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Resumo
Este texto investiga práticas discursivas no interior de uma proposta de ensino-aprendizagem
colaborativa de professores, forjada em um projeto de extensão-pesquisa intitulado Aprendizagem
sem Fronteiras. Criado com base no referencial da Teoria Sócio-Histórico-Cultural, o projeto
nasce da tentativa de propor uma formação que rompa com a concepção histórica de que
universidades vivem num mundo distante das realidades do ensino básico, enraizadas na teoria e
desvalorizando a prática. Para tanto, busca alternativas através da integração das etapas inicial e
continuada de formação, envolvendo professores formadores, professores colaboradores e
professores-novatos em um processo colaborativo que permite a transformação destes em sua
relação com os outros, bem como de conceitos que eles trazem acerca da natureza do
conhecimento da escola e da comunidade nas quais estão envolvidos. Os resultados indicam as
tensões entre uma proposta centrada nos princípios dialógicos e uma cultura educacional que re-
produz a identidade do professor detentor do saber.
I ntrodução
1
Este texto foi apresentado durante o VIII Congresso Brasileiro de Lingüística Aplicada, Brasília, julho 2007.
2
Professora Doutora da Universidade Estadual de Londrina. mateus@uel.br
3
Mestranda, Técnica em Assuntos Educacionais na Universidade Federal Tecnológica do Paraná. larypiconi@yahoo.com.br
social e historicamente estabelecida entre formadores e professores. Zeichner (2003)
argumenta que os professores continuam objetos das reformas e não sujeitos ou agentes e que
4
(p. 9)
Há, contudo, entre aqueles que adotam o referencial da Teoria da Atividade Sócio-
Histórico-Cultural (TASHC) iniciativas que buscam romper com modelos que perpetuam a
supremacia da visão do formador sobre a dos professores, do conhecimento científico sobre o
cotidiano, da cultura da classe média-branca sobre aquela de classes menos privilegiadas, do
currículo prescrito sobre as vidas vividas das comunidades escolares (por exemplo,
ENGESTRÖM, 1994; VADEBONCOEUR, 1997; MATUSOV, 2001; ENGESTRÖM ET
AL., 2002; MATUSOV; HAYES, 2002; ROTH; TOBIN, 2001, 2002, 2004;
SMAGORINSKY, ET AL., 2003, 2004; MOLL; ARNOT-HOPFFER, 2005;
ANAGNOSTOPOULOS ET AL., 2007). É nesta epistemologia de base materialista-histórico-
dialética que se encontram propostas de formação de professores de inglês, dentro das quais a
aprendizagem é tomada como processo colaborativo de ressignificação de práticas sócio-
pedagógicas e de identidades profissionais, mediada pela linguagem das possibilidades, ou
pela valorização de práticas discursivas dialogizantes (BAKHTIN, 1981; NYSTRAND ET
AL., 1997). Neste texto, o modelo é ilustrado a partir do projeto Aprendizagem sem
Fronteiras, voltado às práticas de ensino-aprendizagem colaborativo de professores de inglês,
em comunidades escolares desprivilegiadas não só geograficamente, mas também nos planos
social, econômico, político, cultural.
o currículo dominante com foco nas questões emergentes do contexto e nas preocupações dos
futuros-professores que lidam com crianças imigrantes traz uma unidade entre o conteúdo e o
método da prática de ensino, assim como entre o currículo da aula e a prática analisada.
De maior importância para a discussão que propomos está o fato de que aquilo que os
futuros-professores aprendem ao participarem de um processo de instrução formal nos cursos
de licenciatura se liga de modo direto àquilo que eles vivenciam nestes contextos. Práticas de
formação de professores
saber que define os professores como os sabedores e seus alunos como potenciais receptáculos
NEWMAN; HOLZMAN, 1993/2002, p. 87) acirram as contradições entre
a instrução dada com base na transmissão de conteúdos definidos pelo formador e as críticas
que são feitas a um ensino básico em que as visões, valores e concepções dos professores se
colocam como sendo mais corretas, mais significativas e mais apropriadas do que a de seus
alunos.
Nesta linha, Roth e Tobin (2002) esclarecem que as tentativas de superação de
contradições como esta têm chances de serem bem sucedidas na medida em que as pessoas as
reconhecem e as explicam em sua dimensão social e, deste modo, desenvolvem novas
possibilidades de ação. Com base neste pressuposto, apresentam e discutem um modelo de
formação de professores pautado em práticas de ensino colaborativo e de diálogo produtivo.
Para eles, a aprendizagem de professores na perspectiva da TASHC envolve mudanças
significativas de papéis e uma distribuição mais eqüitativa de poder entre os participantes.
Assim, o sentido de ensino colaborativo pressupõe o formador como participante ativo na
escola pública, o professor-novato como participante legítimo nas salas de aula e o professor
colaborador como participante genuíno nos processos decisórios que envolvem o ensino
básico. Acima de tudo, ensino colaborativo se define fundamentalmente pelo processo de
compartilhar responsabilidade pela aprendizagem dos alunos na escola regular. Conforme
dos jovens e crianças, o foco não está somente na performance de um professor, mas na
performance
cruzamento de fronteiras, a expressão da aprendizagem expansiva (ENGESTRÖM, 1987).
Assim como Matusov e Hayes (2002), Roth e Tobin (2001, 2002 e 2004) também
exploram os sentidos de aprendizagem como participação em comunidades de prática
desafios mais significativos e, deste modo, abre possibilidades para se aprender com o outro
não somente de modo explícito, mas igualmente e ainda mais importante, de modo
ROTH; TOBIN, 2002, p. 121). Deste modo, o ensino colaborativo produz as bases
comuns sobre as quais os sentidos são posteriormente compartilhados e novas possibilidades
são elaboradas. A isto chamam de diálogo produtivo, cujo propósito é promover aprendizagem
por meio de oportunidades de analisar questões significativas sob os diversos pontos de vista
dos envolvidos no mesmo evento.
Atuando em comunidades bilíngues no sul dos Estados Unidos, Moll e Arnot-Hopffer
(2005) também argumentam pelo desenvolvimento de uma competência sociocultural na
formação de professores. Para eles, a ruptura das estruturas dominantes de poder e a
agentividade docente passam pelas relações sociais de confiança mútua entre os participantes
da comunidade escolar que ajudam a estabelecer uma dada cultura, por eles denominada
discutem Moll e Arnot-Hopffer (2005, p.
244), competência sociocultural diz respeito à formação de capital social
compreendido como relações sociais que nos permitem armazenar recursos, sejam materiais,
sociais ou intelectuais, que podemos então empregar com certos objetivos ou para influenciar
certas ações ou resultados, tais como ajudar nossas crianças a se saírem bem nos estudos.
ompromisso de
fomentar em si e nos demais professores atitudes localmente valoradas e situacionalmente
emergentes, não por meio do mito da objetividade e do conhecimento abstrato, mas por meio
do encontro e do confronto produtivo de vozes.
Neste sentido, a dialogicidade não é concebida somente como fenômeno inexorável
das práticas discursivas, mas explorada como princípio que orienta a aprendizagem
transformadora de professores. Assim, muitas propostas de formação sócio-histórico-cultural
de professores partem do pressuposto de que cada ser humano produz conhecimento na
dialética daquilo que está culturalmente disponível e daquilo que se mostra como único e
irrepetível e que se funda na interpretação individual e nas experiências pessoais de cada um.
Aprendizagem é assim definida, portanto como um processo colaborativo, mediado pela
constante negociação de sentidos e de identidades, forjado em contextos de práxis sócio-
educacional.
Por ser um processo social compartilhado e gerador de desenvolvimento, práticas
sócio-histórico-culturais de formação de professores são forjadas num movimento dialético
com práticas de pesquisa em que tanto os pesquisadores-participantes provocam
transformações quanto são transformados no processo de aprendizagem. Ao método, que é ao
mesmo tempo pré- -e-
o modelo
que agora apresentamos: uma criação em processo que se desenvolve na medida em que se
buscam formas de compreender e transformar o confronto de modos de pensar, agir, falar, ser,
participar, se relacionar.
6
Estes princípios, ao mesmo tempo em que parte de nossos esforços na comunidade de educadores-aprendizes, constituem-se
instrumento-e-resultado nos trabalhos na escola de ensino básico e dão sustentação a uma metodologia presente na
literatura sob o rótulo de responsivo-colaborativa (GUTIÉRREZ, 1993), dialógica (NYSTRAND et. al., 1997),
emancipatória (VADEBONCOEUR, 1997), intersubjetiva (DANIEL et. al., 2003), socrática radical (CHEYNE e
TARULLI, 2004), baseada no diálogo (ANDREOTTI e WARWICK, 2007), democratizante (GIMENEZ, mimeo), espaços
abertos para o diálogo e investigação (http://www.osdemethodology.org.uk).
, conforme discutido por Bakhtin, quando
pensado em contexto educacional, nos remete à idéia de que os modos como nos colocamos
diante de nossos alunos, ou seja, os papéis que assumimos em sala de aula, determinam os
modos como nossos alunos se colocam diante de nós. Este conceito é significativo para se
analisar os eventos que tiveram início quando a formadora, Elaine, a professora Rosana e duas
professoras-novatas trabalhavam com cerca de 30 alunos da segunda série do ensino médio.
O primeiro episódio faz menção a uma das aulas ministradas no segundo semestre de
2006, quando as professoras estavam engajadas na orientação dos alunos acerca de uma
atividade de leitura previamente preparada durante os Grupos de Estudo. No decorrer da
tarefa, os alunos buscavam apoio nas professoras presentes em sala até que um deles contestou
uma resposta dada pela professora-novata, Patrícia, dizendo que havia sido levado a uma
interpretação diferente por outra professora.
Mediadas pela concepção de texto unívoco e estático, do qual derivam as respostas, as
professoras se viram confrontadas com uma situação inesperada em que a alternativa parecia
ser a escolha entre o que dissera uma ou outra.
No processo posterior de discussão e análise deste episódio, ficou evidente a
contradição entre uma proposta pedagógica emancipatória (VADEBONCOEUR, 1997) e a
identidade de professor como detentor do saber, que tem autoridade sobre o conhecimento,
conforme se lê na interação abaixo entre Elaine e Rita, uma das professoras-novatas
envolvidas naquela aula:
O sentido de professor falível, que não tem todas as respostas, que não deseja tratar o
conhecimento como universal e a realidade como objetiva, quando lido fora de contextos reais
da prática educacional, se apresenta como alternativa para superação de salas de aula
desinteressantes em que os alunos reproduzem conhecimentos e valores alheios e, deste modo,
são subjugados e dominados por discursos universalizantes. Por outro lado, quando
contextualizados na práxis transformadora de realidades sócio-educacionais concretas, este é
um conceito que acirra o dilema entre a identidade de quem ensina porque tem um papel
culturalmente reconhecido no processo de aprendizagem e de quem não ensina porque não
tem o que ensinar (Duarte, 2006). Isto porque, esta identidade de professor-autoridade se forja
em culturas educacionais autoritárias e só pode ser ressignificada no processo de
transformação também do outro.
No entanto, em contextos de ensino-aprendizagem colaborativos, mediados por
sentidos de aprendizagem como ressignificação de práticas pedagógicas e de identidades
profissionais, o valor pedagógico dos enganos, dúvidas, incertezas é também redefinido. Nas
palavras de Matusov (2001), quando os professores são vistos como aprendizes, uns orientam
os outros explicitando os modos como lidam com as dificuldades, com seus próprios
equívocos e como aprendem com os erros, conforme deixa ver o seguinte excerto:
Mesmo que se tome a fala de Rosana como um enunciado em que o professor ainda é o
que traz a resposta , o convite para que a professora-
novata se envolvesse na
oncepção de
aprendizagem que emerge da interação das vozes.
Parece significativo para esta análise o enunciado da formadora que valoriza a busca
do conhecimento não para funcionar como uma entidade estática que deverá ser transmitida
aos alunos, mas como instrumentalidade profissional que permite ao professor maior
autonomia, liberdade e possibilidade de escolha na abordagem do material. A idéia de
conhecer mais para poder mediar os modos pelos quais os alunos podem interagir com os
textos e produzir conhe
estimulante e dialógico.
Os conflitos entre uma identidade de professor monológico num sistema de atividade
idealmente dialogizante, e entre uma metodologia emancipatória e uma cultura educacional
autoritária, como procuramos ilustrar acima, foram explorados como fundamentais para a
aprendizagem dos professores, para o fortalecimento da identidade do grupo e para a
exploração de outras ações coordenadas.
Uma das características de práticas pedagógicas dialogizantes é a exploração da
linguagem como ideológica e, portanto, encharcada de posicionamentos pessoais em relação a
valores (FARACO, 2003). Por esta razão, os professores do Aprendizagem sem Fronteiras
propuseram incorporar em suas unidades didáticas mais elementos de língua inglesa e explorar
mais profundamente as capacidades lingüístico-discursivas presentes nos gêneros estudados.
Esta iniciativa levou-os a trabalhar mais a fundo com os textos durante os Grupos de Estudo.
Na discussão que se segue, os professores exploram uma atividade que estava sendo elaborada
para alunos do 3º ano do ensino médio, com base no gênero reportagem sobre a Malhação7,
inserido n Assim, os enunciados
circulam em torno da compreensão sobre o posicionamento da autora da reportagem em
relação ao que ela escreve, com base nas marcas lingüístico-discursivas presentes no texto,
como se vê:
7
Malhação é uma telenovela brasileira voltada para o público jovem e muito popular entre os adolescentes brasileiros.
de Rita que contesta a leitura feita não somente pela professora, mas igualmente pela
formadora.
Estes são turnos que mostram o processo de negociação marcado pela tensão e
conflito, elementos esses que caracterizam o discurso dialógico. Como explicam Nystrand e
colaboradores (1997, p. 8):
O discurso é dialógico não porque os falantes alternem o turno, mas porque ele é continuamente
estruturado pela tensão e até mesmo conflito entre os falantes, entre si e o outro, uma vez que uma
esta tensão este relacionamento entre si e o outro, esta
justaposição de perspectivas, este combate entre vozes conflitantes que, para Bakhtin molda
todos os discursos e, deste modo, reside no cerne da compreensão como um evento dinâmico,
sociocognitivo.
Assim, este relato deve ser melhor compreendido como uma atividade em processo de
tornar-se, mais do que uma atividade em funcionamento estável. Aqui, contam menos as
práticas bem sucedidas do que as oportunidades de experimentar com o outro, de modo
responsável, algumas possibilidades de recriar conceitos, contexto e histórias pessoais.
Algumas considerações
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