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Este artigo faz parte da pesquisa realizada em tese de doutorado e busca analisar a
intensificação do trabalho docente no Estado do Paraná. Tomamos como objeto de
estudo os professores PSS - Processo de Seletivo Simplificado -, tendo como foco
analisar as condições de trabalho e suas implicações subjetivas para estes trabalhadores.
Trata-se de uma forma de contratação temporária, para suprir as necessidades urgentes
da administração pública no campo educacional. Utilizamos a pesquisa qualitativa
realizando entrevistas em profundidade sobre a trajetória profissional de 08 professores
PSS de Curitiba e Região Metropolitana. Foram escolhidos indivíduos, com no mínimo
dois anos de atuação na rede estadual de ensino, com contrato por tempo determinado.
Além das entrevistas, também foram aplicados 109 questionários por meio de
formulário online, vistas técnicas em escolas, e análise de conteúdo de postagens do
grupo de professores PSS do Paraná em rede social. Os resultados da amostra
pesquisada, embora não nos permita generalizações, ofereceu importantes indícios, de
que o trabalho dos professores PSS se intensificou, e representa uma realidade marcada
pela precariedade. Uma condição que trás ambivalências na subjetividade desses
profissionais, com situações de sofrimento e padecimento, mas também de afirmação e
realização em seu trabalho.
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Filósofo e Sociólogo, Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná, pesquisador do
GETS – Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Trabalho e Sociedade da UFPR. É professor titular de
Sociologia e Filosofia nas Faculdades Integradas Santa Cruz de Curitiba
Na linha do que analisa Dal Rosso, tem-se que as transformações ocorridas na
economia nacional a partir do fim do século XX propiciaram processos de precarização
do trabalho em diversos níveis, com efeitos sobre a administração pública e implicações
sobre o trabalho docente. Autores como Frigotto (1995), Lourencetti (2004), Oliveira e
Duarte (2003), Libâneo (2012), e Esteve (1995) apontam para a existência de processos
de precarização e intensificação das condições de trabalho nas escolas públicas.
Eu trabalho em três escolas, não por escolha; eu preciso fazer desse jeito.
Pois se chegar um QPM e eu perder as aulas numa escola, ainda posso me
garantir nas outras. É muito difícil um QPM, ficar lotado em mais de duas
escolas. Desse jeito eu corro menos risco de perder minhas aulas. (Entrevista
06, Professor Daniel PSS matemática, 2013).
Essa tem sido uma das estratégias de sobrevivência adotada pela maioria dos
professores PSS. No entanto, o reverso da medalha é o desconforto e o cansaço em ter
que se deslocar para diferentes bairros, com pouco tempo para descansar e se alimentar.
Muitos professores, para conseguir as aulas e efetivar o contrato de trabalho, e, dessa
forma sobreviver, aceitam dividir a carga horária em diferentes escolas e horários,
gerando aumento e sobrecarga de trabalho a que são sujeitados, conforme demonstra o
gráfico abaixo, a partir da nossa amostra de pesquisa.
Eu mesma, durante vários anos, tive que aceitar a contragosto ter que dar
aulas de diferentes matérias, que não tinham nada a ver com a minha
formação. Sou licenciada em geografia e já dei aula de história, artes e
sociologia. Assim como eu, vários colegas fazem o mesmo. Ou é isso ou a
gente não consegue as horas para assinar o contrato. Além, é claro, de ter que
se deslocar de uma escola para outra, e muitas são distantes. Muitas vezes eu
fico sem almoçar, como uma besteira ou outra e fico com fome durante o dia.
Fazer o que, se eu não aceitar tem outros que vão, e eu preciso pagar as
minhas contas. Assim, vou levando do jeito que dá. Agora eu vou falar uma
coisa, quando vem cobrança para o meu lado, planejamento, aquela
lengalenga de sempre, eu não dou nem bola. Só sabem cobrar, mais não vêem
o duro que a gente dá e ainda ter que agüentar os alunos que a cada dia mais
parecem delinqüentes. (Entrevista 1, Professora Vanessa, PSS de Química,
2012)
Já faz alguns anos que trabalho como PSS, mas eu tenho dentro de mim uma
certeza, não quero morrer como professora. Não sei o que aconteceu, mas
nossa classe não tem mais valor, pelo menos os que trabalham com a
molecada. Assim que eu puder, vou fazer um concurso público, mas não para
professora. Estou cansada dessa vida. Eu estou ficando uma pessoa agressiva
e sem paciência. Brigo em casa. De uns tempos para cá, só consigo dormir à
base de remédio. Nossa... Tem muitas histórias que eu poderia contar que
aconteceram comigo ou com colegas que estão na mesma situação. Tinha
uma professora com quem trabalhei, que toda vez que ia entrar em sala,
começava a tremer e chorar. Hoje ela está afastada por depressão. Sabe, tudo
isso acontece e ninguém faz nada. Eu me sinto sozinha, abandonada.
(Entrevista 02, professora Elizabeth PSS de Ciências, 2012).
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DUARTE, Adriana. Intensificação do trabalho docente. Dicionário do trabalho docente elaborado pelo
Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente – GESTRADO – da Universidade
Federal de Minas Gerais. Disponível em: http://www.gestrado.org/?pg=dicionario-verbetes&id=66 –
Acesso em fevereiro de 2014
Desse modo, o indivíduo professor PSS, como trabalhador temporário, se vê na
eminência de sentir sua identidade se desintegrar frente ao peso das condições e
relações de trabalho e das medidas de intensificação do seu trabalho, que afetaram seu
corpo e sua mente.
Num paralelo entre as argumentações arroladas até aqui com o estudo proposto
por Neves (1999) que, ao analisar em sua pesquisa de doutorado, o impacto das
condições de trabalho sobre as professoras do Ensino Fundamental de João Pessoa,
aponta para problemas de ordem emocional e psicossomática advindas das condições e
relações de trabalho dessas professoras. O autor estabelece uma relação entre trabalho
precário e saúde mental, que tem como causa as novas bases de organização social da
vida laboral presentes também nos sistemas de ensino.
Para Esteve (1999), outro pesquisador dessa temática, entre os fatores que
contribuem para que ocorra o mal-estar docente, destacam-se as tensões próprias que
podem ocorrer no relacionamento com os alunos, conflitos em sala de aula e as
condições de trabalho em sentido mais amplo, que abrangem aspectos de renda,
infraestrutura e realização profissional.
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Pochmann faz referência ao IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica): trata-se de uma
nota do ensino básico no país. A avaliação se dá por uma escala que vai de 0 a 10. O indicador é
composto pelo cálculo a partir das informações obtidas no Censo Escolar que são enviadas pelas escolas.
As médias de desempenho são realizadas pelas avaliações do Inep (Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), o Saeb – para os Estados e o Distrito Federal, e a Prova Brasil –
para os municípios. A média nacional subiu de 3,8, registrada em 2005, para 5,0 em 2012. Disponível em
http://www.brasil.gov.br/videos/200911/ideb-2012 - acesso em 10 de agosto de 2012
professores estarem submetidos à lógica do trabalho intensificado. Algo em parte
reforçada pelo relato de um entrevistado,
nos intervalos das aulas e às vezes até no horário de aulas tem professoras
que vendem perfumes, roupas, lingeries e cosméticos (...) tem algumas que
levam artesanato para vender (...) tem um amigo meu, que também é
professor, que faz bicos, dá aulas particulares para poder aumentar sua renda
e poder pagar as contas no final do mês. Em nossas conversas é só cansaço e
reclamação. Acho que é melhor a gente não pensar muito, senão desiste.
(Entrevista n.º 02, Professora Elizabeth, PSS de Ciências, 2012)
Realizar outras atividades para complementar sua renda pode não configurar
um quadro de intensificação de trabalho em sentido estrito, mas assinala que a limitação
salarial é componente importante no quadro geral que afeta a vida dos docentes
pesquisados, fazendo com que muitos se obriguem a aceitar ministrar diferentes
disciplinas da sua formação, cumprir horários diferentes em mais de uma instituição de
ensino, duplicando, às vezes triplicando sua jornada. Diante da conjuntura descrita, nos
parece que o
Além dessas exigências descritas por Zaragoza, que requer que os professores
tenham que lidar com situações ambivalentes envolvendo uma forte carga emocional, os
professores PSS ainda se deparam com uma condição piorada de trabalho devido à
instabilidade de sua relação de trabalho e as consequências advindas dessa condição. No
estado do Paraná, ao manter 31% de professores como PSS, criou-se uma subcategoria
de profissionais na educação, que perderam o controle do seu trabalho: vivenciam o
medo da rescisão de contrato; sobrevivem na impossibilidade de planejar sua vida,
enfrentando obstáculos para melhorar sua qualificação. Profissionais que se encontram
diante de uma perene sensação de insegurança econômica. Como se não bastasse, são
exigidos dos professores uma quantidade de ações e de comportamentos que envolvem
situações de “autocontrole” de “jogo de cintura” no enfrentamento dos problemas
cotidianos do trabalho escolar. Numa palavra, a subjetividade destes docentes é
tensionada ao seu limite, frente às contradições que os esgotam física e mentalmente.
Considerações finais
Os professores, de modo geral, estão padecendo e os PSS, quando padecem
sofrem duplamente, primeiro pelas diferentes moléstias que os afligem e, segundo, pela
condição e tratamento desigual que recebem como temporários.
A conjuntura educacional paranaense se revelou um terreno fértil para germinar
o descontentamento dos professores em seu trabalho. O Estado, como patrão tem
pautado sua conduta pelo descaso e perpetuação de injustiças em relação aos PSS. Os
registros vindos de professores informam a falta de transparência no processo seletivo, a
desinformação, e o desrespeito com aqueles que constroem a educação do Estado. A
posição da SEED-PR em perpetuar as formas de contratação flexível faz reificar um
processo penoso de medo e insegurança na vida dos professores PSS. Ter que viver no
horizonte da incerteza frente a cada novo professor que chega à escola, pois poderá ser
“um QPM que veio para assumir minhas aulas”. Ou, a cada fim de ano letivo, hipotecar
novamente o futuro, fazendo da poupança forçada e das privações a alternativa para a
perda/atraso no salário. Algo recorrente entre os PSS, uma situação que gera
revolta: “que vergonha governador, quantos erros no nosso holerite. Até entrarmos com
recurso, até vir resposta da SEED, que tormento, que falta de respeito conosco.”
(Professora V. V. Rede social, 2013). Sem contar o atraso no suprimento das aulas, ou
o dinheiro do acerto na rescisão contratual, que acaba sendo postergado.
Os momentos de alegria e realização nesse contexto de trabalho se dão, na sua
totalidade, pelo contato humano, pelas amizades e vínculos construídos, os sorrisos
compartilhados e ainda no reconhecimento dos alunos. Está fora do alcance da conduta
de um Estado histórica e predominantemente neoliberal proporcionar aos seus
educadores maior qualidade de vida no trabalho.
Quando refletimos mais profundamente sobre os resultados trazidos por esta
pesquisa, se desvela um conjunto de causas ainda mais obscuras que, em nosso
entendimento, explica o ciclo vicioso na educação do Paraná. Num paralelo do que
analisa Alves (2007, 2011) em termos globais, em se tratando da realidade paranaense,
um estado historicamente oligarca e conservador, somente uma luta de classes,
disfarçadamente “latente” e perniciosa explica a perpetuação de políticas tão nocivas
para o que se espera de uma educação de qualidade.
Por fim, se por um lado constatamos um peso subjetivo maior envolvendo as
situações de sofrimento e mal-estar entre os PSS, por outro, foi possível constatar ações
e comportamentos de resistência, de afirmação e realização no trabalho. No entanto,
permanece no horizonte das possibilidades imaginar se no curso da história da educação
paranaense os professores temporários PSS conseguirão encontrar novos caminhos e
estratégias de luta e reconhecimento do seu trabalho.
REFERÊNCIAS
ZORAGOZA, José Manuel Esteve. O mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos
professores. Baeeira, São Paulo: EDUSC, 1999.