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Revoltas dos Quebra-Quilos. Levantes contra a imposição do Sistema Métrico Decimal.

Viviane de Oliveira Lima*

Resumo:
Na segunda metade do século XIX percebemos a tentativa do governo imperial em
modernizar o Brasil. Essa tentativa surgiu a partir da necessidade de colocar a recém-criada
nação à altura das nações européias, ditas civilizadas. No entanto, um grande obstáculo se pôs
nesse caminho, já que o Brasil ainda concentrava a maior parte de suas riquezas na área rural,
o que fazia dos grandes latifundiários os donos do poder, também, possuía a grande maioria
da população de escravos e homens livres e pobres. Diante da imposição do novo sistema
métrico decimal, vários grupos de homens livres e pobres se levantaram contra o governo
imperial. Este artigo discute não apenas as causas das revoltas, mas também sua importância
como manifestação popular contras as instituições governamentais, seus aspectos econômicos
e sociais no meio rural nas últimas décadas do império.
Palavras-chave: Império do Brasil, Sistema de Pesos e Medidas, Quebra-quilos, Cultura.

Resumé:
Dans la seconde moitié du XIXe siècle, nous voyons la tentative du gouvernement
impérial en vue de moderniser le Brésil. Cette tentative est née de la nécessité de mettre la
nation nouvellement créée à la hauteur des nations européennes, soi-disant civilisé. Toutefois,
un obstacle majeur se de cette façon, puisque le Brésil a concentré la plupart de leur richesse
dans les zones rurales, ce qui fait les grands propriétaires terriens possèdent le pouvoir, lui
aussi, avait l'immense majorité de la population d'esclaves et de libre et pauvre. Avant
l'imposition du système métrique nouvelle, plusieurs groupes d'hommes libres et les pauvres
se sont élevés contre le gouvernement impérial. Cet article discute non seulement les causes
des émeutes, mais aussi son importance en tant que manifestation populaire contre les

*
Mestre em História pela Universidade Federal Fluminense com a dissertação “Revoltas do Quebra-quilos –
Levantes populares contra o Sistema Métrico Decimal”, defendida em 2006.
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institutions gouvernementales, leurs aspects économiques et sociaux dans les zones rurales au
cours des dernières décennies de l'empire.

Mots-clés: Empire du Brésil, du système des poids et mesures, les Casse-Kilos, de la culture.

Os quebra-quilos.

O ano de 1874 seria comum na história das províncias de Pernambuco, Paraíba, Rio
Grande do Norte e Alagoas se, em seus últimos meses, não tivessem ocorrido manifestações
de insatisfação popular contra novas leis criadas pelo governo Imperial.
Estava tudo pronto para as feiras começarem, até que surgiram os primeiros sinais de
desagrado à utilização de um novo sistema de pesos e medidas. Manifestantes gritavam que
naquele dia ninguém compraria ou venderia com os novos padrões do sistema métrico e que
não pagariam os impostos. A força pública encontrava-se presente para manter a “ordem” e a
“tranqüilidade” do andamento da feira, porém, não conseguiram impedir que os revoltosos
destruíssem os instrumentos de medição e se dirigissem para outros estabelecimentos
comerciais fazendo o mesmo, invadiram as coletorias, Câmaras Municipais e cartórios para
destruírem documentos ali existentes, como listas de impostos, hipotecas e etc. Além de
invadirem também as cadeias para soltar os presos.
Estes atos, de aparente vandalismo, refletiam a insatisfação das camadas populares
com a implantação do Sistema Métrico Francês, substituindo o antigo sistema de pesos e
medidas no Brasil. Os governantes tinham a intenção de, com esta medida, “ordenar” e
“civilizar” o território, porém, os homens livres e pobres não compartilhavam desta idéia, uma
vez que o comércio, as relações pessoais, e o seu dia-a-dia possuíam uma ordem própria.
Portanto, eles não aderiram ao ideal das elites de ordenar um espaço que, no entender deles, já
estava ordenado.
Desconfiados das mudanças impostas pelo governo, esses homens se revoltaram.
Iniciou-se então o movimento, que consistia na quebra dos novos instrumentos de medição, o
que lhes rendeu o nome de Quebra-Quilos.
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Para compreender os motivos que levaram a Coroa Brasileira a substituir o antigo
sistema de pesos e medidas pelo sistema métrico decimal, é preciso entender que ao se tornar
independente, a necessidade de modernização nos moldes conservadores se tornou latente, e o
Brasil, que no período colonial era obrigado a executar as medidas impostas pela metrópole
portuguesa, passava a voltar seus olhos para a França. Um exemplo disso vem do campo
jurídico, com a influência exercida pelo Código Napoleônico de 1804 (o código civil francês),
aos juristas brasileiros, como afirmam Gizlene Neder e Gisálio Cerqueira em Os Filhos da
Lei.
Transpondo esta idéia também para o campo administrativo, tivemos a mudança do
sistema de pesos e medidas vigente para o sistema métrico decimal que foi criado logo após a
Revolução Francesa. O novo sistema métrico decimal passou a ser o único sistema aceito na
França a partir de 1837. Os franceses tinham o objetivo de criar um sistema de pesos e
medidas confiável e avaliado cientificamente, para que pudessem assim, romper com o
passado de um sistema marcado por regionalismos que impediam o cálculo exato das
medidas. Para isso, o novo sistema se embasou nas dimensões terrestres e logo em seguida foi
adotado por outros países que compartilhavam dos interesses franceses de criar um sistema
universal que facilitasse o comércio internacional. (DIAS, 1998: 13-15)
Além disso, a novidade do sistema métrico se unia a uma série de transformações e
inovações ocorridas na sociedade francesa, deixando implícito que essas inovações
significavam quase o mesmo que as palavras de ordem do período: “progresso” e
“modernização”.
Foi preciso criar medidas complementares, devido às inovações da ciência, porém,
naquele momento, um sistema único de medidas era necessário para que a comunicação das
novas descobertas e idéias modernas fossem facilitadas. A sofisticação do sistema métrico
representava um avanço das teorias científicas, se enquadrando bem aos ideais propostos no
período e deixando para trás as heranças do passado feudal, sinônimo de atraso científico,
intelectual e econômico.
No Brasil, a idéia foi adotada também com o objetivo de modernizar o país e, segundo
seus defensores, traria o progresso e a civilização.
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As dificuldades em organizar o sistema de pesos e medidas no país eram muitas, como
a falta: de instrumentos de medição, de fiscalização, de pessoas habilitadas para fazerem as
aferições ou do próprio regimento de medição. Todos esses motivos e a variedade dos padrões
utilizados contribuíam ainda mais para a corrupção no momento da aferição.
Uma Comissão composta por Antonio Gonçalves Dias, Giacomo Raja Gabaglia e
Guilherme Schuch de Capanema obteve contato com o sistema métrico francês, o que
possibilitou o início das conversas para adoção desse sistema no Brasil, que realmente acabou
acontecendo em 1862 após valiosas discussões na Câmara dos Deputados.
Assim em 26 de junho de 1862 foi decretada a Lei nº 1.157 onde era substituído em
todo o Império, o atual sistema de pesos e medidas pelo Sistema Métrico Francês e,
estabelecendo o prazo de 10 anos para o aprendizado do novo sistema.
Permeando o pensamento dos deputados que discutiam a questão estava a idéia de
modernização, se contrapondo a preocupação com as tradições e costumes da população que
já se encontrava adaptada ao antigo sistema de pesos e medidas.
Dez anos depois de aprovada a lei, exatamente no término do prazo de adaptação e
quando esta ia entrar definitivamente em vigor, vimos ressurgir a discussão na Associação
Comercial do Rio de Janeiro, que também criou uma comissão para estudar o assunto, já que
a medida afetaria as transações comerciais e, principalmente, ao seu ramo mais importante, o
comércio de exportação. Além disso, os custos com os novos pesos seriam de
responsabilidade do comerciante e até aquela data eles ainda não estavam preparados para o
uso no novo sistema métrico.
O ensino do uso e conversão de um sistema para outro previsto pela lei, ao que
podemos perceber, não foi exemplarmente realizado. Encontramos alguns manuais criados
para o ensino do novo sistema em escolas primárias do Rio de Janeiro, contudo, aqueles que
não tinham acesso às escolas estavam automaticamente excluídos do dito aprendizado. Nos
jornais que circulavam pelo Rio de Janeiro, o Jornal do Comércio, por exemplo, encontramos
anúncios de pessoas oferecendo aulas sobre o novo sistema, e obviamente estas aulas não
seriam gratuitas. Isso, já no ano de 1873, ou seja, após o prazo instituído pela lei para o
ensino do sistema métrico à população. Portanto, o sistema métrico francês, além de difícil
compreensão, era também ensinado a alguns em detrimento da maioria da população.
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Os próprios comerciantes, que utilizariam diretamente os novos padrões do sistema só
tiveram acesso a eles no ano de 1872. Portanto, podemos dizer que o Governo impôs o
sistema métrico repentinamente, não houve ensinamento, nem conscientização da população
sobre sua necessidade, e o prazo de dez anos para que a lei entrasse em vigor, simplesmente
esquecido, ou melhor, ignorado.
Contudo, destacamos que esta reivindicação partiu de uma instituição organizada
como a Associação do Comércio do Rio de Janeiro, localizada na Corte, centro dos
acontecimentos. Se pensarmos nos pequenos comerciantes do Norte do Império, não é
demais, calcular que tais inovações não tenham sido discutidas, muito menos incentivadas ou
ensinadas, lembrando a dificuldade de que as notícias, as idéias e até mesmo as leis, tinham
de chegar à “periferia” do Império. Demonstrando a despreocupação dos governantes com os
pequenos comerciantes, além da população de baixa renda que poderia ter dificuldades com a
conversão. Como a população livre e pobre se fazia representar? Principalmente, como se
comportava o comércio fora da capital do império?
Acreditamos que estes pequenos comerciantes, aliados aos homens livres pobres, é
que motivaram as revoltas dos Quebra-Quilos, em nome de seus costumes e tradições há
muito adquiridos. E que em vários locais do país, o antigo sistema de pesos e medidas
continuou a ser utilizado.
Este recém-independente país era habitado por pessoas abastadas e homens livres e
pobres que viviam em mundos muito distintos, não geograficamente, mas ideologicamente.
Por isso, seus objetivos, vez por outra se chocavam. O progresso para os homens livres não
significava se tornar uma nação bem vista internacionalmente, essa não era sua intenção, o
que estes homens reivindicavam era melhores condições de vida.
Consideramos que as revoltas aconteceram, principalmente, por causa da insatisfação
popular com a mudança do sistema de pesos e medidas, já que o antigo sistema encontrava-se
bastante enraizado em seus costumes, e fazia parte do cotidiano destas pessoas. A imposição
do sistema métrico francês representava a invasão direta do Governo na vida dos brasileiros.
No entanto, as revoltas partiram dos nordestinos que se sentiam esquecidos pelo governo, pois
este não tomava medidas para melhorar as suas condições de vida.
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Não queremos com isso, induzir o leitor a pensar que a revolta possuía um caráter
conservador que buscava apenas à volta aos velhos costumes, e nem a idéia de que a
população não aceitaria nenhum tipo de transformação. As mudanças, por mais que assustem,
são possíveis em qualquer sociedade, desde que aconteçam paulatinamente e com a
conscientização de seus habitantes, para que eles entendam a sua necessidade e os benefícios
que trará.
Destacamos as questões culturais, os hábitos e costumes da população, que sofreram a
repentina interferência do governo sem que houvesse uma preparação para isso. O ensino do
novo sistema em escolas primárias e a distribuição de tabelas de conversão, previstos na lei de
1862, não foram suficientes, uma vez que não abrangeu toda a população, que era de maioria
analfabeta segundo o censo de 1872. Além disso, as medidas tomadas na Corte nem sempre
eram exemplarmente executadas no “Norte do Império”. Sendo assim, as manifestações mais
violentas das revoltas ocorreram na região, pois toda a insatisfação da população contra o
governo foi reunida nas manifestações dos quebra-quilos.
Além dos fatores já mencionados, as revoltas entrelaçam questões políticas, religiosas,
militares, econômicas e sociais, no contexto do Segundo Reinado. Mostra uma certa relação
com os fatores que levaram ao fim do Império, partindo da análise do pensamento do homem
comum que sofria as conseqüências das mudanças e, sem ter como se expressar começou a
reagir contra o sistema.
Uma revolta por si só possui um caráter todo especial, uma vez que reflete a
insatisfação não só de um único indivíduo, mas de vários, contra as medidas impostas de
“cima para baixo” pelo Governo. Trataremos o tema como as Revoltas do quebra-quilos, pois
as revoltas ocorreram em províncias diferentes e em momentos distintos. Não se trata de uma
revolta que se iniciou em outubro de 1874 e terminou no início do ano de 1875, mas sim de
várias revoltas que ocorreram neste intervalo de tempo, e que não possuíam nenhum
programa a ser seguido e nem um líder específico, apenas as mesmas reivindicações.

Considerações finais
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De fato, o antigo sistema de pesos e medidas que vigorava no Brasil era um mistura
das unidades de medidas portuguesas e inglesas com toques particulares, que sofriam
variações de uma região para outra. Porém, a mudança total na hora da aferição possibilitava
aos vendedores, aproveitando-se do fato da população de baixa renda ser na sua grande
maioria analfabeta, enganar os valores e cobrar mais caro pelos produtos. Além disso, mesmo
a aferição sendo feita corretamente, a redução da quantidade dos produtos causava a sensação
de estarem sendo ludibriados pelos vendedores.
O que gostaríamos de explicitar é que todos os fatores econômicos e sociais,
mencionados, têm uma parcela de importância nas causas das revoltas. Porém, a junção dos
valores culturais é essencial para a compreensão delas.
Não podemos negar que a crise econômica, o aumento dos impostos e a miséria em
que se encontrava a população são fatores que exerceram grande motivação para as revoltas.
No entanto, a defesa de seus direitos e costumes tradicionais compartilhados pela comunidade
é o que causava maior incentivo na população, pois aglutinava todos esses fatores.
O governo imperial já estava sendo visto como o inimigo principal da região, pelo seu
descaso quanto à crise econômica que atravessava, mas de certa forma, ele mantinha-se
distante de seu cotidiano. Porém, a mudança do sistema de pesos e medidas representou a
interferência direta do governo no dia-a-dia da população, na sua forma de comerciar, nos
seus valores, na sua cultura.
A cultura torna-se, então, um aspecto crucial, a gota d’água nesse mar de insatisfação
popular. Se toda essa comunidade não compartilhasse das mesmas noções morais, de uma
tradição, hábitos e costumes, esta mesma comunidade não se aglutinaria para a revolta.
Concordando com os estudos de E. P. Thompson, na perspectiva de que os aspectos
culturais como hábitos e costumes tradicionais demasiadamente arraigados, é que levariam as
pessoas a reivindicar contra seus opressores, a permanência da ordem existente.
Seria incorreto admitir a existência de uma muralha, uma barreira entre o material e o
cultural, pois atrás de um conflito de conteúdo material há necessariamente um valor; no seio
de cada necessidade há uma consciência, um costume que deve ser respeitado enquanto algo
há muito adquirido, ou experiência, vivência da população.
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Como já foi exposto aqui, não pretendemos sugerir que a população se negaria a
qualquer mudança, ou que a maioria das resistências populares possuiria um conteúdo
conservador, sempre reivindicando a volta dos antigos costumes. Apenas acreditamos que
uma mudança desse porte deveria acontecer aos poucos, respeitando os limites da população,
sendo também necessária à conscientização sobre a sua importância e como ela ocorreria,
para não gerar a desconfiança, a insatisfação e a resistência contra a mudança abrupta, como
ocorreu na Revolta do Quebra-Quilos.
A modernização que foi imposta era fruto da visão dos próprios governantes, ou seja,
da elite imperial, que importava e imitava os padrões europeus. A Revolta do Quebra-quilos
aconteceu, acima de tudo, em nome dos valores e dos costumes, a partir do momento que os
homens livres pobres perceberam a interferência direta do governo em seu cotidiano. Os
revoltosos reagiam “contra um governo que feria seus valores, suas tradições, seus costumes
seculares, corporificados na Igreja, que lhes dava a medida do espírito, e no sistema de pesos,
que lhes dava a medida das coisas.” (CARVALHO, 1998:113)

Sem dúvida, é muito mais difícil para a população abandonar o antigo sistema, uma
vez que este fazia parte sua cultura, ou seja, das “normas de comportamento (...),
historicamente produzidas por sucessivas gerações, assimilados e selecionados pela
comunidade humana que o transmite de geração em geração.” (CARDOSO, 2003: 44)

Mesmo com toda dificuldade e com as divergências de quantidades do antigo sistema


de pesos e medidas, dentro do próprio Brasil, as pessoas já estavam habituadas a ir aos
mercados e feiras e comprar medidas de aguardente do reino, arrobas de toucinho ou açúcar e
alqueires de batatinhas, e tinha a noção do quanto desses produtos iriam levar para casa. Com
a mudança, a população fica perdida, pois agora os novos metros, quilos e litros equivaliam à
quantidades diferentes, com nomes diferentes, e sem saber fazer a conversão para comprová-
la, ficavam naturalmente desconfiadas. Pois, o uso que se fazia desse sistema pelos homens
livres e pobres, é que legitimava sua existência.

Nossa inquietação não se limita em saber se o sistema de pesos era ou não justo e
legalizado, mas sim analisar a relação que essas pessoas tinham com ele. Pois, como o sistema
estava há muito instituído e enraizado no cotidiano das pessoas, podemos pensar que os
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consumidores já possuíam formas de agir, táticas para se adaptar a sua utilização. Como dito
por De Certeau, “essas práticas colocam em jogo um ratio“popular”, uma maneira de pensar
investida numa maneira de agir, uma arte de combinar indissociável de uma arte de utilizar.”
(De CERTEAU, 1994: 42)

Ou seja, o sistema de pesos e medidas já havia conquistado um espaço simbólico na


vida da população. Assim, ela estava adaptada e já conhecia manobras para o seu uso de
acordo com suas necessidades.

A mudança para o sistema métrico francês representava um rompimento com esses


costumes, com a maneira de agir. Implicava na criação de uma forma completamente nova de
lidar com ele, além das dificuldades técnicas de aprender a converter os pesos de um sistema
para outro, numa população de maioria analfabeta.

A população vai buscar uma forma de resistir à mudança traçando uma estratégia que
consistia em não permiti-la, tinha o objetivo de resistir à mudança do antigo sistema de pesos
e medidas para o sistema métrico francês. A tática encontrada foi a revolta. A destruição dos
padrões de medição do novo sistema aconteceu no momento da realização das feiras,
aproveitando-se do fato das forças policiais serem bastante escassas. Tudo isso, em nome da
permanência de seus costumes. (De CERTEAU, 1994: 55)

Sendo assim, a resistência ocorreu muito mais pelo choque que essas pessoas tiveram
com um sistema métrico estranho, novo e desconhecido, que não fazia parte de seu arcabouço
simbólico, nem de seus hábitos e costumes e que lhes estava sendo imposto pelo Governo
Imperial, sem nenhum trabalho de tentar adaptar a população a ele. O “mundo da desordem”,
nos apropriando da definição criada por Ilmar Mattos, não era tão desorganizado assim,
possuía suas regras e uma lógica própria. As pessoas que viviam entre varas, arrobas e
alqueires, sabiam bem como lidar com este sistema de pesos e medidas, suas táticas e
estratégias de uso, que faziam parte de seus costumes e cultura transmitidos de geração em
geração, legitimando sua existência.

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