpridas para que ele se
livre das agruras de ver-se processado e julgado. Evita-se, desta forma, que o acusado
cumpra condições determinadas em razão do nascimento de um processo penal que estaria
fadado à extinção desde seu início.

Concluindo, se logo após o recebimento da denúncia é o momento adequado para a


aceitação da proposta de suspensão do processo pelo acusado e seu defensor, quando do
recebimento da denúncia é o momento adequado para que o juiz atribua nova definição
jurídica ao fato descrito na incoativa, possibilitando ao Ministério Público a formulação da

9
Grinover, Ada Pelegrini. Gomes Filho, Antônio Magalhães. Fernandes, Antonio Scarance. Gomes, Luiz
Flávio. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p.222.
10
Batista, Weber Martins. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e a suspensão do processo. Rio de Janeiro:
Forense, 1998. P.381.
10

proposta de suspensão do processo desde logo, caso a nova definição jurídica do fato
apontada importar em pena mínima cominada para o referido crime igual ou inferior a um
ano.

Decerto que o Ministério Público pode se negar a propor a suspensão do processo,


caso entenda que os requisitos previstos não foram atendidos. Nesta hipótese, o
entendimento consolidado é o da aplicação analógica do art. 28 do CPP, sendo inclusive
esposado no verbete nº 696 da súmula da jurisprudência predominante do Supremo
Tribunal Federal, segundo o qual “reunidos os pressupostos legais permissivos da
suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o
Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o
art. 28 do Código de Processo Penal”.

           Desta forma, proposta a suspensão do processo junto com o oferecimento da


denúncia ou posteriormente, em decorrência de nova definição jurídica atribuída ao fato
descrito na inicial, em sendo caso de rito ordinário, deverá o próprio juiz determinar a
intimação do réu para audiência para se manifestar sobre a proposta formulada.

Esta previsão legal apenas regulou entendimento já consagrado na Súmula 337 do


STJ, in verbis:

“É cabível a suspensão condicional do processo na


desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão
punitiva”.

Caso, a nova definição jurídica do fato se referir a crime de competência de outro


juízo, a estes serão remetidos os autos.

Embora a lei não preveja a possibilidade de aplicação, no caso, da transação penal,


em sendo esta cabível em decorrência da nova definição jurídica, poderia o juiz, por
analogia, usar o mesmo procedimento, propiciando ao réu o benefício desta medida
despenalizadora, como bem defenderam Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha e
Ronaldo Batista Pinto11.
11
Gomes, Luiz Flávio.Cunha, Rogério Sanches. Pinto, Ronaldo Batista. Comentários às Reformas do Código
de Processo Penal e da Lei de Trânsito. Ed. Revista dos Tribunais, pág. 326.
11

1.2. Emendatio Libelli e contraditório

Ainda que se afirme que a qualificação jurídica do fato em nada influi na


delimitação da res judicanda,12 uma vez que esta é fixada pelo fato processual e a alteração
daquela pelo julgador não viola o princípio da correlação entre imputação e sentença – pois
o princípio pressupõe a correlação da base fática da imputação com a base fática da
sentença –, devemos lembrar que o réu pode discordar da qualificação jurídica apontada
pelo autor, que deve ser objeto de contraditório, em que as alegações das partes sobre a
questão de direito irão formar o convencimento do juiz.

Como afirmado, o réu se defende de fatos juridicamente qualificados, cabendo ao


autor não só descrever os fatos, mas também classificá-los. A classificação indicada,
conseqüência lógica de uma operação de subsunção, não raro é o ponto sobre o qual se
restringe a defesa técnica, como nas hipóteses de alegação de atipicidade do fato por
ausência de elemento normativo do tipo, ausência de norma complementar à norma penal
em branco etc., excluindo qualquer discussão sobre o fato em si.

Portanto, apesar da jurisprudência sufragar a prescindibilidade de abertura de prazo


para a defesa se manifestar, sob o argumento de que o réu se defende dos fatos narrados
pela acusação e não dos dispositivos de lei indicados, de fato a alteração da capitulação
jurídica pode acarretar consequências de ordem processual e no direito de liberdade do
acusado.

Imaginemos a hipótese do acusador imputar ao réu o fato de ter beijado


lascivamente a vítima, contra a vontade desta, passando a mão em suas nádegas, em local
público ou acessível ao público, capitulando-o como a contravenção de inportunação
ofensiva ao pudor, –infração de menor potencial ofensivo (artigo 61 da Lei 9.099/95) –, à
qual se aplica o procedimento sumaríssimo, não cabendo a prisão em flagrante quando o
autor do fato se comprometer a comparecer na audiência preliminar, sendo possíveis, além
da composição dos danos, a transação penal e a suspensão condicional do processo,
tratando-se de ação de natureza pública incondicionada . O juiz ao receber a denúncia ou na

12
Neste sentido, MARQUES, Frederico. Elementos de direito processual penal, p. 227.
12

sentença, desclassifica-o para o crime de estupro, de competência do juízo comum, de


procedimento ordinário, tratando-se, via de regra, de ação de natureza pública condicionada
à representação, não se admitindo liberdade provisória e progressão de regime, devendo
toda a pena privativa de liberdade, muito mais gravosa, ser totalmente cumprida em regime
fechado.

Para se evitar lesão ao princípio do contraditório e da ampla defesa, melhor seria


que o legislador tivesse previsto a intimação das partes sobre a nova definição jurídica dada
ao fato, inserindo o contraditório nessa operação. Cumpre ressaltar que o § 1º, na redação
constante do PL nº 4.207/2001 previa a intimação das partes aludida com a seguinte
redação: “ As partes, todavia, deverão ser intimadas da nova definição jurídica do fato
antes de prolatada a sentença”. Significaria, portanto, a adequação da emendatio ao
princípio da ampla defesa, superando-se a idéia tradicional de que o acusado se defende
apenas dos fatos, como se a classificação jurídica destes não pudesse trazer-lhe danosas
conseqüências, a depender de como operada.

Principalmente quando operada ab initio, implicará na rejeição parcial da denúncia,


decisão combatida através recurso em sentido estrito (art. 581, I, do CPP).

Contudo, ao alterar o art. 383 do Código de Processo Penal através da Lei


11.719, de 20 de junho de 2008, o legislador perdeu a oportunidade de expressamente
prever abertura de vista às partes para se manifestarem sobre a nova classificação jurídica
apontada pelo julgador, situação que persiste no Projeto de Lei 156, de 2009 na forma que
foi apresentado pela Comissão de Juristas ao Senado.

1.3. Emendatio Libelli versus Rejeição da denúncia

Situação diversa ocorre quando o juiz discorda da capitulação indicada na denúncia,


em razão de entender que inexiste justa causa para a mesma, e sim para outro tipo penal.
13

Na hipótese de o juiz concluir que, pelos elementos de prova coligidos até aquele
momento, não há suporte probatório suficiente a fundamentar uma acusação de tráfico
ilícito de entorpecente, mas que a posse da substância destina-se a uso próprio, o caso é de
rejeição da denúncia, e não de emendatio libelli. Assim, na hipótese de o julgador, ao
receber a denúncia, fazer uma análise do investigatório que lastreou a incoativa e verificar
que os fatos nela descritos não correspondem aos elementos de prova constantes da
investigação pré-processual, deverá rejeitar a denúncia, ao invés de aplicar o artigo 383 do
Código de Processo Penal, sob o argumento de que inexiste suporte mínimo probatório
para a imputação formulada, nos termos da parte final do inciso III, do artigo 43, do
Código de Processo Penal.

A abusiva imputação criminosa oferecida é passível de controle judicial pela sua


rejeição. O acusado também pode utilizar o habeas corpus para ver a ação penal trancada,
em razão da inépcia da denúncia. Tal posição foi defendida no voto do Ministro Celso
Mello, relator do HC 68.928-MG, que, por unanimidade da 1ª Turma do Supremo Tribunal
Federal, reconheceu que o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público submete-se a
estrito controle jurisdicional.

Segundo o voto do relator, esse controle jurisdicional se refere à verificação da


presença dos pressupostos ou das condições inerentes à regularidade formal da denúncia e à
viabilidade tanto da relação processual quanto do próprio direito de ação. Nesse passo, a
não existência dos mesmos implica rejeição da peça acusatória, não fazendo qualquer
menção à desclassificação. Para melhor compreensão, transcrevemos trecho do voto
aludido:

O oferecimento da denúncia pelo Ministério Público submete-se, após a sua


formalização, a estrito controle jurisdicional, que se traduz, concretamente,
num despacho liminar positivo (recebimento da denúncia) ou num despacho
liminar negativo (rejeição da peça acusatória).
Nesse sentido, o magistério de JOSÉ FREDERICO MARQUES (“Elementos
de Direito Processual Penal”, vol. II/160-161, item n. 342, 2ªed., 1965,
Forense), para quem “as normas contidas no texto legal por último referido
(art. 43) resultam da natureza postulatória da denúncia. Os atos postulatórios
14

devem passar primeiro sob o crivo do julgamento de admissibilidade, regra


essa que se estende, também, à denúncia”.
Essa tutela jurisdicional exercida ‘in limine’, no âmbito do processo penal
condenatório, objetiva, em essência, a própria proteção da intangibilidade do
status libertatis do imputado, na medida em que legitima a análise, prévia e
necessária, dos pressupostos ou condições inerentes à regularidade formal da
denúncia e à viabilidade tanto da relação processual quanto do próprio
direito de ação (v. JOSÉ FREDERICO MARQUES, op. loc. cit., item n.
343).

Caso contrário, prevalecendo a idéia da desclassificação na hipótese em


testilha, poderíamos chegar a ver o réu ser processado por fato diverso do
narrado na peça acusatória, o que fere, frontalmente, o princípio do
contraditório.13 Este posicionamento deve prevalecer tanto no juízo de
delibação, quanto na fase da sentença, uma vez que não cabe ao julgador,
amparando-se no artigo 383 do Código de Processo Penal, alterar a
classificação da infração penal, sem que esta nova capitulação seja resultado
da subsunção do fato narrado na exordial ao tipo legal apontado pelo juiz
sentenciante.

1.4. A Emendatio Libelli e o Projeto de Lei nº 156, de 2009 (Código de Processo


Penal)

Pelo Projeto de Lei nº 156, de 2009, que reforma o Código de Processo Penal, a
emendatio libelli passa a ser disciplinada pelo art. 407, caput e seus parágrafos 1º e 2º14,
sofrem poucas alterações. Praticamente o projeto manteve a redação do artigo 383 e seus
parágrafos, já alterados pela Lei 11.719, de 20 de junho de 2008.

Em razão da eliminação da ação penal privada privativa do ofendido foi excluída a


possibilidade do juiz emendar a queixa.

13
Neste sentido, LIMA, Walberto Fernandes de. Jurisprudência comentada: emendatio libelli no juízo de
admissibilidade: é possível?
14
Projeto de Lei nº 156, de 2009- Art. 407. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia,
poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.
§1º Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão
condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.
§2º Tratando-se de infração da competência de outro juízo, em razão da matéria, a este serão encaminhados os
autos.
15

Entretanto, permaneceu no aludido projeto a previsão da ação penal subsidiária, esta


iniciada por queixa oferecida pela vítima ou seu representante legal, nos casos e condições
previstas no art. 49 e parágrafos15, que poderá ser aditada pelo Ministério Público ou
substituída por denúncia oferecida pelo Parquet.

Espécie de ação prevista no artigo 5º, inc. LIX, de nossa Carta Política de 1988, a
ação penal privada subsidiária foi alçada à categoria de garantia constitucional, na medida
em que reza o aludido dispositivo constitucional que “será admitida ação privada nos
crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal”. Constitui-se em meio de
defesa social contra eventual desídia do Ministério Público no exercício de sua atividade
persecutória.

Embora, a ação penal privada subsidiária seja pública em sua essência, pois como,
qualquer outra ação desta natureza, seu móvel não é um interesse particular da vítima, mas
um interessa da sociedade, é ela iniciada por queixa, podendo a vítima ou seu representante
legal ter conferido capitulação jurídica inadequada ao fato descrito na peça deflagradora da
ação penal e o Ministério Público, no momento seguinte, não ter oferecido denúncia
substitutiva corrigindo a capitulação jurídica. Portanto, não percebeu o legislador que o art.
49 do Projeto de Lei nº 156, de 2009 não contempla esta situação, deixando-a sem solução,
face a impossibilidade de aplicação da emendatio libelli na queixa.

A outra modificação ocorrida foi a previsão de remessa do processo a outro juízo,


quando proposta a suspensão do processo em decorrência da emendatio libelli, uma vez
verificada que a apuração e julgamento da infração cometida é da competência de outro
juízo, em razão da matéria, com menção expressa a este critério de fixação da competência
no parágrafo 2º do art. 407 do aludido projeto.
15
Art. 49. Se o Ministério Público não intentar a ação ou não se manifestar no prazo previsto em lei, poderá a
vítima, ou, no caso de sua menoridade civil ou incapacidade, o seu representante legal, no prazo de seis
meses, contados da data em que se esgotar o prazo do Ministério Público, ingressar com ação penal
subsidiária.
§1º. Oferecida a queixa, poderá o Ministério Público promover o seu aditamento, com ampliação da
responsabilização penal, ou oferecer denúncia substitutiva, sem restringir, contudo, a imputação constante da
inicial acusatória.
§2º. O Ministério Público intervirá em todos os termos do processo e retomará a acusação em caso de
negligência do querelante.
§3º A queixa será subscrita por advogado, aplicando-se a ela todos os requisitos e procedimentos relativos à
denúncia. Se a vítima não tiver condições para a constituição de advogado, o juiz lhe nomeará um para
promover a ação penal.
16

Esta previsão legal se ajusta ao disposto no art. 101 do mesmo projeto, que dispõe
que “Se, iniciado o processo perante um juiz, houver desclassificação para infração de
competência de outro, a este será remetido o processo.”

A emendatio libelli apenas altera a classificação jurídica do fato, mantendo-se


inalterada a qualidade da pessoa do réu ou o lugar do cometimento da infração, da
consumação, do último ato de execução ou da residência ou domicílio do réu.

De fato, dentre os critérios de fixação da competência apenas a natureza da infração


pode sofrer correção sem alteração do fato processual em si, acarretando,
consequentemente, a modificação do juízo competente, em virtude da regulação existente
nas normas de organização judiciária, no Código de Processo Penal, Leis Especiais e na
Constituição Federal. Portanto, a inclusão da expressão “em razão da matéria” no
dispositivo que trata da emendati libelli não trouxe qualquer inovação.

2. Mutatio Libelli

Na hipótese de se apurar, após o oferecimento da denúncia ou da queixa, a


existência de nova circunstância ou elementar do fato não narrada na exordial, o legislador
previu a possibilidade de se realizar o aditamento, a fim de sanar tal omissão.

Dispõe o artigo 384 do Código de Processo Penal:

Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica


do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou
circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério
Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em
virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública,
reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.

§1º Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se


o art.28 deste Código.

§2º Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e admitido o


aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e
17

hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo


interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento.

§3º Aplicam-se as disposições dos §§1º e 2º do art. 383 ao caput deste artigo.

§4º Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas,
no prazo de 5 (cinco) dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do
aditamento.

§5º Não recebido o aditamento, o processo seguirá.

2.1. Imprecisões terminológicas do artigo 384 do Código de Processo Penal

A nova redação recebida pelo art. 384 do Código de Processo Penal, por força da
reforma implementada no referido diploma legal, através da Lei nº 11.719, de 20 de junho
de 2008, dentre outras, não logrou espancar totalmente as imprecisões terminológicas que
acometiam a mencionada norma processual16. Eliminou a expressão ‘circunstância
elementar’, o que parecia, à primeira vista, sem sentido. Circunstância deriva de circum
stare, “estar em redor”. Em matéria de crime, “circunstância é todo fato ou dado que se
encontra em redor do delito. É um dado eventual, que pode existir ou não, sem que o crime
seja excluído”.17 Os dados e fatos que, ao lado dos elementos do crime, incidem sobre a
quantidade de pena, aumentando-a ou diminuindo-a, são as circunstâncias.

As elementares são dados cuja exclusão do tipo penal importa na atipicidade


absoluta do fato ou atipicidade relativa. Assim, se através de uma operação mental de
exclusão de um desses elementos, a figura típica desaparece ou surge outra, estamos diante
de uma elementar do tipo.

16
Antiga redação do art. 384 do CPP: “Se o juiz reconhecer a possibilidade de nova definição jurídica do fato,
em conseqüência de prova existente nos autos de circunstância elementar, não contida, explícita ou
implicitamente, na denúncia ou na queixa, baixará o processo a fim de que a defesa, no prazo de 8 (oito) dias,
fale e, se quiser, produza prova, podendo ser ouvidas até três testemunhas.
Parágrafo único. Se houver possibilidade de nova definição jurídica que importe aplicação de pena mais
grave, o juiz baixará o processo, a fim de que o Ministério Público possa aditar a denúncia ou queixa, se em
virtude desta houver sido instaurado processo em crime de ação pública, abrindo-se em seguida, o prazo de 3
(três) dias à defesa, que poderá oferecer prova, arrolando até três testemunhas.”

17
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal – parte geral, p. 479.
18

Portanto, circunstância e elementares são figuras distintas e excludentes, tendo sido


sanada tal impropriedade terminológica pela Lei 11.719, de 20 de junho de 2008, ao
conferir nova redação ao dispositivo legal.
Porém, manteve-se a imprecisão terminológica na qual já havia incorrido o
legislador, ao determinar a possibilidade do juiz atribuir nova definição jurídica ao fato
imputado. A hipótese do artigo 384 não trata de apurar a possibilidade de se dar nova
definição jurídica ao fato, ou seja, não cuida de o demandante ter incorrido em erro ao
qualificar juridicamente o fato imputado na denúncia ou queixa. Esta hipótese já foi
contemplada pelo artigo 383 do Código de Processo Penal. No caso vertente, o que sofre
alteração é o fato processual, ante a descoberta, no curso do processo, de uma circunstância
ou de uma elementar não descrita na peça deflagradora da ação penal, por total
desconhecimento.

2.2. Causas de aditamento

O fato processual é um fato histórico, determinado, praticado pelo homem em uma


determinada condição de tempo, lugar e modo, gerando alteração no mundo externo, ao
passo que o fato penal consiste numa situação hipotética considerada lesiva ao meio social
pelo legislador, vindo, por esta razão, a ser enquadrada num tipo legal.

A circunstância, até então vista sob a ótica do tipo penal, “são os elementos que não
integram o tipo, porque acessórios e acidentais, influindo sobre a pena, para agravá-la ou
atenuá-la”.18

O fato processual pode vir a ser alterado em razão da descoberta, no curso da


instrução criminal, de um elemento relativo ao local onde foi praticada a conduta delitiva,
ao momento de sua prática, à maneira de execução, ainda que estes elementos não influam
na quantificação da pena. Exemplificando: A é denunciado por ter cometido um furto
contra B no dia 2 de janeiro de 2003, mas restou apurado, no curso da instrução criminal,
através da oitiva de uma testemunha, que o furto ocorreu no dia 07 de janeiro de 2003. Até
então, o réu vem-se defendendo de um furto ocorrido no dia 02 de janeiro de 2003 e a
18
COSTA JÚNIOR, Paulo José da, Comentário ao Código Penal, p. 134.
19

prova produzida indica que este fato processual não ocorreu, mas que o acusado teria
praticado outro fato penalmente relevante, que até o momento não lhe foi imputado. Para
que a sentença considere este novo elemento temporal, faz-se necessário o aditamento da
denúncia, para inclusão desse novo dado fático.

Considerando o tipo penal do furto, a data é elemento acidental, mas, como a


imputação deve descrever o fato com todas as suas circunstâncias, estas incluem as
circunstâncias temporais, modais e de lugar, ainda que não influam no quantum da pena. A
modificação de qualquer uma dessas circunstâncias implica modificação do fato processual
e, como a representação do fato feita no momento da imputação deve corresponder à
representação do fato feita na sentença, essa alteração deve ser objeto de aditamento.
Portanto, não só as circunstâncias que influem na quantificação da pena são passíveis de
constituir objeto de aditamento, mas qualquer circunstância que identifique o fato
processual.

Assim, caso se apure, durante a instrução criminal, a ocorrência de qualquer


elemento cuja existência implique configuração de outro crime ou fato processual diverso
do narrado, ou dado ou fato que se situe ao redor do delito, incidindo sobre a pena,
aumentando-a ou diminuindo-a, antes de o julgador decidir a causa levando em
consideração esses novos elementos, deve a imputação ser alterada, a fim de se preservar o
princípio da correlação entre esta e a sentença.

2.3. Impossibilidade de substituição do fato original por outro

Cumpre registrar que o artigo 384 do Código de Processo Penal não permite a
substituição integral de todo o fato imputado, o que acarretaria verdadeira desistência da
ação penal, o que é expressamente vedado, por ter a mesma natureza pública (artigo 42 do
Código de Processo Penal).

Se a parte acusadora aditar a incoativa para introduzir fato novo, completamente


diverso do inicialmente imputado ao acusado e por ele praticado, ou conduta diversa
praticada por algum co-autor ou partícipe não denunciado, trazido a seu conhecimento na
20

instrução criminal, na verdade estaremos diante de uma nova ação. Inexistindo qualquer
liame que una o novo fato ao fato original, não se agregando o primeiro ao segundo, não é
caso do aditamento previsto no artigo 384 do Código de Processo Penal. O aditamento
referido acima só será cabível na hipótese de haver relação de conexão ou continência entre
os fatos e desde que o processo instaurado – tendo por objeto o fato original – não esteja em
fase avançada. Assim, este aditamento não se confunde com o regulado pelo artigo 384 do
Código de Processo Penal. Deve-se, pois, observar todo o procedimento, a iniciar-se pela
citação do réu.19

2.4. Art. 384 e a substituição da imputação original.

Autores do escol de Afrânio Silva Jardim atribuíam ao antigo artigo 384 do Código
de Processo Penal a previsão expressa da imputação alternativa no ordenamento jurídico
vigente. Tratar-se-ia de uma imputação alternativa superveniente, uma vez que a
alternatividade não é prevista desde o início do processo. Ao contrário. Primeiramente,
imputava-se ao réu a prática de uma conduta, mas depois, no curso do processo, em razão
da verificação de elementos mínimos indicadores da ocorrência de uma elementar ou
circunstância não descrita na denúncia ou queixa, a imputação original era acrescida,
alargando-se o thema decidendum, uma vez que o aditamento não importava em substituir a
imputação originalmente feita na denúncia, o que significaria violação ao princípio da
indisponibilidade da ação penal.20

19
Neste sentido, BATISTA, Weber Martins. Direito penal e Direito processual penal, p. 170. “Por último,
pode a prova colhida no processo dar notícia da existência de outro fato criminoso. Não se trata da simples
elementar não mencionada na inicial e que apenas modifica o fato que está sendo objeto do processo, mas de
prova de outro fato, de outro crime”. No mesmo sentido, JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal,
p. 185: “Esta segunda hipótese não deve ser confundida com a primeira. No aditamento do art. 384, parágrafo
único, o ‘fato principal’ permanece o mesmo, motivo pelo que não se acrescenta cumulativamente nova
imputação, tornando-se desnecessária outra citação. O réu estava sendo acusado de subtrair determinada coisa
móvel, passando a ser acusado, pelo aditamento, de ter efetuado esta subtração mediante violência. Já nesta
segunda hipótese de que estamos cuidando, se fará uma outra imputação a ser acrescida à imputação já
constante da denúncia, tendo em vista a prova que surgiu no processo. Neste caso, uma nova citação é de
rigor, vez que surgirá uma cumulação, objetiva ou subjetiva, de imputações em um mesmo processo.
A toda evidência, esta nova acusação também está vinculada ao princípio da obrigatoriedade, mas só deverá
vir em forma de aditamento se houver conexão de infrações ou continência (arts. 76 e 77), para que haja a
desejada unidade de processo e julgamento, nos termos do art. 79 do Cód. Proc. Penal. Em determinadas
circunstâncias, o aditamento poderá tumultuar o processo já em via de conclusão, motivo pelo qual a regra do
art. 80 pode autorizar que a nova acusação não se faça por aditamento, mas através de outra denúncia,
instaurando-se outro processo”.
20
Neste sentido: JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal, p. 186.
21

O Supremo Tribunal Federal, embora não vislumbrasse que o artigo 384 do Código
de Processo Penal fosse caso de imputação alternativa, afirmou, ainda sob a égide da antiga
redação do dispositivo: “[...] ou que o aditamento ali previsto não importa em desfazimento
da imputação originária, constante na denúncia ou queixa [...]”, conforme se verifica pela
ementa do acórdão transcrito:

Habeas corpus. Denunciado o réu com incurso no art. 171, do Cód. Penal,
converteu o Juiz o julgamento em diligência, em face do art. 384, parágrafo
único, do CPP, para que o Ministério Público pudesse aditar a denúncia,
acusando o denunciado de infração ao art. 297 do Código Penal. Na
sentença, o réu foi condenado por infringir o art. 171, do Código Penal.
Exegese do art. 384, parágrafo único, do CPP. Nessa hipótese, não fica o juiz
impedido de manter a primitiva definição da denúncia. O que a lei não quer é
que o réu venha a ser condenado por fato do qual não haja tido oportunidade
para se defender. No caso, não há falar em cerceamento de defesa ou
prejuízo para a defesa do paciente. O Juiz, na decisão, desprezou a
classificação de crime de falsificação de documento público, feita no
aditamento para condenar o réu, por estelionato, segundo capitulação
original da denúncia [...] (Rel. Ministro Néri da Silveira).21

A imputação alternativa superveniente, até então prevista no artigo 384 do Código


de Processo Penal, se mostra afinada com o sistema acusatório, com o princípio do
contraditório e da ampla defesa, uma vez que a acusação penal, ainda que ampliado o
thema decidendum, é clara e determinada, tendo o acusado plena ciência dos fatos que lhe
são imputados e dos quais terá de se defender, apenas se amplia o thema decidendum,
preservando-se o princípio da correlação entre acusação e sentença.

Contudo, pretende a nova redação do parágrafo 4º do art. 384, ao determinar que o


juiz fique, na sentença, adstrito aos termos do aditamento, subtrair a imputação originária
atribuída na denúncia da apreciação do julgador, infringindo o princípio da
indisponibilidade da ação penal pública. Deve, portanto, este dispositivo sofrer
interpretação conforme os princípios norteadores do processo penal, evitando-se futura
lesão e permitindo que a imputação em toda a sua extensão seja apreciada pelo julgador,

21
Revista Trimestral de Jurisprudência do STF, p. 1047.
22

bem como a formação da coisa julgada em relação à imputação na forma original e com os
acréscimos. Caso contrário a imputação originária desapareceria, como substituída
integralmente pela decorrente do aditamento, não podendo o julgador condenar ou absolver
o réu em relação à primeira.

2.5. Do não-cabimento de acusação implícita

Acertada alteração feita pela Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008 foi a exclusão
da previsão de possibilidade de existência de circunstância ou elementar prevista
implicitamente na denúncia ou na queixa. Antes, previa o art. 384 do Código de Processo
Penal, em seu caput, a possibilidade de o juiz reconhecer uma nova definição jurídica do
fato, em razão de prova existente nos autos de ‘circunstância elementar’, não contida,
explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa, independentemente de qualquer
aditamento por parte da acusação, bastando apenas que seja aberta vista à defesa para se
manifestar e, se quiser, produzir provas e arrolar testemunhas.

A previsão quanto à possibilidade da denúncia ou queixa conter ‘circunstância


elementar’ explícita ou implícita conflitava com as demais normas processuais penais e
com os princípios do contraditório e da ampla defesa.

O artigo 41 do Código de Processo Penal determina, in verbis, “que a denúncia ou


queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias [...]”. O fato
de o legislador determinar que a narrativa do fato deve abranger todas as suas
circunstâncias demonstra sua preocupação com o conhecimento, pelo réu, da extensão
integral da imputação que lhe é formulada pela acusação e sobre a qual lhe recai o ônus de
se defender. A imputação deve ser clara, precisa e completa. O autor fixa na petição inicial
o objeto litigioso do processo e, sendo este o fato imputado, sua clareza é indispensável,
não havendo espaço para imputação implícita – verdadeiro objeto de adivinhação pela
23

defesa.22 Portanto, a previsão de imputação implícita era flagrantemente inconstitucional,


situação que agora foi resolvida.

2.6. Da imprescindibilidade do aditamento

A afronta ao princípio da correlação entre a acusação e sentença que a antiga


redação do caput do artigo 384 do Código de Processo Penal possibilitava foi exterminada
com a vedação, agora, face a nova redação conferida pela Lei nº 11.719/2008, do juiz
reconhecer novo fato processual, em virtude de prova existente nos autos de uma
circunstância ou elementar não descrita na denúncia, sem qualquer manifestação da
acusação, quando não importar em aumento de pena. Agora, independente desta mudança
fática implicar na aplicação de uma pena mais grave ou não, não pode mais o acusado vir a
ser condenado por uma imputação modificada, de ofício, pelo magistrado.

Adequando o dispositivo legal em comento ao princípio da correlação entre


imputação e sentença, o princípio da inércia da jurisdição, o sistema acusatório e a regra de
sede constitucional prevista no artigo 129, inc. I, da Magna Carta, 23 não pode mais o réu ser
julgado por fato diverso daquele narrado na denúncia ou queixa, em razão do juiz, de
ofício, considerar circunstância ou elementar provada na instrução criminal e não contida
na incoativa, independente das conseqüências no quantitativo da pena a ser aplicada.

22
Neste sentido: PENTEADO, Jacques de Camargo, Acusação, defesa e julgamento, p. 346: “Ora, para o bom
funcionamento do sistema, a acusação deverá ser explícita, clara, baseada em provas. Não se pode exigir que
a defesa procure dados que somente figurem na inicial de forma implícita, para, desvendando aquilo que o
acusador deveria explicitar, reagir plenamente à imputação. É de se lembrar toda a recomendação dos
documentos internacionais sobre a imprescindibilidade da acusação ser explícita”. Da mesma forma,
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy, op. cit., p. 172.
23
Neste sentido, PRADO, Geraldo. Sistemas processuais, p. 166. “Caso admita-se a alteração substancial dos
fatos, por iniciativa do tribunal, ainda quando seja dada oportunidade ao contraditório, sem dúvida, do ponto
de vista psicológico, estar-se-á diminuindo sensivelmente a possibilidade de o acusado defender-se
verdadeiramente. A alteração da acusação é o mesmo que alteração do pedido e da causa de pedir da ação
penal, e sua implementação representa modificação de elementos capitais da ação, direito do autor. Ao fazê-
lo, isto é, ao se permitir que o juiz altere o teor da acusação, na verdade o que ocorre é que se admite que o
juiz revolva a substância do direito da parte, que não lhe pertence. Um contraditório porventura instaurado
nestes termos é irreal, pois não há reação possível se o ato de conformação da acusação não parte do
adversário mas do julgador, ou, de outra maneira, se o julgador se transforma em adversário”.
24

A nova redação do art. 384 do Código de Processo Penal, neste particular, veio a
atender aos reclamos da jurisprudência e doutrina balizada que sufragava esta posição.

Neste sentido, pronunciou-se o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na Ap. nº


698464500, tendo por relator o Desembargador Hamilton Bueno de Carvalho, que, no seu
voto condutor, considerou, in verbis, que:24

[...] o juiz, ao despachar nos moldes do artigo 384, cabeça, do Código de


Processo Penal, invadirá, sempre e sempre, função reservada ao Ministério
Público, daí porque aquele artigo foi revogado pela norma constitucional.
Naquele ato, queira-se ou não, se está fazendo ao acusado nova imputação,
ou seja, deflagra-se nova ação penal, o que não se admite com a adoção do
sistema acusatório. O juiz, assim obrando, transforma-se em acusador,
próprio do medieval inquisitório.25

Defendia a doutrina que a atuação ex-officio por parte do julgador, preconizada pela
antiga redação do caput do artigo 384 do Código de Processo Penal, permitia que o fato
que fundamentou a imputação fosse diverso daquele que fundamentou a sentença, em razão
da imputação ser alterada por quem não tinha atribuição para fazê-lo, originalmente. Desta
forma, a alteração legislativa era necessária, cabendo ao Parquet adequar o fato imputado
ao fato real.
A atuação do Ministério Público no processo penal é pautada pelo princípio da
obrigatoriedade da ação penal. Isto implica que, nos crimes de ação penal pública, o órgão
do Ministério Público deve promovê-la tão logo tenha indícios suficientes da autoria do
crime e prova da ocorrência da infração penal. O Parquet deve promover a ação penal,
imputando ao acusado o fato que este, em tese, teria cometido. Verificado que o fato
imputado é diverso, deve ajustá-lo ao fato real.

24
TJRS, 5ª Câmara Criminal, Ap. 698464500, Rel. Des. Hamilton Bueno de Carvalho. Unânime. Apelante:
Luiz Celso dos Santos, Apelado: Ministério Público.
25
Ver FERRAJOLI, Derecho y Razon, p. 563.
25

Destarte, verificada a ocorrência de dado ou fato apurado na instrução criminal não


narrado na denúncia ou queixa, o órgão do Ministério Público sempre deve aditá-la,
independentemente de a alteração do fato importar em pena mais grave ou mais branda.

Pensemos na hipótese do Ministério Público oferecer denúncia contra Tício,


imputando-lhe a prática do crime de receptação dolosa e, no decorrer da instrução criminal
apurar-se que o denunciado não tinha conhecimento da origem ilícita do bem e o adquiriu
por um preço desproporcional a seu valor, ocasionando a desclassificação do tipo penal do
artigo 180, caput do Código Penal, para a figura culposa prevista no parágrafo 1º. Deve o
Promotor de Justiça aditar a denúncia para ajustá-la ao fato apurado.

Porém, pode o Ministério Público não proceder ao aditamento, por considerar não
estar provada esta nova circunstância ou elementar que o julgador entendeu apurada na
instrução criminal. Caso tal fato venha a ocorrer, determinou o legislador, expressamente, a
aplicação do art. 28 do Código de Processo Penal, ante a atual redação do §1º do art. 384,
adotando solução que já era apontada por balizada doutrina 26 e na nossa obra A Correlação
entre Acusação e sentença nas Ações Penais Condenatórias – A conformidade entre a Lei
Processual Penal e a Constituição Federal27. Defendia-se a aplicação analógica do art. 28
do CPP, repetindo a possibilidade do juiz exercer a função anômala a ele atribuída de
fiscalizar a observância do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública pelo
Parquet.

Contudo, o art. 28 do CPP não se afasta da provocação judicial para o oferecimento


da denúncia, e no caso, do aditamento, mantendo o novo texto legal um ranço inquisitivo,
apesar de abolir o aditamento provocado. O legislador ficou no meio do caminho. Melhor
solução seria atribuir este controle a um dos órgão superiores do Ministério Público, tal
qual ocorre com o inquérito civil.

Entretanto, caso o Procurador-Geral de Justiça28 se manifeste no sentido da


manutenção da imputação original, na hipótese de a elementar apurada, não contida na
26
Sustentando a aplicação analógica do art. 28 do CPP, BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy.
Correlação entre acusação e sentença, p. 175.
27
Magalhães, Maria Cristina Faria. A Correlação entre Acusação e sentença nas Ações Penais Condenatórias
– A conformidade entre a Lei Processual Penal e a Constituição Federal. Ed. Lumen Juris.
28
Sustentando a aplicação analógica do art. 28 do CPP, BADARÓ, Gustavo, op. cit., p. 175.
26

denúncia ou queixa, implicar desclassificação para crime menos grave, não poderá o juiz
condenar o réu pelo fato apurado, uma vez que o fato da condenação não estará
inteiramente narrado na peça acusatória. Se assim o fizesse, estaria violando o princípio
acusatório e o da correlação entre imputação e sentença.

Contudo, condenar o acusado pelo fato originalmente imputado, mais grave do que
aquele realmente praticado – segundo o entendimento do juiz –, apenas porque o Ministério
Público se recusou a aditar à denúncia, viola o princípio da verdade real, que, neste caso,
teria aplicação em favor da defesa. Assim, neste caso, ainda que todos os elementos do fato
imputado restarem provados, a solução será a absolvição. Decerto que o Ministério Público
poderá recorrer desta decisão, cabendo ao tribunal a decisão se o fato processual realmente
praticado é diverso e menos grave, não estando provada a imputação original, ou que não
há provas dos elementos especializantes que impliquem a diminuição de pena aludida.

Cumpre registrar que o Projeto de Lei nº 156/2009, através de seu art. 38 29, retirou
do juiz a função anômala de controle da obrigatoriedade da ação penal pública, depositando
nas mãos do próprio Parquet, através de sua instância revisora, o controle do arquivamento,
quando a vítima ou seu representante legal discordar da determinação de arquivamento
emanada do promotor de justiça.

Por esta razão, o aludido projeto, ao regular a mutatio libelli em seu artigo 408 não
previu a remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça no caso do promotor de justiça
não aditar a denúncia. Estas alterações permitem a subsunção do controle judicial do
arquivamento e, por conseguinte, do aditamento, a um modelo processual de perfil
acusatório, se ajustando aos balizamentos teóricos adotados pela Constituição da República
de 1988.

29
Projeto de Lei nº 156/2009:
Art. 38: “ Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma
natureza, o Ministério Público comunicará a vítima, o investigado, a autoridade policial e a instância de
revisão do próprio órgão ministerial, na forma da lei.
§1º Se a vítima, ou seu representante legal, não concordar com o arquivamento do inquérito policial,
poderá no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento da comunicação, submeter a matéria à revisão da instância
competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica.
§2º Nas ações penais relativas a crimes praticados em detrimento da União, Estados, Distrito Federal
e Municípios, a revisão do arquivamento do inquérito policial poderá ser provocada pela chefia do órgão a
quem couber a sua representação judicial.”
27

Contudo, deixa uma lacuna na forma de exercício de controle do princípio da


obrigatoriedade da ação penal pública nesta hipótese, pois não faz qualquer menção à
aplicação do art. 38 .

2.7.Legitimidade para o aditamento

O legislador, ao reformular a regra que disciplina a mutatio libelli, através da Lei nº


11.719/2008, manteve a impossibilidade do querelante aditar a queixa, quer em ação penal
privada, quer em ação penal privada subsidiária da pública, entendimento este sufragado
pela doutrina, ainda na vigência da antiga redação, que regulava a hipótese da mutatio
libelli importar em aplicação de pena mais grave.

Dispunha o artigo 384, caput, do Código de Processo Penal, sobre a desnecessidade


de aditamento, no caso do acréscimo não influenciar no quantitativo da pena, defendendo a
doutrina, nesta hipótese que, em ocorrendo, o aditamento poderia ser feito tanto pelo
Ministério Público, na ação penal pública, quanto pelo querelante, na ação penal privada.

Já na hipótese do parágrafo único do mencionado dispositivo legal, a doutrina, de


maneira geral, afirmava que, nos crimes de exclusiva ação penal privada, não poderia o
querelante fazer o aditamento,30 o qual só será cabível se houver sido instaurado processo
por crime de ação pública, quer tenha sido iniciado por denúncia ou queixa (na hipótese do
artigo 29 do Código de Processo Penal). Embora, tecnicamente, no caso de ação penal
privada subsidiária da pública, o aditamento devesse competir ao querelante, e somente se o
mesmo se quedasse inerte, a legitimidade para o ato processual passaria a ser do Ministério
Público – a previsão legal expressa era que o aditamento competia ao Ministério Público.31
30
Tourinho, em sua obra Processo penal, pp. 204 e 205 afirma que a hipótese prevista no parágrafo único do
art. 384 do Código de Processo Penal só se aplica aos crimes de ação penal pública, quer tenha o processo
sido instaurado por denúncia ou queixa. Já as hipóteses do caput do referido dispositivo, aplicam-se aos
crimes de ação penal pública ou privada. No mesmo sentido, da impossibilidade, ESPÍNOLA FILHO,
Eduardo. Código de Processo Penal Brasileiro anotado, p. 111, in verbis: “Quer dizer que ao querelante não é
lícito aditar a queixa, por motivo de agravação da situação do querelado, em razão de ter ficado provada
circunstância elementar, que dê ao fato nova definição jurídica [...]; deverá ser possível oferecer nova queixa.
E nem será lícito ao Ministério Público pretender aditar queixa, nas condições ora submetidas a exame, em
ação penal reservada, exclusivamente, à iniciativa da parte privada”.
31
Neste sentido: TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo penal, p. 206; GARCIA, Basileu.
Comentários ao Código de Processo Penal, p. 508.
28

Já havíamos nos manifestado, em nossa obra32, que esta vedação de aditamento pelo
querelante na ação penal privada, na hipótese da mutatio libelli importar em agravamento
da situação do acusado, não tinha razão de ser, pois não poderia ser considerada a situação
fática omissa da queixa como sendo objeto de renúncia tácita, praticada em razão do poder
dispositivo do querelante. Não se podia olvidar que a mesma situação relativa à ação penal
pública podia ocorrer na ação penal privada, como, por exemplo, se, no momento da
propositura da demanda, o substrato fático apurado possuía determinado contorno e, no
decorrer da instrução criminal, tornou-se mais complexo.

Neste caso, em nenhum momento, o demandante decidiu espontaneamente excluir


da tutela jurisdicional a elementar ou circunstância apurada: se não a incluiu na imputação,
desde logo, isso se deveu a total desconhecimento. Caso tivesse, desde o início, apreendido
a extensão do fato delituoso, sua imputação o abrangeria de forma ampla. Portanto, já
afirmávamos que impedir que o querelante incluísse na imputação os novos dados ou fatos
apurados acarretaria, em muitos casos, a absolvição do acusado, na hipótese de a infração
penal evidenciada ser incompatível com aquela descrita na queixa.33

Tais comentários ainda são pertinentes, ante a posição adotada pelo legislador ao
permitir o aditamento apenas ao Ministério Público, quer implique o acréscimo em
aumento ou diminuição da pena. Afastou o legislador a possibilidade do querelante
promover o aditamento da queixa na ação penal privada e na ação penal subsidiária da
pública.

A previsão do juiz incitar o Ministério Público a promover o aditamento, conforme


a antiga redação do parágrafo único do art. 384 do CPP era alvo de críticas. Afirmava boa
parte da doutrina que o juiz ao agir desta forma maculava sua imparcialidade, visto que já
se manifestava previamente sobre a necessidade de alteração do fato imputado e seu intento
em receber o aditamento. Com a reforma, independente da repercussão que o aditamento
possa causar no quantitativo da pena a ser aplicada, não é mais admissível que o juiz

32
A correlação entre Acusação e Sentença. Idem, pág. 141 .
33
Neste sentido, GARCIA, Basileu, op. cit., p. 508, e TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo
penal, p. 206. Em sentido oposto, TORNAGHI. Curso de processo penal, pp. 170-71, ao afirmar que “se o
crime for de ação penal privada, a lei subentende que o querelante, ao omitir na queixa a circunstância
elementar, usou de seu poder dispositivo. Por isso, o parágrafo único do art. 384 não aplica-se nesse caso”.
29

provoque o aditamento, tendo sido mantido, contudo, no papel anômalo de fiscal do


princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, ao encaminhar os autos ao Procurador-
Geral de Justiça, no caso do Promotor de Justiça não aditar a peça deflagradora da ação
penal.

2.8. Da necessidade do reinterrogatório

Embora configurando situações distintas, inexistindo qualquer liame entre o


aditamento preconizado pelo art. 384 do CPP com o aditamento para introduzir fato novo,
completamente diverso do inicialmente imputado ao acusado e por ele praticado, ou
conduta diversa praticada por algum co-autor ou partícipe não denunciado, trazido a seu
conhecimento na instrução criminal, a Lei nº 11.719/2008 inovou, prevendo decisão de
recebimento do aditamento e reabrindo para novo interrogatório do acusado. O re-
interrogatório do acusado decorre do rito procedimental ter sofrido alteração por este
diploma legal, passando as provas a serem produzidas em uma só audiência, na qual o
acusado é ouvido por último (arts.400 e 531 do CPP). Desta forma, se nesta audiência una,
momento no qual as provas orais são produzidas, for verificada a ocorrência de
circunstância ou elementar não contida na denúncia ou queixa, cabe ao Ministério Público
promover o aditamento oralmente, devendo este ser reduzido a termo, cindindo a audiência,
impedindo o imediato oferecimento de alegações finais, em razão do princípio do
contraditório.

Aditada a exordial, passando a imputação a sofrer um acréscimo, a fim de se


garantir observância do princípio do contraditório e da ampla defesa, abre-se vista ao
defensor para se manifestar e arrolar até três testemunhas. Busca-se preservar a ampla
defesa, facultando ao acusado defender-se dos novos elementos incluídos no thema
decidendum.

Já sustentávamos, ao tempo da antiga redação do dispositivo em comento, que a


adoção de medidas relativas a abertura de fase para manifestação e produção de provas pela
30

defesa apesar de preservarem o direito de defesa, não eram suficientes para garantir a
defesa em toda a sua amplitude, necessitando ser conjugada a parte do dispositivo que
permite à defesa ‘falar’ com o artigo 196 do mesmo diploma legal, permitindo novo
reinterrogatório do acusado, dando-lhe a oportunidade de exercer a autodefesa em relação
aos novos elementos introduzidos na imputação pela mutatio libelli.34

O legislador, ao reformar o dispositivo que regula a mutatio libelli eliminou esta


lesão ao princípio da ampla defesa, prevendo expressamente, em qualquer caso, novo
interrogatório do acusado.

Pela antiga redação do dispositivo não só o princípio da ampla defesa estava


maculado mas o contraditório não era garantido em toda a sua extensão. A garantia integral
do contraditório só ocorreria se fosse dada oportunidade para que a acusação tivesse
oportunidade de trazer suas alegações e produzir prova sobre os novos elementos
incorporados na imputação através do aditamento.

Respeitando o princípio do contraditório, o parágrafo 4º do atual art. 384 do Código


de Processo Penal prevê a possibilidade de cada parte arrolar até 3(três) testemunhas,
conferindo tratamento isonômico a ambas as partes, garantindo-se o respeito ao princípio
da igualdade processual.35

2.9. Do procedimento - do prazo para o aditamento e dos prazos concedidos à


defesa.

34
Magalhães, Maria Cristina Faria. Da correlação entre a Acusação e a Sentença, p. 157-8.
35
Neste sentido: GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal, p.84, in verbis:
“Tratando-se, pois, de um aspecto dos próprios direitos de ação e de defesa, seus titulares hão de ser os
mesmos aos quais o ordenamento reconhece tais direitos: assim, embora os textos internacionais antes
mencionados se refiram a um direito à prova do acusado, não vemos por que negá-lo aos titulares da ação
penal pública ou privativa do ofendido, pois se a Constituição (art. 129, I) ou a lei (art. 30, CPP) lhes confere
a iniciativa da persecução, obviamente também está lhes atribuindo os poderes de participação em todas as
atividades processuais, sobretudo aquelas destinadas à demonstração dos fatos em que se funda a acusação;
outra coisa não se deduz dos princípios constitucionais da igualdade e do contraditório”.
31

Antes da reforma legislativa produzida pela Lei 11.719/2008, o aditamento só era


necessário se a elementar ou circunstância nova apurada na instrução criminal importasse
aplicação de pena mais grave. Nesta hipótese, o juiz provocava este aditamento,
encaminhando os autos ao Ministério Público para tal fim, abrindo-se, em seguida, o prazo
de 3 (três) dias à defesa, para oferecer provas e arrolar até três testemunhas.

Contudo, se em conseqüência de prova existente nos autos de circunstância ou


elementar não contida na denúncia ou na queixa, o juiz reconhecesse a alteração do fato
processual, que não implicasse alteração da pena ou que implicasse diminuição desta, o
prazo concedido para a defesa se manifestar sobre o novo elemento, requerer produção de
prova, ter seu pedido deferido e produzir a prova era de 8 (oito) dias. Esta distinção não
tinha razão de ser, pois não se levava em conta a complexidade da prova a ser produzida,
mas apenas a quantificação da pena. Poderia ocorrer que um novo dado descoberto, que
implicasse diminuição da pena cominada, para ser rechaçado, demandasse a produção de
uma prova mais complexa do que um elemento que implique majoração da pena.

Ao analisar o prazo concedido no caput do artigo 384 do Código de Processo


Penal, antes da reforma, Basileu Garcia salientou que, do dispositivo, transparecia o intuito
de recomendação de que as diligências se realizassem no prazo fixado, sem considerá-lo
prazo fatal.

Com a nova redação, o prazo para a defesa arrolar testemunhas foi reduzido para 5
(cinco) dias. Prazo idêntico foi também conferido ao Ministério Público para arrolar
testemunhas, permitindo um contraditório efetivo.

Registra-se que este prazo é tão somente para arrolar testemunhas e não para
produzir a prova como anteriormente regulado. A produção da prova oral requerida pelas
partes, depois do recebimento do aditamento, ocorrerá na data designada pelo juiz para
continuação da audiência que foi suspensa. Nesta audiência serão ouvidas as testemunhas
arroladas, o acusado será novamente interrogado, serão realizados os debates orais e, por
fim, haverá o julgamento.
32

Segundo a nova redação do caput do art. 384 do CPP, encerrada a instrução


probatória (o que só ocorre durante a audiência una, quando as testemunhas são ouvidas e o
acusado interrogado), se o Ministério Público verificar o surgimento de um mínimo de
prova de elemento ou circunstância da infração penal, não contida na acusação, deverá
aditar a denúncia ou queixa (no caso de ação penal privada subsidiária da pública) , no
prazo de 5 (cinco) dias, reduzindo-se a termo o aditamento.

Pode ocorrer, nos termos do atual art. 402 do CPP, que ao final da audiência, o
Ministério Público, o querelante e o assistente e, a seguir, o acusado requeiram diligências
cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução. Neste caso, ao
examinar os autos detidamente, principalmente as provas produzidas na audiência, pode o
promotor de justiça verificar a presença de um mínimo de prova de circunstâncias ou
elementares da infração penal não descrita na peça acusatória, extrapolando o prazo de 5
(cinco) dias. Face o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, o prazo não preclui.

Promovido o aditamento pelo Parquet, o defensor do acusado se manifestará sobre


o aditamento no prazo de 5 (cinco) dias, permitindo o legislador com esta alteração amplo
contraditório na medida em que a defesa pode se manifestar sobre o novo elemento da
acusação e impedir sua alteração através da inclusão de nova elementar ou circunstância
não amparada por justa causa.

Recebido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia


e hora para a continuação da audiência, nos termos do parágrafo 2º do art. 384 do CPP.

O § 4º confere prazo de cinco dias para cada parte arrolar testemunhas, limitadas a
três para cada. Resta saber se o prazo, que já consta no caput do art. 384 para o Ministério
Público aditar a denúncia, e no § 2º para a defesa apresentar suas razões preliminares, é o
mesmo prazo para cada parte arrolar testemunhas. Adotando uma interpretação sistemática
com os dispositivos que regulam o procedimento ordinário, e que determinam que as
testemunhas sejam arroladas quando do oferecimento da inicial ou da defesa prévia,
concluímos ser o mesmo prazo, não abrindo-se novo lustro.
33

Adotando uma leitura que busque conferir celeridade ao procedimento do


aditamento, verificamos que o Ministério Público ao promover o aditamento deverá, no
mesmo momento, arrolar testemunhas e requer a designação de dia e hora para a
continuação da audiência.

O mesmo acontece quando o aditamento decorrer da aplicação do art. 28 da Lei


processual penal. Outro membro do Parquet atuará no processo na qualidade de longa
manus do Procurador-Geral de Justiça, devendo promover o aditamento. Portanto, em
qualquer hipótese, o aditamento será realizado pelo Ministério Público que terá todo o
interesse em promover a marcha do processo, requerendo designação de data para a
continuação da audiência.

Não recebido o aditamento, que consiste em acréscimo à denúncia, propiciando uma


imputação mais completa, o processo prosseguirá, sendo cabível a interposição de Recurso
em Sentido Estrito contra a decisão de rejeição do aditamento, aplicando-se por analogia, o
art. 581, inc. I do CPP.

2.10. Do reconhecimento de ofício de circunstância agravante e atenuantes na


sentença

A Lei no. 11.719, de 20 de junho de 2008 não alterou o artigo 385 do Código de
Processo Penal, sobre o qual já discorremos em nossa obra A correlação entre Acusação e
Sentença nas Ações Penais Condenatórias nos seguintes termos: ““O art. 385 do Código
de Processo Penal dispõe que: “nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir
sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição,
bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada”. Este dispositivo
legal permite que o juiz, ao sentenciar, considere circunstâncias agravantes genéricas
(artigos 61 e 62 do Código Penal) não descritas na denúncia ou queixa, isto é, não
34

imputadas ao réu, criando uma distinção entre circunstância que agrava a pena prevista na
parte geral do Código e a prevista em sua parte especial. Dessa forma, faz tábula rasa do
princípio da correlação entre imputação e sentença.

A sentença que considera circunstância agravante não imputada ao acusado causa


surpresa à defesa, que sequer teve oportunidade de se manifestar sobre a mesma e de fazer
prova de sua não-ocorrência. Deste modo, deixa de poder influir no convencimento do juiz,
verificando-se a violação do princípio do contraditório e da ampla defesa.

Se a agravante consistir em fato ou dado novo, não mencionado na denúncia, e vier


ao conhecimento do julgador através da instrução criminal, deve ser objeto de aditamento,
nos termos do artigo 384, parágrafo único, do Código de Processo Penal, quer esteja
prevista na parte geral, quer na parte especial do Código Penal. 36 Caso contrário, na
hipótese de seu reconhecimento se dar de ofício, estará o julgador atuando em franca
contradição com o artigo 129, inc. I, da Constituição Federal.

É bom lembrar que o artigo 41 do Código de Processo Penal determina que a


denúncia ou a queixa deve conter “a exposição do fato criminoso, com todas as suas
circunstâncias”, incluindo-se aquelas que agravam a pena. O legislador procura garantir que
a defesa tome conhecimento de toda a acusação, para que possa defender-se do fato
imputado em toda sua extensão”.

Porém, em relação às circunstâncias atenuantes genéricas ou específicas apuradas na


instrução criminal, seu aditamento é prescindível. As circunstâncias atenuantes não
acarretam o enquadramento do fato apurado em crime diverso do imputado na peça

36
Neste sentido: RANGEL, Paulo. O garantismo penal e o aditamento à denúncia. Em sentido contrário,
FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional, p.177, in verbis: “Quanto ao
reconhecimento de agravantes pelo juiz, conforme autoriza o art. 385 do CPP, não nos parece que haja a
inconstitucionalidade alegada pelo autor, por ofensa à mesma disposição do art. 129, I. Não há nesta hipótese
mudança na acusação. O fato é o mesmo. As circunstâncias que o tipificam são as mesmas. A agravante influi
na fixação da pena e, mesmo sendo admitida, poderá a punição ser mínima ante a existência também de
circunstâncias atenuantes. O que se pode aventar é ofensa ao amplo direito de defesa, afirmando
constitucionalmente, quando a pena seja estipulada acima do mínimo, pois o réu, ante a admissão pelo juiz de
agravante não pretendida pela acusação, não teve oportunidade de se manifestar a respeito e, assim, poder
influir no pronunciamento judicial”. Entretanto, não levou em conta este autor que o fato considerado para
fins de verificar a observância do princípio da correlação entre a acusação e a sentença é o fato processual, e
não o fato penal.
35

acusatória, mas apenas que a conduta do réu incidiu numa circunstância que implica
redução de pena.

As circunstâncias atenuantes apuradas consistem em matéria de defesa, não havendo


qualquer exigência para que, no momento da defesa prévia, exponham-se todas as teses
defensivas;37 consistindo a circunstância atenuante genérica ou específica, em causa
modificativa da pretensão processual.

A pretensão processual penal é composta pelo pedido e pela causa de pedir. Nas
ações condenatórias, apesar de o pedido ser sempre de condenação do réu, há um certo grau
de especificidade, uma vez que se pugna pela condenação a uma determinada pena, a ser
fixada entre o mínimo e o máximo cominado ao tipo penal imputado. O ingresso no
processo de circunstância que implique causa de diminuição de pena caracteriza, para a
defesa, fato modificativo da pretensão do demandante, no que se refere ao quantitativo de
pena postulada.

O réu já se desincumbiu do ônus de provar o fato modificativo, devendo apenas


alegar sua ocorrência em suas alegações finais, para que o juiz se manifeste na sentença.
Desta forma, a inércia do demandante – querelante ou Ministério Público – estará suprida,
impedindo que o juiz se veja obstado de se pronunciar, para, na sentença, levar em
consideração a circunstância apurada.38

37
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy, op. cit., p.186.
38
Neste sentido, NUOVOLONE, Pietro. Contributo alla teoria della sentenza istruttoria penale, p. 127:
“Questa definizione poggia sopra un principio generale che governa il processo:il giudice può ritenere in
sentenza cause di non punibilitá (inteso questo concetto in senso lato) totale e parziale indipendentemente
dall’essere queste cause radicate in fatto nella imputazione, perché l,imputazione há solamente il compito di
mettere in rilievo quelle circostanze di fatto che possone essere motivo di un’affermazione, non di una
negazione di responsabilitá: non può, invece ritenere cuase di aggravamento della responsabilitá, che non
siano radicate in fatto nella imputazione; e non può, in ogni caso, mutare totalmente (es. da rapina a lesione)
in sentenza la fattispecie concreta oggetto della imputazione definitiva, anche se la nuova fattispecie importa
conseguenze meno gravi, o se, comunque, la sentenza assolve com formula piena; perché in questo caso, pur
non violando talvolta il diritto di difesa, emanerebbe una sentenza senza processo: il che è assuro”.
36

3. Correlação entre imputação e sentença no procedimento do Tribunal do Júri

Ainda sob a égide do Código de Processo Penal de 1941, afirmava-se que o


procedimento dos crimes de competência do tribunal do júri era bifásico. A primeira fase –
denominada judicium accusationis – iniciava com a denúncia e terminava com a sentença
de pronúncia; a segunda fase – denominada judicium causae –, começava com o libelo e se
concluía com a sentença.

No procedimento do júri, até então, a correlação entre a imputação inicial e a


sentença devia ser mantida, considerando estes dois atos processuais relevantes (decisão de
pronúncia e libelo). A pronúncia devia ater-se aos limites da denúncia, situação que
mantém-se inalterada. O juiz não pode pronunciar o denunciado por fato que não conste na
denúncia e que não seja objeto de aditamento por parte do Ministério Público. Não cabe ao
juiz aditar de ofício, sob pena de violar comando constitucional previsto no artigo 129, inc.
I, da Constituição Federal.

Após a sentença de pronúncia, a acusação devia oferecer o libelo, que também não
podia ultrapassar os limites desta decisão.39 A sentença prolatada na fase de julgamento em
plenário acolheria ou rejeitaria o libelo.

Contudo, dentre as alterações trazidas pela Lei 11.689, de 9 de junho de 2008 temos
a supressão do libelo. Preclusa a decisão de pronúncia, os autos serão encaminhados ao juiz
presidente do Tribunal do Júri ( art. 421), caso não seja o mesmo juiz que presida a
primeira fase do procedimento, conforme disposto na Lei de Organização Judiciária Local.
Logo após, as partes serão intimadas para apresentarem rol de testemunhas que irão depor
em plenário, oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligências(art.
422). Em seguida, o juiz deliberará sobre requerimento de provas a serem exibidas ou
produzidas em plenário, ordenará diligências necessárias para sanar irregularidades e fará
relatório sucinto do processo, determinando sua inclusão em pauta (art. 423).

39
MARQUES, Frederico, A instituição do júri,, p. 230; TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo
penal, p. 50. Segundo este: “A pronúncia bitola o libelo. Aquela giza os contornos deste”.
37

Desta forma, a pronúncia deve ater-se ao limites da imputação inicial e a sentença


deve ater-se aos limites da pronúncia.

Na primeira fase do novo procedimento, o legislador inclui a primeira norma


específica a este procedimento, que regula a correlação entre imputação e sentença,
prevendo expressamente a possibilidade de aplicação da mutatio libelli no procedimento do
júri, evitando-se o emprego de analogia à regra do art. 384 do Código de Processo Penal40,
conforme era defendido por alguns doutrinadores.

Dispõe o parágrafo 3º do art. 411 do Código de Processo Penal com a redação que
lhe foi conferida pela Lei 11.689/2008 que “ Encerrada a instrução probatória, observar-
se-á, se for o caso, o disposto no art. 384 deste Código.”

O art. 384 do CPP trata da mutatio libelli, já comentada neste trabalho. Não
trazendo quanto à sua aplicação qualquer inovação.

O Projeto de Lei 156/2009 ao tratar do procedimento relativo aos processos da


competência do Tribunal do Júri, no art. 313 que regula a audiência de instrução, previu no
seu §3º que “Encerrada a instrução probatória, observar-se-á, se for o caso, o disposto no
art. 410”. Repetiu a Comissão de Juristas que o elaborou a redação do parágrafo 3º do art.
411 do Código de Processo Penal, contudo, ao invés de se reportar ao art. 408 que trata da
mutatio libelli, se reportou ao art. 410, que regula as causas de absolvição do réu, o que nos
parece ilógico, pois ainda estão por vir as alegações orais e as hipóteses de absolvição nesta
fase do procedimento do júri estão previstas no art. 317. Concluímos que foi um erro de
impressão e a norma mantém-se inalterada no projeto.

A regra que possibilitava expressamente a emendatio libelli por parte do juiz,


prevista anteriormente no 4º do artigo 408, segundo a qual “o juiz não ficará adstrito à
classificação do crime, feita na queixa ou denúncia, embora fique o réu sujeito à pena
mais grave, atendido, se for o caso, o disposto no artigo 410 e seu parágrafo”, com as
alterações feitas pela nova lei, passou a estar disposta no art. 418 do CPP, localizando-se
topograficamente após o dispositivo que trata da decisão de pronúncia.
40
MARQUES, Frederico, op. cit., p. 234; GRINOVER et al., Ada Pellegrini, As nulidades no processo penal,
p. 183.
38

Reza o art. 418 que “O juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa da
constante da acusação, embora o acusado fique sujeito a pena mais grave.”

O dispositivo em questão prevê a aplicação da regra jura novit curia no momento da


pronúncia. Versa o dispositivo em comento sobre a hipótese prevista no artigo 383 do
Código de Processo Penal. O juiz, se não concordar com a classificação jurídica do fato
firmada pela parte acusadora na denúncia, poderá apresentar nova classificação, desde que
não altere o fato imputado. O dispositivo legal menciona a possibilidade apenas de alterar a
classificação do fato, não mencionando nada sobre a inclusão de fato não descrito na
imputação e apurado no curso do processo.

Caso esta nova capitulação jurídica se refira a crime que não seja da competência do
Tribunal do Júri e não for o juiz presidente competente para o julgamento, remeterá os
autos ao Juiz que o seja. Esta regra, agora prevista no art. 419 do CPP, antes da edição da
Lei 11.689/2008 se encontrava 4º do artigo 408, que em sua segunda parte fazia ressalva à
aplicação do artigo 410 e seu parágrafo único. Este artigo, em seu caput, previa a
possibilidade de essa nova capitulação referir-se a crime que não fosse da competência do
Tribunal do Júri e sua remessa para o juízo competente, nada trazendo de novo a nova lei
neste ponto.

No Projeto de Lei 156/2009, o art. 320 que regula a emendatio libelli no Tribunal do
Júri trouxe uma inovação ao dispor: “O juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa
da constante da acusação, embora o acusado fique sujeito a pena mais grave, sendo –lhe
vedada a alteração substancial da acusação” (grifo nosso) Verificamos um afastamento
da disciplina da emendatio libelli que, até então, consiste tão somente na alteração da
qualificação jurídica do fato processual descrito na denúncia, que mantém-se inalterado,
passando a confundir-se com a mutatio libelli.

Entretanto, o aludido projeto, ao regular a emendatio libelli nos procedimentos


comuns prevê sua ocorrência sem o juiz modificar a descrição do fato contida na denúncia,
praticamente repetindo a redação do art. 383 do CPP (com a alteração introduzida pela Lei
nº 11.719/2008). A única diferença é a exclusão da possibilidade da emendatio libelli
39

ocorrer na ação penal privada, suprimindo da redação do dispositivo o substantivo


“queixa”, uma vez que o projeto elimina a ação penal privativa do particular.

Ambos os dispositivos conflitam, pois conferem feição distinta a um mesmo


instituto, dependendo do procedimento no qual é aplicado, merecendo o art. 320 do projeto
de lei uma nova redação, para recolocar a emendatio libelli nos trilhos.

Pode ocorrer que, após a decisão de pronúncia, seja verificada a superveniência de


circunstância que modifique a qualificação jurídico-penal do fato objeto da pronúncia. A
regra que permite que a decisão de pronúncia seja modificada, consistindo esta permissão
numa exceção à sua eficácia preclusiva, que antes se encontrava sediada no artigo 416 do
Código de Processo Penal, com a nova redação conferida Lei 11.689/2008, passou a ser
inserta no §1º do art. 42141 do referido diploma legal.

Em verdade, esta exceção regula a situação na qual ocorre uma alteração do próprio
fato. É o caso, por exemplo, de o réu ser pronunciado por homicídio tentado e, após a
decisão de pronúncia, tem-se notícia de que o mesmo veio a falecer em conseqüência das
lesões provocadas pelo acusado.

A alteração trazida pela nova lei merece aplausos, pois passou a prever remessa dos
autos ao Parquet para que tenha ciência da superveniência da circunstância que altera a
classificação do delito e possa proceder ao aditamento.

Na hipótese em comento, antes, juntada aos autos a prova do óbito após a decisão de
pronúncia, podia o juiz alterá-la, emendando-a ou produzindo outra, abrindo-se em seguida
vista à acusação para oferecimento de libelo, em conformidade com a nova decisão de
pronúncia.42 A simples alteração da decisão de pronúncia não era suficiente para se manter
intocável o princípio da correlação entre imputação e sentença. Não bastava que o juiz
modificasse a pronúncia, se esta não se encontrava em conformidade com a denúncia. Além
disso, não pode o juiz considerar a circunstância superveniente de ofício, na pronúncia, sem
41
Art. 421. Preclusa a decisão de pronúncia, os autos serão encaminhados ao juiz presidente do Tribunal do
Júri.
§1º Ainda que preclusa a decisão de pronúncia, havendo circunstância superveniente que altere a
classificação do crime, o juiz ordenará a remessa dos autos ao Ministério Público.
§2º Em seguida, os autos serão conclusos ao juiz para decisão.
42
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Código de Processo Penal Comentado, p. 36.
40

que o titular da ação penal a altere, sob pena de violar, além do princípio da correlação
entre imputação e sentença, o princípio acusatório.

A nova disciplina do §1º do art. 421, prevendo a remessa dos autos ao Ministério
Público, que cumprirá promover o aditamento, se adequa ao princípio da correlação entre
imputação e sentença e ao princípio acusatório. Promovido o aditamento, impõe-se abertura
de vista dos autos para a defesa se manifestar, respeitando-se o princípio do contraditório,
para depois advir a nova decisão.

Se a alteração sofrida pelo fato só chegar ao conhecimento da parte acusadora na


sessão do júri, outra solução não restará senão requerer a dissolução do conselho de
sentença, para que seja aditada a denúncia. Em seguida, o juiz proferirá outra decisão de
pronúncia.

Diverso será o tratamento se, ao invés de ocorrer a alteração do fato processual,


descobre-se, após a pronúncia, a existência de uma circunstância que ocorrera antes desta.
O fato processual permanece o mesmo, apenas não se tinha toda a compreensão deste
quando do oferecimento da denúncia, só vindo a tê-la após a decisão de pronúncia. Neste
caso, inexiste permissivo legal para se alterar a decisão de pronúncia, alcançada pela
preclusão, na hipótese de já ter decorrido o prazo recursal sem que tenha havido
interposição de recurso em sentido estrito ou que, em havendo, tenha sido improvido.

A possibilidade de modificação da decisão de pronúncia quando ocorre alteração do


próprio fato dá-se em virtude da aplicação da cláusula rebus sic stantibus, o que significa
que a decisão permanece imutável enquanto não se alterar a situação fática na qual foi
proferida.43 Já nesta segunda hipótese, a situação fática sobre a qual foi proferida a decisão
de pronúncia não sofreu alteração, apenas se tomou conhecimento tardiamente de uma
circunstância já existente à época do oferecimento da denúncia.

Não sendo mais cabível a alteração da pronúncia e tendo o crime sido fixado por
esta com as circunstâncias pelas quais o réu será julgado pelo tribunal do júri, este não

43
Neste sentido, BADARÓ, Gustavo Henrique Ivahy, op. cit., p. 204.
41

poderá considerar outros elementos não constantes na pronúncia, sob pena de violação do
princípio da correlação entre imputação e sentença.

É a hipótese de o acusado ser denunciado pela prática de homicídio simples e, após


a decisão de pronúncia, descobrir-se que o crime foi praticado mediante emboscada: não
poderá mais ser condenado pelo homicídio qualificado. Assim, deverá ser julgado pelo fato
descrito na denúncia, que guarda correspondência com a decisão de pronúncia; havendo
prova de que o fato descrito realmente ocorreu, poderá ser condenado pela imputação
original. Ainda que a sentença não reproduza a verdade em sua íntegra, mas apenas
parcialmente, não o fará em prejuízo do acusado. Contudo, se a descoberta desta nova
circunstância demonstrar que o fato não ocorreu como descrito na denúncia e na pronúncia,
a única solução possível é a absolvição do acusado.44

Permite o atual art. 492 do CPP que o juiz presidente considere circunstâncias
agravantes ou atenuantes alegadas pelas partes nos debates ao proferir sentença
condenatória, fazendo tábula rasa do princípio da correlação entre acusação e sentença.
Sobre o tema remetemos o leitor ao ítem 2.10 deste trabalho.

6.1. O aditamento para inclusão de novos réus

O atual art. 417 do Código de Processo Penal dispõe:

“ Se houver indícios de autoria ou de participação de outras pessoas não


incluídas na acusação, o juiz, ao pronunciar ou impronunciar o acusado,
determinará o retorno dos autos ao Ministério Público, por 15 (quinze) dias,
aplicável, no que couber, o art. 80 deste Código.”

44
Ibidem, p. 206.
42

Ainda que exista prova suficiente da culpabilidade de outros indivíduos aos quais
não foram imputados os fatos descritos na denúncia, não pode a decisão de pronúncia os
alcançar. Esta situação só será revertida se houver aditamento por parte do Ministério
Público, para inclusão dos novos réus no pólo passivo da relação processual.
Em virtude do princípio da obrigatoriedade no exercício da ação penal, o Ministério
Público, ao verificar, no curso da ação penal, a presença de indícios da culpabilidade de
outro indivíduo não denunciado, quer na condição de autor, quer na condição de partícipe,
deve aditar a denúncia para inseri-los.
Regramento semelhante já se encontrava previsto na Lei processual antes das
alterações introduzidas pela Lei 11.689/2008. Entretanto o parágrafo 5º do artigo 408 do
Código de Processo Penal45 que regulava a hipótese previa expressamente o retorno dos
autos ao Ministério Público para aditamento da peça inicial.

A previsão legal de provocação por parte do órgão jurisdicional revela uma


fiscalização do princípio da obrigatoriedade, que norteia a atuação ministerial. Contudo,
essa provocação era dirigida erroneamente ao promotor de justiça, quando deveria ser
incitado o Procurador-Geral de Justiça.

A inércia do Ministério Público, no sentido de não incluir indivíduos apontados na


instrução criminal como co-autores ou partícipes da infração cuja apuração se realiza,
caracteriza o arquivamento implícito, tendo em vista o disposto no artigo 77, inc. I, do
Código de Processo Penal46 e artigo 79, caput, do Código de Processo Penal.47 Neste caso,
o controle da observância do princípio da obrigatoriedade, seguindo o sistema introduzido
pelo artigo 28 do Código de Processo Penal48, deveria ser realizado através da remessa dos
45
Artigo 408, parágrafo 5º do Código de Processo Penal : “Se dos autos constarem elementos de
culpabilidade de outros indivíduos não compreendidos na queixa ou na denúncia, o juiz, ao proferir a decisão
de pronúncia ou impronúncia, ordenará que os autos voltem ao Ministério Público, para aditamento da peça
inicial do processo e demais diligências do sumário”.

46
Art. 77, I, do Código de Processo Penal: “A competência será determinada pela continência quando: I –
duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração”.
47
Art. 79 do Código de Processo Penal: “A conexão e a continência importarão unidade de processo e
julgamento, salvo: I – no concurso entre a jurisdição comum e a militar; II – no concurso entre a jurisdição
comum e a do juízo de menores”.
48
Segundo JARDIM, Afrânio Silva, Arquivamento e desarquivamento do inquérito policial – direito
processual penal, p. 233: “Em face da Súmula nº 524 do Supremo Tribunal Federal, tendo em vista que o
aditamento à denúncia pode importar em um desarquivamento do que estava implicitamente arquivado,
exigem-se novas provas para validamente fazer-se tal aditamento, muito embora na prática do foro a questão
43

autos ao Procurador-Geral de Justiça. Porém, melhor solução seria que o controle do


princípio da obrigatoriedade fosse realizado por um dos órgãos superiores do Ministério
Público, afastando qualquer feição inquisitiva sobre este controle.

também não tenha sido devidamente percebida.”


Súmula nº 524 do Supremo Tribunal Federal: Arquivado o inquérito policial por despacho do juiz, a
requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas.
44

Conclusão

As alterações legislativas trazidas pelas Leis 11.689/2008 e 11.719/2008 em relação


aos institutos da emendatio libelli e mutatio libelli, foco do nosso trabalho, buscaram
compatibilizar os dispositivos de nossa lei processual penal com o texto constitucional, que
se encontravam em total descompasso entre si em decorrência das orientações políticas que
nortearam o Código de Processo Penal de 1941 e a Carta Política de 1988.

Houve avanços. Contudo, em alguns pontos as mudanças empreendidas foram


insuficientes para conferir total feição acusatória aos dispositivos que positivam o princípio
da correlação entre a acusação e a sentença.
45

Em relação à emendatio libelli, o legislador se limitou em atualizar o art. 383 do


CPP com as orientações fixadas pela jurisprudência, perdendo a oportunidade de regular a
abertura de vista às partes para se manifestar sobre a nova definição jurídica do fato,
ajustando-o ao princípio do contraditório.
No que se refere `a mutatio libelli, andou bem a Lei nº 11.719/2008, ao eliminar as
imprecisões terminológicas do art. 384 do CPP e a imputação implícita, impedindo
qualquer surpresa à defesa, em respeito às diretrizes constitucionais. Da mesma forma, ao
prever o aditamento, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou
circunstância da infração penal não contida na acusação, independente da repercussão no
quantitativo de pena a ser aplicado.
Embora tenha procurado afastar o aditamento provocado, ao manter a função
anômala do juiz como fiscal da observância do princípio da obrigatoriedade da ação penal
pública pelo Parquet, através da provocação do Procurador-Geral de Justiça, deixou de
submeter integralmente a disciplina da mutatio libelli às diretrizes constitucionais. Caberá
ao Projeto de Lei 156/2009 adequar integralmente o controle do arquivamento e do
aditamento ao princípio acusatório.
A proibição da imputação alternativa, impedindo que o julgador aprecie o fato
original descrito na peça acusatória, contraria os princípios da obrigatoriedade e da
indisponibilidade da ação penal pública, além de ir de encontro ao postulado da economia
processual.

O legislador perdeu a oportunidade de abolir a possibilidade do julgador reconhecer


na sentença circunstâncias agravantes genéricas não imputadas ao réu na peça acusatória
(artigos 61 e 62 do Código Penal), mantendo a violação à regra da correlação entre
imputação e sentença.

Como verificado, as deficiências da lei não foram totalmente banidas, deixando um


largo campo de trabalho para o Projeto de Lei nº 156/2009, que em relação aos institutos da
mutatio libelli e emendatio libelli apresenta tímidos avanços. Nesse contexto, se as
modificações necessárias não forem implementadas ao longo do trabalho de discussão do
referido projeto, caberá aos julgadores o contínuo trabalho de atuação interpretativa para
ajustar a letra do Código aos princípios basilares abraçados pela Carta Magna.
46

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