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1.

António e Bernardo celebraram um contrato, nos termos do qual António


receberia € 25.000 de Bernardo por se sujeitar ao jogo da roleta russa. Na data
prevista contratualmente, António colocou uma bala no seu revólver de seis tiros,
rodou o tambor do revólver e apontou a arma contra a sua cabeça, preparando-se
para disparar.
Porém, com receio de que a sorte não estivesse do seu lado, decidiu não disparar.
Bernardo exige-lhe que dispare, invocando o contrato celebrado. Quid iuris?
O contrato celebrado consiste numa limitação voluntária, por parte de António, dos seus
direitos de personalidade, nomeadamente o direito à vida (art. 24º CRP) e direito à
integridade física. Estes são direitos de personalidade porque a vida e a integridade física
constituem bens de personalidade indissociáveis de qualquer pessoa. Aplica-se, então, o art.
81º do CC, que trata duas situações:

No nº1 deste artigo é previsto que a limitação voluntária de direitos de personalidade é nula,
se contrária aos princípios da ordem pública, ou seja, os princípios entendidos indispensáveis
para a ordem jurídica, previstos na CRP. Entre estes princípios podem incluir-se o art. 24º e
25º/1 da CRP, segundo os quais a vida humana e a integridade física são invioláveis. Assim,
esta limitação voluntária desses direitos de personalidade será nula, pelo que o contrato é
também nulo nos termos do art. 286º do CC. Como a nulidade é insanável e o contrato pode
ser impugnado a todo o tempo, a declaração de nulidade tem eficácia retroativa, significando
que o contrato nunca produziu qualquer efeito jurídico e Bernardo não está obrigado a
cumpri-lo.

No entanto, ainda que considerássemos legal esta limitação voluntária dos direitos de
personalidade, o nº2 do art. 81º do CC afirma que essa limitação é sempre revogável, ainda
que haja uma obrigação por parte de António de indemnizar Bernardo pelos potenciais
prejuízos causados.

Assim, quer a limitação voluntária dos direitos de personalidade prevista no contrato seja legal
ou ilegal, António pode sempre recusar-se a cumpri-lo, alegando nulidade ou denunciando-o.

2. O advogado Bento Passos Confiante, goza de grande reputação como defensor


brilhante de arguidos em processos de natureza económica e fiscal. Certa manhã,
quando se dirigia ao tribunal, repara, estupefacto, que o seu primo, de nome
idêntico (Bento Passo Confiante), se estabeleceu num escritório em frente à sua
rua. O primo, também advogado, especializou-se na área do direito da família,
gozando de uma fama pouco lisonjeadora. Bento Passos Confiante intenta uma
ação contra o primo, pedindo que este seja condenado a:
a) Abster-se de usar os seus apelidos.
b) Mudar o seu domicílio profissional para outra área, que diste a pelos menos 2
km, do escritório de Bento Passos Confiante.
c) Acrescentar aos seus apelidos a palavra “Primo”.
Como deverá o tribunal decidir a presente acção? (V. Ac. RLX, de 12.11.2009,
proc. nº 3231/08.1TVLSB.L1-2 in www.dgsi.pt)
O direito ao nome é um direito de personalidade tutelado no art. 26º/1 CRP como “direito à
identidade pessoal”, e traduzido no art. 72º/1 do CC como o direito a ter um nome, não ser
privado dele e defendê-lo. Sendo este um caso de homonímia, está em causa um direito ao
nome dos dois primos, e é necessário ponderá-los no caso concreto de modo a encontrar o
justo equilíbrio.

O art. 72º/2 do CC prevê que o titular do nome não pode, principalmente no exercício da sua
atividade profissional, que é o caso, usá-lo de modo a prejudicar os interesses de quem tiver
um nome idêntico, que também é o caso. O Primo 2 está a prejudicar o Primo 1 ao denegrir o
bom nome e reputação deste, por usar o mesmo nome e se estabelecer no mesmo local,
suscitando confusões entre os dois e possível perda de clientes por parte do Primo 1 devido à
sua reputação pouco lisonjeadora. Nestes casos, o tribunal decidirá equitativamente de modo
a conciliar os interesses em conflito, o que significa analisar uma a uma as exigências do Primo
1.

Em primeiro lugar, parece óbvio que obrigar o Primo 2 a abster-se de usar os seus apelidos
seria uma violação ao seu próprio direito ao nome previsto no art. 72º do CC, porque o nome
é, nos termos do art. 103º/2 do Código de Registo Civil, constituído por até dois nomes
próprios e até quatro apelidos, gozando também estes últimos de proteção jurídica.

Por outro lado, a exigência de acrescentar aos apelidos a palavra “primo” não seria permitida
por duas ordens de razão: violação do art. 278º/1,2 do Código do Registo Civil, porque, por um
lado, teria de ser o próprio Primo 2 a querer mudar de nome, e não a ser forçado a isso, e por
outro lado, não existe uma causa justa que justifique essa mudança; violação do art. 103º/2,
alínea e) do Código de Registo Civil, porque os apelidos têm de pertencer a ambos ou pelo
menos a um dos pais do registado, o que não acontece com o potencial apelido “primo”.

Finalmente, é de considerar a alteração do domicílio profissional. A admissão desta exigência


parece a forma mais razoável, por juízos de equidade, de conciliar os interesses dos dois
primos. Em primeiro lugar, ainda que pudesse existir um direito para a livre fixação do
domicílio profissional, o direito ao bom nome e reputação do Primo 1, previsto no art. 26º/1
da CRP, considera-se prevalente e restringe o primeiro. Em segundo lugar, enquanto isto
resolve o problema do Primo 1, evitando confusões entre os dois devido à proximidade do
domicílio profissional e assim assegurando o seu direito ao bom nome e reputação, fá-lo sem
violar quaisquer direitos de personalidade do Primo 2 e com o menor prejuízo possível para o
mesmo, porque continuará a poder exercer a sua profissão noutro local utilizando o seu nome.

O tribunal deveria, assim, decidir pela aplicação da exigência b) e a não aplicação das outras
duas.

Resumo do acórdão:
Não se põe em causa que o apelido F que pretende incluir no seu nome, era uma alcunha por
que já era conhecido o seu bisavô paterno, no meio social e profissional, alcunha essa que se
transmitiu de geração em geração, de tal modo que, com ela é identificado como se de seu
verdadeiro nome se tratasse.
O direito ao nome, contido naquele direito de personalidade constitucionalmente consagrado
como «direito à identidade pessoal», traduz-se em termos jus-civilísticos – artigo 72º do CCivil
no direito a ter um nome, de não ser privado dele, de o defender e de impedir que outrem o
utilize, sem prejuízo dos casos de homonímia.
A composição do nome não pode ser arbitrariamente estabelecida pelos interessados
estabelecendo a Lei regras para o efeito que constam do artigo 103º do CRCivil, preceituando
o seu nº2, alínea e) que “O nome completo deve compor-se, no máximo, de seis vocábulos
gramaticais, simples ou compostos, dos quais só dois podem corresponder ao nome próprio e
quatro a apelidos, devendo observar-se, na sua composição, as regras seguintes: (…) Os
apelidos são escolhidos entre os que pertençam a ambos ou só a um dos pais do registando ou
a cujo uso qualquer deles tenha direito, podendo, na sua falta, escolher-se um dos nomes por
que sejam conhecidos.”
O princípio geral que impera no estabelecimento do direito ao nome é o da sua imutabilidade,
sendo que a lei abre exceções, nomeadamente as que resultam do processo de alteração do
nome, mediante autorização do Conservador dos Registos Centrais, a que aludem os artigos
104º, nº1, 278º, 279º e 282º daquele diploma legal. A Lei impõe ao Requerente que justifique
o seu petitório, mas omite de todo em todo quer os fundamentos que podem legitimar o
mesmo, quer os critérios pelos quais se deve pautar a sua apreciação e o eventual deferimento
da pretensão. Temos de recorrer aos princípios gerais que enformam o nosso sistema e
concluir que se aos cidadãos é concedido o direito excecional a alterar o seu nome, a alteração
a efetuar terá, por um lado, de se basear numa justa causa e, por outro, dela não deverá
resultar qualquer prejuízo para terceiros.
Mas, o facto de as pessoas serem conhecidas pela sua alcunha (pseudónimo ou hipocorístico)
e assim distinguidas, não põe em crise o princípio da imutabilidade do nome, porque aquela
não o substitui, tratando-se de um meio acessório de designação a que falta o carácter de
essencialidade, «(…)O nome é essencial, permanente e obrigatório. Os outros modos de
designação são meramente eventuais, acessórios e facultativos.(…)»
APLICAR PSEUDÓNIMO EM VEZ DE ALCUNHA PORQUE TEM TUTELA JURÍDICA. A ALCUNHA
PODE SER UM PSEUDÓNIMO MAS NÃO PODE SER UM NOME PORQUE OS APELIDOS SÃO
Mesmo tratando-se de uma alcunha que se impôs como modo de identificação do Apelante e
de que este faz uso, não deixa de ser um sinal distintivo secundário, sem embargo da proteção
jurídica que lhe poderá ser concedida. Mas, uma coisa é essa proteção jurídica, outra coisa
será a inserção da alcunha como apelido no nome do Apelante, o que contrariaria as regras
que imperam na composição do nome das pessoas, as quais só permitem fazer apelo a um
nome pelo qual sejam conhecidos os pais do registando na inexistência de apelidos que lhes
pertençam ou a cujo uso tenham direito.
A petição é recusada.

3. Carlos, editor de um jornal, pretende saber se pode, licitamente, noticiar a


realização de uma operação estética por uma conhecida apresentadora de
televisão, sem o seu consentimento. Quid iuris? (V. Ac. RLX, de 9.6.2010, proc. nº
713/09.1TVLSB.L1-2 in www.dgsi.pt)
O art. 26º/1 da CRP e art. 80º/1 do CC reconhecem o direito à reserva da intimidade da vida
privada, que é um direito de personalidade porque está ao serviço da proteção da esfera
nuclear indissociável das pessoas e da sua vida. Este direito consiste em dois direitos menores:
o direito de impedir o acesso de estranhos a informações sobre a sua vida privada e o direito a
que ninguém divulgue informações sobre essa mesma vida privada.

Este direito à reserva da intimidade entra em conflito, no caso concreto, com os art. 37º/1 e
38º/1 e 2 da CRP, que consagram, respetivamente, o direito de exprimir e divulgar livremente
o pensamento pela palavra, o direito de informar e ser informado e o direito dos jornalistas de
livremente na Imprensa exprimirem e criarem. Ainda assim, nos termos do art. 192º/1, alínea
d) do Código Penal, é punível a violação do direito à reserva da intimidade independentemente
dos direitos neste parágrafo enunciados.

No entanto, o fator decisivo do caso parece ser o art. 80º/2 do CC, que estabelece que a
extensão da reserva pode ser definida conforme a condição das pessoas. A verdade é que,
sendo uma figura pública, há alguns fatores a considerar relativamente à sua renúncia, ou não,
ao direito à reserva de intimidade da vida privada.

Numa situação normal, qualquer um tem direito à sua privacidade. No entanto, se, como
figura pública, a apresentadora tenha deliberada e conscientemente revelado factos da sua
vida privada de algum modo relacionados com a operação para disso tirar proveito pessoal e
profissional, tornando-os atos públicos e publicáveis, isso levou à crença de que a mesma
consentia com a revelação pública desses factos e que essa revelação seria lícita, colocando-se
fora de qualquer recato ou reserva da intimidade. Uma figura pública não pode exibir apenas o
que quer exibir, despoletando e alimentando a curiosidade dos media, e não esperar que
sejam noticiados factos relacionados com aquilo que partilha acerca da sua vida privada.
Assim, a partir do momento em que a apresentadora possa ter partilhado publicamente
aspetos relacionados com a operação, como operações anteriores ou matérias de estética,
consentiu a divulgação pública desses aspetos sem que isso viole a sua intimidade da vida
privada. O editor pode, por isso, noticiar a operação.

Se, pelo contrário, nada disto ocorreu e a apresentadora se manteve reservada e silenciosa na
vida pública em relação a quaisquer assuntos relacionados com a operação, não houve
renúncia ao direito à intimidade e, como tal, a notícia da operação consistirá numa violação
desse direito, punível nos termos do art. 483º/1 do CC com uma indemnização, ou nos termos
do art. 192º/1, alínea d) do Código Penal com pena de prisão até 1 ano ou de multa até 240
dias.

Resumo do acórdão:
A publicação da notícia de que estava internada no hospital com uma gravidez complicada
pelos RR incomodou muito a A., em fase final de gravidez, por respeitar à sua vida privada, e
por não serem verdadeiros os factos referidos nas notícias, A. que ficou muito indignada
comentando essa indignação com familiares e amigos e médico que minimizaram o assunto, a
apoquentação que isso causou aos seus familiares quando viram a notícia antes de confirmar
com a própria sentindo a A. necessidade de desmentir a notícia (art.ºs 7, 8, 12, 35, 42, 49, 50,
72, 82); a notícia chama a atenção do público (art.º 29), o público crê como verdadeira a
notícia publicada na primeira página do jornal (art.º 32), o jornal é vendido em todos os
quiosques (art.º 33), apesar da A. ser ciosa da sua vida privada, sendo uma figura pública por
respeito ao seu público, se o facto fosse verdadeiro, e tivesse sido questionada sobre o
mesmo, teria confirmado (art.º 37), a A. foi questionada sobre o facto por várias pessoas e
amigos (art.º 38), pessoas anónimas perguntaram-lhe se ela estava melhor e o que tinha
acontecido (art.º 39), os seus amigos telefonaram-lhe preocupados (art.º 40), a indignação
levou a A. a desmentir a notícia através do seu agente RC, julgando que tal desmentido era
suficiente (art.º 43), com a primeira notícia ficou indignada, mas considerou que a situação
ficaria resolvida com o desmentido (art.º 45), a A. ficou indignadíssima dado que não brinca
com factos respeitantes à sua saúde, tem respeito pelo interesse do público pela sua pessoa e
não aceita que os RR a tratem como mentirosa e por ser publicada uma notícia falsa sobre o
seu estado de saúde era importante que fosse reposta a verdade (art.º 48), exercendo a A. o
seu direito de resposta para diminuir a sua irritação (art.º 51), a A., ficou revoltadíssima e
completamente descrente no exercício do direito de resposta pois a consequência não é uma
retratação do jornal ou a simples reposição dos factos verdadeiro mas sim o que os RR fizeram
(art.º 55), a A. sentiu-se completamente impotente (art.º 56), tais factos deixaram a A.
nervosa, irritada preocupada, ansiosa, tendo necessidade que a verdade seja reposta na
íntegra pois a A. não é mentirosa (art.º 58, 70, 71), a A. é reservada quanto à sua vida familiar
e pessoal mas sempre respeitou o público e o interesse que estes possam ter pela sua pessoa,
não abre as portas de sua casa aos meios de comunicação social nem expõe os filhos nas
entrevistas que concede, seja como apresentadora de televisão seja como Embaixadora de
boa Vontade (art.ºs. 59, 60, quando do nascimento dos seus dos seus dois filhos os meios de
comunicação social rondavam as portas da maternidade (art.º 61 )

Argumentos utilizados do acórdão:


F. Ficou cabal e exuberantemente demonstrado que a Reclamante escancara e escancarou
todas as portas e janelas da sua vida privada e que o faz deliberada e conscientemente para de
tal tirar proveito pessoal e profissional.
G. A Recorrente não alcança que não pode abrir as portas da sua intimidade - no caso a
gravidez –, exibindo o que quer exibir, e depois impedir a imprensa de noticiar factos que
apurou em relação a esse tema.
H. O que incomoda a Apelante é que os factos narrados na notícia dos autos não estão sujeitos
a reserva da intimidade da mesma, uma vez que esta publicitou sempre, através dos media, as
suas gravidezes, a evolução das mesmas, e o nascimento dos seus filhos, tendo sido a mesma
que quis mostrar e mostrou ao público, através dos media, esses factos.
I. A Apelante expôs publicamente quer a primeira, quer a segunda gravidez, e com isso fez com
que todos os jornais e jornalistas acreditassem que a mesma dava consentimento à revelação
pública desses factos, pelo que acreditavam, ante o comportamento da A., ser lícito (como é)
cobrir todos os acontecimentos (positivos, ou menos positivos) relacionados com aquelas
gravidezes.

Consta ampla prova documental nos autos da qual resulta que a Recorrente e, ocasionalmente
os seus familiares, por sua iniciativa,
sempre exibiram, retrataram, relataram e difundiram para a imprensa, por escritos e imagens,
as gravidezes daquela, a sua evolução, e o nascimento dos seus filhos, tornando-os actos
públicos e publicáveis, do conhecimento público, fora de qualquer recato ou reserva de
intimidade. 
L. Foi a Apelante que, por sua própria iniciativa fez despertar e alimentou (sempre que o quis)
a curiosidade dos media e do público sobre a evolução das suas gravidezes, suas maternidades,
aparecendo, fazendo-se fotografar e falando sobre múltiplos aspectos com ela relacionados,
desde a evolução das gestações, até às características físicas dos filhos.
M. A partir do momento em que a Recorrente decidiu abrir as portas das suas gestações,
consente a divulgação pública dos aspectos das suas gestações sem que tal configure qualquer
violação da intimidade da vida privada.

Consequências da violação desses direitos (art.º 483)

O art.º 26, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (doravante referenciada como CRP)
consagra entre os vários direitos da personalidade, os direitos à identidade pessoal, ao bom
nome e reputação, à imagem, à reserva da vida privada.
Todos eles em comum têm o facto de estarem ao serviço da protecção da esfera nuclear das
pessoas e de sua vida, daquilo que a literatura juscivilista designa por direitos de
personalidade.

Os artigos 37, n.º 1 e 38, n.ºs 1 e 2 da CRP consagram respectivamente o direito de exprimir e
divulgar livremente o pensamento pela palavra, o direito de informar e ser informado, por um
lado e o direito dos jornalistas de livremente na Imprensa exprimirem e criarem, acesso às
fontes de informação

O direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar analisa-se em dois direitos


menores, o direito de impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e
familiar e o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a sua vida privada
e familiar (CCiv art.º 80). O critério constitucional deve arrancar dos conceitos de privacidade e
de dignidade humana de modo a definir-se um conceito de esfera privada de cada pessoa
culturalmente adequado à vida contemporânea. O âmbito normativo do direito fundamental
deve delimitar-se assim com base num conceito de “vida privada” que tenha em conta a
referência civilizacional sob o aspecto de respeito dos comportamentos, respeito do
anonimato e o respeito da vida em relação. Estas dimensões devem ser convocada para
eventuais “renúncias” à protecção da vida privada.
Em abstracto, se desconsiderássemos a Autora na sua vida em relação, haveria
manifestamente ilícito: toda a pessoa, tem o direito ao seu recato, ao anonimato

4. Durante uma campanha eleitoral, o conhecido político progressista Dr. Anacleto


Bisonte Celso, candidato do seu partido à pasta do Ministério da Família, difundiu
cartazes e publicou anúncios em que se apresentou rodeado pelos seus familiares
mais próximos, dando a imagem de uma família feliz. Numa manhã de domingo, o
jornalista Mário Águia Pereira, enquanto passeava num dos mais reputados
bairros residenciais da cidade, é surpreendido pelos gritos insistentes de medo
provenientes de uma das vivendas aí existentes. Escondido atrás de uma vedação e
munido de uma objetiva potente, espera pelo momento oportuno e capta uma
fotografia.
Na segunda-feira seguinte, o jornal com mais tiragem naquela circunscrição
territorial reproduz, na primeira página e acompanhada com as letras garrafais
“ESCÂNDALO”, uma fotografia do Dr. Anacleto Bisonte Celso, em posição de
forte ameaça para com a sua esposa, encontrando-se um dos seus filhos menores de
idade escondido debaixo de uma mesa. Nesse mesmo dia, o staff da campanha do
Dr. Anacleto faz um comunicado repudiando todas as insinuações feitas pelo
jornal. Por outro lado, o Dr. Anacleto intenta, também no próprio dia, uma ação
contra o jornalista Mário Águia Pereira, pedindo que este seja condenado à
entrega da chapa fotográfica, bem como ao pagamento de uma avultada
indemnização. A ação terá êxito?
(V. Ac. STJ, de 14.6.2005, proc. nº 05A945, e de 17.09.2009, proc. nº
832/06.6TVLSB.S1, in www.dgsi.pt)
 Está em causa o confronto entre os direitos de personalidade à imagem, ao bom nome e à
reserva da intimidade da vida privada, protegidos constitucionalmente no art. 26º/1, e os
direitos fundamentais à liberdade de informação (art. 37º/1) e liberdade de imprensa (art.
38º).
 O jornalista parece ter violado os direitos do Dr. Anacleto ao usar a sua imagem sem a sua
autorização, publicitar factos da sua vida privada também sem o seu consentimento e
denegrir o seu bom nome e reputação através do retrato como um possível marido e pai
abusador e violento. Por outro lado, a divulgação da fotografia está relacionada com a
atividade profissional do político, que é a sua fonte de notoriedade pública, porque
informa os eleitores de que a campanha do Dr. Anacleto, mostrando uma família feliz,
pode não ser verdadeira.
 Para definir os limites do direito à liberdade de imprensa quando em conflito com direitos
de personalidade tem de se atender aos princípios da jurisprudência do STJ, TC e Tribunal
Europeu dos Direitos do Homem: proceder de boa fé na recolha das informações e na
aferição da credibilidade antes da publicação. O direito de informação e liberdade de
imprensa pode prevalecer sobre os direitos de personalidade e o jornalista pode noticiar
factos verdadeiros ou que tenha como verdadeiros se a divulgação for de interesse
público, o que é, porque o político é uma figura pública e a sua campanha baseia-se
exatamente numa ideia de família feliz que o jornalista comprovou não ser verdade,
estando o Dr. Anacleto a enganar os eleitores.
 O jornalista parece ter agido de boa fé, porque: os factos são verosímeis, uma vez que ele
próprio testemunhou o que parecia ser violência doméstica por parte do Dr. Anacleto;
procedeu a uma averiguação séria porque não se limitou a extrapolar baseado nos gritos
de medo, mas foi realmente ver o que se passava; não parece o jornal ter excedido os
limites do direito de informar ou acrescentado pormenores ofensivos com pouco valor
informativo, porque se limitou a publicar a fotografia com grande destaque; finalmente,
não há nada que leve a pensar que o jornalista tinha animosidade pessoal em relação ao
Dr. Anacleto.
 O facto de agir de boa fé leva à exclusão da ilicitude da conduta do jornalista, ainda que
passível de violar direitos de personalidade do político, e não se verificando este
pressuposto não pode haver responsabilidade civil extracontratual, pelo que não há
obrigação de indemnização nos termos do art. 483º e 484º do CC.
 Nos termos do art. 70º CC, aquele cuja personalidade física ou moral foi ofendida ou está
ameaçada, como é o caso porque foram violados direitos de personalidade, pode requerer
as providências adequadas para evitar a ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa. No
entanto, a entrega da chapa fotográfica não atenua os efeitos da ofensa, pelo que não há
razão para a sua entrega. Uma solução possível seria o retirar os jornais de circulação.
5. Diana consentiu, mediante avultada contrapartida económica, que o retrato do
seu corpo fosse transmitido pela televisão num anúncio publicitário a um produto
de beleza. Arrependida da decisão que tomou, pergunta se pode e com que
consequências impedir que a sua imagem venha a ser transmitida.
Quid iuris? (V. Ac.s STJ, de 7.6.2011, proc. nº 1581/07.3TVLSB.L1-S1, e de
8.11.2001, proc. nº 01B2853, in www.dgsi.pt)
 Está em causa o direito à imagem, protegido constitucionalmente no art. 26º/1, que sendo
um direito de personalidade, seria, em princípio, indisponível e não patrimonial.
 No entanto, o art. 79º/1 do CC permite uma exceção à indisponibilidade do direito à
imagem se o titular der o seu consentimento para a captação, reprodução e publicitação
do retrato, como foi o caso. Por outro lado, este direito é suscetível de avaliação
pecuniária, porque pode ser feito um contrato que limite o exercício deste direito de
personalidade em troca de um pagamento monetário.
 Nestes termos, o contrato não tem qualquer vício extintivo que o torne nulo, pelo que é
válido e gera uma vinculação jurídica segundo o art. 406º CC, tendo de ser cumprido
pontualmente e integralmente. A cadeia televisiva tem o direito ao uso da imagem e Diana
tem o dever de divulgar a sua imagem no anúncio.
 No entanto, o art. 81º/2 do CC permite a denúncia do contrato que limita voluntariamente
os direitos de personalidade, mesmo que este seja válido. Sendo a denúncia um facto
extintivo, cessam os direitos e deveres que resultam do contrato e Rita pode impedir que a
sua imagem seja transmitida. Tem, no entanto, a consequência de ter de indemnizar os
prejuízos causados à outra parte, nos termos do mesmo artigo.

7. Amélia pretende arrendar um quarto de sua casa a estudantes, para o que pôs
um anúncio à porta da Faculdade. Apresentaram-se dois interessados, Berta e
Carlos. Embora Carlos oferecesse uma quantia mensal mais elevada, Amélia
contratou com Berta por não querer, em nenhuma circunstância arrendar a
rapazes. Carlos sente-se discriminado.
Quid iuris? ( V. Lei nº 14/2008, de 12 de Março, na redação dada pela Lei nº
9/2015, de 11 de Fevereiro)
Critério poderia ser o valor monetário da renda ou a fidelidade da pessoa que quer arrendar.

Quando perante contrato de arrendamento, a terminologia é: locador/locatário ou arrendatário


(para quem é cedido o gozo e que tem de pagar a renda) e locador ?

 Sendo que a Lei nº9/2015 só vem alterar a redação do art. 6º da Lei nº14/2008, e não é
esse o artigo aplicável ao caso, continua a aplicar-se o texto original do art. 4º da Lei
nº14/2008 ao caso concreto.
 Segundo o art. 4º/1 são proibidas discriminações diretas ou indiretas no âmbito do acesso
a bens e serviços e seu fornecimento. O nº2 do mesmo artigo concretiza práticas
contratuais consideradas discriminatórias em razão do sexo, entre as quais se engloba, na
alínea c), a recusa ou condicionamento do arrendamento de imóveis.
 A recusa por parte de Amélia a arrendar a Carlos baseada exclusivamente no seu sexo é
considerada discriminatória pelo art. 4/2, alínea c) da Lei nº14/2008. Mais ainda, trata-se
de uma discriminação direta nos termos do art. 3º, alínea a) da mesma lei, que é proibida,
no âmbito do acesso a bens e serviços e do seu fornecimento, que é o caso, pelo art. 4º/1
da mesma lei.
 Segundo o art. 4º/5 da Lei nº14/2008, os atos discriminatórios, como foi o praticado por
Amélia, são nulos (não nasce direito de receber a renda nem dever de pagar a renda) e dão
lugar a responsabilidade civil de acordo com os prejuízos causados. Previsão da
responsabilidade civil: art. 10º da Lei nº14/2008.
 A responsabilidade civil prevista no art. 483º do CC obriga Amélia a indemnizar Carlos
pelos danos resultantes da violação do seu direito, nomeadamente o direito à proteção
legal contra quaisquer formas de discriminação tutelado pelo art. 26º/1 da CRP. O dano
aqui é o de não conseguir arrendar uma casa.
 Caso não existisse esta lei teria de se avaliar se esta discriminação seria permitida à luz do
princípio da igualdade, tutelado pelo art. 13º da CRP:
o Uma vez que o juízo igualitário é comparativo, é necessário estabelecer um
critério relevante e suficiente de acordo com o fim da classificação como igual ou
diferente. Este critério, neste caso, seria puramente o sexo do indivíduo.
o São enumerados no art. 13º/2 da CRP um conjunto de critérios de discriminação
que, em si mesmos, não podem ser utilizados na qualificação como iguais ou
diferentes, por ofenderem a ideia da dignidade da pessoa humana. Um desses
critérios é exatamente o sexo.
o Assim, uma vez que este critério não é adequado ao fim da classificação, suficiente
e materialmente razoável, e mais ainda, é proibido pela CRP, a ação de Amélia
consiste numa violação do princípio da igualdade e é ilícita, dando origem a
responsabilidade civil nos termos do art. 483º do CC.

Há duas possibilidades factuais:

 A casa está vazia e, para ser rentabilizada, será arrendada, neste caso a uma rapariga
apenas porque as raparigas têm algumas vantagens a seu ver. Isto é uma discriminação
em razão do sexo. Neste caso, então, não pode selecionar como critério para escolher o
arrendatário o sexo, por isso há um limite imposto à autonomia privada/liberdade
contratual pelo princípio da igualdade.
 Pode ser arrendar apenas uma parcela da casa e não toda a casa, onde Amélia
simultaneamente viva. Aí, factualmente, a situação é diferente, porque Amélia terá de
conviver com a pessoa que vai viver em sua casa. Enquanto na hipótese factual anterior,
factualmente eram duas situações iguais, ou seja, dois candidatos a celebrar o contrato de
arrendamento, e o critério do sexo não é adequado ao fim. No entanto, neste caso o sexo é
relevante devido à reserva da intimidade da vida privada, porque a pessoa normalmente
sente-se mais à vontade com pessoas do mesmo sexo. Apoio legal: art. 2º/2, alínea a) da
Lei nº14/2008, porque se estivermos num quadro privado e familiar, este diploma não se
aplica, o que significa que não se pode desde logo dizer que há discriminação e violação do
princípio da igualdade.
o Fim da distinção: celebração do contrato de arrendamento com partilha de
habitação e consequente interferência com a esfera íntima de alguém. Neste caso,
não há igualdade entre Carlos e Beatriz, porque a diferença de sexos é relevante,
uma vez que é mais fácil compartilhar um espaço com um estranho do mesmo
sexo. Assim, não há discriminação e não há violação do princípio da igualdade,
pelo que o contrato seria válido.
O legislador tem liberdade de conformação, embora que tenha de respeitar a CRP e embora
tenhamos de interpretar tendo essa em conta. A generalidade das situações não estão reguladas
na CRP.

8. Com vista ao preenchimento da vaga de consultor financeiro, a sociedade Tudo


Constrói, S.A., publicou um anúncio, num dos jornais de maior tiragem. Em
resposta ao anúncio, a sociedade recebeu, de entre várias respostas, os Curriculum
Vitae de João, um recém-licenciado e promissor gestor de 26 anos, e de Maria,
uma economista, de 32 anos, com um MBA em gestão e uma vasta experiência na
área. Depois de ter procedido às entrevistas profissionais respetivas, a Direção de
Recursos Humanos contactou Maria, comunicando-lhe que, embora o seu perfil
correspondesse às necessidades imediatas da sociedade e à filosofia instalada, tinha
sido preterida, pelo facto de ser mulher e de, portanto, ser mais permeável a
ausências prolongadas, fundadas na maternidade e noutros impedimentos de
natureza familiar.
Maria, indignada, sustenta que a recusa da sociedade em contratar é inadmissível
e ilegal. A sociedade defende-se, considerando que não é obrigada a contratar com
Maria.
Tem razão? (V. art.s 23.º e ss. e 30.º e ss. do Código do Trabalho)
 A justificação apresentada pela sociedade consiste numa discriminação associada, por um
lado, a um aspeto integrante do sexo feminino, a maternidade, e por outro, à situação
familiar de Maria. A questão é a de saber se este é um critério razoável e suficiente para
estabelecer a qualificação como diferentes ou iguais, tendo em conta o fim dessa
classificação, ou se pelo contrário é um critério que viole o princípio da igualdade.
 Nos termos do art. 24º/1 do CT todos os candidatos a emprego têm direito a igualdade
oportunidades e de tratamento no acesso ao emprego, não podendo ser beneficiados,
prejudicados, privados de qualquer direito ou isentos de qualquer dever em razão do sexo
ou da situação familiar. O nº2, alínea a) do mesmo artigo concretiza que o direito referido
(igualdade de oportunidades e tratamento no acesso ao emprego) respeita a critérios de
seleção e condições de contratação em qualquer setor de atividade.
 Mais ainda, o art. 30º/1 do CT classifica como discriminação em função do sexo a exclusão
ou restrição de acesso de candidato de emprego, em razão do sexo, a determinada
atividade, o que é uma parte integrante da justificação dada pela sociedade, uma vez que a
maternidade está intimamente associada ao sexo feminino.
 Tanto a violação do direito à igualdade de oportunidades e tratamento no acesso ao
emprego (art. 24/1), como a discriminação em função do sexo (art. 30/1) são consideradas
contraordenações muito graves, nos termos do art. 24º/5 do CT e art. 30º/4 do CT,
respetivamente. Nos termos do art. 555º/4 do CT, uma contraordenação muito grave
corresponde uma coima de 25-50 UC, porque este é um caso de dolo, uma vez que a
sociedade propositadamente discriminou Maria em função do sexo e da situação familiar
(1 UC=102€).
 Segundo o art. 28º do CT a sociedade tem também de indemnizar por danos patrimoniais e
não patrimoniais a candidata a emprego que sofreu a prática de ato discriminatório lesivo,
neste caso Maria, nos termos do art. 483º do CC.
 Concluindo, uma vez que a empresa discriminou em função de um dos critérios proibidos
pelo art. 13º/2 da CRP, nomeadamente o sexo, e assim violou o princípio da igualdade
previsto no texto constitucional, bem como os artigos 24º/1, pela discriminação em função
do sexo e da situação familiar, e 30º/1 do CT, pela discriminação em função do sexo, fica
obrigada a pagar uma coima nos termos dos arts. 24º/5 e 30º/4 do CT e a indemnizar
Maria nos termos dos arts. 28º do CT e 483º do CC.

Quais podem ser os critérios válidos de seleção? Grau de instrução, qualidade de instrução,
experiência, a própria entrevista… Trata-se de um consultor financeiro de uma empresa de
construção, pelo que não é relevante o sexo para aferir a sua competência, e por isso este critério
não é válido.

9. No decurso das negociações para a futura conclusão de um contrato, Ernesto diz


a Fernanda não ser possível a inclusão de certa cláusula no contrato, por não haver
disposição legal que o permita.
Tem razão? Justifique a sua resposta.
Contrariamente ao Direito Público, que se rege pelo princípio da competência, o Direito Privado, e
especificamente o Direito Civil, rege-se pelo princípio da liberdade, ou seja, o princípio segundo o
qual os privados podem fazer tudo exceto aquilo que seja proibido.

Uma manifestação deste princípio da liberdade mais geral é o princípio da autonomia privada, um
dos princípios fundamentais do Direito Civil que reserva um papel relevante à vontade individual na
prossecução dos efeitos jurídicos. No plano negocial é geralmente designado de liberdade
contratual e previsto no art. 405º do CC, que permite às partes fixar livremente o conteúdo dos
contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos e incluir neles as cláusulas que entenderem,
porque se assume que, não sendo expressamente proibidas, elas são permitidas.

Assim, Ernesto não tem razão e a cláusula pode ser incluída no contrato mesmo que não haja
disposição legal que o permita, desde que também não haja disposição legal que o proíba.

É possível haver contratos atípicos, não regulados nem previstos na lei.

10. Bernardo acordou com Carlos servi-lo, como súbdito e escravo, durante o
período de três anos. Para o efeito, ambos redigiram um contrato, que
prontamente assinaram. Aconselhado por Eduarda, estudante de direito, Bernardo
comunica a Carlos a sua intenção de “não mais cumprir o contrato, porque ilegal”.
Carlos responde-lhe que, segundo o disposto no Código Civil, “os contratos devem
ser pontual e integralmente cumpridos, só podendo modificar-se ou extinguir-se
por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei”.
Quem tem razão?
Uma das manifestações da autonomia privada, no plano negocial, é de facto a liberdade contratual,
prevista no art. 405º do CC, que permite às partes fixar livremente o conteúdo dos contratos,
celebrar contratos diferentes dos previstos e incluir neles as cláusulas que entenderem. Isto deriva
da vigência do princípio da liberdade no Direito Privado, mais particularmente no Direito Civil,
segundo o qual é lícito tudo o que não for proibido.
No entanto, existem limites genéricos à autonomia privada e, por isso, à liberdade contratual,
previstos no art. 280º do CC, que tornam o negócio jurídico nulo, fazendo com que este nunca
tenha produzido efeitos e, por isso, não vincule as partes. Um desses limites é a impossibilidade
jurídica do objeto do negócio jurídico. Neste caso, de facto, o objeto consiste na liberdade, e até
mesmo na integridade física e moral de Carlos, e o ordenamento jurídico não admite esse objeto: a
integridade moral e física das pessoas é inviolável, nos termos do art. 25º da CRP; e a ninguém
pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, nos termos do art. 27º da CRP.

Assim, a impossibilidade jurídica da disposição desse objeto no negócio jurídico impõe um limite à
liberdade contratual, tornando o contrato celebrado entre Bernardo e Carlos nulo. Por
consequência, este vício originário leva à sua inexistência jurídica e não vinculação das partes, pelo
que Bernardo pode não cumprir o contrato porque este, desde logo, não existe.

O problema é de personalidade jurídica, porque um escravo é uma coisa. Durante 3 anos esta
pessoa é considerada uma coisa e não tem o estatuto de pessoa nem tem personalidade jurídica,
pelo que os problemas de liberdade e integridade são apenas superficiais. O objeto é, então, a
personalidade jurídica. Qual é a validade deste objeto?

Isto não é possível, porque há impossibilidade jurídica, é inerente ao ser humano ter personalidade
jurídica. O ordenamento jurídico não fornece nenhum meio que permita alguém deixar de ter
personalidade jurídica, ainda que antigamente existisse morte civil, portanto o objetivo do negócio
jurídico é impossível juridicamente. Sendo assim, e não havendo nenhum meio oferecido pela
ordem jurídica, o contrato é juridicamente impossível, e por isso é nulo, logo não produz efeitos e
não existem direitos e deveres que devem ser respeitados.

Assim, quem tem razão é Bernardo.

11. Eduardo, toxicodependente, encontrando-se em notório estado de dependência


de heroína e desesperado por obter dinheiro para a adquirir, aceitou a proposta
formulada por uma popular estação de televisão TVLIXO para participar num
reality show, composto por 30 sessões, no qual, em direto, se exibia “o dia-a-dia de
um toxicodependente, as suas carências e anseios”. Como contrapartida da
participação de Eduardo no programa, a TV-LIXO obrigava-se a pagar-lhe,
diariamente, 150 euros, comprometendo-se Eduardo a participar em todas as
sessões contratadas. O programa foi muito bem recebido pelos telespectadores,
revelando um elevado nível de audiência.
Decorridas três sessões, Eduardo recusa-se a continuar a sua participação no
programa, invocando, para o efeito que:
a) não quer continuar a ser tratado como “animal de circo”;
b) o programa é contrário aos bons costumes. Quid iuris?
A nulidade é muito mais grave desvalor jurídico do que a anulabilidade, e por isso se houver
fundamento de nulidade, então acaba por não ser importante a anulabilidade.

A CRP estabelece um direito fundamental de liberdade à iniciativa económica para a TV. Este
contrato põe em causa o bom nome, imagem e reserva à vida privada de Eduardo. Há então um
conflito de princípios, um conflito de direitos prima facie, pelo que temos que descobrir que direito
existe.
A livre iniciativa económica (art. 61º/1 CRP) tem limites, um dos quais é a violação do bom nome ou
da reserva da intimidade da vida privada. Assim, há um conflito aparente, mas na realidade
olhando os factos há apenas os direitos de Eduardo, e não o de iniciativa económica.

1º. Os direitos que têm de ser tutelados são os direitos de personalidade de Eduardo.

2º. O conteúdo da autolimitação dos direitos é permitido ou viola os limites, fora os quais o negócio
é nulo, previstos no art. 81º/1 ou 280º? O limite aqui em causa são os bons costumes, que são uma
clausula geral e por isso não se sabe como preencher. Se preenchermos com conceitos morais, a
moral social dominante não está de acordo com este tipo de programa e conteúdo, um programa
de diversão à toxicodependência. Se preenchermos com valores constitucionais, e não com regras
morais, a CRP tutela os direitos evocados de Eduardo.

Assim, foram ultrapassados os limites porque são violados os bons costumes, pelo que o negócio é
nulo e não produz efeitos. Eduardo não está obrigado a continuar a participar no programa.

Para haver impossibilidade jurídica significa que o ordenamento não fornece meios ou ferramentas
necessários para que o negócio seja possível. Ex. não há meio de renunciar à personalidade jurídica,
ou à vida.

 O Direito Privado, em particular o Direito Civil, é regido por um princípio da liberdade, que
se concretiza na autonomia privada, segundo o qual os privados podem fazer tudo exceto
aquilo que seja proibido. No plano negocial é geralmente designada de liberdade
contratual e prevista no art. 405º do CC, que constitui um regime geral.
 No entanto, existem limites à liberdade contratual, específicos e genéricos, estando os
genéricos previstos no art. 280º do CC. Entre estes limites encontram-se os bons costumes
invocados por Eduardo. Atualmente entende-se que este é um conceito indeterminado
que diz respeito à esfera/dimensão pessoal da pessoa e que deve ser preenchido e
densificado à luz das normas constitucionais.
 A CRP prevê, no seu art. 1º, o princípio da dignidade da pessoa humana como base do
nosso Estado de Direito Democrático. Este é um valor constitucional respeitante à vida de
cada um, e por isso à sua esfera/dimensão pessoal, e não à sociedade, pelo que é passível
de ser utilizado para densificar o conceito dos bons costumes.
 O contrato é claramente uma violação do princípio da dignidade humana, porque, tal
como o próprio Eduardo diz, está a ser tratado como um “animal de circo,” o que consiste
num atentado à sua dignidade. É explorada uma carência e uma dependência clara de
estupefacientes de modo a pressionar alguém a não só manter-se nessa situação, como
permitir a violação de direitos de personalidade tais como o direito à honra e à reserva da
intimidade da vida privada (art. 26º CRP). Assim, e como os bons costumes são
densificados pela dignidade da pessoa humana, este negócio jurídico viola os bons
costumes.
 Nos termos do art. 280º/2 do CC, é nulo o negócio jurídico que seja ofensivo dos bons
costumes. Como tal, este negócio jurídico não produz efeitos e as partes não estão
vinculadas ao cumprimento dos seus respetivos direitos e deveres, pelo que Eduardo pode
legitimamente recusar a participação no programa.
 É de questionar se este negócio não poderia também ser nulo ou anulável devido a uma
incapacidade jurídica de Eduardo, na medida em que, estando sob o efeito de
estupefacientes e tendo um histórico de toxicodependência, pode não estar na posse das
suas faculdades para tomar uma decisão ou realizar um contrato. – ART. 257º CC
Artigo 152º (Pessoas sujeitas a inabilitação) Podem ser inabilitados os indivíduos cuja anomalia psíquica,
surdez-mudez ou cegueira, embora de carácter permanente, não seja de tal modo grave que justifique a
sua interdição, assim como aqueles que, pela sua habitual prodigalidade ou pelo uso de bebidas
alcoólicas ou de estupefacientes, se mostrem incapazes de reger convenientemente o seu património.

ARTIGO 156º (Regime supletivo) Em tudo quanto se não ache especialmente regulado nesta subsecção é
aplicável à inabilitação, com as necessárias adaptações, o regime das interdições.

ARTIGO 150º (Actos anteriores à publicidade da acção) Aos negócios celebrados pelo incapaz antes de
anunciada a proposição da acção é aplicável o disposto acerca da incapacidade acidental.

ARTIGO 257º (Incapacidade acidental) 64 1. A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer
causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre
exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário. 2. O
facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar.

12. Numa tarde de Domingo, António foi a casa de Bernardo, para uma partida de
póquer com mais dois amigos. Depois de dois jogos em que perdera, António
esperava ganhar o terceiro, confiante de que a sua sorte estava a mudar. Quando,
porém, se apercebeu de que iria perder mais uma vez, António deu um forte
murro na mesa, sem reparar que o cinzeiro de cristal de Bernardo estava próximo
da ponta da mesa. Com a força do murro, a mesa, estremecendo, provocou a
queda do cinzeiro no chão, que se estilhaçou em mil pedaços. Bernardo, acusando
António de ter mau perder, exige-lhe um cinzeiro igual ao que este partira.
António alega nada dever uma vez que não partiu o cinzeiro de propósito.
Quid iuris?
 Trata-se de um caso de responsabilidade civil extra obrigacional com consequente dever
de indemnizar, porque estão verificados todos os pressupostos:
o Facto: há um comportamento voluntário de António que consiste no murro dado
na mesa.
o Ilicitude: o ato é ilícito porque há a violação de um dever genérico de respeitar os
direitos alheios, neste caso de respeitar a propriedade de outrem, ou seja, de não
causar dano à propriedade, que está a ser violado.
o Culpa: há negligência consciente, porque António sabia que estava a violar o dever
de cuidado a que estava adstrito, e que uma consequência possível dessa violação
era um dano à propriedade de Bernardo, mas não parece razoável admitir que
acredite que esse dano irá de facto ocorrer. Olhando ao homem medianamente
prudente, nos termos do art. 487º/2 do CC, percebemos que há negligência
porque o homem médio não agiria como agiu António, ou seja, podia ter os
sentimentos negativos e exterioriza-los, mas essa exteriorização tem de ser
limitada porque se vive em sociedade, e um desses limites é não estragar as coisas
dos outros e por isso há um dever de cuidado relativamente aos direitos dos
outros. Pelo contrário, António não pesou a consequência do murro. Segundo o
critério do homem médio, era exigível que olhasse e ponderasse as consequências
do seu ato. Era previsível que aquele comportamento poderia ter aquele
resultado, por isso devia ter previsto mas não previu.
o Dano: perda da propriedade, se o objeto se extingue há perda do direito sobre
esse objeto. há dano patrimonial, porque o cinzeiro é um bem suscetível de
avaliação pecuniária, humano, porque provém do comportamento humano de
António, e é um dano emergente, porque consiste num prejuízo patrimonial
presente, ou seja, algo que existia no património do lesado desaparece.
o Nexo de causalidade: há causalidade física porque o comportamento de António
foi a causa da queda do cinzeiro, e a causalidade é adequada porque é normal que
este tipo de ação, nomeadamente um embate forte numa mesa que a faça
estremecer, provoque este tipo de dano, nomeadamente a queda de um objeto
que esteja em cima da mesa. Segundo as regras de ação comum, é previsível que
nestas circunstâncias se provoque este dano.
 Verificados os pressupostos de responsabilidade civil, nos termos do art. 562º do CC,
António deveria proceder a uma reconstituição natural, que é conseguida através da
aquisição de um novo cinzeiro, idêntico àquele que foi destruído. Senão, tem de ser
compensação pecuniária, quer pelos danos patrimoniais e não patrimoniais.
 NÃO SE APLICA ART. 570º CC PORQUE: não se sabe se foi o lesado que deixou o cinzeiro ali,
se todos se comportassem devidamente ele não caía, e mesmo que estivesse no centro da
mesa um murro podia fazer estremecer o cinzeiro e, consequentemente, parti-lo. No
entanto, é de considerar, nos termos do art. 570º do CC, que Bernardo praticou um facto
culposo que provocou o dano ao deixar o cinzeiro, que sabia ser fácil de partir, próximo da
ponta da mesa. Se este não o tivesse deixado na ponta da mesa, talvez o estremecimento
não tivesse causado a sua queda, e o dano não tivesse ocorrido. Assim, da culpa tanto de
António como de Bernardo, em ambos os casos por negligência consciente, resulta que a
indemnização, neste caso a compra de um novo cinzeiro, pode ser reduzida ou mesmo
excluída. Na minha opinião, devia ser reduzida de forma a que ambos pagassem metade
do preço de um novo cinzeiro.

13. David dirigiu-se ao hipermercado Tudo para o Lar, Lda., para adquirir um
televisor. David, homem habitualmente distraído, embateu num expositor de
máquinas fotográficas, tendo com essa conduta danificado todas as máquinas que
se encontravam expostas. As máquinas tinham sido adquiridas por 10.000 Euros e
iriam ser vendidas por 15.000 Euros. O gerente do hipermercado pretende
responsabilizar David.
Quid iuris?
 Trata-se de um caso de responsabilidade civil extracontratual com consequente dever de
indemnizar, porque estão verificados todos os pressupostos:
o Facto: há um comportamento voluntário de David que consiste no embate no
expositor de máquinas fotográficas.
o Ilicitude: o ato é ilícito porque há a violação de um dever genérico de respeito
pelos direitos alheios, ou seja, de não causar dano à propriedade de outrem, que
está a ser violado.
o Culpa: há negligência consciente, porque David sabia que estava a violar o dever
de cuidado a que estava adstrito ao andar distraído por entre equipamentos que
se podiam partir, e que uma consequência possível dessa violação era um dano às
máquinas fotográficas, mas não parece razoável admitir que acredite que esse
dano irá de facto ocorrer, até devido à sua natureza distraída. Olhando ao homem
medianamente prudente, nos termos do art. 487º/2 do CC, percebemos que há
negligência porque o homem médio não agiria como agiu David, ou seja, não
andaria distraído sabendo que isso poderia provocar danos aos equipamentos do
hipermercado. É verdade que é distraído, pelo que tem de fazer um esforço
acrescido para estar mais atento, segundo o que faria o homem médio. De facto,
ele entrou numa loja propositadamente, e por isso teve que ter esta noção.
o Dano: há dano patrimonial, porque as câmaras são bens suscetíveis de avaliação
pecuniária, e humano, porque provém do comportamento humano de David. É
consensual que exista dano emergente, uma vez que existe um prejuízo
patrimonial presente, ou seja, algo que existia no património do lesado
desaparece, nomeadamente as câmaras fotográficas são danificadas. No entanto,
é questionável se existem lucros cessantes com base na expressão “e iriam ser
vendidas por 15.000€”:
 Se esta expressão significar que este seria o preço de venda, não existem
lucros cessantes, porque não há forte probabilidade de que o lesado fosse
receber esse dinheiro, uma vez que podia acontecer que ninguém
estivesse interessado nas câmaras e não as comprasse. Não sendo certa a
privação de um lucro futuro, não se pode admitir a existência de lucros
cessantes.
 No entanto, se a expressão significar que um contrato já tinha sido feito
para vender todas as câmaras por aquela quantia, sendo certo que o
contrato seria cumprido e, por isso, o lesado foi privado do lucro futuro
que faria com a venda das câmaras, existem lucros cessantes, porque
devido ao dano desaparece essa vantagem.
o Nexo de causalidade: há causalidade física porque o comportamento de David foi
a causa da danificação das câmaras fotográficas, e a causalidade é adequada
porque é normal que este tipo de ação, nomeadamente um embate num
expositor de objetos frágeis e passíveis de ser facilmente danificados, provoque
este tipo de dano, nomeadamente a danificação destes mesmos objetos.
 Verificados os pressupostos de responsabilidade civil, nos termos do art. 562º do CC, David
deveria proceder a uma reconstituição natural, que é conseguida através da compra de
novas máquinas fotográficas similares. Se por algum motivo isto não fosse possível,
proceder-se-ia a uma indemnização pecuniária, nos termos do art. 566º/1 do CC, que
consistiria no pagamento de 10.000€ com vista a deixar a situação financeira do lesado
igual àquela que existia antes do dano.
 No entanto, dependendo de se considerámos que existem ou não, deve também ser
considerada a indemnização dos lucros cessantes, a par dos danos emergentes, nos termos
do art. 564º do CC. Caso existam danos emergentes, David não terá só de fazer uma
reconstituição natural ou, caso isso não seja possível, indemnização pecuniária, mas terá
também de pagar os 15.000€ correspondentes ao lucro futuro de que o lesado foi privado.

14. Carlota, conduzindo o seu novo automóvel, atropelou Diogo, o qual sofreu, em
consequência do acidente, vários ferimentos, tendo sido internado num hospital,
durante dez dias. Uma vez recuperado, Diogo dirigiu-se a Carlota exigindo-lhe o
pagamento de:
a) custos de internamento no hospital, no valor de € 2.000;
b) trinta euros, correspondentes ao valor que receberia pela explicação de
matemática que iria dar a um aluno no dia do acidente e que não pôde dar.
Carlota recusa-se a pagar tais quantias, alegando que não teve qualquer culpa no
acidente, uma vez que este se deveu à quebra do cabo da embraiagem do veículo.
Quid iuris?
 A responsabilidade pelo risco existe nos casos em que alguém retira um benefício de uma
atividade ou meio perigoso, porque se o perigo se materializar em dano, é a pessoa que
beneficia desse objeto que deve suportar o risco a ele adjacente. Um automóvel é um
meio perigoso, pois pode provocar a lesão ou morte de outrem, quer através do uso, como
é o caso de um atropelamento resultante de excesso de velocidade ou de uma colisão de
carros, quer por si só, como é o caso em que se incendeia sozinho ou tem alguma avaria
que provoca danos.
 Estamos num caso de responsabilidade pelo risco, prevista no art. 503º/1 do CC no que diz
respeito a acidentes com veículos.
 Neste tipo de responsabilidade pode haver ausência de culpa e irrelevância da ilicitude,
pelo que o facto de Carlota não ter culpa no acidente não a iliba. Têm apenas de se
verificar:
o Facto: ação de Carlota de conduzir o carro que teve a avaria e levou ao
atropelamento de Diogo. a avaria do carro de Carlota que leva ao atropelamento
de Diogo.
o Dano: ferimentos resultantes do acidente. Há dano não patrimonial, porque a
integridade física de Diogo não é um bem suscetível de avaliação pecuniária que
consiste no sofrimento resultante dos ferimentos. Por outro lado, existem
também danos patrimoniais, tanto danos emergentes como lucros cessantes:
 Há danos emergentes porque há um prejuízo patrimonial presente para o
lesado, que consiste no preço do internamento no hospital para conseguir
curar os ferimentos resultantes do acidente.
 Há lucros cessantes porque havia uma forte probabilidade de Diogo dar a
explicação de matemática e por isso receber 30€, mas devido aos
ferimentos resultantes do acidente foi privado deste lucro futuro.
o Nexo de causalidade: há causalidade física porque a avaria do carro de Carlota foi
a causa do atropelamento de Diogo, e a causalidade é adequada porque é normal
que este tipo de ação, nomeadamente uma avaria no carro que leve a um
acidente, provoque este tipo de dano, nomeadamente os ferimentos de Diogo
resultantes do acidente.
 Assim, verificados todos os pressupostos da responsabilidade pelo risco, existe um dever
por parte de Carlota de indemnizar Diogo, nos termos do art. 562º do CC.
 Tendo em conta que não é possível fazer uma restituição natural da integridade física, nos
termos do art. 566º/1 do CC, deve ser realizada uma indeminização em dinheiro dos danos
emergentes, que deverá corresponder ao pagamento dos 2000€ de internamento no
hospital.
 Quanto aos lucros cessantes, devem ser indemnizados nos termos do art. 564º do CC,
através do pagamento dos 30€ que seriam previsíveis Diogo ganhar com a explicação.

15. Diogo passeava o seu feroz cão de guarda quando, repentinamente, a trela se
partiu e o cão foi morder Elias, cirurgião plástico, que se encontrava sentado num
banco de jardim. Na sequência dos ferimentos, Elias gastou 200 Euros em
tratamentos hospitalares, para além de ter deixado de ganhar 25.000 Euros em
virtude do cancelamento de quatro intervenções cirúrgicas previamente
agendadas. Ficou provado que a trela se encontrava em péssimo estado de
conservação.
a) Poderá Diogo ser responsabilizado pelos danos causados a Elias? Em caso
afirmativo, que pressupostos têm que estar reunidos cumulativamente?
 Será responsabilidade por facto ilícito e culposo, nos termos do art. 493º do CC, ou
responsabilidade pelo risco, nos termos do art. 502º do CC?
 No art. 493º do CC alguém tem dever de vigilância de um animal e o animal provoca um
dano. A responsabilidade é de quem tem o dever de vigiar, porque se tivesse cumprido
bem o seu dever de vigiar o animal não tinha provocado o dano. Os pressupostos
continuam a ser os da responsabilidade extra contratual, a única especialidade é a
presunção de culpa, porque é o lesado que tem de provar que o dano não se
 A ideia do 502º é a ideia de que os animais são perigosos, pelo que quem retira o proveito
deles deve responder pelos danos que criam.
 A ideia do 493º prende-se com o cumprimento de um dever de vigilância, enquanto o 502º
implica responsabilidade…
 Olhando apenas ao 493º, podia ser qualquer pessoa (dono, quem usufrui, dog sitter…).
Mas o art. 502º delimita os destinatários muito bem: quem utiliza no próprio interesse.
Sempre que o cão é usado no interesse de alguém aplica-se o 502º  quando alguém tem
um animal tem interesse. O destinatário do 502º são os proprietários, usufrutuários,
comodatários (empréstimo do cão – comodato, o comodatário recebe algo como uma
vantagem por isso tem interesse, enquanto que quando peço a alguém para tomar conta
não é do interesse dela mas sim do proprietário, pelo que se tem um depósito, e o
depositário está abrangido apenas pelo 493º porque tem apenas dever de vigiar). É
necessário um direito real ou pessoal de gozo, que faculta ao seu titular o poder de gozar o
objeto, neste caso o animal. O proprietário é o destinatário por excelência do 502º do CC.
as outras situações, em que há dever de vigilância mas não acompanhado pelo gozo, é o
art. 493º que se aplica.
 Não basta ter o direito de gozo para responder por todos os danos provocados pelo
animal, porque também há uma delimitação no 502º pelos quais o titular do direito
responde. Têm que ser danos que sejam próprios do perigo que o animal em si mesmo
representa (ex. não pode ser o caso de um cão ser empurrado e estragar um canteiro,
porque não é um perigo que ele próprio representa). Sempre que os perigos próprios do
animal se concretizem num dano, o titular do gozo deve responder pelos danos causados
pelo animal.
 O art. 493º é outra realidade, pensado apenas para quem tem um dever de vigilância e não
um direito de gozo relativamente ao animal.
 NESTE CASO APLICA-SE O ART. 502º
 Mesmo que a trela estivesse perfeitamente conservada e Diogo tivesse sido
profundamente diligente no cumprimento do seu encargo de vigiar o cão, e por isso não
houvesse qualquer juízo de culpa imputável a Diogo nem ilicitude por violação de um
dever de vigiar, se por algum motivo o cão feroz conseguisse soltar-se e morder Elias,
Diogo deveria poder ser responsabilizado na mesma.
 A responsabilidade prende-se com o facto de Diogo retirar um benefício de um animal
feroz e perigoso, como a sua segurança ou até companhia, e por isso dever ser
simultaneamente ele a suportar o risco de esse perigo que consiste o seu cão se converter
em dano, que foi o que aconteceu. A culpa ou ilicitude são irrelevantes, porque tem de
suportar o risco, uma vez que utiliza o animal em seu benefício, nos termos do art. 502º do
CC.
 É responsabilidade pelo risco. Assim, Diogo pode ser responsabilizado pelos danos
causados a Elias e têm de se verificar cumulativamente apenas os requisitos do facto, do
dano e do nexo de causalidade.
o Facto: ação de ter um cão cão feroz de Diogo morde Elias e provoca ferimentos.
o Dano: violação da integridade física de Elias devido aos ferimentos causados pela
mordida do cão.
o Nexo de causalidade: existe causalidade natural/física porque foi a mordida do cão
feroz de Diogo que provocou os ferimentos a Elias; e existe também causalidade
adequada porque é normal que este tipo de ação, o ataque de um cão feroz que
se solta de uma trela, provoque este tipo de dano, ferimentos da pessoa atacada,
nas circunstâncias do caso concreto.
 Verificados os pressupostos, Diogo tem a obrigação de indemnizar nos termos do art. 562º
do CC. Uma vez que não é possível proceder a uma reconstituição natural da integridade
física, a indemnização terá de ser pecuniária, nos termos do art. 566º do CC, e compreende
tanto os danos emergentes como os lucros cessantes, nos termos do art. 564º do CC.

b) Qualifique os danos sofridos por Elias, de acordo com os critérios de


classificação estudados.
 São danos patrimoniais, suscetíveis de avaliação pecuniária: as intervenções cirúrgicas
previamente marcadas que não pôde realizar correspondem a um determinado montante
em dinheiro que perdeu; o dinheiro que gastou em tratamentos hospitalares para curar os
ferimentos.
 Existem danos emergentes, que correspondem desde logo aos 200€ que teve de gastar
devido à agressão à sua integridade física, porque correspondem a um prejuízo patrimonial
presente ao património do lesado. Por outro lado, existem lucros cessantes, que
correspondem aos 25000€ de que Elias foi privado porque houve dano, uma vez que
existia uma forte probabilidade de recebê-los visto que as intervenções cirúrgicas estavam
já marcadas.
 Dano não patrimonial é o sofrimento inerente à própria mordedura, ou seja, à lesão
provocada pelo cão.

ARTIGO 502º (Danos causados por animais) Quem no seu próprio interesse utilizar quaisquer
animais responde pelos danos que eles causarem, desde que os danos resultem do perigo especial
que envolve a sua utilização.

16. Sábado à tarde, Gonçalo, apercebendo-se da existência de um lençol de água a


sair pela porta da moradia da sua vizinha Helena e sabendo que esta estava fora
durante o fim-de-semana, decide arrombar a porta da casa para assim evitar a
inundação da moradia de Helena.
Uma vez regressada de fim-de-semana, Helena dirige-se a Gonçalo para lhe
agradecer ter evitado a inundação, mas, em simultâneo, pede-lhe o pagamento da
reparação da porta arrombada. Gonçalo recusa-se a pagar.
Quid iuris?
 É um problema de consentimento e não de estado de necessidade. Não é previsto pelo art.
340º. É passível de gerar responsabilidade civil ou penal, e nestes casos a análise das
causas de justificação deve ser feita sempre à luz das normas do direito penal, porque o
direito penal é mais permissivo do que o direito civil (considera mais facilmente um ato
lícito).
 Neste caso há destruição de coisa alheia com dolo, pelo que se verifica o tipo criminal do
“dano” do art. 212º do CP.
 Para aferir a ilicitude deve usar-se as normas de direito penal, pelo que a figura do
consentimento é prevista pelo art. 39º do CP e não no art. 340º do CC.
 O titular do interesse sacrificado é simultaneamente o titular do interesse beneficiado. No
estado de necessidade, a lei permite que o agente, para afastar um perigo atual, lese um
bem de terceiro em prol do bem doutrem, e não do interessado. Aqui não é isso que se
verifica: o titular do interesse sacrificado é simultaneamente o titular do interesse
beneficiado. Pelo contrário, este é um problema de consentimento, em que alguém abdica
da tutela que o ordenamento jurídico confere a um direito, porque se tem um interesse
melhor.
 Aplicação do art. 39º: consentimento presumido. A figura que podemos ter é
consentimento presumido, que implica: urgência na declaração do potencial
lesado/beneficiado; impossibilidade de contactar ou de essa pessoa tomar a decisão em
tempo útil. Temos de presumir qual seria a vontade de Helena se soubesse que havia uma
inundação em sua casa? Presumivelmente, se tivesse sido consultada, com base no facto
de lhe agradecer, teria consentido. Por outro lado, arrombar uma porta para impedir uma
inundação não viola os bons costumes.
 O ato é permitido, por isso não é ilícito.
 Para haver responsabilidade por ato lícito é necessário que haja uma norma que o preveja,
porque esta responsabilidade tem caráter excecional. A lei não prevê esta
responsabilidade em caso de consentimento, e por causa disso não há responsabilidade.
 Esta é uma situação de estado de necessidade nos termos do art. 339º do CC, porque
Gonçalo danificou coisa alheia, a porta da moradia de Helena, mas fê-lo com o objetivo de
remover o perigo de um dano manifestamente superior, que poderia ser uma inundação
de água dentro da moradia.
 Este artigo prevê que, embora a ação de Gonçalo seja lícita, este é ainda responsável pelo
dano que causou. Estamos perante uma situação de responsabilidade por ato lícito,
porque embora a ação de Gonçalo seja lícita, provocou um dano, e não é justo que seja
Helena a ter de suportar esse prejuízo integralmente.
 Não faz sentido neste tipo de responsabilidade falar de ilicitude ou culpa, pelo que têm de
se verificar apenas, e cumulativamente:
o Facto: Gonçalo arrombou voluntariamente a porta da moradia de Helena.
o Dano: destruição da propriedade de Helena e consequente perda do direito desta
à propriedade porque o objeto desse direito se extingue, ou seja, porque a porta
ficou danificada/destruída.
o Nexo de causalidade: há causalidade física/natural, porque foi o comportamento
de arrombamento da porta de Gonçalo que provocou a sua destruição; há
causalidade adequada porque é normal que este tipo de ação, o arrombamento
de uma porta, provoque este tipo de dano, a destruição dessa mesma porta, nas
circunstâncias do caso concreto.
 Verificados os pressupostos, Gonçalo está de facto obrigado a indemnizar Helena pela sua
ação em estado de necessidade, ainda que lícita, nos termos do art. 339º/2 do CC.
 No entanto, para a fixação da indeminização interessa saber se o perigo que Gonçalo
tentava impedir, a eventual inundação da casa de Helena, foi provocado por sua culpa
exclusiva. Ao que parece, o enunciado não sugere isso, pelo que o tribunal poderia fixar
uma indemnização equitativa, condenando Gonçalo pela destruição da porta, mas também
Helena, porque tirou proveito do ato e pode eventualmente ter contribuído para esse
estado de necessidade ao esquecer-se de fechar uma torneira.

17. Francisca, figura conhecida da alta sociedade lisboeta, contratara Eduardo,


conceituado estilista, para que este fizesse o vestido de batizado da sua primeira
filha, o qual deveria ser entregue até à véspera do batizado. Eduardo não entregou,
porém, qualquer vestido a Francisca, tendo a filha desta sido batizada com um
simples e vulgar vestido branco, para espanto e crítica de todos quantos assistiam
ao batizado. Em consequência, Francisca exige agora de Eduardo uma
indemnização de € 5.000, pela humilhação que sofreu no dia do batizado, perante
todos os seus convidados, e pela humilhação pública de todas as revistas sociais
terem noticiado o fiasco da cerimónia.
Quid iuris?

 Estamos perante um caso de responsabilidade obrigacional, porque Eduardo violou um
dever de natureza específica que consistia na obrigação de entregar a coisa.
 Os pressupostos que se devem verificar são os mesmos que os da responsabilidade extra
obrigacional por ato ilícito e culposo. A diferença é que na responsabilidade obrigacional,
demonstrada a verificação de todos os outros pressupostos pelo lesado, presume-se a
culpa do lesante nos termos do art. 799º do CC:
o Facto: Eduardo não cumprimento do contrato porque não entregou o vestido de
batismo a Francisca (omissão).
o Ilicitude: há a violação de um dever específico de ação a que Eduardo estava
adstrito, o dever de entregar a coisa previsto no art. 879º do CC, nos termos do
contrato celebrado com Francisca. Assim, a sua omissão é juridicamente relevante
e ilícita. Fonte do dever é o contrato jurídico que foi celebrado.
o Dano: não se sabe se há dano patrimonial porque não se sabe se ela pagou,
existem danos não patrimoniais que se prendem com a humilhação. existe um
dano patrimonial, também classificável como dano emergente, que consiste na
privação do vestido que Francisca comprou, ou seja, no impedimento do seu gozo
do direito de propriedade. Por outro lado, existem danos não patrimoniais
associados à humilhação que sofreu devido à não entrega do vestido, que se
traduzem numa violação do seu direito ao bom nome.
o Nexo de causalidade: há causalidade física/natural porque foi a não entrega do
vestido por parte de Eduardo que levou à violação do bom nome e à privação do
gozo de direito de propriedade sobre o vestido por parte de Francisca; há
causalidade adequada porque é norma que este tipo de ação, a não entrega de
um vestido, provoque este tipo de dano, quer o não usufruto da propriedade
desse vestido quer a humilhação resultante do seu não uso, nas circunstâncias do
caso concreto. Não é a omissão que provoca o dano. Mas se ele tivesse cumprido
o dever e na data combinada entregue o vestido, teria evitado o dano, pelo que
existe nexo de causalidade  juízo hipotético.
 Verificados todos os outros pressupostos, presume-se a culpa de Eduardo nos termos do
art. 799º do CC. Caso este não faça prova em contrário, está obrigado a indemnizar
Francisca nos termos do art. 562º do CC. A reconstituição natural exigida dos danos
patrimoniais consistirá na entrega do vestido, mas não é possível reverter a violação do
bom nome de Francisca, pelo que Eduardo terá de indemniza-la pecuniariamente nos
termos do art. 496º do CC.
o Será que a responsabilidade obrigacional permite a indemnização de danos não
patrimoniais? O art. 496º do CC está previsto sobre a responsabilidade extra
obrigacional, quererá a localização sistemática dizer que apenas a
responsabilidade extra obrigacional poderá permitir a indemnização de danos não
patrimoniais, ou podemos defender que também a responsabilidade obrigacional
permite essa indemnização? Tem-se entendido que se aplica a ambas porque:
apesar de art. 483º e segs. Tratarem de responsabilidade extra obrigacional, a
subsecção é responsabilidade por atos ilícitos, quer no seio da extra obrigacional
quer não; é indiscutível que para cálculo da indemnização da responsabilidade
obrigacional exige recorrer a artigos abrigados pela responsabilidade extra
obrigacional por isso não podemos distinguir. Assim, Francisca teria sucesso na sua
pretensão.

18. André é proprietário de um solar no Douro dedicado a turismo de habitação.


Em virtude de ser necessário realizar obras de remodelação, André contactou
vários empreiteiros com esse propósito. Bernardo apresentou-se a André com a
melhor proposta, pelo que este decidiu negociar com Bernardo os termos do
contrato de empreitada a celebrar.
Dada a complexidade da obra, André e Bernardo negociaram as condições do
contrato durante cerca de um mês e meio. Ao fim desse período, André comunicou
a Bernardo aceitar as condições por este oferecidas, ao que este respondeu que
apenas se vincularia por escrito e que poderiam assinar o contrato daí a uma
semana uma vez que estaria ausente do País por esse período. André perguntou a
Bernardo se podia encomendar os materiais para a obra, com vista a não
perderem mais tempo. Bernardo respondeu-lhe que sim.
Logo após ter esta conversa, André encomendou material no valor de € 10.000 e
informou os seus empregados de que não poderiam aceitar 8 marcações de clientes
a partir da semana seguinte e durante um período de dois meses.
Decorrida uma semana e meia e estranhando a ausência de contacto de Bernardo,
André telefonou-lhe, sendo então surpreendido com a atitude deste, que lhe
comunicou que já não estava interessado no contrato, uma vez que na viagem que
fizera fechara um outro contrato de empreitada mais vantajoso.
André exige-lhe que respeite o compromisso assumido, ameaçando-o com uma
ação de responsabilidade civil, ao que Bernardo contrapõe nada dever a André
uma vez que não foi celebrado nenhum contrato.
O que pode André fazer? (V. Ac.s STJ, de 6.11.2012, proc. nº 4068/06.8TBCSC.L1-
S1, e de 25.10.2012, proc. nº 2625/09.0TVLLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt)
 Num caso concreto, temos que identificar o instituto concreto concretizador da boa fé que
neste caso pode ter lugar e ver se ele está preenchido, porque a boa fé está prevista no
ordenamento jurídico através de figuras concretas.  Tem que se qualificar os factos
vendo que problema é que existe aqui.
 Estamos perante um caso de possível responsabilidade pré-contratual nos termos do art.
227º do CC, pelo que Bernardo não tem razão ao dizer que não tem de indemnizar André
apenas porque não foi celebrado qualquer contrato.
 Este artigo determina que mal se iniciam as negociações há deveres impostos pela boa fé,
sendo que a violação destes deveres é ilícita porque viola a tutela de confiança e,
verificados os outros pressupostos, origina responsabilidade pré-contratual.
o Facto: recusa em celebrar o contrato de empreitada, ou seja, a rutura da
negociação.
o Dano: André sofre danos patrimoniais, também classificáveis como danos
emergentes, no valor de 10000€, porque os materiais comprados serão inúteis se
o contrato de empreitada não é cumprido, e existem também lucros cessantes,
porque André é privado do lucro futuro que com forte probabilidade lhe dariam os
8 clientes.
o Ilicitude: os deveres impostos pela boa fé, como o dever de lealdade, são uma
forma de tutelar a confiança. Por isso, há violação do dever se houver violação da
tutela da confiança, que se verifica através da verificação de 4 pressupostos:
houve situação de confiança, porque André acreditou em Bernardo e não há culpa
neste acreditar porque fez tudo o que tinha que fazer (verifica-se a boa fé ética);
houve justificação dessa situação de confiança, porque as condições do contrato
estavam já definidas e Bernardo concordou com elas (concorreu, disse que
concordava com todas as condições, aprovou que André encomendasse os
materiais, daqui a uma semana celebramos o negócio); houve investimento de
confiança, porque André comprou materiais e cancelou marcações com clientes
devido à confiança que depositou no contrato que celebraria com Bernardo; e há
imputação da confiança, porque Bernardo foi quem criou a situação de confiança
pelo que é ele que deve suportar os custos inerentes à tutela da confiança (os
dados objetivos que justificam a confiança do André resultam do comportamento
de Bernardo). HOUVE VIOLAÇÃO DA TUTELA DA CONFIANÇA NA MODALIDADE DO
DEVER DE LEALDADE. Há um dever de lealdade de Bernardo para com André que
esse não cumpriu, porque não teve um comportamento leal e respeitador.
 227º concretiza simultaneamente dois princípios: responsabilidade civil e
tutela da confiança. É necessário fazer uma fusão. A fonte do dever é a
própria lei com base no princípio da boa fé. Temos que ver se o dever foi
violado ou não. Como se vê isso? O dever é uma concretização da tutela
da confiança, por isso temos de ver se a tutela da confiança foi ou não
violada. Para sabermos se o ato é ilícito ou não temos que saber se há
violação da tutela da confiança analisando os pressupostos. Se existir o
ato é ilícito porque viola um dever que tutela a confiança.
 Importa também saber se há justificação válida para a rutura, e no caso
concreto não existe.
o Nexo de causalidade: há causalidade física, porque foi a não celebração do
contrato por Bernardo que provocou os danos patrimoniais a André; e há
causalidade adequada, porque é normal que esta ação, a não celebração de um
contrato que já foi aceite por ambas as partes, provoque este dano, a perda de
dinheiro investido ou prescindido para a realização do contrato.
o Culpa: adota-se a orientação segundo a qual a responsabilidade pré-contratual é
uma figura híbrida entre a responsabilidade obrigacional e extra obrigacional, na
qual se aplica o regime da responsabilidade obrigacional em matéria de culpa, e
por isso presume-se a culpa segundo o art. 799º do CC.
 Verificados todos os pressupostos, existe responsabilidade pré-contratual e Bernardo tem
o dever de indemnizar André. Maioritariamente o dano indemnizável é apenas o do
interesse contratual negativo, ou seja, deve colocar-se o lesado na situação em que estava
se não tivesse negociado. No entanto, admite-se que a indemnização deve contemplar o
interesse contratual positivo aquando da rutura injustificada de negociações numa fase
avançada, em que só falta concretizar o acordo legalmente, como é o caso. O que está aqui
em causa é uma forma voluntária e não legal.
 Assim, atende-se à situação em que o lesado estaria se o contrato tivesse sido
pontualmente cumprido, pelo que se indemniza o dano do cumprimento e não da
confiança. Bernardo deve então realizar as obras de remodelação no solar de André,
porque seria essa a situação em que André estaria se o contrato tivesse sido cumprido.
Dificilmente poderá proceder-se a reconstituição natural porque já celebrou outro
contrato e etc., pelo que Bernardo terá que indemnizar de acordo com o interesse
contratual positivo, tanto o dano emergente de não ter realizado a obra, como o lucro
cessante dos restantes clientes que não poderá receber enquanto estiver a fazer as futuras
obras com outro empreiteiro, porque ele terá que o fazer e isso ainda é imputável a
Bernardo.

Acórdão 11/2012

1. Factos
a. Os réus publicaram um anúncio no jornal procurando investidores para um
projeto de compra e venda de propriedades para instalação de viveiros de
camarão no Brasil.
b. Os autores e os réus celebraram um contrato-promessa de constituição da
sociedade, segundo o qual os réus se comprometeram a constituir a sociedade até
30/01/2004, a usar todo o capital na aquisição de meios e instrumentalização da
exploração, e a que essa sociedade tivesse como objetivo único a produção e
comercialização de camarões.
c. Os autores entregaram as quantias acordadas para entrada no capital social da
sociedade e aquisição das quotas, as quais foram depositadas nas contas pessoais
dos réus
d. Os réus disseram várias vezes que a produção iria acontecer em determinada data
e isso nunca se verificou, e quando os autores pediram esclarecimentos sobre o
estado de investimento e a falta de veracidade das informações, os réus
justificaram-no com factos que sabiam não corresponder à verdade.
e. Com vista a terem um conhecimento completo sobre o estado da produção, dois
sócios foram ao Brasil obter informações e apuraram que: a) havia trabalhadores
da Fazenda que não tinham sido pagos e que tinham intentado ações; b) tinha
sido aberta uma conta bancária da sociedade, mas sem que apresentasse
qualquer depósito; c) a contabilidade da sociedade não estava organizada; d)
havia um empreiteiro que exigia em tribunal o pagamento de obras executadas na
Fazenda; e) a HRA considerava que os réus não lhe tinham pago as quantias
acordadas e que por isso tinha sido autorizada pelo réu HH a contrair um
empréstimo de 75.000,00 reais cuja amortização estaria a suportar; f) havia quem
dissesse que os réus usaram o dinheiro recebido dos autores em negócios
pessoais; g) a energia elétrica estava cortada por falta de pagamento; h) havia a
informação de não ter sido renovada a licença emitida pelo IDEMA, necessária
para a cultura do camarão; i) a dimensão dos 2 tanques/viveiros rondava os 4,5 ha
em vez dos 6 ha referidos pelos réus na altura da celebração dos contratos
promessa; j) a exploração da Fazenda implicava riscos derivados do teor de
salinidade das águas, algo que os réus não referiram aos autores na ocasião em
que celebraram os contratos dos autos; k) havia quem dissesse que o camarão era
regularmente furtado da Fazenda, com conhecimento do responsável da HRA.
f. Os autores intentaram uma ação contra os réus e, na 1ª instância, concluiu-se que
houve cumprimento defeituoso do contrato-promessa por parte dos réus e que os
réus tinham também incorrido em responsabilidade pré-contratual, sendo
condenados a uma indemnização.
g. Os réus recorreram e no Tribunal da Relação foram absolvidos por não se
verificarem os pressupostos da responsabilidade pré-contratual, por não serem
especificados os danos da indemnização no período de atividade, e por haver
meios próprios para responsabilização entre os sócios.

Estabelece o limite do dever de informação, porque os sócios brasileiros tinham este dever, mas os
sócios portugueses tinham também, simultaneamente, um ónus de se informar, que não foi
cumprido neste caso.

Qual o objeto do dever de informar tendo em conta que não se pode contar tudo? As informações
que têm que ser referidas são apenas aquelas que estão relacionadas com a decisão de contratar.
O tribunal estabelece o limite do dever de informação: o dever de informação incide apenas sobre
informações essenciais para o contrato. O tribunal usa a figura do erro para decidir se a informação
é essencial. O erro existe sempre que alguém ignora algo da realidade (falsa representação da
realidade), há um vício de informação. Se quando emiti a declaração de vontade tivesse conhecido
esse algo, a declaração não seria a mesma: não quereria negociar ou quereria negociar com
conteúdo diferente. O dever de informação é só sobre informações essenciais para a decisão de
contratar, pelo que temos que saber se a contraparte ignorasse essa informação se teria a mesma
intenção de negociar.

Critério do dever de informação: essencialidade aferida através do regime do erro (art. 251º e 252º
CC).
2. Direito
a. Responsabilidade pré-contratual
i. O art. 227º relativo a responsabilidade contratual aplica-se a rutura de
negociações, conclusão de um contrato eficaz e também a contratos
indesejados porque não correspondem às expetativas devido ao
fornecimento de informações erradas ou falta de esclarecimento.
ii. Ao impor a boa fé como regra de conduta, o art. 227º/1 do CC estabelece
como pressuposto da responsabilidade pelos danos culposamente
causados à outra parte, uma atuação violadora de tal regra, a qual abarca
um conjunto de deveres que inclui, entre vários outros, os de informação,
de proteção e de lealdade.
iii. Não se questiona a validade e eficácia do contrato-promessa, porque não
se reclama a sua anulação mas sim uma indemnização pelos danos
resultantes da violação desses deveres pré-contratuais, devido às
informações incorretas dadas pelos réus aos autores.
iv. A aferição de existência de culpa por violação dos deveres de
informação e lealdade, ou seja, da boa fé, impõe determinar os limites
desses deveres de acordo com a boa fé mas também a autonomia
privada.
v. Deve presumir-se uma conduta conforme à informação, cabendo ao
lesante provar que, mesmo que tivesse cumprido os seus deveres, o
lesado se teria comportado de igual modo.
vi. No entanto, dos factos não decorre a alegada relevância das
informações no processo de formação de contrato, na fase negociatória
ou decisória, ou seja, a análise do contrato-promessa afasta a presunção
de causalidade entre a conduta de prestação de informações deturpadas
e a decisão de celebrar o negócio.
vii. Mais, não existiam dados objetivos que justificassem a confiança dos
investidores nas informações em causa, nomeadamente que não se
tinham que preocupar com os aspetos práticos da preparação da
fazenda e criação de camarão. Na altura da conclusão do contrato-
promessa ainda nem existiam as infraestruturas necessárias, pelo que
não se pode sustentar logicamente que foram as informações incorretas
prestadas pelos réus que levaram os autores a contratar.
viii. A responsabilização dos recorridos foi corretamente afastada pelo
acórdão recorrido porque não se fez prova que os autores tenham
celebrado um contrato desvantajoso devido à violação de deveres de
esclarecimento, informação e lealdade imputáveis aos réus, nem que
tenham sofrido prejuízos com um nexo de causalidade adequada à
atuação dos réus durante a fase pré contratual.
ix. Quanto aos lucros emergentes durante o período de atividade da
sociedade, os autores não alegam quaisquer factos dos quais se conclua
que sofreram danos em virtude de conduta ilícita dos réus, pelo essa
conclusão é de rejeitar.

Segundo o Prof. Jorge Sinde Monteiro, “parece pois, tendo presente o princípio da liberdade
contratual, que uma parte, mesmo solicitada, não está normalmente obrigada a fornecer dados à
contraparte (…) e que, por outro lado, o dever de, espontaneamente, revelar elementos que
possam influir a decisão do parceiro negocial, necessita de uma justificação particular”.

Acórdão 10/2012

1. Factos
a. A autora (companhia de seguros) é proprietária de um prédio urbano que está
arrendado à ré (empresa hoteleira).
b. Em 2008, a autora e uma empresa de construção encetaram negociações com
vista a uma possível venda do prédio a esta última. Formalizaram um contrato-
promessa de compra e venda, sabendo a empresa de construção que o prédio
estava arrendado à ré.
c. A autora notificou a ré deste contrato-promessa para que pudesse exercer o seu
direito legal de preferência na venda do prédio, na sua qualidade de arrendatária.
d. O contrato-promessa anexado à carta não estava assinado, embora tanto a autora
como a empresa de construção tenham aceite os seus termos, porque sabiam que
tinham de dar preferência à ré e decidiram esperar pela sua resposta.
e. A ré manifestou que pretendia exercer o direito de preferência na compra do
prédio, verbalmente e por carta, conseguindo até acordar com a autora um
desconto no preço, pelo que a autora comunicou à empresa de construção que a
ré tinha exercido o direito legal de preferência e o negócio que tinham projetado
ficava sem efeito.
f. A autora enviou à ré a proposta do contrato de compra e venda, que a ré disse
que pretendia celebrar, e combinaram assiná-lo brevemente.
g. A ré adiou a assinatura do contrato justificando-se com a crise financeira e
consequente restrição do crédito bancário, não tendo assim meios financeiros
alternativos para concretizar a compra. NUNCA DISSE EM MOMENTO ALGUM QUE
IA RECORRER AO CRÉDITO E QUE A SUA DECISÃO ESTAVA DEPENDENTE DA
CONCESSÃO DE CRÉDITO.
h. A ré acabou por desistir do negócio e não comprar o imóvel.
i. A ré fez acreditar à autora, durante as negociações, que iria celebrar o contrato, e
posteriormente deu o dito por não dito. Se a ré não tivesse exercido o direito de
preferência na compra do prédio e recusado celebrar a promessa e a compra, a
autora teria contratado com a empresa de construção e estaria a receber e teria
recebido mensalmente juros, um sinal aquando da assinatura do contrato-
promessa e o pagamento correspondente ao restante preço de compra.

Natureza jurídica da responsabilidade pré-contratual. Adota a terceira via, mas depreende-se que
se aplica mais o regime da responsabilidade obrigacional.

Comportamento: exercer direito de preferência.

Ilicitude: dever de informação de que a sua decisão estava dependente da concessão de crédito.

Dano: não vender e perder o potencial comprador, que ainda por cima lhe dava preço superior.

Nexo de causalidade: se a ré tivesse exercido o direito de informação, talvez o outro comprador


tivesse esperado e pudesse ter-se celebrado o contrato com terceiro após não ser possível realizar
o contrato de preferência. Se a ré tivesse informado, o vinculado à preferência saberia que não há
certeza no exercício, e depois do prazo estaria livre de realizar o negócio com terceiro; no entanto,
o não cumprimento do dever de informação levou a vincular o senhorio e obrigou-o a não celebrar
com o terceiro.

2. Direito
a. Sobre a natureza da responsabilidade civil pré-contratual prevista no art. 227º/1
do CC existem três correntes doutrinais: os que consideram que se situa no
domínio da responsabilidade extracontratual, os que consideram que é
responsabilidade contratual, e os que maioritariamente consideram que é uma
terceira via de responsabilidade civil (meio termo entre responsabilidade
contratual e extracontratual). O tribunal aceita o terceiro entendimento, porque
surgem deveres no âmbito da relação entre as partes, que impõe a tutela da
confiança na fase negocial.
b. Maioritariamente o dano indemnizável é apenas o do interesse contratual
negativo, mas já foi considerado que a indemnização deve contemplar o interesse
contratual positivo quando as negociações estão tão desenvolvidas que só falta
concretizar o acordo legalmente.
c. Neste caso o dano causado a indemnizar teria de abranger o interesse contratual
positivo porque o preferente apenas faz seu contrato negociado com terceiro,
pelo que nada haveria já a negociar.
d. No entanto, porque a autora aceitou uma renegociação dos termos acordados
ao concordar com a modificação do preço, é como se estivesse perante um novo
processo negocial, pelo que a confiança na celebração do negócio já não merece
particular tutela. Só pode ser tutelado o interesse contratual negativo, pelo que
a autora deve ser indemnizada pelo dano da confiança e não do cumprimento.
e. O tribunal considera que deve ser estabelecida uma indemnização equitativa do
dano da confiança, ou seja, a autora deve ser indemnizada por não receber uma
quantia na data fixada, independentemente da futura celebração do contrato. A
confiança e expetativa legítima de realização do negócio manteve-se até ao
envio da carta por parte da ré a adiar a assinatura, e até aí a autora teria
recebido 15% do preço e os juros correspondentes a esse valor, por isso é nesse
montante que deve ser indemnizada.
f. Em relação à ré, exercer um direito de preferência, quando não se tem a certeza
do financiamento que proporcionará esse exercício, não é agir de boa fé, tendo
em conta que faz seu um negócio cujos os elementos essenciais já estão pré-
determinados. Assim, a ré traiu culposamente a confiança da autora e incorre na
obrigação de indemnizar por responsabilidade pré-contratual.

19. Durante dois meses, Gonçalo e Helena negociaram um contrato de


fornecimento de uma máquina fabricada por Gonçalo para o estabelecimento de
Helena.
No decurso dessas negociações, em que foram trocadas várias minutas do contrato
de fornecimento, Gonçalo sempre insistiu que não era necessário qualquer
documento escrito, pois ele confiava na palavra de Helena. Esta, por sua vez,
insistia para que as diferentes condições do fornecimento ficassem por escrito,
para que depois não existissem dúvidas sobre o que tinha sido acordado.
Entretanto, Helena contratou mais dois colaboradores para trabalharem no
projeto e financiou-lhes um curso de formação que lhes permitisse tirar o maior
rendimento.
Gonçalo apoiou a decisão de Helena e aconselhou-a mesmo na escolha do melhor
curso. Gonçalo e Helena haviam já combinado assinar o contrato há uma semana,
mas tiveram que adiar tal assinatura por impossibilidade de Gonçalo se deslocar a
Lisboa.
Na véspera da nova data combinada para assinarem o contrato, Gonçalo telefona a
Helena dizendo-lhe que, afinal, não irá celebrar o contrato de fornecimento.
Helena, atónita, pergunta-lhe porquê. Este responde que não tem que justificar
nada, porque não é obrigado a celebrar contratos com ninguém. Helena reconhece-
lhe semelhante liberdade, mas lembra-lhe que já estava tudo acordado e que ela
até fizera investimentos tendo em atenção tal contrato.
Quid iuris? (V. Ac.s STJ, de 18.12.2012, proc. nº 1610/07.0TMSNT.L1-2, e de
25.11.2014, proc. nº 3220/07.3TBGDM-B.P1.S1, in www.dgsi.pt)
Não há um direito, apenas uma permissão genérica de contratar ou não. O que está em causa é a
violação de um dever específico, durante o período de negociação.

É um caso de rutura injustificada das negociações. Não se aplica aqui a liberdade contratual porque
havia uma situação de confiança, há um dever de lealdade.

 É exigível na nossa sociedade que cada sujeito assuma perante os demais um


comportamento congruente e minimamente estável de modo a permitir prever as
condutas interpessoais e impedir a frustração da confiança.
 Uma das figuras de densificação da boa fé segundo o art. 334º do CC, nos termos da qual
se tutela a confiança alheia, é a venire contra factum proprium. O comportamento de
Gonçalo consiste numa violação ao limite de exercício do direito à liberdade contratual
porque incorre exatamente numa violação do princípio da boa fé através da figura do
venire contra factum proprium negativa, porque comporta-se de forma a levar a crer que
vai agir de determinada forma, mas não o faz:
o Dois comportamentos lícitos e com desfasamento temporal que são
contraditórios sem qualquer justificação razoável: no decurso das negociações,
Gonçalo demonstrou interesse na realização do contrato de fornecimento e
confiança em Helena, inclusive tendo concordado com o investimento em novos
colaboradores e aconselhado acerca de cursos de formação para os mesmos; mais
tarde, afirmou que não queria celebrar contrato sem qualquer justificação.
o Pressupostos da tutela da confiança: existe uma situação de confiança porque
Helena acreditou que Gonçalo queria celebrar o contrato e fez tudo o que deveria
fazer, sendo diligente; há justificação da situação de confiança porque, nas
situações do caso concreto e perante o comportamento de Gonçalo, um homem
médio também confiaria (o fator tempo é relevante porque as negociações
demoraram tempo, apoio na contratação de colaboradores); há investimento de
confiança porque a confiança na celebração do contrato de fornecimento levou
Helena a contratar dois novos colaboradores e financiar um curso de formação; há
imputação de confiança a Gonçalo, porque todos os factos que levaram à
confiança de Helena foram criados pelo Gonçalo.
 O exercício do direito violou o princípio da boa fé e, consequentemente, não é permitido.
Assim, há responsabilidade civil de Gonçalo, nomeadamente responsabilidade pré-
contratual nos termos do art. 227º do CC, porque segundo este artigo as partes devem
proceder de boa fé quer na fase negociatória, quer na fase decisória da negociação. O
direito à liberdade contratual torna livre a rutura de negociações, mas não permite que
esta seja arbitrária. Encontram-se verificados os pressupostos:
o Facto: comportamento voluntário que criou a confiança na realização do contrato
de fornecimento, e o posterior comportamento contrário de recusa injustificada
dessa celebração. ATO DE RUTURA
o Ilicitude: há a violação de um dever de lealdade na fase pré-contratual porque se
verificam os pressupostos da tutela de confiança. Não tinha o dever de contratar,
mas tinha o dever de só não contratar se tivesse um fundamento. Pressupostos da
tutela da confiança: existe uma situação de confiança porque Helena acreditou
que Gonçalo queria celebrar o contrato e fez tudo o que deveria fazer, sendo
diligente; há justificação da situação de confiança porque, nas situações do caso
concreto e perante o comportamento de Gonçalo, um homem médio também
confiaria (o fator tempo é relevante porque as negociações demoraram tempo,
apoio na contratação de colaboradores); há investimento de confiança porque a
confiança na celebração do contrato de fornecimento levou Helena a contratar
dois novos colaboradores e financiar um curso de formação; há imputação de
confiança a Gonçalo, porque todos os factos que levaram à confiança de Helena
foram criados pelo comportamento de Gonçalo. MAIS NÃO HÁ INJUSTIFICAÇÃO.
o Culpa: assume-se que a responsabilidade pré-contratual consiste numa figura
autónoma que reúne características da responsabilidade obrigacional e extra
obrigacional, e sendo que está em causa a violação do dever específico, aplicando-
se o regime de presunção da culpa da responsabilidade obrigacional previsto no
art. 799º do CC.
o Dano: existe dano patrimonial, classificado como danos emergentes, que consiste
no prejuízo patrimonial presente que Helena sofreu com a contratação dos
colaborantes e financiamento dos cursos de formação, danos esses que não teria
se não tivesse negociado com Gonçalo.
o Nexo de causalidade: foi o comportamento contrário de Gonçalo que provocou os
prejuízos a Helena, pelo que há casualidade física, e há também casualidade
adequada, porque é normal que este tipo de ação, a rutura injustificada de
negociações, provoque este tipo de dano, os prejuízos resultantes do investimento
na confiança.
 Existe dever de indemnizar segundo o interesse cautelar positivo porque se encontravam
já numa fase avançada da negociação em que faltava apenas formalizar o ato, pelo que
existe já uma expetativa legítima de cumprimento. Assim, Gonçalo terá de fornecer a
máquina a Helena.

Acórdão 1610/07

1. Factos
a. A autora tinha aulas de aprendizagem de artes decorativas com a ré num atelier e
tinha em mente a criação de um espaço para venda de artigos de decoração
manual.
b. Foi-se desenvolvendo uma relação de amizade entre as duas e foi discutida a
possibilidade de criar uma sociedade.
c. Os réus acharam que o atelier não tinha condições para a expansão do negócio e
arrendaram outra loja, em seu nome.
d. Os autores encarregaram-se de fazer obras no novo espaço e criar cartazes,
folhetos, cartões de visita, logótipo, página de internet entre outros para o
espaço. Nunca chegaram a receber nenhum montante relativo às despesas
realizadas.
e. A autora estava grávida na altura e ficou psicologicamente afetada.
f. Pediram a condenação dos réus a indemnizá-los por danos patrimoniais e não
patrimoniais, e os danos acabaram por recorrer de uma sentença a favor dos
autores afirmando que não se verificam os pressupostos da responsabilidade pré-
contratual porque não existiram verdadeiras negociações acerca da criação de
uma sociedade, pelo que não é justificada a expetativa legítima e fundada dos
autores.

A sociedade não se constituiu.

O problema é que foi tudo muito geral e nunca houve celebração do contrato de sociedade. O TC
concluiu que existe responsabilidade pré-contratual com interesse contratual negativo, por isso
recebeu apenas todos os custos com a decoração e publicidade etc.

2. Direito
a. O iter negotii é caracterizado por envolver duas fases distintas: a negociatória
«constituída pelos atos tendentes à celebração do contrato, desde os primeiros
contactos estabelecidos entre as partes até à conclusão do acordo por fusão da
proposta e da aceitação, e a decisória, constituída pela conclusão do acordo. Em
ambas as fases as partes devem proceder segundo as regras da boa fé previstas no
art. 227º do CC, pelo que se alguma não o fizer, incorre em responsabilidade pré-
contratual.
b. A razão de ser deste preceito está na tutela da confiança e da expectativa criada
entre as partes, na fase pré-contratual, porque se considera que o mero facto de
se entrar em negociações é suscetível de criar uma situação de confiança na outra
parte, confiança essa que é imediatamente tutelada pelo Direito, mesmo antes de
ter surgido qualquer contrato.
c. É que a liberdade de negociação de que gozam as partes não implica, de forma
alguma, que a fase negociatória ou do pré-contrato seja abandonada ou entregue
«à malícia dos negociadores». Mais, a rutura das negociações é livre, mas não
pode ser arbitrária.
d. Esse dever geral de boa fé na formação dos contratos desdobra-se, por seu turno,
em vários deveres de atuação, tais como o dever de informação, o dever de
segredo, os deveres de proteção e conservação, entre eles se destacando o dever
de clareza, o dever de lealdade e probidade, que impõem a qualquer das partes
que não faltem aos compromissos que assumiram no decurso das negociações, de
forma tácita ou expressa. A ilicitude nessa fase resultará, assim, da violação das
regras da boa fé subjacentes a estes deveres.
e. A determinado momento a ré sentiu necessidade de procurar um novo espaço
para instalar o atelier e discutiu com a autora a possibilidade de constituírem uma
sociedade, cuja constituição foi depois discutida entre os autores e os réus. De
afastar, pois, o argumento de que discutiram apenas a possibilidade de
constituírem uma sociedade, na medida em que comprovado ficou ainda que
discutiram mesmo a constituição da sociedade, tendo até ido a um contabilista.
f. Tais negociações chegaram ao ponto de criar nos autores uma situação de
confiança efetiva e expectativa razoável de concretização do contrato de
sociedade, o que os levou a efetuar os trabalhos apurados e a despender as
quantias dadas por provadas.
g. Concluindo, houve negociações avançadas entre autores e réus, por forma a criar
nestes legítimas expectativas de consumação do negócio societário, com vista à
exploração da loja em causa, ao ponto de os levar a tão grande investimento de
tempo, de entusiasmo, de trabalho e de custos, envolvendo, inclusivamente, a
família. Daí que a desistência dos réus, sem justa causa, de formalizar o contrato
implique a sua óbvia responsabilidade pré-contratual e a inerente obrigação de
indemnizar os autores nos montantes fixados.
h. Esses danos correspondem, no caso, ao chamado interesse contratual negativo ou
da confiança. Nessa medida, devem, pois, os réus proceder à reconstituição da
situação que existiria anteriormente à criação da confiança, designadamente
reembolsando os autores das despesas que efetuaram e dos trabalhos que
realizaram, diretamente ou através de familiar, na perspetiva da conclusão do
contrato.

Acórdão 3220/07

Na base está um empréstimo bancário para aquisição de um imóvel. Nestas situações, o que o
banco exige como garantia para ter a certeza que recebe o dinheiro é: hipoteca sobre o imóvel caso
o devedor não pague as prestações mensais; seguro de vida do devedor em que o beneficiário do
seguro é o banco, de tal forma que se o devedor morrer a seguradora fica obrigada a pagar ao
banco a totalidade da dívida.

1. Factos
a. O Banco emprestou dinheiro ao falecido para a celebração de um contrato de
compra e venda, sendo que uma das cláusulas do contrato entre os dois
estipulava que o mutuário era obrigado a contratar um seguro de vida e a manter
o imóvel que hipotecou seguro.
b. A seguradora obrigou-se a, em caso de falecimento, pagar ao Banco a quantia
segurada, que era a totalidade do capital em dívida.
c. Não ativou o seguro no sentido de pedir o pagamento mas disse à seguradora
que estava interessado no capital do seguro. O valor não foi entregue mas ficou
afeto ao banco, em vez de poder ser herdado pelos herdeiros.
d. Os herdeiros vêm dizer que isto impossibilidade que os herdeiros recebam o
prémio, e se simultaneamente o banco executa o bem, nem recebem o bem
porque é executado, nem recebem o prémio do seguro. Têm direito a uma delas.
e. O banco, aquando da morte do mutuário, demandou os seus herdeiros, e não a
seguradora, de modo a receber a quantia segurada.
f. Banco dispunha de um título executivo válido, sendo a dívida certa, líquida e
exigível, tendo demandado judicialmente quem, de acordo com as regras de
aferição da legitimidade passiva, seriam os executados face àquele título
executivo – autora.
g. Inexiste qualquer obrigação legal, ou ónus do Banco, em demandar previamente a
Seguradora, uma vez que carecia de legitimidade para esse efeito, já que não é
contraente no contrato de seguro de vida e apenas beneficiário do mesmo.
h. Verificado que está que competia aos herdeiros do falecido mutuário acionar o
seguro e demandar judicialmente a Seguradora, bem como que o Banco mutuante
apenas poderia demandar o mutuário (em sua substituição, os herdeiros
habilitados), o Banco limitou-se a exercer um direito perante o incumprimento do
contrato de mútuo.
2. Direito
a. Poder-se-á, então, dizer que ocorre uma situação típica de abuso do direito
quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela
ordem jurídica, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural
e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento
jurídico dominante. Há abuso quando há violação dos valores teleológicos
subjacentes. É um preconceito pensar que admitir que um direito tem um fim
significa que o direito é funcionalizado: não são sinónimos fundamentação
axiológica do direito e funcionalização do direito. Se não referirmos qualquer
tipo de fundamentação axiológica ou teleologia do direito, podemos dizer que
direito subjetivo é sinónimo de poder arbitrário. Está aqui subjacente a ideia de
liberdade ou libertinagem.

Ou há limites ao direito, ou o que está em causa é boa-fé e isto são abusos de direito.

Se abuso de direito é um problema de autolimitação ou contradição interna (violação dos valores


materiais subjacentes), quando analiso um ato e acho que viola os pressupostos, este ato está
fora do direito. Se o ato é abusivo, não é permitido, por isso não há direito subjetivo. É a
autolimitação porque é o próprio direito a dizer que não pode. Limitação da permissão em razão
dos valores materiais subjacentes ao direito subjetivo permissivo. A configuração do direito é
limitada pelas restantes normas que preveem direitos subjetivos.

Na autolimitação não há direito, logo não há permissão, o ato é ilícito.

VAMOS VER SE HÁ DIREITO OU NÃO, MAS DEPOIS VAMOS VER SE O EXERCÍCIO FOI BEM FEITO
OU NÃO (ASSUME QUE HÁ DIREITO).

Limites genéricos: boa-fé (figuras), bons costumes, exercício de outro direito.

b. A locução venire contra factum proprium traduz o exercício de uma posição


jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo
exercente. Tal exercício é tido por parte da doutrina que o conhece como
inadmissível. A expressão "venire contra factum proprium" significa, portanto,
uma proibição jurídico-factual da assunção de um comportamento contraditório,
postulando dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no
tempo. O primeiro – factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo.
PRIMEIRO COMPORTAMENTO: dirigir-se à seguradora a dizer para reter o capital do seguro.
SEGUNDO COMPORTAMENTO: executar a casa e não ir buscar o dinheiro ao seguro.

Comportamentos contraditórios sem justificação.

c. É que estando a sociedade organizada na base de relacionamentos


tendencialmente estáveis, exige que cada sujeito assuma perante os demais um
comportamento congruente e minimamente estável de modo a permitir um
desenvolvimento harmonioso e previsível das respetivas condutas interpessoais e
institucionais. A rutura de códigos e comportamentos assumidos conduz a
frustrações de perspetivas e de projetos que podem tornar-se incomportáveis no
tráfego comercial e no inter-relacionamento dos sujeitos que o convalidam.
d. Evidenciam-se quatro elementos para a caracterização do venire contra factum
proprium: comportamento, geração de expectativa, investimento na expectativa
gerada e comportamento contraditório.
e. Em nosso juízo, o acionamento dos executados por parte de um banco/exequente
que, para cobrança de uma divida movimenta ação executiva, fundada em título
de crédito, que possui tão só contra os executados, sabendo, por ter tido
participação em ação em que os executados intentaram contra a seguradora e o
próprio banco/exequente para pedir o resgate da quantia (segurada)
correspondente à dívida que pode requestar o pagamento dessa dívida à
seguradora, excede os limites da boa-fé e do fim ético-axiológico em que se deve
escorar a ordem jurídica.
f. Pensamos que o exequente, sendo beneficiário de um seguro – cujo tomador é o
executado – não pode acionar um título de crédito fundado em escritura pública
de mútuo que possui a seu favor contra o devedor que deixou de cumprir as suas
prestações (de pagamento do empréstimo), se tem possibilidade – e já se arrogou
desse direito em ação declarativa anterior em que também interveio a seguradora
– de obter desta o pagamento – legitimo e em primeira demanda – da seguradora.
O óbito do tomador de seguro permite ao beneficiário do seguro – no caso o
banco exequente – solicitar, em primeira demanda, à entidade seguradora a
cobrança/pagamento do capital seguro – correspondente ao capital mutuado em
dívida.
g. Tem o dever jurídico de, em primeira linha, pedir o pagamento á seguradora e só
se esta por qualquer desvio no contrato de seguro, por banda do tomador,
negasse ou estivesse impedida de pagar o capital seguro, é que poderia acionar o
título executivo que tem em seu poder. Dir-se-á que o banco, sendo beneficiário
de um seguro de vida, deveria, em primeira linha, requestar à seguradora o
pagamento do seguro, dado ser esta detentora do capital que tinha por destino
(seguro) o pagamento da dívida.
h. Conclusão: o banco não age contra quem deveria, em primeira linha, proceder
ao pagamento, e vem agir contra quem só deveria pagar se, por qualquer razão a
entidade obrigada ao pagamento não o fizesse. Age em manifesta desrazão do
direito e sem observância de um dever de proceder contra quem, em primeira
linha, tem o dever de pagar. Ao agir, por via da substituição e da “sub-rogação”,
quando deveria ter feito em via principal, direta e imediata contra o devedor, por
garantia contratual, o banco/exequente desvia-se da função normal do seu
direito primordial – qual seja, neste caso, obter o pagamento da entidade
seguradora – para, de forma inapropriada e desvirtuada procurar obter o
pagamento de outro obrigado, que por contrato se havia despencado da
obrigação, pela sua transferência para a entidade seguradora  abuso de direito
por violação da razão justificativa do direito.

PORQUE É NECESSÁRIO AQUI RECORRER AO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM SE FORAM


PELO CAMINHO DO FIM SOCIAL E ECONÓMICO DO DIREITO?

QUAL FOI O COMPORTAMENTO E O POSTERIOR COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO DO BANCO


PARA SE VERIFICAR VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM?

20. Helena, finalista de Direito, celebrou com Ivo, trabalhador rural, um contrato
de compra e venda de um pequeno terreno, por escrito particular. Mais tarde, Ivo
procura Helena, manifestando a sua apreensão pelo modo como o negócio fora
celebrado, obtendo então a seguinte resposta: “Não se preocupe, pois não terá
nenhum problema”. Passados alguns meses, Helena propõe em Tribunal uma ação
tendente à invalidação do negócio, com fundamento na falta de forma legalmente
exigível.
Tem razão? Pode fazê-lo? (V. Ac.s STJ, de 17.01.2002, proc. nº 01B3778, e de
11.12.2014, proc. nº 1370/10.8TBPFR.P1-S1, in www.dgsi.pt)
ARTIGO 875º (Forma) O contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado
por escritura pública.

ARTIGO 220º (Inobservância da forma legal) A declaração negocial que careça da forma legalmente
prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei.

PROCESSO: ver se se aplica a liberdade de forma ou se a lei diz alguma coisa; se for exigida forma,
qual é o desvalor associado à não existência dessa forma; regime jurídico do desvalor.

O ato é nulo. MAS um facto complexo composto por um facto nulo mais a boa-fé pode levar a
solução diferente.

A INEGABILIDADE FORMAL É A FIGURA MAIS APERTADA E EXIGENTE PORQUE ESTAMOS A


PERMITIR CONGELAR OS EFEITOS DA VIOLAÇÃO DE UMA NORMA IMPERATIVA.

O comportamento de Helena traduz-se numa violação de um limite do exercício do direito, que


consiste no princípio da boa fé, densificada no art. 334º do CC em várias figuras, entre as quais a
inalegabilidade formal, nos termos da qual aquele que deu causa à nulidade não pode alegar vício
de forma para invocar a nulidade do contrato.

 Sabe-se que Helena não pode invocar a nulidade, mas significa isto que há inalegalidade
geral tanto para Helena como para qualquer interessado e até mesmo para o tribunal,
limitando-se o regime de nulidade? Neste caso, existe verdadeira inalegalidade formal, ou
seja, o vício de forma não pode ser conhecido e invocado por ninguém, porque estão
verificados tanto os pressupostos genéricos da tutela da confiança como os requisitos
específicos:
o É possível dizer que há uma situação de confiança, que se traduz na boa fé ética
ou ignorância não culposa, ainda que regra geral a ignorância da lei não pudesse
conceder um benefício a Ivo dado o seu dever de a conhecer. Isto porque existe
uma grande desproporção cultural e educacional entre as partes, que justifica que
o trabalhador rural confie nos conhecimentos de Helena, que provavelmente sabe
mais que ele, principalmente porque tem formação na área do Direito. Não era
exigível comportamento diverso por isso a confiança é não culposa.
o Existe justificação da confiança devido à referida desproporção cultural, uma vez
que o homem médio, nas circunstâncias do caso concreto, confiaria nos
conhecimentos jurídicos de Helena.
o Existe investimento de Ivo com base na confiança que depositou em Helena,
porque tomou uma determinada decisão, nomeadamente o pagamento do preço
aquando da compra terreno, baseada nessa confiança, e se a confiança for
frustrada e o negócio for declarado nulo sofrerá prejuízos.
o A confiança é imputável a Helena porque foi esta que criou a situação de
confiança ao dizer que a Ivo que não havia problemas e, cumprindo um requisito
específico cumulativo, esta imputação de confiança é censurável porque Helena se
aproveitou da ignorância de Ivo.
o Estão em causa apenas os interesses das partes e não de terceiros de boa fé,
porque trata-se de um contrato de compra e venda celebrado apenas entre os
dois e sem quaisquer outros interessados.
o Não se vislumbra outra via para ser assegurado o investimento na confiança. O
investimento poderia não ser sensível que houvesse mais terrenos à venda ali da
mesma forma, mas pode não ser possível ser comprado aquele terreno com
aquelas características àquele preço, ou pode já ter começado a lavrar o terreno.
Se for possível conseguir o mesmo resultado com outro tipo de investimento não
se pode invocar a inalegabilidade. No entanto, se ficar provado um dos outros dois
cenários, não é possível satisfazer aquele investimento de outra maneira e todos
os requisitos estão preenchidos.
 Estando verificados todos os requisitos para ser bloqueada a invocação da nulidade por
falta de forma do contrato de compra e venda, este mantém-se na ordem jurídica como se
fosse válido.
 Caso não seja possível congelar os efeitos da nulidade, aplica-se a responsabilidade pré-
contratual nos termos do art. 227º com indemnização pelo interesse contratual positivo.

Acórdão 01B3778

1. Factos
a. Os autores são donos de um prédio e venderam aos réus uma parcela de terreno
desse prédio, sem escritura pública, o que torna a venda nula.
b. Pedem que se reconheça o seu direito de propriedade e se declare a nulidade da
compra e venda, condenando os réus a desocupar a parcela e a destruir o muro
que construíram.
c. Foi proferida sentença a favor dos autores, recorreu-se e houve sentença a favor
dos réus, recorrem de novo os autores para que seja revogada a sentença da
Relação e aplicada a de 1ª instância.
2. Direito
a. 1. Se existe abuso de direito no exercício filiado na nulidade do contrato de
compra e venda em causa, por inobservância da forma legal. 2. Se o abuso de
direito justifica (ou não) a validade do contrato de compra e venda em causa,
apesar da falta de forma legal, a escritura pública. 3. Quais as consequências da
declaração da nulidade do contrato de compra e venda.
b. 1. Para que haja lugar ao abuso de direito é necessário a existência de uma
contradição entre o modo ou o fim com que o titular exerce o direito e o interesse
ou interesses a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito.
CONTRADIÇÃO PORQUE ISTO DIZ QUE O ABUSO DE DIREITO É UMA VIOLAÇÃO
DOS LIMITES INTERNOS AO DIREITO MAS DEPOIS VAI USAR A BOA-FÉ.
c. Não temos dúvidas em precisar que o exercício do direito de invocar a nulidade
do contrato de compra e venda em causa só por parte do autor traduz-se num
caso de "venire contra factum proprium". Assim, há abuso de direito por parte
do autor. Para que haja inalegalidade formal é necessário que seja imputável a
uma das partes a confiança da outra de que o negócio era válido. Não há factos
que permitam assumir isso, pelo que não há inalegabilidade formal apesar de
termos um caso de inalegabilidade de forma. Assim, temos venire contra factum
proprium devido à contradição das condutas.
i. A conduta passada do Autor/marido foi a de considerar válido o
contrato em causa, de sorte a convencer o Réu, na qualidade de
comprador, de que se vinculara à execução do mesmo. Isto levou a uma
situação de confiança.
ii. A conduta presente do Autor/marido foi pôr termo ao contrato de
compra e venda em causa com a invocação de não estar em
conformidade com o preceituado no artigo 875º, do Código Civil: não ter
sido celebrado por escritura pública.
iii. Para haver venire tem que ter celebrado negócio inválido mas teve um
comportamento paralelo ou posterior a essa celebração que fez crer a
contraparte que nunca invocaria a invalidade e depois vir invocar. O
primeiro facto nunca pode ser a celebração do negócio, porque caso
contrário a invocação da invalidade seria sempre uma violação da boa-
fé.
d. 2. A ilegitimidade do abuso de direito tem as consequências de todo o ato
ilegítimo: pode dar lugar à obrigação de indemnizar; à nulidade nos termos gerais
do artigo 294º; à legitimidade de oposição; ao alargamento de um prazo de
prescrição ou de caducidade. Mas qual é a adequada? A consequência será a
legitimidade de oposição à declaração de nulidade? Ou, será tão só a obrigação de
indemnizar?
e. a) se a finalidade da disposição legal respeitante à forma se destina a assegurar
tão só a ponderação das partes a solução será a de oposição a declaração de
nulidade; b) se a finalidade da disposição legal tem em vista um objetivo
inconciliável com a eficácia da declaração não formalizada, a nulidade pode ser
invocada por quem cometeu abuso de direito, mas ter essa pessoa a obrigação de
indemnizar a outra parte. Este acórdão entende que a forma tutela interesses
públicos, ao contrário da orientação que defende que a forma é hoje obsoleta, e é
por isto que a inalegabilidade formal não pode existir. Se a inalegabilidade está
sempre associada a vícios formais, nunca poderia haver inalegabilidade formal 
contradição de opiniões.
f. A invocação do abuso de direito não pode bloquear quer o poder de qualquer
interessado invocar a nulidade do contrato por falta de escritura pública quer o
poder do Tribunal de declarar oficiosamente a nulidade, cfr. artigo 286º, do
Código Civil.
g. O abuso de direito não justifica que se considere válido (subsistente e eficaz) um
contrato de compra e venda de bem imobiliário não formalizado por escritura
pública.
h. 3. A nulidade de um negócio jurídico tem efeito retroativo: a produção dos seus
efeitos tem-se por excluída ab initio. No entanto, este princípio de retroatividade
admite exceções, sendo apenas uma regra geral.
i. No caso concreto, o princípio do efeito retroativo da declaração de nulidade do
contrato de compra e venda verbal celebrado entre Autor/marido e Réus afirma-
se no sentido de o Autor restituir aos Réus o que recebeu a título de preço -
precisamente a quantia de 432000 escudos (quatrocentos e trinta dois mil
escudos) - e estes a restituírem a parcela de terreno.

Problemas

 Problema de distinguir abuso de direito e boa-fé mas tratar da mesma coisa;


 Deviam ter visto primeiro a inalegabilidade formal;
 Não é correto a forma como veem o venire;
 Não tiram nenhuma consequência disso e por isso o ato tem um vício de forma e é nulo.

Acórdão 1370/10

1. Factos
a. A ré anunciou no jornal a venda de vários bens imóveis e marcou a hasta pública,
estabelecendo também as condições de adjudicação e pagamento, entre as quais
caberia à ré a marcação da escritura pública.
b. Os autores estavam interessados na aquisição de um dos seus prédios urbanos e
compareceram na data indicada com uma proposta que a ré aceitou, tendo-lhes
sigo adjudicado o imóvel. São sucessores, pelo que não estão registados em
nome da Santa Casa, por isso não podem vender. Não sabiam disso nem da
condição de que no prédio deveria estar em funcionamento um espaço para
assistir idosos ou crianças pobres, que levantava a dúvida de se o imóvel podia
ser vendido.
c. Pagaram em fases e mesmo depois do pagamento integral, condição da ré para a
outorga da escritura, esta não marcou a escritura. O agendamento foi sempre
sendo adiado.
d. Convictos de que o contrato seria outorgado, os autores celebraram um contrato-
promessa de compra e venda do imóvel com uma imobiliária mas a escritura
pública não foi outorgada até à dada acordada neste contrato, apesar das suas
interpelações da ré.
e. Voltaram a interpelar a ré por escrito concedendo-lhe 20 dias para agendar a
escritura, sob pena de a partir dessa data os autores perderem o interesse na
aquisição do imóvel. A ré não agendou.
f. Afirmam que já não têm interesse e querem resolver/terminar o contrato-
promessa com ela celebrado, mas ela diz que não há mora porque nunca houve
prazo fixado judicialmente e não houve, de qualquer forma, contrato-promessa.
g. Foi proferida sentença a favor dos autores declarando válido o contrato-promessa
celebrado entre autores e ré. O apelo da ré levou à mesma decisão e esta recorreu
de novo, afirmando que: contrato-promessa é nulo por falta de forma, a sua
conversão em contrato unilateral válido não é possível por iniciativa do Tribunal, e
não havia prazo para a ré cumprir, pelo que a resolução do contrato-promessa
pelos autores foi ilícita.
2. Direito
a. Um contrato-promessa é, nos termos do art. 410º/1 CC, uma convenção através
da qual alguém se obriga a celebrar certo contrato. No caso, embora ninguém
tenha aludido a um contrato, houve uma declaração negocial tácita, pelo que
existe convenção e vinculação de ambas as partes à celebração do contrato de
compra e venda, o que consiste num contrato-promessa.
b. No entanto, nos termos do n.º 2 daquele artigo 410.º, o contrato-promessa só
seria válido se constasse de documento assinado por ambas as partes, pelo que
é nulo por falta de forma.
c. Quer a doutrina, quer a jurisprudência vêm deixando uma estreita abertura em
ordem a, com base no princípio da boa fé e sua manifestação através do abuso do
direito, ser admitida a paralisação dos efeitos da invalidade.
d. Os requisitos para que se verifique inalegabilidade formal dividem-se em gerais
(pressupostos da tutela da confiança) e específicos (estarem em jogo apenas
interesses das partes envolvidas, imputação da confiança censurável, dificuldade
em assegurar o investimento da confiança por outra via).
e. A publicitação, a referência à base de licitação, com marcação de hasta pública e
alusão ao pagamento faseado, começando no “ato da adjudicação” com outra
prestação no prazo de 15 dias “após a adjudicação”, são mais do que idóneas
para incutir em qualquer pessoa uma confiança fortíssima na vinculação à
efetivação do contrato definitivo. Maior intensidade ainda sendo conferida com a
exigência, que veio posteriormente a ter lugar, do pagamento prévio integral. Esta
situação de confiança plenamente justificada emergiu totalmente do
comportamento da ré. Não houve falta de diligência devido à credibilidade da
Santa Casa e devido à publicitação.
f. Os autores investiram nessa confiança, quer porque pagaram a totalidade do
preço, quer porque celebraram com uma imobiliária contrato referente a tal
prédio, no qual se vincularam a outorgar escritura pública relativa ao contrato
definitivo até 30.1.2007.
g. A condição do estabelecimento de assistência não implica interesses de terceiros
porque teria de ser constituído nos prédios da herança e este é apenas um. Por
outro lado, aqui não está em causa o cumprimento do contrato-promessa mas sim
a sua resolução, que em nada colide com o encargo.
h. A má-fé com que a ré atuou em todo o processo de venda é intensificada, quer
porque não esclareceu, logo à partida, que existia relativamente aos prédios
constantes da herança um encargo para mais tão oneroso, precisando se este
prédio estava ou não envolvido, quer porque, tendo anunciado a venda e aceite a
proposta de aquisição em 2001, exigiu, ainda nesse ano, o pagamento total do
preço e só em 3.7.2008 requereu na Conservatória do Registo Predial a aquisição
em seu nome (sem a qual não podia celebrar a escritura pública relativa ao
contrato definitivo).
i. Sendo ainda certo que não se vislumbra outra via para ser assegurado o
investimento na confiança. Porque já celebraram um contrato-promessa
relativamente àquele imóvel.
j. Temos, portanto, como verificados todos os requisitos para ser bloqueada a
invocação da nulidade por falta de forma do contrato-promessa.

21. A empresa ABC, Lda. fornecia à empresa Sob Rodas, Lda. jogos de pneus de
baixo perfil que esta, de seguida, instalava e de cuja assistência se encarregava. A
determinada altura, a empresa Sob Rodas, Lda. queixou-se à ABC, Lda. da má
qualidade dos pneus que estavam a ser entregues. Esta reagiu, de imediato,
enviando uma carta à empresa Sob Rodas, Lda. em que lhe pedia que identificasse
os defeitos alegados e afirmava que, até ter uma resposta, suspendia os
fornecimentos.
A empresa Sob Rodas, Lda. não respondeu e, dois anos decorridos, acionou a
empresa ABC, Lda., pedindo uma indemnização pelo incumprimento contratual
resultante da suspensão do fornecimento de pneus.
Quid iuris? (V. Ac. STJ, de 4.4.2002, proc. nº 02B677, in www.dgsi.pt)
 Ou compra e venda ou empreitada, e podia haver um problema de cumprimento
defeituoso. Para que a empresa saiba como remediar, é necessário concretizar o defeito.
No entanto, nunca responderam à pergunta.
 Tem direitos mas num prazo limitado: perante um cumprimento defeituoso, pode exigir
reparação, substituição, redução do preço ou resolução do negócio.
 Não há suprecio, porque embora haja alguém que tem direitos mas não os exerceu, o
lapso temporal não é significativo e não há um comportamento/facto que justifica a
crença de que o direito no futuro não vai ser exercido.
 Será venire contra factum proprium? Existem dois comportamentos contrários: alertam
para o cumprimento defeituoso e dá a ideia de que querem resolver o problema
mantendo o contrato; dois anos depois, sem justificação, há um comportamento inverso
de pedir a resolução, mas pior, pedem-na não com base no cumprimento defeituoso mas
sim pelo incumprimento contratual. HÁ VENIRE PORQUE O SISTEMA É MÓVEL E BASTAM
3 REQUISITOS, POR ISSO O EXERCÍCIO DO DIREITO DE RESOLUÇÃO É ILEGÍTIMO, MAS
NÃO HÁ INDEMNIZAÇÃO PORQUE NÃO HÁ INVESTIMENTO DA CONFIANÇA.
o Situação de confiança
o Justificação da confiança
o Investimento da confiança: não há, porque a empresa não fez nada que
saibamos. Exigir o cumprimento com juros é mais gravoso do que exigir antes a
resolução do contrato (pior pagar mais tarde do que pagar mais cedo). Mas nada
em rigor diz que há comportamento.
 Se não há investimento não há dano, e se não há dano não há
responsabilidade civil e consequente direito a indemnização. Pode
bloquear-se o comportamento contrário à boa-fé para produzir outros
efeitos, que é o do impedimento da resolução do contrato, mas não
havendo responsabilidade, não há indemnização. É ilegítimo o exercício,
ou seja, não pode invocar a resolução, pelo que o contrato não se
extingue e continua, o que pode ser o suficiente para tutelar a
confiança.
 O art. 334º afirma como limite geral ao exercício dos direitos a boa fé objetiva, que se
concretiza no instituto da tutela da confiança. Densifica-se esta boa fé através de figuras
desenvolvidas pela jurisprudência cuja violação corresponde a uma violação do limite ao
exercício do direito imposto pela boa fé.
 Duas destas figuras, que se pressupõem mutuamente, são a suprecio (supressão do
direito) e surrecio (nascimento na esfera jurídica da contraparte do direito a não cumprir).
No caso concreto verificam-se os pressupostos destas figuras:
o Há um lapso temporal significativo de dois anos em que a empresa Sob Rodas não
exerce o seu direito de exigir o cumprimento do contrato através da entrega de
pneus, embora soubesse que dele era titular e que o podia exercer.
o Pressupostos da tutela da confiança: com base no decurso deste tempo, a
empresa ABC formou uma convicção não culposa de que o direito já não seria
exercido tendo feito tudo o que tinha que fazer (enviar carta a aguardar resposta);
justifica-se essa confiança devido ao tempo que passou sem que a Sob Rodas
exercesse o seu direito, que legitima a confiança da manutenção dessa situação;
há investimento de confiança porque a ABC orientou a sua atividade em
conformidade com a confiança, suspendendo o seu fornecimento de pneus por
acreditar que a Sob Rodas não exerceria mais o seu direito à entrega da coisa; há
imputação da confiança à Sob Rodas porque os dados objetivos que justificam a
confiança da ABC, nomeadamente a passagem do tempo sem exercício do direito,
resultam desse comportamento da Sob Rodas.
 Verificados todos os pressupostos da suprecio e surrecio, faz-se nascer na esfera jurídica da
ABC o direito a não cumprir o contrato e suprime-se o direito da Sob Rodas a exigir a
entrega da coisa ou uma indemnização por não cumprimento.
 Assim, o pedido de uma indemnização por incumprimento contratual por parte da Sob
Rodas viola a boa fé no instituto da tutela da confiança, e sendo esta um limite ao exercício
do direito, este exercício do direito por parte da Sob Rodas não é permitido.

Acórdão 02B677

1. Factos
a. Os réus são proprietários de um prédio urbano, tendo o rés-do-chão arrendado à
autora, e querem agora vendê-la ao Partido Socialista.
b. Os réus informaram a autora, por escrito, da intenção de vender para que
pudesse exercer o seu direito de preferência, tentando mesmo convencê-la a
adquirir o imóvel.
c. A autora respondeu que não estava interessada em exercer esse direito.
d. Os réus e o PS celebraram um contrato de compra e venda mas o arrendamento
manteve-se, tendo a autora que passar a depositar as rendas mensais numa conta
bancária do PS.
e. A autora intentou ação contra os réus pretendendo o reconhecimento do seu
direito de preferência. Tanto a 1ª instância como a o Tribunal da Relação
decidiram a favor dos réus e por abuso de direito da autora.
2. Direito
a. Para que haja lugar ao abuso de direito é necessário a existência de uma
contradição entre o modo ou o fim em que o titular exerce o direito e o interesse
ou interesses a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito.
b. A proibição do "venire contra factum proprium" cai no âmbito do "ABUSO de
DIREITO", porque é ilegítimo o exercício de um direito quando o seu titular exceda
os limites impostos pela boa fé, como sejam os casos em que há contradição, real
e não aparente, entre a conduta de um outorgante que se vincula a dada situação
futura, criando confiança na contraparte, e a conduta posterior a frustrar a
confiança criada.
c. No entanto, não cabe falar em "venire contra factum proprium" quando entre o
primeiro comportamento e o segundo, aparentemente contraditório, tenham
ocorrido factos que justifiquem a mudança de atitude do agente.
d. O Tribunal diz que a suprecio é uma modalidade do “venire contra factum
proprium” na qual: o titular de um direito deixa passar longo tempo sem o
exercer; com base neste decurso do tempo e numa particular conduta do titular, a
contraparte chega à convicção justificada de que o direito já não será exercido;
movida por essa confiança, a contraparte orienta em conformidade a sua vida,
pelo que o exercício tardio e inesperado do direito acarretaria uma desvantagem
maior do que o seu exercício atempado.
e. Não se verifica "Abuso de Direito" na modalidade de "suppressio" dado que não
se encontram provadas as apontadas circunstâncias: não decorreu longo tempo
sem a autora exercer, o seu direito de preferência; não se sabe se o exercício do
direito de preferência por parte da autora acarretou para os Réus uma
desvantagem maior.
f. Não se verifica “Abuso de Direito” na modalidade de “venire contra factum
proprium”: não há situação de confiança porque a circunstância de a Autora ter
declarado aos 1ºs Réus, por diversas vezes, não estar interessada na aquisição
da casa e o facto de passar a depositar a renda do locado na conta bancária do
Réu Partido Socialista não pode ser entendida como uma tomada de posição
vinculativa do não exercício do direito de preferência; nada foi alegado e
provado no sentido de que os Réus criaram, tomaram disposições ou
organizaram planos de vida de que lhe surgirão danos se frustrada a confiança
criada com a conduta da Autora.

No passado tinha dado a entender que não queria exercer, e se assim fosse o direito tinha
caducado  1º problema. Por outro lado, a ação seria uma violação da boa-fé na modalidade de
venire contra factum proprium  2º problema.

Não houve dois factos contraditórios: o que disse sempre foi que não pensava em exercer o direito
de preferência, mas isso não significa que renunciou ao contrato. Aqui falou-se sempre no campo
das intenções, não há um projeto concreto. Nunca foi comunicado ao inquilino um projeto
concreto, mas apenas que havia uma possibilidade do senhorio querer vender o imóvel. Se isso não
foi feito, ele também nunca renunciou ao seu direito de preferência, por isso não se pode dizer que
o direito já não existe. Assim, o primeiro problema não se põe, não havendo renúncia.

Assim, não houve primeiro facto a dizer que não queria exercer o direito, e o segundo não é
contraditório com nada. Não existe aqui um venire contra factum proprium.
g. Conclui-se, assim, que não existe abuso de direito no exercício do direito de
preferência por parte da autora. Reconhece-se o direito de preferência da
Autora Empresa-A e adjudica-se esse prédio à Autora, em substituição do
comprador, o Réu Partido Socialista.

22. Há 18 anos, David emprestou a Elisa a quantia de 40 contos (hoje, 200 euros), a
reembolsar no prazo de seis meses. Chegado o vencimento, Elisa, que estava, então,
desempregada, alegou dificuldades financeiras e não liquidou o pagamento. Os
dois amigos continuaram a relacionar-se e nunca mais David reclamou os 200
euros de Elisa, apesar de terem mantido encontros semanais.
Hoje, depois de uma forte “desavença clubística”, e decorridos 19 anos, David
intenta uma ação em tribunal contra Elisa, para reaver a quantia emprestada, bem
como os juros moratórios. Elisa, citada na ação, defende-se alegando nada mais ter
a restituir. Quem tem razão?
(V. Ac. STJ, de 24.10.2002, proc. nº 02A2958, Ac. RLX, de 31.3.2011, proc. nº
411348/09.3YIPRT-B..L1-2, in www.dgsi.pt)
 Segundo o art. 298º do CC, estão sujeitos a prescrição os direitos que não sejam
indisponíveis. O direito a receber o reembolso não é indisponível, porque o seu titular
pode validamente renunciar a ele. Assim, está sujeito a prescrição.
 À falta de disposição legal que preveja um prazo de prescrição específico para o direito de
receber o reembolso decorrente do contrato de mútuo, aplica-se o art. 309º do CC
segundo o qual o prazo ordinário da prescrição é de 20 anos.
 Não tendo passado os 20 anos, mas apenas 19, David continua a ter um direito de crédito
civil, podendo exigir judicialmente o cumprimento do dever de Elisa.
 Aplica-se suprecio e surrecio. É necessário lapso temporal significativo e a atitude do
credor tem que levar o homem médio a concluir que o credor não mais iria exercer o seu
direito.
 Pressupostos da tutela da confiança: situação de confiança – acreditava que ele não iria
exigir mais o pagamento da dívida; justificação da confiança – encontravam-se
semanalmente durante 19 anos e ele nunca mais falou do assunto, embora tendo
oportunidades de exigir o cumprimento, ao não o fazer não quereria exercer o direito, e
um homem médio interpretaria este comportamento da mesma forma; o sacrifício em
termos de juros é claramente mais gravoso do que seria o de pagar antes, porque agora
paga muito mais, portanto o investimento pode ser não cumprir se o sacrifício
económico imposto ao devedor é claramente superior ao sacrifício se pagasse antes, o
investimento está no facto de não pagar logo com menos juros por acreditar que não
teria que cumprir (COMPARAR SE O CUMPRIMENTO NA DATA PREVISTA IMPLICARIA UM
SACRIFÍCIO MUITO MENOR DO QUE O CUMPRIMENTO EM DATA POSTERIOR,
NOMEADAMENTE EM TERMOS DE JUROS); imputação de confiança a David porque foi o
seu comportamento de deixar passar o tempo sem exercer o direito que criou a situação
de confiança.
 A boa-fé vai fazer nascer na esfera jurídica de Elisa o direito a não cumprir, e
consequentemente desapareça da esfera jurídica de David o direito a exigir o
cumprimento. Surge num, suprime-se no outro.
 No entanto, verifica-se uma violação de um limite geral ao exercício do direito previsto no
art. 334º do CC, a boa-fé, neste caso concretizada na figura do venire contra factum
proprium positivo, que viola a tutela da confiança. Estão reunidos todos os pressupostos:
o Existem dois factos, em si mesmos lícitos e com desfasamento temporal, que são
contraditórios: o primeiro facto consistindo em aparentar não pretender exercer o
seu direito a receber o reembolso, porque embora continuando a relacionar-se e
encontrar-se com Elisa semanalmente, nunca mais referiu o assunto; o segundo
facto consiste no exercício do direito através de uma ação em tribunal intentada
para reaver a quantia emprestada, mais os juros moratórios. Embora os factos
sejam em si lícitos, são contraditórios.
o Pressupostos da tutela da confiança: há situação de confiança, porque Elisa
confiou que David não pretendia exercer o seu direito e não parece ter violado
deveres de cuidado; há justificação da situação de confiança, assente no
comportamento de David, que nunca mais reclamou a quantia apesar dos
encontros semanais, e no decurso de 19 anos sobre o prazo de pagamento; há
investimento de confiança, porque foi devido à confiança no facto de que David
não exerceria o seu direito que Elisa, ao longo dos 19 anos, tomou a decisão de
não tentar arranjar forma de pagar; há imputação da situação de confiança a
David, porque foi o seu comportamento ao longo do tempo que criou em Elisa a
crença de que não pretendia exercer o direito.
 A ação intentada em tribunal de modo a reaver a quantia emprestada viola a boa fé, e
sendo esta um limite ao exercício do direito, este exercício do direito por parte do David
não é permitido. Sendo um ato ilegítimo, pode dar legitimidade de oposição, pelo que Elisa
não teria que pagar o que deve a David.

Acórdão 02A2958

1. Factos
a. Uma sociedade comercial italiana pediu a anulação da denominação da ré por
ilicitude do uso do nome comercial “CASSINA”, coincidente com o nome comercial
e marca característicos da autora, pelos quais é conhecida em Portugal, e que
foram registados anteriormente.
b. A ré comercializa produtos que a autora assinala com essa marca.
c. A ré contestou, invocando a prescrição do direito da autora por ultrapassagem do
prazo de prescrição de 10 anos, e invocou abuso de direito.
2. Direito
a. Não há abuso de direito por parte da autora. Recaía sobre a ré o ónus da alegação
e prova dos factos (integrantes impeditivos, modificativos ou extintivos do efeito
jurídico dos factos articulados pela autora) dos quais resultasse a conclusão de
haver abuso de direito, pelo que, não os tendo alegado ou demonstrado, a dúvida
é decidida contra ela.

Em tribunal só é verdade o que se prova: verdade processual. Tinha que demonstrar dois factos
contraditórios: que não se importava e depois, sem nenhuma razão objetiva, pediria a anulação.

O sim não pode resultar do prazo de 10 anos, porque só poderia ser se conhecessem há 10 anos.
A ausência de provas fez com que o tribunal dissesse que, não sendo demonstrados os factos
contraditórios, e tendo sido demonstrado que são titulares do direito de anulação, não há como
não dar razão à autora.

b. O prazo decorrido entre a constituição da ré e a propositura da ação é


absolutamente irrelevante no sentido de demonstrar a existência de abuso de
direito pela autora, pois esta, como titular do direito de anulação da denominação
social da ré, não é obrigada a exercê-lo logo que tome consciência da atuação da
mesma ré violadora dos direitos dela autora, podendo fazê-lo quando achar
conveniente e independentemente de ter sofrido prejuízos ou não.
c. Para o decurso do prazo ser elemento indicativo do abuso, seria necessário que
fosse acompanhado por algum outro elemento nesse sentido, caso de algum ato
da autora demonstrativo da sua tolerância para com a ré e do qual esta pudesse
logicamente, procedendo a uma interpretação dessa conduta da autora igual à
que faria qualquer pessoa normal nas mesmas circunstâncias, retirar a conclusão e
formar a convicção de que ela autora não pretendia exercer o direito de anulação
 venire contra factum proprium.
d. OU o decurso do prazo ser acompanhado de um facto demonstrativo de que a
autora, por meio da ação de anulação, não pretendia proteger os seus direitos,
mas apenas causas prejuízos ou incómodos à ré, o que ela também não invoca.
e. De forma alguma se pode sustentar que seja notória a produção de prejuízos para
a ré de tal forma excessivos que impliquem a conclusão de o exercício do direito
da autora integrar uma situação de clamorosa injustiça. De qualquer forma, foi a
ré que deu origem a esses prejuízos, pelo que também deve suportá-los.

Acórdão 411348

1. Factos
a. A autora é uma sociedade que presta serviços profissionais especializados na área
da revisão oficial de contas.
b. A autora intentou um procedimento de injunção contra a ré alegando a falta de
pagamento de faturas decorrentes de um contrato de prestação de serviços de
revisor oficial de contas celebrado entre ré e autora.
c. A ré, em sede de oposição à injunção, impugnou expressamente a alegação da
recorrida de que as faturas não estavam pagas, invocando prescrição presumida
(os valores não são devidos, tendo decorrido em relação a eles o decurso ou prazo
de prescrição após o qual se presume que o devedor pagou).
d. Foi proferida sentença a favor da autora e a ré recorreu.
2. Direito
a. A decisão recorrida ignorou todo o teor da oposição deduzida pela Recorrente,
circunscrevendo a sua fundamentação à análise gramatical de uma palavra. A ré
invocou o pagamento, tendo, no mesmo artigo, elencado as faturas alegadamente
em dívida e cujo pagamento invocou, pretendendo terminar o artigo com a
alegação de que, tendo o pagamento sido invocado, as faturas estariam prescritas.
Contudo, por lapso de escrita, no referido artigo lê-se(…) porquanto as mesmas se
encontram prescritas.”, quando deveria ler-se “(…) portanto as mesmas se
encontram prescritas.”
b. É evidente que a Recorrente quis dizer que as faturas se encontrariam pagas e,
consequentemente, prescritas. Impugnando-se o não pagamento das faturas,
consequentemente, as mesmas estariam prescritas.
c. As prescrições presuntivas, funcionando como presunções de cumprimento
(presunção ilidível de que o devedor pagou, após o prazo de prescrição) produzem
a inversão do ónus da prova, de tal forma que o devedor fica liberto desse
encargo, tendo, porém, o credor a possibilidade de ilidir tal presunção, provando o
não cumprimento. É à autora que compete provar o direito de que se arroga
titular, devendo a ré tão só alegar que já pagou a dívida em questão, impugnando
a alegação da autora, nomeadamente, impugnar, como fez, a alegação que as
faturas não se encontram pagas.
d. VERIFICA-SE OU NÃO A PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA?
e. A prescrição que tem como fonte o decurso do prazo, pode ser extintiva ou
liberatória e presuntiva. As prescrições extintivas ou liberatórias, podem ser de
curto prazo, destinando-se essencialmente a evitar que o credor retarde
demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando
excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor.
f. As prescrições presuntivas, como preceitua o artigo 312º, do Código Civil, fundam-
se na presunção do cumprimento e destinam-se a proteger o devedor do risco de
satisfazer duas vezes dívidas de que não é usual exigir recibo ou guardá-lo durante
muito tempo.

A natureza das dívidas, porque fazem parte da vida corrente e é normal que as pessoas não
guardem.

Têm prazos mais pequenas.

A prescrição não extingue a dívida,

Presunções inilidíveis não admitem prova em contrário. Presume-se a existência do segundo


facto e para o Direito aquele facto existe. É inilidível, só admite uma forma de ser afastada:
confissão do devedor.

Neste caso não houve confissão por isso aplica-se a presunção presuntiva, pelo que há extinção
do direito de crédito porque há presunção do cumprimento.

g. O que o decurso do prazo faz presumir é que o cumprimento se verificou,


tornando possível a elisão desta presunção que, no entanto, só pode ter lugar por
confissão judicial ou extrajudicial do devedor.
h. Visando as prescrições presuntivas conferir proteção ao devedor que paga uma
dívida e dela não exige ou não guarda quitação, não poderia admitir-se que o
credor contrariasse a presunção de pagamento com quaisquer meios de prova.
Exige-se, por isso, que os meios de prova do não-pagamento provenham do
devedor.
i. A presunção de cumprimento afasta-se por confissão judicial ou extrajudicial ou
por negação por parte do devedor da existência de dívida.
j. Haveria que aditar-se à base instrutória um artigo em que se perguntasse se as
mencionadas faturas estavam pagas ou se as mencionadas faturas não estavam
pagas, conforme tivesse sido ou não invertido o ónus da prova.
k. Apesar das deficiências apontadas a Apelante alegou o pagamento, com a sua
arguição de que impugnava a legação de que essas faturas não estavam pagas,
pelo que a pretensão da Apelante procede.
23. António pretende vender os pinheiros plantados no seu pinhal a Beatriz. Qual a
forma que deverá revestir o contrato?
De acordo com o art. 204º/1, alínea c, as árvores são coisas imóveis enquanto ligadas ao solo. No
entanto, é de referir que esta alínea se afigura irrelevante, porque estando as árvores ligadas
materialmente ao imóvel com carácter de permanência, podem ser classificadas como coisas
integrantes nos termos do nº3 do artigo, e como tal seriam englobadas na alínea e) e classificadas
como imóveis sem necessidade de uma alínea específica. O mesmo se verifica para os arbustos e
frutos naturais.

Com base no elemento literal do artigo conseguimos perceber que as árvores são bens imóveis se
presas ao solo, pelo que as árvores retiradas do solo terão classificação diferente: são bens móveis
futuros.

SÃO BENS FUTUROS PORQUE HOJE ESTAMOS A COMPRAR UM MÓVEL. MAS HOJE, O MÓVEL NÃO
EXISTE. ASSIM, NA DATA DO CONTRATO O MÓVEL AINDA NÃO EXISTE, MAS ACREDITA-SE QUE IRÁ
EXISTIR NA DATA DA SEPARAÇÃO. É UM BEM FUTURO PORQUE ENQUANTO MÓVEL AINDA NÃO
EXISTE, SÓ NASCERÁ AQUANDO DA SEPARAÇÃO.

Esta distinção é extremamente relevante para efeitos de forma, porque embora exista liberdade de
forma nos negócios sobre móveis, nos termos do art. 219º do CC, a lei exige uma determinada
forma, nos termos do art. 875º do CC, para os negócios de compra e venda de bens imóveis.

ONERAR A PROPRIEDADE DE ANTÓNIO PORQUE NÃO QUER O DIREITO DE PROPRIEDADE SOBRE OS


PINHEIROS E O SOLO, MAS APENAS O DIREITO REAL DE SUPERFÍCIE SOBRE OS PINHEIROS. NÃO SE
PODE APLICAR O ART. 875º DIRETAMENTE MAS SIM POR MEIO DO ART. 939º PORQUE O OBJETO
DO CONTRATO É APENAS A AQUISIÇÃO DE UM DIREITO REAL SOBRE AS ÁRVORES E NÃO SOBRE O
SOLO, NÃO É UM CONTRATO DE COMPRA E VENDA, MAS SIM A CONSTITUIÇÃO DE UM DIREITO DE
SUPERFÍCIE A TITULO ONEROSO, E NOS TERMOS DO ART. 939º AS REGRAS DA COMPRA E VENDA
APLICAM-SE A TODOS OS CONTRATOS DE DIREITOS REAIS ONEROSOS, POR ISSO PODEMOS
APLICAR O ART. 875º DO CC.

Assim, no caso concreto: se Beatriz quiser comprar apenas as árvores como bens móveis futuros e
não o terreno onde se encontram, adquirindo apenas um direito de superfície, existe liberdade de
forma na celebração do contrato de compra e venda; pelo contrário, se desejar adquirir as árvores
presas ao solo, o contrato de compra e venda terá de ser celebrado por escritura pública ou
documento particular autenticado, sob pena de nulidade por falta de forma, nos termos do art.
220º do CC.

24. Maria e Miguel são comproprietários de um prédio antigo em que existe um


belo painel de azulejos do séc. XVII. No passado dia 5 de Janeiro, Maria e Miguel
venderam o referido painel a Nuno, ficando este encarregue de o retirar da parede
onde se encontra. Entretanto, antes de Nuno remover o painel, o prédio é vendido
a Paulo, empresário do sector da construção civil. Nuno apresentou-se a Paulo
para retirar o painel que adquiriu, contudo, Paulo arroga-se proprietário de todo o
prédio, bem como do painel. Quem tem razão?
O problema que se coloca aqui é o de saber quem é o proprietário do painel de azulejos: Nuno, que
o comprou, ou Paulo, que comprou o imóvel. Para dar uma resposta a esse problema, deve ter-se
em conta que o contrato celebrado com Nuno tem como objeto um bem móvel futuro, mas que
este bem móvel futuro é simultaneamente, no momento presente, uma parte integrante do
imóvel, ou seja, nos termos da alínea e) do art. 204º/1 do CC, é uma coisa materialmente ligada ao
imóvel com carácter de permanência e que, segundo a doutrina, se for destacada no imóvel, não
afeta a existência ou função do mesmo, por oposição à parte componente.

Sendo o painel de azulejos uma parte integrante do prédio, aplica-se ao contrato celebrado entre
Maria e Miguel e Nuno o disposto acerca das partes integrantes no art. 408º/2 do CC. Assim, a
transmissão é automática, por mero efeito do contrato, mas não imediata, porque não se produz
logo no momento de celebração do contrato mas apenas no momento de separação, ou seja, há
dilação temporal. Uma vez que a transmissão do direito fica dependente da efetiva separação da
parte integrante do imóvel, no caso concreto, ainda não se tinha dado o efeito translativo no
momento da celebração do contrato entre Maria e Miguel e Paulo, visto que Nuno ainda não tinha
removido o painel. Assim, Maria e Miguel continuam a ser os proprietários do painel, que é ainda
uma parte integrante do imóvel.

Quando Paulo adquire o prédio, aplica-se o art. 408º/1 do CC, ou seja, a transferência do direito de
propriedade sobre a coisa é automática e imediata. Visto que Paulo adquire o prédio como existe
naquele momento, e naquele momento ele tem ainda uma parte integrante correspondente ao
painel de azulejos, o direito de propriedade sobre o painel de azulejos é transmitido da esfera
jurídica de Maria e Miguel para a esfera jurídica de Paulo aquando do contrato de compra e venda
do prédio, independentemente do celebrado com Nuno. Paulo tem, então, razão, porque é
proprietário de todo o prédio, incluindo a sua parte integrante, que é o painel de azulejos.

Ainda assim, é razoável tutelar a posição de Nuno, recorrendo nomeadamente a uma


indemnização a seu favor, nos termos da responsabilidade obrigacional do art. 798º e 799º do CC,
pois este sofreu claramente um dano ao ser privado do direito de propriedade sobre o painel de
azulejos que comprou. O DEVER ESPECÍFICO É O DE TORNAR PRESENTE A COISA FUTURA POR
PARTE DOS VENDEDORES, PARA ALÉM DA ENTREGA DA COISA, QUE DECORRE DO FACTO DE A
COMPRA E VENDA SER DE BEM FUTURO.

25. Frederico vendeu o seu automóvel de corrida a Guilherme. Na data acordada


para a entrega do veículo, Guilherme verifica, contudo, que Frederico lhe retirara
não só o jogo de faróis especiais, como um conjunto de pneus extra e o macaco.
Apesar de na venda nada ter sido convencionado a tal respeito, Guilherme arroga-
se do direito à entrega de todos estes objetos, o que Frederico recusa. Quem tem
razão?
1. Quando há ligação física é necessário saber se a ligação tem permanência ou não: parte
integrante ou coisa acessória.

O tipo de ligação física determina se é parte integrante/componente (com permanência) ou se é


coisa acessória (sem caráter de permanência, a coisa tem autonomia).

 Quando se põem os faróis a ligação à partida tem caráter de permanência, porque eles
têm que ser verdadeiramente integrados no carro (sistema elétrico etc.), o que é
extremamente complexo e mostra que a lógica é de não retirar os faróis quando quiser,
mas sim de integrar um todo que é o carro, o que demonstra permanência e não
precariedade.
o O dono dos faróis é Guilherme.
 Nos pneus e macaco não há ligação de permanência por isso não é parte integrante. É
coisa acessória: em sentido estrito ou pertença, ou seja, são ou não autonomizáveis? Hoje
em dia são considerados coisas acessórias em sentido estrito porque já não há uma
obrigação jurídica de haver pneu suplente e consequentemente macaco que impedia a
circulação do automóvel caso não os tivesse. Então, antigamente eram pertenças mas hoje
já são coisas acessórias em sentido estrito. Não há uma ligação tão forte que, ao separar
da coisa principal, ela não funcione, por isso não são pertença.
 Pode considerar-se que todo o automóvel de corrida é uma coisa composta, segundo a
classificação doutrinária das relações entre coisas simples e compostas, pelo que os
objetos que Frederico retirou estão agregados fisicamente ao automóvel e perdem
autonomia, passando a fazer parte dele. Neste caso, nos termos do art. 879º/b) do CC
Frederico tem o dever de entregar a coisa, neste caso o automóvel inteiro e com os
objetos, pelo que se não cumprir este dever específico incorre em responsabilidade
obrigacional.
 No entanto, não parece que esta seja uma coisa composta porque não só os objetos
podem ser retirados, pelo que já não há agregação física, mesmo que se considerasse
ainda assim a hipótese de o automóvel consistir coisa complexa por agregação jurídica, as
coisas podem ser autonomizadas e, por exemplo, vendidas separadamente, por isso a
qualificação não faz sentido.
 No entanto, o art. 882º/1 prevê que a coisa seja entregue no estado em que se encontrava
ao tempo da venda. Como o enunciado diz que Frederico retirou estes objetos ao carro,
significa que no momento da venda o carro tinha-los, e como tal Frederico tem o dever de
entregar o carro com esses objetos.
 Se não cumprir este dever específico resultante do contrato de compra e venda celebrado
com Guilherme incorre em responsabilidade contratual com presunção de culpa nos
termos do art. 799º do CC, porque se verificam todos os outros pressupostos:
o O ato é o comportamento de Frederico de não entregar estes objetos.
o A ilicitude resulta da violação de um dever contratual de entrega da coisa
postulado no art. 882º/1 do CC.
o O dano consiste na privação do direito de gozo da propriedade de Guilherme, que
é transmitido de forma automática e imediata aquando da celebração do contrato
de compra e venda, e que engloba os objetos retirados ao automóvel.
o Foi o comportamento de Frederico de não entrega dos objetos que provocou o
dano de Guilherme, e é normal que nestas circunstâncias, a não entrega da coisa
leve à privação do direito de gozo, pelo que há nexo de causalidade.
 Frederico está obrigado a indemnizar Guilherme nos termos do art. 562º do CC, devendo
proceder a uma reconstituição natural que, neste caso, consiste na entrega dos objetos
retirados ao automóvel de corrida.

26. Hugo, colecionador de carros descapotáveis, interessou-se por um Mercedes, da


década de 70, propriedade de Ivo, e que encontrou através de uma pesquisa na
Internet. Numa das fotografias publicitadas, o automóvel aparecia protegido por
uma cobertura completa de oleado. O preço foi imediatamente pago no dia em que
“fecharam” o negócio. Entretanto, no dia acordado para receber o carro, Hugo
verifica que o mesmo não vinha acompanhado da cobertura de oleado, sendo então
surpreendido por Ivo que lhe diz que «a cobertura não estava incluída no
negócio». Quid iuris?
 Nos termos do art. 210º do CC, com uma interpretação doutrinária, a cobertura completa
de oleado parece ser uma coisa acessória em sentido estrito, porque não é uma parte
integrante nem componente, uma vez que essas se referem apenas a bens imóveis e o
Mercedes é um bem móvel, e está afetada economicamente à coisa principal, mas ainda
assim tem valor autónomo e se destacada não impede a utilização da coisa principal, neste
caso o Mercedes.
 O art. 210º/2 do CC prevê que os negócios jurídicos que têm por objeto a coisa principal
não abrangem, salvo declaração em contrário, as coisas acessórias. Como não houve
qualquer declaração de Hugo no sentido de querer adquirir também a cobertura completa
de oleado, aplica-se a regra segundo a qual a coisa acessória em sentido estrito não segue
a coisa principal.
 Assim, Ivo não tem a obrigação de entregar a cobertura de oleado.

27. Ana, estudante do 1.º ano da FDUCP, encarrega Bernardo de lhe construir
uma estante para colocar os livros que já tem e que pensa adquirir ao longo do
curso. Do contrato celebrado constam, entre outras, as seguintes cláusulas:
1.º Bernardo fica adstrito a construir a estante segundo o modelo desenhado por
Ana e com os materiais já definidos.

 Relativa porque a situação passiva de Bernardo não existe por si só, mas existe apenas por
causa da relação jurídica estabelecida com Ana, pressupondo o correspondente direito
desta (receber a estante como desenhada e com aqueles materiais).
 Bernardo – Situação passiva porque os efeitos dependem da vontade de Ana e não de
Bernardo, é uma cláusula impositiva.
o É uma obrigação, nos termos do art. 397º do CC, porque há um vínculo jurídico
por virtude do qual Bernardo fica adstrito para com Ana à realização de uma
prestação de coisa, a da construção da estante.
 O dever de construir a estante é o dever principal dentro da obrigação
porque é aquele que define a essência do contrato, e é aquele que define
a conduta que Bernardo tem que ter e que Ana quer.
 Ana – situação ativa de direito de crédito à prestação da construção da estante.
o O poder de exigir a construção.

2.º Bernardo fica adstrito a assegurar o transporte da estante, desde o local de


trabalho de Bernardo até à casa de Ana, obrigando-se, igualmente, a proceder à
respetiva instalação.
 Relativa porque a situação passiva de Bernardo não existe por si só, mas existe apenas por
causa da relação jurídica estabelecida com Ana, pressupondo o correspondente direito
desta (receber a estante em casa e já instalada).
 Bernardo – Situação passiva porque os efeitos dependem da vontade de Ana e não de
Bernardo, é uma cláusula impositiva.
o É uma obrigação, nos termos do art. 397º do CC, porque há um vínculo jurídico
por virtude do qual Bernardo fica adstrito para com Ana à realização de uma
prestação, o transporte e instalação da estante.
 Não é um dever principal mas a fonte é também o contrato, por isso é um
dever secundário.
 Ana – tem uma situação ativa que consiste no direito de crédito, composto por poder de
exigir o transporte e por poder de exigir a montagem. É um poder porque tem
disponibilidade de meios, sendo o meio o contrato.

3.º Ana pagará a Bernardo, numa única prestação, 400 euros por todos os serviços
prestados.
 Relativa porque a situação passiva de Ana não existe por si só, mas existe apenas por causa
da relação jurídica estabelecida com Bernardo, pressupondo o correspondente direito
deste (receber o preço pelos serviços prestados).
 Ana - situação passiva porque os efeitos dependem da vontade de Bernardo e não de Ana,
é uma cláusula impositiva.
o É uma obrigação, nos termos do art. 397º do CC, porque há um vínculo jurídico
por virtude do qual Ana fica adstrita para com Bernardo à realização de uma
prestação de coisa, a entrega do preço um dever de pagar o preço.
 Bernardo – elemento ativo (E NÃO SITUAÇÃO ATIVA PORQUE A SITUAÇÃO GLOBAL DELE É
PASSIVA) que é um poder de receber o preço.

4.º Ana pagará, ainda, um prémio de 100 euros se Bernardo conseguir concluir a
estante num prazo inferior a dois meses.
 Relativa porque a situação passiva de Ana não existe por si só, mas existe apenas por causa
da relação jurídica estabelecida com Bernardo, pressupondo o correspondente direito
deste (receber o prémio caso conclua a estante em <2m).
 Situação passiva porque os efeitos dependem da vontade de Bernardo e não de Ana, é
uma cláusula impositiva.
o É uma obrigação, nos termos do art. 397º do CC, porque há um vínculo jurídico
por virtude do qual Ana fica adstrita para com Bernardo à realização de uma
prestação de coisa, a entrega do prémio.
 Bernardo – se construir a estante num prazo mais curto, retira o benefício que é construir
o prémio  ónus. Se quer o prémio, tem que fazer, por isso é que é tido como um
elemento passivo.
 Ana – não tem nada.

5.º Ana fará sua a estante logo que, tendo Bernardo procedido à sua entrega, a
aceite.
 A estante só pode ser da Ana depois de um ato de aceitação. A transmissão da
propriedade está dependente deste ato. Se ela disser sim, isto significa uma alteração da
esfera jurídica do Bernardo, que nesse momento deixa de ser titular do seu direito de
propriedade, porque este passa para a esfera jurídica de Ana  poder potestativo
(integrado num direito mais amplo). Há sujeição de Bernardo.
 Absoluta porque o direito de propriedade de Ana não pressupõe uma relação jurídica, mas
existe por si só.
 Situação ativa porque os efeitos estão dependentes da vontade da própria Ana, que tem
uma vantagem, sendo esta uma norma que confere poderes.
o É um direito subjetivo de propriedade porque há uma permissão normativa
(espaço de liberdade) específica (dirigida a Ana em concreto porque foi ela que
preencheu a previsão da norma) de aproveitamento de um bem (liberdade de
aproveitar a estante).

6.º Ana poderá impor a Bernardo qualquer alteração ao projeto, desde que não
implique uma modificação substancial do modelo, se o entender conveniente.
 Há uma alteração do dever principal, passa a estar obrigado a uma prestação ligeiramente
diferente. Há um poder potestativo de Ana de alterar a esfera jurídica de Bernardo porque
o dever principal muda, e Bernardo tem uma sujeição.
 Relativa porque a situação ativa de Ana (direito de impor a modificação) não existe por si
só, mas existe apenas por causa da relação jurídica estabelecida com Bernardo,
pressupondo o correspondente dever deste (fazer a modificação).
 Situação ativa porque os efeitos estão dependentes da vontade da própria Ana, que tem
uma vantagem, sendo esta uma norma permissiva.
o É um poder porque Ana tem disponíveis os meios, neste caso o trabalho de
Bernardo, para obter um fim, que é a mudança do projeto de construção da
estante.

7.º Ana dispõe de um prazo de 6 meses, contados desde a entrega da estante, para
denunciar a Bernardo os defeitos eventualmente existentes, sob pena de não poder,
depois, exigir a respetiva eliminação.
 Absoluta porque o dever de denunciar de Ana não pressupõe qualquer correspondente
situação jurídica de Bernardo, mas existe por si só.
 Situação passiva porque os efeitos não dependem da vontade da própria Ana. MAS
DEPENDEM DO BERNARDO?
o É um encargo porque Ana tem um dever de denunciar o vício dentro do prazo de 6
meses, mas o cumprimento desse dever não pode ser exigido, e se ela não o
respeitar, desaparece o seu poder de denúncia (caducidade). Para ter o benefício
da reparação precisa de adotar o comportamento de denúncia do defeito.

8.º Bernardo pode recusar a entrega da estante enquanto Ana não se dispuser a
pagar-lhe o preço.
 Relativa porque a situação ativa de Bernardo (direito de recusar a entrega) não existe por
si só, mas existe apenas por causa da relação jurídica estabelecida com Ana, pressupondo
o correspondente incumprimento do dever desta (pagar o preço).
 Situação ativa porque os efeitos estão dependentes da vontade do próprio Bernardo, que
tem uma vantagem, sendo esta uma norma que confere poderes.
o É uma exceção material e fraca porque Bernardo, que está adstrito ao dever de
entrega da coisa, pode licitamente recusar fazê-lo enquanto Ana não pagar o
preço, nos ermos do art. 428º/1 do CC.
9.º No caso de pretender alienar a estante, Ana compromete-se a informar, por
escrito, Bernardo do projeto de venda, incluindo o seu valor, devendo vendê-la a
Bernardo se este oferecer o mesmo preço.
 Se decidir vender a estante, Ana tem o dever de comunicação das condições do contrato a
Bernardo (prestação é a comunicação), pelo que Bernardo tem o poder de exigir ser
informado. Cumprido esse dever tem o direito potestativo de exigir que a transmissão da
propriedade se dê relativamente a ele, é potestativo porque automaticamente ela está
obrigada a vender-lhe apenas a ele. Se Bernardo tem o direito/poder potestativo, há uma
sujeição de Ana, cronologicamente depois do dever de comunicação.
 Relativa porque a situação passiva de Ana (dever de dar preferência) não existe por si só,
mas existe apenas por causa da relação jurídica estabelecida com Bernardo, pressupondo
o correspondente direito deste (exercer a preferência).
 Situação passiva porque os efeitos não dependem da vontade de Ana, mas sim de
Bernardo, sendo esta uma norma impositiva.
o É uma vinculação porque Ana pode ver a sua posição alterada por Bernardo,
unilateralmente, através do seu exercício de preferência, porque fica então
obrigada a vender. Apenas lhe cabe, passivamente, aguardar que o titular do
direito potestativo, neste caso Bernardo, atue essa posição.

Qualifique as situações jurídicas subjacentes à hipótese.

28. No decurso de um passeio pela praia, Carlos descobre, na areia molhada, uma
estrela-do-mar, tendo, de imediato, tomado posse da mesma. Mais tarde, vem a
utilizar a referida estrela-do-mar para fazer uma pintura abstrata que, uma vez
terminada, veio a emoldurar e a colocar na sala de estar da sua casa.
Quinze dias mais tarde, Diana, sua velha amiga, impressionada com a beleza do
quadro pintado, convenceu Carlos a dar-lhe o mesmo de aluguer pelo prazo de
dois meses, o que este aceitou, tendo, em contrapartida, exigido que Diana lhe
doasse um velho relógio de corda que pertencera a Eduardo, pai desta, o que veio
efetivamente a suceder.
Terminado o prazo do aluguer, Diana restituiu o quadro a Carlos.
Descreva as vicissitudes, subjetivas e objetivas, dos direitos subjetivos existentes na
presente hipótese.
 “descobre uma estrela-do-mar tendo tomado posse da mesma”
o Objetivo: constituição (nascimento de um direito)
o Subjetivo: aquisição originária (direito entra na esfera jurídica e é completamente
novo)
 “utilizar a referida estrela-do-mar para fazer uma pintura abstrata que, uma vez
terminada, veio a emoldurar”
o Objetivo: modificação objetiva do objeto (alteração do objeto sobre o qual incide
o direito de propriedade)
o Subjetivo: aquisição modificativa (o direito é o mesmo mas tendo em conta a
alteração do objeto, o regime muda).
 “Diana convenceu Carlos a dar-lhe o quadro de alugar pelo prazo de dois meses”
o Objetivo: constituição por parte de Diana (nasce um direito de aluguer), e
modificação objetiva do conteúdo por parte de Carlos (limitação do seu direito
real maior de propriedade  discutível).
o Subjetivo: aquisição derivada constitutiva de Diana (nasce um direito novo de
aluguer, mas com fundamento no pré-existente direito de propriedade doutrem)
 “exigido que Diana lhe doasse um velho relógio de corda que pertencera a Eduardo, pai
desta, o que veio efetivamente a suceder”
o Objetivo: modificação subjetiva relacionada com a identidade do sujeito,
substitutiva por parte de Carlos (direito de propriedade muda de uma esfera
jurídica para outra)
o Subjetivo: perda relativa por parte de Diana, e aquisição derivada translativa por
parte de Carlos
 “Diana restituiu o quadro a Carlos”
o Objetivo: extinção do direito de aluguer de Diana e modificação objetiva do
conteúdo do direito de propriedade de Carlos (sem a limitação, fica mais extenso)
o Subjetivo: perda absoluta do direito de Diana e mais aquisição derivada restitutiva
(poder nunca saiu da esfera jurídica, sempre esteve lá mas a extinção de uma
situação faz desaparecer o limite a esse poder).

29. Luís e Manuel venderam a João uma escultura, de que eram comproprietários,
por 10 000€. Ficou acordado entre as partes que a entrega da coisa e o respetivo
pagamento teriam lugar uma semana depois. Na data aprazada, João não paga o
preço devido.
Luís pretende resolver o contrato. Manuel opõe-se. Quid iuris?
O não cumprimento do dever confere à pessoa o direito de resolver o contrato. No momento do
problema já não há comproprietários, mas como foram eles os alienantes do direito, a patologia
atinge a ambos. De acordo com a lei são comproprietários de um direito potestativo de resolução,
porque se o exercerem, o direito de propriedade regressa à sua esfera jurídica.

1- Não há nenhum artigo no CC que resolva problemas de contitularidade de direitos potestativos.

2- O regime geral é de comparticipação necessária, que resulta do art. 1405º sendo o regime da
compropriedade aplicável a todas as situações da contitularidade nos termos do art. 1404º. Se não
for possível chegar a um acordo, podem recorrer ao tribunal para que ele decida equitativamente
se podem ou não resolver o contrato, nos termos do art. 1407º/2.

Na ausência de disposição legal especial, a regra é de comparticipação necessária dos contitulares


no exercício do direito comum, nos termos do art. 1405º do CC. Uma das faculdades que compõe o
direito de propriedade é a disposição, na qual se inclui a transmissão sob a forma de contrato de
compra e venda. Assim, essa faculdade deve ser exercida conjuntamente, pelo que se uma das
partes não está de acordo, não pode haver resolução do contrato.

No entanto, é de questionar se, mesmo que estivessem os dois de acordo, poderia sequer haver
resolução do contrato, tendo em conta o art. 886º do CC. De facto, só poderia resolver-se o
contrato se ainda não tivesse sido entregue a coisa ou se as partes tivessem convencionado a
possibilidade de o fazer após a entrega da coisa.

30. Carlos, co-superficiário conjuntamente com Leonel de um imóvel incorporado


no prédio de Aníbal, renuncia à sua quota. Leonel entende que a consequência
lógica de semelhante ato é a de que doravante ele será o titular exclusivo do direito
de superfície sobre o imóvel. Aníbal, no entanto, discorda, sustentando, pelo
contrário, que o ato de renúncia o beneficia a ele, na medida em que determina a
reversão a seu favor da posição jurídica de Carlos.
Quem tem razão? Fundamente a sua resposta.
Direito de superfície é o direito sobre as coisas da superfície.

O Aníbal pode dizer que o direito está a ser limitado pelo limite da contitularidade e se ele é
retirado a extinção de um direito real menor acresce ao direito real maior, porque anteriormente
estava limitado.

Tirando algumas exceções, o efeito normal é o acrescer em favor de Leonel e não de Aníbal. Em
termos práticos, termina o limite a que Leonel estava sujeito, por isso torna-se superficiário titular.
O Aníbal continua na mesma, com um direito de propriedade limitado por um direito de superfície.

LEONEL NÃO ADQUIRE A QUOTA DE CARLOS, ESSA QUOTA DESAPARECEU POR ISSO NÃO HÁ NADA
PARA ADQUIRIR NEM NENHUM DIREITO PARA ADQUIRIR. SE A QUOTA DESAPARECE, DESAPARECE
O LIMITE.

Se Carlos e Leonel eram contitulares de um direito de superfície, e se Carlos renuncia à sua quota,
dá-se um acrescento em benefício de Leonel, que passa agora a ser o titular singular do direito, por
isso é ele que tem razão. Isto é assim porque, enquanto eram contitulares do direito, a coisa não
cabia a 100% a Leonel porque a sua situação era limitada pela de Carlos, e vice-versa. Se a quota de
Carlos desaparece, desaparece também o limite à situação de Leonel, que pode ser agora ilimitada
e corresponder à titularidade exclusiva do direito de superfície sobre o imóvel incorporado no
prédio de Aníbal.

31. Álvaro que não simpatiza com o seu vizinho, pretende construir no seu terreno,
uma falsa chaminé, de uma altura enorme, sem utilidade alguma, apenas destinada
a tornar sombria a casa do vizinho.
Quid iuris? (V. Ac. STJ, de 22.10.1998, PROC. Nº 97B1024, in www.dgsi.pt)
ESTE ATO NÃO ESTÁ INSERIDO NO CONTEÚDO DO DIREITO DE PROPRIEDADE. O FIM NÃO PODE
SER PARA LESAR OUTREM. ESTE ATO, APESAR DA APARENCIA, NÃO ESTA CONTEMPLADO NO
OBJETO DO DIREITO, POR ISSO NÃO HÁ PERMISSAO PARA A PRÁTICA E POR ISSO É ILÍCITO
(ILICITUDE MATERIAL). O FUNDAMENTO PARA A ILICITUDE NÃO ESTÁ NO FUNDAMENTO FORMAL
DA NORMA MAS SIM NOS VALORES AXIOLÓGICOS.

SE O CONTEÚDO DO DIREITO DE PROPRIEDADE NÃO PERMITE O ATO E ELE VIOLA O DIREITO DE


OUTREM, É ILÍCITO. PARECE PREENCHER OS REQUISITOS FORMAIS PORQUE “PODE CONSTRUIR”.

CONSEQUÊNCIA NORMAL É A ILICITUDE MATERIAL QUE PODE SER FUNDAMENTO DE


RESPONSABILIDADE CIVIL SE HOUVER DANO.
Estamos perante uma questão de abuso de direito por violação do fim económico do direito de
propriedade, nos termos do art. 334º do CC. Consistindo esse fim numa autolimitação interna ao
próprio direito, a sua violação no exercício desse direito é uma contradição interna que extravasa a
permissão concedida pelo direito e, como tal, não existe verdadeiramente um direito.

Os direitos são realizações dos valores axiológicos importantes para o ordenamento jurídico. Assim,
há um fundamento material axiológico inerente à concessão do direito que deve ser respeitado,
sob pena de ele ser abusivo e, consequentemente, inexistente. No caso concreto, embora
aparentemente Álvaro esteja a exercer um direito, cumprindo os requisitos formais, está a violar o
fim para o qual o direito foi concedido ao provocar um dano gratuito e inútil a outrem, incorrendo
na figura do exercício em manifesta desproporção. Como tal, extravasa a permissão contida no
direito e, consequentemente, esse direito é inexistente.

De referir que Menezes Cordeiro, não admitindo o fim económico do direito de propriedade, chega
à mesma conclusão referindo esta situação a uma violação do princípio da boa-fé na sua
manifestação concreta de primazia da materialidade subjacente, afirmando que há um complexo
valorativo inerente ao ordenamento que limita o direito, pelo que não basta a aparência de
exercício formalmente lícito, mas deve haver adequação material a esses valores, sob pena de
provocar um dano gratuito e inútil a alguém. A violação deste subprincípio da boa-fé implica o
abuso de direito nos termos do art. 334º do CC. No entanto, esta visão não parece de acompanhar
porque a justificação que Menezes Cordeiro apresenta para não aceitar a ideia de fim, tendo em
conta a contradição em que incorre ao usar o mesmo conceito mas por outra determinação
quando recorre ao princípio da primazia da materialidade subjacente, não é convincente. Este
autor admite que não faz sentido conferir um fim ou função ao direito, porque a essência do direito
subjetivo é o espaço de liberdade que concede ao direito e ao atribuir-lhe um fim estaríamos a
reduzir essa liberdade, obrigando o titular do direito a usá-lo de modo a cumprir um fim. No
entanto, o autor parece não se aperceber de que um fundamento material axiológico não é
equivalente à funcionalização do direito, e mais ainda, que sem este fim social ou económico, a
liberdade concedida torna-se num poder arbitrário e libertino.

33. António e Bento, enquanto proprietários individuais, respetivamente, das


herdades X e Y, ambas encravadas, têm direito de servidão de passagem sobre a
herdade de Duarte. Concretamente sobre o caminho de terra batida que permite o
acesso de carro à via pública.
Todos os dias de manhã, António e Bento têm o mesmo problema. Ambos
pretendem passar com as suas viaturas justamente na mesma altura. António
porque precisa de ir trabalhar, Bento porque tem aula de pilates a essa hora. O
caminho, no entanto, só permite a passagem de um automóvel.
Qual deles poderá passar primeiro? Fundamente a sua resposta.
Estamos perante uma situação de conflito de direitos, porque existem dois direitos de servidão de
passagem com vida simultânea e eficaz, que pertencem a titulares diferentes (António e Bento), e
não podem ser simultaneamente exercidos porque o seu objeto é o mesmo e há concorrência de
direitos. Para resolver este conflito, nos termos do art. 335º do CC, temos que recorrer a um
critério de proporcionalidade de modo a saber se os direitos são iguais ou se um é superior ao
outro.
Para fazer isso, consideram-se 4 critérios: interesse prosseguido pelo direito, minimização do dano,
probabilidade de ocorrência do dano e maximização do lucro.

 DEVEM, NESTE EXERCÍCIO, SER CONSIDERADAS AS VÁRIAS OPÇÕES QUER A FAVOR DE


UM QUER A FAVOR DO OUTRO, PARA ENTENDER QUE O PREENCHIMENTO DOS
CRITÉRIOS EXIGE INVESTIGAÇÃO FACTUAL E EXTENSA.
 Só podemos aferir com certeza o critério do interesse prosseguido pelo direito, que é, no
caso de António, o ir de para o trabalho, e no caso de Bento, o de chegar à aula de pilates a
horas. O interesse prosseguido por António parece ser digno de maior tutela jurídica.
 Pode considerar-se que o dano de António não ir trabalhar ou chegar tarde ao trabalho
possa ser uma repreensão ou, na maior gravidade, o despedimento, enquanto o dano de
Bento chegar atrasado é apenas a perda de uma parte da aula para satisfação pessoal.
Visto que António terá maiores prejuízos, o seu direito aparenta ser superior.
 A probabilidade de ocorrência dos danos, num e noutro, parece relativamente igual,
porque é muito provável que António seja alvo de uma reprimenda, tal como é muito
provável que Bento perca uma parte da aula. Nada a dizer.
 Chegar a horas ao trabalho poderá permitir a António uma maior produtividade, enquanto
chegar a horas à aula poderá permitir maior satisfação pessoal de Bento. De qualquer das
formas, são lucros pressupostos e de não grande disparidade pelo que não há nada a dizer.

Tendo em conta os 4 critérios, o direito de António aparenta ser superior ao direito de Bento.
Assim, deve ser António a passar primeiro, porque o seu direito tem prevalência e, como tal, deve
ser exercido na íntegra, mas ainda assim Bento deve passar logo que possível a seguir a António,
permitindo-se um exercício residual do seu direito, que ainda assim existe.

34. Das instâncias, vem dada como provada a seguinte factualidade:


1. No dia 02.10.2006, pelas 02.00h, no IP4 km 89,837, Vila Real, ocorreu um
embate entre dois veículos (A);
2. Nele foi interveniente o ligeiro de passageiros com a matrícula ...-JD,
propriedade e conduzido por FF (B);
3. E o ligeiro de passageiros com a matrícula ...QHE... (C);
4. No veículo JD seguia, além do seu condutor, EE, transportado (D);
5. Em virtude do embate, o EE perdeu a vida (E);
6. À data do embate o EE tinha 25 anos de idade (F);
7. O BB, nascido a 19.05.2005, é filho do EE e da Autora (G);
8. O qual á data da morte do pai tinha 16 meses (H);
9. Nas circunstâncias referidas em 1, o veículo com a matrícula ...-JD, circulava no
sentido Amarante / Vila Real (1º);
10. Nas mesmas circunstâncias, o veículo com a matrícula ...-JD invadiu a hemi-
faixa de rodagem destinada ao sentido Vila Real / Amarante (1º);
11. Após o referido em 10, o veículo com a matrícula 35-66-JD embateu na viatura
com a matrícula ...QHE... (2º);
12. O embate mencionado ocorreu na hemi-faixa de rodagem destinada ao sentido
Vila Real / Amarante (2º);
13. Imediatamente antes do embate, a viatura com a matrícula ...QHE... circulava
no sentido Vila Real / Amarante, na hemi-faixa de rodagem destinada a tal sentido
(2º);
14. EE, à data do sinistro, auferia o salário líquido mensal de, pelo menos, € 753,08
(3º);
15. O EE vivia com a A. desde Fevereiro de 2001, em condições análogas às dos
cônjuges, isto é, em comunhão de habitação, mesa e leito (4º);
16. CC nasceu no dia 20-10-2006 (5º / 6º / 12º);
17. CC é filha da A. (5º / 6º / 12º);
18. Por sentença proferida no processo n.º 121/10.1TBPNF, do 4º Juízo do
Tribunal da Comarca de Penafiel, transitada em julgado no dia 10-09-2010, CC foi
declarada filha de EE (5º / 6º);
19. A A. e o EE, tencionavam contrair matrimónio, um com o outro, após o
nascimento da filha, tendo, inclusive, planos para a construção de uma casa
própria para a família (7º);
20. A A. foi sempre e é, doméstica, não auferindo qualquer rendimento do trabalho
ou outro (8º / 11º);
21. O EE, bem como a A., tudo faziam para proporcionar as melhores condições,
quer afetivas, quer materiais, ao menor BB (9º);
22. EE pretendia que os seus filhos dispusessem de condições que lhes permitisse
obter um grau de formação no ensino superior (10º);
23. EE despendia, por mês, pelo menos, com o sustento do seu filho, referido em G)
da matéria assente, a quantia de € 200,00 (11º);
24. O EE desejava para a sua filha, nascitura, o mesmo que desejava para o seu
filho BB, conforme se referiu em 22 (13º);
25. Era o EE que sustentava a família constituída pela A. e o filho BB (14º);
26. EE tinha como único vício fumar (15º);
27. No trabalho, não tinha qualquer despesa com os transportes, uma vez que era
transportado pela entidade patronal (16º);
28. A alimentação era paga, também, pela entidade patronal (17º);
29. Sempre que estava em casa dedicava-se à família, não tendo o hábito de
frequentar cafés, bares, ou ir ao cinema (18º);
30. Por norma, limitava-se a ir tomar um café à sexta-feira depois de jantar,
acompanhado da mãe do seu filho e aproveitando para ler o jornal (19º);
31. Aos sábados e domingos costumavam ir visitar os pais (do EE) onde tomavam
as refeições, indo depois ao café tomar um café (20º);
32. A A. nasceu no dia 11-01-1986 (24º);
33. O EE era um homem digno, honesto, sendo o enlevo da A. e do filho (25º);
34. O EE era generoso e franco, e esforçou-se sempre por tirar partido das suas
capacidades de trabalho e por proporcionar aos seus familiares o prazer de o ter
junto deles, sendo o amparo dos mesmos (26º);
35. Entre a A., o falecido e o seu filho existia uma extrema proximidade e
envolvência afetiva, constituindo uma família unida por fortes laços de amor,
amizade e ternura (27º);
36. A CC não chegou a conhecer o pai e irá padecer ao longo de toda a sua vida da
ausência da figura paterna (28º);
37. Nenhum dos menores poderá beneficiar do acompanhamento, do amparo, da
assistência, do carinho e do afeto do pai, tão importantes para o desenvolvimento
equilibrado dos mesmos (29º);
38. Na adolescência e juventude continuarão a sentir a falta do pai (30º);
39. Em consequência da morte de EE, a A. ficou triste (31º);
40. O EE era cheio de energia e vontade de viver (32º);
41. Era pessoa saudável, trabalhador e jovial (33º);
42. Era respeitado, tendo um feitio sociável, expansivo, alegre, gozando de grande
estima e carinho de quantos o rodeavam, que com ele adoravam conviver (34º);
43. Vivia com a A. e o seu filho, com quem tinha uma vida harmoniosa, dando-se
muito bem e sendo muito amigos (35º);
44. Vivia passo a passo a gravidez da A. e esperava o nascimento da filha com
grande ansiedade (36º);
45. A R. realizou, por intermédio de terceiros, averiguações sobre o modo como o
sinistro dos autos ocorreu (39º).
Terá CC direito a ser indemnizada pela morte do pai?
(V. Ac. STJ de 03-04-2014, proc. nº 436/07.6TBVRL.P1.S1.in www.dgsi.pt)
Acórdão nº436/07

 Pais de Vasconcelos
 Conceito de nascituro: amplo ou restrito. Em sentido amplo abarca a noção de nascituro
em sentido estrito e a noção de conceturo. O nascituro em sentido estrito já foi concebido
mas ainda não nasceu, enquanto o conceturo é alguém que ainda não foi concebido. O
facto futuro no nascituro é o nascimento, enquanto que no conceturo a própria conceção
é futura e incerta.
 Discute-se muito quando se inicia a personalidade jurídica, hoje em dia muito. A razão do
problema prende-se com o art. 66º do CC que diz que a personalidade se adquire com o
nascimento completo e com vida. Por isso, a doutrina e jurisprudência diziam que só se
adquire direito após o nascimento completo e com vida. O problema era tratado em
termos do aborto: até que ponto deveria haver a tutela do embrião ou do feto? A
jurisprudência do TC dizia que o direito subjetivo à vida só se adquiria com o nascimento
completo e com vida, pelo que no período entre a conceção e o nascimento não havia
direito subjetivo, havia apenas um bem objetivo que merecia tutela. Os direitos de
personalidade têm dimensão subjetiva (direito subjetivo conferido ao titular) e objetiva
(diz quais são os valores e bens fundamentais da sociedade que merecem tutela, que é
relevante por exemplo para o Direito Penal, que só pode incriminar a violação de bens
fundamentais). aquilo que se colocava no aborto era: será que a tutela do embrião ou feto
deveria ser a mesma de alguém que já nasceu? A resposta do TC até aqui era que não,
porque são realidades diferentes subjetivamente, porque quando se nasce adquire-se o
direito subjetivo, e enquanto não há nascimento não se adquire. Por isso a tutela criminal
é diferente, porque o aborto não era homicídio, e em certas situações era permitido, pois a
tutela aqui era menor.
 O argumento das Instâncias para negar a indemnização por danos não patrimoniais a CC
baseia-se em dois pontos: 1) o nascituro não pode ser titular de direitos, porque a
titularidade decorre da personalidade jurídica e essa só se adquire com o nascimento
completo e com vida; 2) a responsabilidade civil por facto ilícito e culposo pressupõe uma
personalidade contemporânea da lesão, pelo que não havendo ainda terceiro, não há
dever de indemnizar, não sendo o eventual e posterior nascimento da pessoa que pode
fazer radicar na mesma um crédito indemnizatório. ACRESCENTO AO SEGUNDO
ARGUMENTO: NÃO HÁ DANO PORQUE COMO ELE NÃO EXISTE NÃO HÁ SOFRIMENTO.
 Ninguém duvidará de que repugna ao mais elementar sentido de justiça que – como neste
caso paradigmático – dois irmãos que sofrem a perda do mesmo progenitor, tenham
tratamento jurídico tão gritantemente diferenciado, pela circunstância de um deles já ter
nascido à data do falecimento do pai (tinha 16 meses de idade) e outro ter nascido apenas
18 (dezoito) dias depois de tal acontecimento fatídico.
 O nascituro é um ser humano vivo com toda a dignidade que é própria à pessoa humana.
Não é uma coisa. Não é uma víscera da mãe. Os nascituros são seres humanos, com vida,
que se encontram numa particular fase da sua vida. A vida humana tem início na conceção
por comunicação da vida de ambos os pais. A sua natureza como ser humano não se altera
com o nascimento; o nascimento importa, porém, uma importante modificação no que
respeita ao contacto e relacionamento da pessoa, que antes de nascer praticamente
apenas tem contacto com a mãe, e apenas com o nascimento passa a relacionar-se com as
outras pessoas. DADA A SEMELHANÇA BIOLÓGICA, NÃO HÁ RAZÃO PARA RECONHECER A
UM E NÃO A OUTRO. SÃO IGUAIS DO PONTO DE VISTA BIOLÓGICO, LOGO DEVERIAM SER
TRATADOS DA MESMA FORMA DO PONTO DE VISTA JURÍDICO. HÁ DIREITO QUE SE PODE
ADQUIRIR LOGO, MAS A EFICÁCIA DESSES DIREITOS ESTÁ DEPENDENTE DA AQUISIÇÃO DE
CAPACIDADE JURÍDICA, QUE SE VERIFICA COM O NASCIMENTO.
 A personalidade jurídica das pessoas humanas, ao contrário da das pessoas coletivas, não
depende da lei e está fora do poder legislativo do Estado retirar ou não reconhecer a
qualidade de pessoa humana a quem a tem. O artigo 66º do Código Civil tem de ser
interpretado como referido, não à personalidade jurídica, cuja existência, início e termo
são extra e supra legais, mas antes à capacidade jurídica, como fazia o seu antecessor,
artigo 6º do Código Civil de 1867 e o § 1 do BGB. RETIRA-SE ESTA INTERPRETAÇÃO DO Nº2
DO ART. 66º  ADQUIRE-SE O DIREITO MAS OS EFEITOS FICAM SUSPENSOS,
DEPENDENDO DE UM FACTO FUTURO E INCERTO, QUE É O NASCIMENTO.
 «Não sendo possível atribuir ao nascituro uma personalidade limitada ou fazer retroagir a
personalidade de uma criança nascida ao momento da lesão, visto não haver nenhum
fundamento legal para o efeito, a ordem jurídica não pode, porém, negar o facto evidente
de que, face à realidade biológica, o nascituro e a criança nascida são idênticos. Assim, do
mesmo modo que a lei estabelece uma conexão entre o nascimento e a personalidade,
deve estabelecer também uma ligação entre o nascimento e as lesões anteriormente
verificadas. No momento do nascimento, as lesões sofridas pelo nascituro tornam-se
lesões da própria criança, ou seja, de um ser com personalidade. Nestes termos, ao ter
nascido, a criança adquiriu um direito à indemnização e isto em conformidade com a lei
que faz depender a personalidade do nascimento completo e com vida, não conhecendo
qualquer tipo de personalidade limitada ou com efeitos retroativos»
 O nascituro não é uma simples massa orgânica, uma parte do organismo da mãe ou, na
clássica expressão latina, uma portio viscerum matris, mas um ser humano (ente
humano) e, por isso, já com a dignidade da pessoa humana, independentemente de as
ordens jurídicas de cada Estado lhe reconhecerem ou não personificação jurídica e da
amplitude com que o conceito legal de personalidade jurídica possa ser perspetivado.
 Os danos não patrimoniais decorrentes da morte do seu pai, traduzidos na falta deste,
quer durante o período final da gestação (os 18 dias que antecederam o seu nascimento),
quer depois de nascer, efeito indiscutível do acidente que vitimou aquele progenitor,
ceifando-lhe a vida, constituem danos psíquicos merecedores de compensação.
 A relação entre causa e efeito, por outro lado, não implica necessariamente que os danos
ocorram imediatamente, podendo vir a verificar-se ao retardador. O que interessa é que
exista esse nexo umbilical, por forma a que possa determinar-se que o efeito (leia-se aqui
dano não patrimonial ao longo da vida por crescer sem pai) ocorreu devido à ocorrência de
um evento causado por terceiro em violação de um direito.
 O desenvolvimento da personalidade, não estaria a ser cumprido, se porventura
interpretássemos o artigo enunciado de uma forma discriminativa, castrada, limitativa e
sem razão, atribuindo o direito de indemnização por danos não patrimoniais aos filhos que
já tenham nascido e não reconhecendo esse mesmo direito a quem, por maior azar, já
esteja concebido mas ainda não tenha atingido esse estado físico, ainda que comungando
da mesma fonte identitária ou genética da personalidade progenitora. Violaria, por outro
lado também, o direito constitucional da igualdade em que seriam colocados os
descendentes no mesmo grau, do mesmo progenitor, relativamente ao enunciado direito.
 Sendo os danos não patrimoniais sofrimentos ou lesões de natureza psicofisiológica
(moral, estética, sensorial, psíquica, etc) são, antes do mais, de ordem ontológica, rectius,
ôntico-naturalística, logo, não dependem de perspetivação jurídica para a sua existência e,
se porventura, o Direito se alhear de tal realidade, tais danos não deixarão de prejudicar o
nascituro, independentemente do reconhecimento ou não da sua personalidade,
enquanto conceito jurídico. Porém, após o nascimento, eles ganham relevância jurídica
que justifica a sua compensação.
 Há que reconhecer razão à CC e pagar-lhe a título de danos não patrimoniais próprios a
quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), que vem pedida e que, aliás, foi também a fixada
para o seu irmão BB e que, aliás, se mostra justa, considerando o princípio constitucional
da igualdade (artº 13º da CRP), e que o maior dano não patrimonial é a falta do necessário
apoio e carinho paterno que ambos os irmãos sentem e sentirão com equivalente
intensidade.
o Serão desgostos bem diferentes, estamos certos, o sofrido pela perda do
progenitor que bem se conhecia, que se estimava e em quem se via, em princípio,
um inestimável e inesquecível apoio ou aquele outro trazido pela ausência do
progenitor, que nunca se chegou a conhecer, com as inerentes angústias que
advirão de tal irreversível vazio que também, com certeza, perdurará pela vida
fora.

Posição dos autores que não consideram que haja personalidade jurídica do nascituro: “Seja qual
for a posição que se adote quanto à respetiva construção jurídica — direitos sem sujeito, estados
de vinculação ou retroação da personalidade (adquirida no momento do nascimento) ao momento
da atribuição do direito —, é de admitir a tutela jurídica do nascituro concebido”

35. Joana, em testamento, deixa metade dos seus bens a Luís, seu sobrinho
predileto, e outra metade ao filho que este venha a ter de Madalena, com quem
Luís casará em Dezembro de 2014.
Joana morre no início de Fevereiro de 2014. Nuno, irmão de Luís, furioso por a
sua tia nada lhe ter deixado, recusa-se a aceitar que uma metade dos bens de Joana
seja herdada por alguém que simplesmente não existe e pode nunca vir a existir.
Nos termos do art. 2033º/2, alínea a) do CC, os nascituros não concebidos (conceturo), filhos de
pessoa determinada e viva ao tempo da abertura da sucessão, têm capacidade sucessória na
sucessão testamentária. Esse é o caso presente, uma vez que Joana deixa os bens a um nascituro
não concebido, filho de Luís e Madalena, por testamento.

Assim, o nascituro não concebido pode de facto vir a herdar metade dos bens de Joana.

Do ponto de vista teórico há dois problemas: se se atribui o direito hoje, ele existe hoje, seja
porque já existia na esfera jurídica dela, seja porque constituiu um direito com base noutro que já
tinha, seja como for já existe hoje, então o titular quem é? Não é o morto porque morreu, nem o
conceturo porque esse não existe, ou seja existe um direito sem sujeito (para muitos autores
incluindo o BGB não se admite). Segundo problema: quando alguém morre são chamados os
primeiros sucessíveis, mas tem que haver personalidade jurídica do sucessível, mas nas deixas a
conceturos não há personalidade jurídica, logo como é que é possível existir vocação sucessória? A
justificação mais plausível é que a vocação está sujeito a um facto suspensivo, ou seja, os seus
efeitos estão suspensos e a sua produção depende de um facto futuro e incerto e que é o
nascimento.
Outro problema prático: pode haver partilha antes de sabermos exatamente o número de
herdeiros? A lei não resolve a doutrina divide-se, ora dizendo que pode efetuar-se partilha mas aí
quais seriam os efeitos se nascer um conceturo?, ora dizendo que não pode efetuar-se partilha mas
então os bens ficam congelados se for preciso durante décadas.

No entanto, a lei admite atribuição de direitos a quem ainda não tem personalidade jurídica. Há
perda relativa sem haver ainda a aquisição derivada translativa.

36. Eduardo, com 17 anos, vende um quadro de pintura que herdara de uma Avó
dois anos antes, pelo preço de € 10.000.
Logo que tomaram conhecimento do negócio, os Pais de Eduardo insurgiram-se
contra o ato do filho. Contudo, após saberem o preço de venda, acabaram por
concordar com a compra e venda efetuada.
Ao atingir os 18 anos, Eduardo ingressa na Faculdade de Direito da Universidade
Católica. Passados seis meses de ter completado 18 anos e enquanto assistia a uma
aula de Fundamentos de Direito Civil e Direito das Pessoas, Eduardo fica com a
ideia de que o ato por si praticado é inválido. Pode Eduardo invalidar o negócio
jurídico por si celebrado?
Problema: incapacidade de exercício do menor. A regra é que os menores têm capacidade genérica
de gozo, mas incapacidade genérica de exercício, embora ela comporte limitações (art. 127º CC).1

1) Olhar o ato e ver se se insere em alguma das alíneas do art. 127º  está coberto pela
capacidade específica de exercício do menor?
2) Se não, o ato está ferido por incapacidade, por isso o ato é anulável. Confere-se direito de
anulação ao menor. Quem pode exercer este direito está nos termos do art. 125º do CC
(durante a menoridade, são os representantes do menor, no prazo de 1 ano a partir de
saberem do negócio; o menor quando se tornar maior; se o menor morrer menor ou entre
os 18-19, podem pedir anulação do ato os seus herdeiros).
3) 123º
4) 125º/c)
5)

É de questionar se o ato de concordar, por parte dos pais do menor, se enquadra nos termos do
art. 125º/2 do CC como sanação da anulabilidade mediante confirmação do progenitor que exerça
o poder paternal. No entanto, tendo em conta que, segundo o art. 1889º/1 alínea a) do CC, os pais
não podem, como representantes do menor, alienar bens, não pode aqui verificar-se a confirmação
do ato. POR VIOLAÇÃO DO ART. 1889º/1 ALÍNEA A) DO CC, USA-SE O ART. 1893º/1 DO CC, PELO
QUE A CONFIRMAÇÃO É ANULÁVEL.

Eduardo primeiro tem que pedir a anulação da confirmação nos termos do art. 1893º/1 do CC e só
depois nos termos do art. 125º/1 alínea b), Eduardo pode invalidar o negócio jurídico por si
celebrado ao exercer o seu direito de anulação, porque ainda não decorreu o prazo de caducidade
de um ano após a maioridade do menor. Ao fazê-lo, os efeitos do negócio serão retroativamente
destruídos.

37. António, filho de Bernardo e de Carlota, casados um com o outro, tem agora 17
anos. Pretendendo comprar livros para o seu curso de Direito, António pediu
autorização ao pai para vender a primeira edição de um romance célebre que lhe
coubera por herança do avô. O pai acedeu. António vendeu o romance a Daniel,
por 150 euros, tendo, com o produto da venda, adquirido vários manuais de teoria
geral do direito.
Ao saber do preço da venda, Bernardo, irado, pretende destruir o contrato, já que
aquela edição tem um valor de mercado nunca inferior a 300 euros. Quid iuris?
Nos termos do art. 1878º/1 do CC, a forma prevalente do suprimento da incapacidade dos menores
é o regime de representação, excetuando nos casos de atos puramente pessoais, aqueles que o
menor pode praticar pessoal e livremente e os respeitantes a bens cuja administração não
pertença aos pais, nos termos do art. 1881º do CC.

Como o romance não cabe em nenhum dos casos, porque , aplica-se o regime geral de
representação, e não de assistência. A representação implica uma substituição de vontades, de tal
forma que o representante age em substituição do incapaz, em nome e no interesse dele; ao
contrário da autorização, em que há conjugação de vontades do incapaz e do assistente.
Assim, a autorização do pai não releva para a prática do ato.

Assim, no interesse do menor, e segundo o previsto no art. 125º/1 alínea a) do CC, o pai pode
requerer a anulação do contrato, desde que a ação seja proposta no prazo de um ano a contar
do conhecimento do negócio. Coloca-se a questão de se podem os pais ou apenas um dos pais.
Sabemos que em regra a representação só exige um representante, exceto nos casos previstos
pela lei. Mas a resposta a esta pergunta depende da forma como é possível exercer o direito
de anulação. Tradicionalmente, só se pode anular com sentença do tribunal. Quando assim se
entenda, as ações propostas em nome do menor ou contra o menor, têm que ser propostas
por ambos os pais, logo são os pais que poderiam pedir a anulação por ação judicial. Se
entendermos, pelo contrário, que é possível o exercício extrajudicial do direito de anular, já
não teríamos nenhuma norma a impor a intervenção de ambos os pais, e tudo se resumiria a
avaliar se o ato é ou não muito importante e por isso justifica ou não a participação dos dois.
Na dúvida, devem exercer os dois porque nunca há problemas por excesso, apenas por
defeito.

38. Carlos, de 17 anos, doou um valioso relógio de ouro a Daniel e, conseguindo


convencer o notário de que já era maior de idade, deixou, igualmente, no mesmo
dia, a Daniel, em testamento, o seu solar no Douro.
a) Suponha que Carlos faleceu, sem filhos e antes de atingir a maioridade, e que os
seus pais só vieram a saber dos negócios realizados, decorridos dois anos desde a
respetiva celebração. Poderão, ainda assim, invalidar os atos realizados pelo filho?
Apesar de o menor ter uma capacidade genérica de gozo, também tem uma incapacidade
específica de gozo, nomeadamente o menor é incapaz para testar, nos termos do art. 2189º. Assim,
nos termos do art. 2190º o testamento é nulo, por incapacidade de gozo. Logo, os pais podem
invocar a nulidade a qualquer tempo, nos termos do art. 286º do CC.

Nos termos do art. 948º do CC o menor tem capacidade de gozo dos seus bens e por isso pode
contratar e dispor dos seus bens. No entanto, tem incapacidade de exercício porque o caso não
subsume em nenhuma das alíneas do art. 127º do CC. O vício é então a incapacidade de exercício e
o desvalor associado é a anulabilidade, nos termos do art. 125º do CC. O direito de anulação
caducou por isso, nos termos do art. 125º/1 alínea c) do CC, os herdeiros, neste caso os pais, não
podem anular.

Isto é uma situação de tu quoque por parte do menor porque este praticou um ato contrário ao
Direito e por isso não pode vir retirar as vantagens dele. Assim, nos termos do art. 126º do CC, o
menor que pratica dolo do menor não pode invocar a anulabilidade. Mas como ele morreu, os
herdeiros podem? Tende a dizer-se que não, porque o direito que entra na esfera jurídica dos
herdeiros, que são os pais, é o direito que existia na esfera jurídica do menor, com a mesma
configuração. Se o menor tinha um direito de anular que não podia ser exercido, o herdeiro
adquire um direito que não pode ser exercido, por isso os pais não podem invalidar os atos
realizados pelos filhos.

Ainda que não houvesse dolo do menor, os pais não poderiam ainda assim invalidar os atos
realizados pelo filho, porque nos termos do art. 125º/1 alínea c) do CC só o poderiam fazer no
prazo de um ano a contar da morte deste, e já passaram 2 anos.

b) Suponha agora que Carlos casara com Elvira antes de praticar os referidos atos.
A sua resposta será a mesma?
Nos termos do art. 1649º do CC, os casamentos podem ser regulares, com autorização pelo
representante legal ou suprimento pelo conservador, ou irregulares, se não tiverem esta
autorização ou suprimento. A regra da menoridade é a representação mas em relação ao
casamento temos um caso de assistência.

No primeiro caso, o casamento produz todos os seus efeitos pessoais e patrimoniais,


nomeadamente a emancipação plena, de tal modo que cessa em absoluto a incapacidade de
exercício do menor. Assim, este já não tem que ser representado pelos pais, logo estes não podem
invalidar os atos realizados pelo filho. Art. 129º CC.

No segundo caso, o casamento não produz todos os seus efeitos e só se dá emancipação restrita,
ou seja, o menor adquire alguma capacidade de exercício que não tinha, mas não toda. Continua
com incapacidade de exercício nas situações elencadas no nº2 do artigo referido, nomeadamente
os bens que levou para o casamento, que é o caso do relógio e do solar.

DÚVIDA RELATIVAMENTE A ATOS DE ADMINISTRAÇÃO E DISPOSIÇÃO, SENDO QUE ESTE É UM ATO


DE DISPOSIÇÃO, E PORTANTO TENHO QUE ADOTAR UMA POSIÇÃO.

Assim, nos termos do art. 125º/1 alínea a) do CC, os pais podem invalidar os atos realizados pelo
filho, no prazo de um ano a contar do conhecimento do negócio.

40. Helena, que tem dezasseis anos, escreve artigos de opinião sobre as amarguras
de se ser adolescente para uma revista semanal chamada "Sweet teen". Com o
dinheiro que, todos os meses, recebe da revista, Helena comprou, a prestações, um
computador para nele escrever os seus artigos de opinião e para substituir o velho
computador oferecido pelos seus pais há alguns anos.
O vendedor do computador, perante o não pagamento da última prestação, exige a
Isabel, mãe de Helena, o valor em dívida. Isabel entende, porém, que a filha não
podia ter comprado um computador e que nada é devido ao vendedor. Quid iuris?
A alínea a) pode referir-se a administração ou disposição de bens futuros? O artigo dá ideia de que
o menor pode gastar o que já recebeu, e não que pode vincular-se ao cumprimento de prestações
que não tem a certeza que irá receber. Se virmos que o que está aqui é só permissão para atos de
administração e disposição dos rendimentos já auferidos, nesse caso o ato seria anulável.

ESTE CASO TERIA QUE SER RESOLVIDO PELA ALÍNEA C) PORQUE É UM BEM ADQUIRIDO POR ATO
RELATIVO À PROFISSÃO, É PARA ESCREVER QUE ELA QUER O COMPUTADOR. E DEPOIS USAR O Nº2
QUE DIZ QUE POR ESTES ATOS APENAS PODEM RESPONDER OS BENS DE QUE O MENOR TIVER A
LIVRE DISPOSIÇÃO. E DEPOIS CONTINUAR COM O SEGUNDO PARÁGRAFO.

Nos termos do art. 127º/1 alínea a) do CC, são válidos os atos de administração ou disposição de
bens que o maior de 16 anos tenha adquirido pelo seu trabalho. O computador foi comprado com
o dinheiro que obteve com o seu trabalho, e como tal pode celebrar esse contrato.

Se o contrato é válido, segundo o art. 406º/1 do CC, o contrato deve ser pontualmente cumprido, e
segundo o nº2 do mesmo artigo, o contrato só produz efeitos relativamente a terceiros nos casos e
termos especialmente previstos na lei. Os negócios só produzem efeitos inter partes, logo se o
devedor é a Helena, é ela quem tem que cumprir a obrigação, porque é este o regime-regra. Neste
caso, não havendo artigo que preveja especificamente que a mãe tem que cumprir uma obrigação
da filha numa matéria em que ela tenha capacidade específica de exercício, será Helena, e não a
mãe, que tem que pagar o valor em dívida.

42. Carla, filha de Diana e de Ernesto, trabalha desde os seus dezasseis anos num
estabelecimento comercial. Quando completou dezassete anos, casou com
Francisco, sem autorização dos pais e sem ter logrado obter o respetivo
suprimento. Logo depois do casamento, Carla pagou a viagem de núpcias com o
dinheiro que juntara com o seu trabalho. Ao saber do casamento da neta, e ainda
quando esta era menor, a avó de Carla doou-lhe um prédio de que era
proprietária. Ainda durante a sua menoridade, Carla vendeu este prédio a Gastão.
Por ocasião da venda, tendo Gastão expressado reservas quanto à pouca idade de
Carla, esta mostrou-lhe uma certidão de casamento falsificada, na qual os seus pais
figuravam como testemunhas. Tendo em conta estes dados, responda às seguintes
perguntas:
a)O casamento celebrado entre Carla e Francisco é válido? É, mas não produz
todos os efeitos nos termos do art. 1649º do CC, porque não teve autorização nem
suprimento.
b)Podia ter Carla pago a viagem de núpcias com o dinheiro que recebeu como
remuneração do seu trabalho? Como o casamento é irregular, a emancipação é
restrita e Carla continua incapaz relativamente aos bens que levou para o
casamento, nomeadamente o dinheiro. Para quem entenda que são só atos de
administração, ela por si seria logo capaz porque se exclui daqui a disposição. Mas
mesmo para quem fale de administração e disposição, aqui há uma capacidade
específica de exercício.  No entanto, nos termos do art. 127º/1 alínea a), os atos de
administração ou disposição de bens, nomeadamente o salário, que o maior de 16
anos haja adquirido por seu trabalho, são válidos, por isso aqui ela tem uma
capacidade específica de exercício.
c) Suponha que, ainda antes de Carla completar dezoito anos, os seus pais tomam
conhecimento da venda do andar que a avó lhe doara e pretendem requerer a
anulação do negócio. Podem fazê-lo? Como o casamento foi irregular, a
emancipação é restrita e por isso Carla é incapaz relativamente aos bens que
adquiriu a título gratuito após o casamento, nomeadamente o andar doado pela
avó. Se o artigo fala apenas de administração, ela tinha capacidade para praticar o
ato, por isso não é anulável. Se pelo contrário, ao proibir atos de administração,
está simultaneamente a proibir atos de disposição, então ela será incapaz. Assim,
os pais poderiam, em princípio, requerer a anulação do negócio nos termos do art.
125º/1 alínea a) do CC. No entanto, como Carla usou de dolo do menor tentando
enganar Gastão, há a figura do tu quoque, e como tal ela não tem direito de
anulação nos termos do art. 126º do CC, e é de considerar se os representantes, no
caso concreto os pais, o têm. Seguindo a perspetiva de Carvalho Fernandes, a
representação é um caso de substituição de vontades, pelo que o representante
exerce o direito do próprio, tendo legitimidade mas não titularidade. Assim, os pais
só podem exercer o direito que o menor tem, na configuração que o menor tem na
sua esfera jurídica, e como o menor tem um direito que não pode ser exercido, os
pais também não podem invocar a anulabilidade.
d) O conjunto de bens que Carla levou para o casamento forma um património
autónomo separado? Forma uma massa patrimonial separada em conjunto com os
bens que adquiriu a título gratuito após o casamento.
Em sentido rigoroso, não há separação porque não há regime diferente de
responsabilidade por dívidas. No entanto, não rigorosamente, há de facto uma
separação, porque há uma parcela de património para o qual o menor tem
capacidade de exercício mas há uma outra parcela para o qual não tem
capacidade, logo têm regimes diferentes, mas apenas em termos de capacidade de
administrar, e não com o critério normal que justifica a separação que é o regime
diferente de responsabilidade por dívidas.

44. Carlos, de 20 anos, foi inabilitado por abuso de bebidas alcoólicas, tendo a
sentença que o inabilitou fixado o âmbito da sua incapacidade nos seguintes
termos: Fica a prática de atos de disposição pelo inabilitado sujeita a autorização do
seu curador, Daniel.
Já depois de registada a sentença, Carlos vende, por baixo preço, e sem
autorização do curador, a fruta de um pomar, que herdara do seu avô.
a) O contrato de compra e venda da fruta do pomar é válido?
O inabilitado tem uma incapacidade de exercício específica e não genérica. O primeiro passo é ver
a sentença porque o âmbito da inabilitação não é estanque, depende do caso concreto.

A celebração de um contrato de compra e venda é um ato de disposição porque consiste na


alienação de um elemento estável (não é um elemento estável porque fatalmente está condenado
a sair do património, ou porque é alienado, ou porque o direito se extingue em razão da extinção
do objeto). Logo, é um ato de administração e portanto o ato não é ferido de incapacidade de
exercício em razão de inabilitação.

Primeira opção de resposta: Assim, por meio do art. 156º do CC segundo o qual se aplicam
supletivamente à inabilitação as disposições relativas à interdição, aplica-se o art. 148º do CC
segundo o qual o negócio jurídico celebrado pelo inabilitado após o registo de sentença, como é o
caso, é inválido, mais especificamente anulável.

Segunda opção de resposta: Assim, este ato carecia de autorização pelo curador, a qual não foi
dada, e a consequência da prática de um ato pelo inabilitado sem manifestação da vontade do
assistente em momento logicamente anterior ao ato é a invalidez.

b) Se o mesmo contrato tivesse sido celebrado por Carlos, embriagado, à saída de


uma discoteca, a sua resposta à alínea anterior seria a mesma?
Incapacidade acidental nos termos do art. 257º, que pode afetar o discernimento ou a vontade. A
pessoa tem que estar perturbada ao ponto de não conseguir perceber o seu ato e as suas
verdadeiras consequências, ou não é capaz de determinar a sua vontade de acordo com os seus
conhecimentos. Neste caso, com álcool, a probabilidade de não conseguir perceber o ato é grande.
Mas a existência de incapacidade acidental não determina logo a relevância dessa incapacidade, ou
seja, não determina logo que o ato seja anulável.

Todo o regime dos vícios é feito com o equilíbrio entre a tutela da autonomia privada e a tutela da
confiança. Só é relevante se essa incapacidade for conhecida pelo declaratário, ou se deveria ter
sido conhecida porque era cognoscível, ou seja, o declaratário médio colocado nessa situação teria
percebido que a pessoa estava incapaz. Assim, já não haverá confiança a tutelar, porque ou não há
confiança porque não sabia, ou há mas não devia haver porque devia saber, por isso há primazia da
autonomia privada. Se não se verificar isto, há primazia da tutela da confiança.

1- Os pressupostos da incapacidade acidental estão verificados?

2- Os requisitos da relevância da incapacidade estão preenchidos? Há sinais mais ou menos visíveis


de embriaguez, a situação em si não é normal (vender fruta à saída de uma discoteca), e por isso
seria cognoscível.

Então, o negócio seria anulável nos termos do art. 257º do CC.

45. Helena e Inácio têm um filho, João, de 20 anos, que sofre de perturbações
mentais desde a infância. Sob o efeito de uma crise, convencido de ser um campeão
de motociclismo, João compra uma mota em mau estado a um amigo de longa
data, a quem revela a sua condição de "campeão".
A partir dos factos expostos, responda às seguintes questões:
a) Luís, credor de João, pretende saber se o contrato de compra e venda celebrado
pelo João é válido e se, caso o não seja, tem o direito de pedir a sua invalidação.
João é um possível interdito nos termos do art. 138º do CC, mas como a ação ainda não foi
proposta, ele ainda tem capacidade plena. No entanto, como parece ainda não ter sido proposta
uma ação de interdição, estamos num caso do art. 150º do CC, que diz que aos negócios
celebrados pelo interdito antes de anunciada a proposição da ação é aplicável o disposto acerca da
incapacidade acidental.  NÃO É NECESSÁRIO

No entanto, aplica-se a incapacidade acidental, que está prevista no art. 257º do CC, segundo o
qual a declaração negocial feita por quem se encontrava acidentalmente incapacitado de entender
o sentido dela, que é claramente o caso porque João estava sob efeito de uma crise, são anuláveis,
desde que o facto seja notório, o que é porque qualquer pessoa de normal diligência, nos termos
do nº2, poderia notar uma crise despoletada por perturbações mentais. Assim, o contrato de
compra e venda celebrado entre João e Luís é anulável.

Sendo anulável, aplica-se o disposto no art. 287º do CC, que estabelece, no seu nº1, que só pode
invocar a anulabilidade aquele em cujo interesse a lei estabelece. Claramente, o art. 257º
estabelece a anulabilidade em interesse do incapacitado, que neste caso se diz interdito, para
poder protegê-lo de negócios em que a sua vontade não teria sido expressa de modo totalmente
não condicionado. Logo, o direito de anulação é conferido apenas a João, e Luís não tem o direito
de pedir a invalidação da compra e venda.

b) O que podem Helena e Inácio fazer para que, de futuro, João se veja impedido
de, por si ou livremente, praticar atos em relação aos quais não tenha capacidade
para entender e querer?
Nos termos do art. 141º/1 do CC, os pais podem requerer a interdição porque são parentes
sucessíveis, de modo a que João seja declarado interdito e assim se aplique o consequente regime.
Nos termos do art. 142º podem ainda solicitar que seja tomada uma das duas providências
provisórias, nomeadamente a nomeação de um tutor provisório ou a declaração de interdição
provisória.

É possível pedir uma coisa e o juiz decretar a outra, não há vinculação do juiz ao pedido. Isto
significa que se a parte propuser uma ação de inabilitação o juiz pode achar que é mais grave e
decretar interdição, e vice-versa se achar que é menos grave.

46. Duarte, de 80 anos, tem, desde há algum tempo, vindo a apresentar sintomas de
demência, com crises que o levam a perder a noção da sua identidade e a não
conseguir reconhecer o valor do dinheiro.
Eva, filha de Duarte, pretende saber:
a) Se os negócios celebrados pelo seu pai durante as referidas "crises de demência"
são válidos e, caso o não sejam, quem e em que prazo pode requerer a sua
invalidação.
Duarte tem uma capacidade genérica de exercício porque ainda não foi declarado interditado ou
inabilitado. Duarte pode ser considerado um interdito nos termos do art. 138º do CC, devido a uma
anomalia psíquica que é a demência. No entanto, como parece ainda não ter sido proposta uma
ação de interdição, estamos num caso do art. 150º do CC, que diz que aos negócios celebrados pelo
interdito antes de anunciada a proposição da ação é aplicável o disposto acerca da incapacidade
acidental.

A incapacidade acidental está prevista no art. 257º do CC, segundo o qual a declaração negocial
feita por quem se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela, que é
claramente o caso porque Duarte estava sob efeito de uma crise de demência, são anuláveis, desde
que o facto seja notório, o que é porque qualquer pessoa de normal diligência, nos termos do nº2,
poderia notar uma crise de demência em que a pessoa perde noção da identidade e do valor do
dinheiro. Assim, os negócios jurídicos celebrados por Duarte durante crises de demência são
anuláveis. Se são estranhos, é possível que o declaratário não conheça, mas um comportamento
diferente associado à idade pode ser cognoscível, por isso a incapacidade acidental é relevante.

Sendo anuláveis, aplica-se o disposto no art. 287º do CC, que estabelece, no seu nº1, que só pode
invocar a anulabilidade aquele em cujo interesse a lei estabelece, e dentro de um ano subsequente
à cessação do vício que lhe serve de fundamento.

Aqui a cessação do vício seria o levantamento da interdição, mas nos termos do art. 151º este só se
dá quando cessa a causa que determinou a interdição. O prazo em que pode invocar é o de 1 ano
desde a cessação da crise de demência, se houver outra crise entretanto o prazo é suspenso.

Se houver momentos de lucidez, nesses momentos a pessoa pode invocar. Se não houver mas tiver
sido declarado interditado, o tutor pode invocar. Mas se não houver e não tiver sido declarado
interditado, não há nada a fazer.

SE ELE FOR INTERDITADO, DEPOIS DA AÇÃO O NEGÓCIO É ANULÁVEL NOS TERMOS DO ART. 148º
DO CC. É ANULÁVEL PELO REPRESENTANTE, E O REGIME DA ANULABILIDADE, POR FORÇA DO ART.
139º, É REMETIDO PARA O DA MENORIDADE, QUE ESTÁ ESTABELECIDO NOS ARTS. 125º-127º DO
CC.

Claramente, o art. 257º estabelece a anulabilidade em interesse do incapacitado, que neste caso se
diz interdito, para poder protegê-lo de negócios em que a sua vontade não teria sido expressa de
modo totalmente não condicionado. Logo, o direito de anulação é conferido apenas a Duarte.

b) Se pode requerer alguma providência para que, de futuro, fique acautelada a


situação do seu pai, quanto à regência da sua pessoa e bens. Fundamente a sua
resposta.
Pode propor uma ação de interdição nos termos do art. 138º/1 do CC como fundamento, por causa
da anomalia psíquica, e porque Eva tem legitimidade nos termos do art. 141º/1 do CC, porque é
uma parente sucessível, e pode ainda requerer as providências provisórias do art. 142º do CC.

Há diferença base entre situações que dão aso à inabilitação e à interdição. As situações que dão
aso à inabilitação, fazem com que a pessoa não consiga reger o seu património, por isso é que o
meio é a tutela. A interdição é muito mais grave, porque as causas implicam que a pessoa não seja
capaz de gerir o seu património e a sua própria vida, todos os aspetos pessoais da mesma. Só a
interdição resolve este problema, por isso é que a forma de suprimento é representação, porque o
que se quer é arranjar um mecanismo para gerir a vida pessoal e patrimonial do interdito.

49. Os habitantes do Concelho de Vila Nova querem unir-se, para prosseguir a


finalidade de promoção do desenvolvimento cultural e social da autarquia.
a) Caracterize a pessoa coletiva em causa, do ponto de vista do seu substrato, fim
prosseguido e modalidade de reconhecimento;
Em termos do substrato, predomina o elemento pessoal, porque estamos perante várias pessoas
que se querem associar para prosseguir interesses comuns, logo, estamos perante uma associação.
As associações podem dividir-se em associações em sentido estrito ou sociedades, que têm um fim
económico e lucrativo. Sempre que temos uma pessoa coletiva cujo substrato é pessoal e que não
visa o lucro, mesmo que tenha um fim económico ou egoísta, temos sempre que constituir uma
associação em sentido estrito. Há associações com personalidade jurídica e outras que não são
pessoas jurídicas, porque para se adquirir personalidade é preciso que o processo de formação da
associação cumpra determinados requisitos.

Em termos do fim prosseguido, é uma pessoa coletiva de fim altruísta porque querem melhorar as
condições de vida de todas as pessoas da autarquia e não só a sua, ainda que tenham proveito
próprio com isso egoísta ou interessado porque o interesse dominante é o dos próprios associados,
uma vez que a promoção do desenvolvimento cultural e social da sua autarquia vai beneficiá-los,
não só mas também, a eles. Por outro lado, é uma pessoa coletiva de fim ideal porque se orienta
para a prossecução de interesses não económicos, nomeadamente culturais e sociais. Não faz
sentido classificar como pessoa coletiva de fim lucrativo ou não lucrativo porque não tem fim
económico.

É do reconhecimento que depende a aquisição de personalidade jurídica, em regra, e com exceção


das sociedades comerciais. Se o reconhecimento é normativo, então é automático: se se verificar
tais requisitos (previsão), há personalidade jurídica (estatuição), portanto se preenche a previsão é
a estatuição. Noutros casos o reconhecimento é individual, é necessário uma avaliação caso a caso
da entidade competente, ou seja, há uma decisão administrativa. Em termos de modalidade de
reconhecimento, é reconhecimento normativo explícito: normativo, porque a fonte de atribuição
da personalidade jurídica é o art. 158º/1 do CC, que a atribui a todas as entidades que preencham
os certos requisitos nele fixados (constituição por escritura pública nos termos do art. 167º); e
explícito, porque decorre imediata e diretamente do art. 158º a atribuição da personalidade.

b) Suponha que o ato de constituição da pessoa coletiva vem a ser celebrado por
documento particular. Este ato é válido? Caso o não seja, qual o regime de
arguição da invalidade, quanto à legitimidade e prazo?
NULIDADE POR INOBSERVÂNCIA DE FORMA LEGAL PORQUE NÃO FOI CELEBRADO POR ESCRITURA
PÚBLICA NOS TERMOS DO ART. 158º/1, E PORTANTO SEGUNDO O ART. 220º O VÍCIO É NULIDADE.
Nos termos do art. 158º-A, aplica-se à constituição de pessoas coletivas o disposto no art. 280º do
CC. Segundo este artigo, o ato de constituição em concreto seria nulo porque é contrato à lei, uma
vez que tanto o art. 158º/1 como o art. 168º/1 do CC exigem o ato de constituição de associações
seja por escritura pública, e essas normas são violadas porque foi celebrado por documento
particular.

Aplica-se então o regime estabelecido no art. 286º segundo o qual qualquer interessado tem
legitimidade para invocar a nulidade, e a qualquer tempo. No entanto, nos termos do art. 158º-A, é
de considerar que o Ministério Público tem o dever de promover a declaração judicial da nulidade.

52. Margarida instituiu, por testamento, com um capital de 100.000 euros, uma
fundação destinada a assegurar o financiamento dos estudos de todas as crianças
da sua família. Iniciado o processo de reconhecimento, Nídia e Noémia, suas
sobrinhas, reagem, alegando que o valor da herança da instituidora não vai além
dos 75.000 euros.
a) Atentas as circunstâncias, parece-lhe que a fundação deverá ser reconhecida?
Fundamente a sua resposta.
Fundação nunca pode ter um fim lucrativo e tem substrato patrimonial. Tem que se avaliar a
suficiência do património e a relevância social do fim, por isso é que não pode ser um
reconhecimento normativo, tem que ser individual porque tem que ser feito caso a caso pela
entidade competente.

Problema do fim socialmente relevante porque aproveita à família, e isso é proibido nos termos do
art. 188º/3 alínea a) do CC. Por outro lado, o património realmente existente fica aquém do
património necessário para criação da fundação, por isso viola-se também a alínea b) do mesmo
artigo.

Nos termos do art. 188º/2 do CC, a fundação não deverá ser reconhecida porque os bens afetados
à fundação são insuficientes para a prossecução do fim visado, uma vez que a avaliação pecuniária
dos elementos do património de Margarida é menor que o capital da fundação (75000<100000);
no entanto, coloca-se o problema de saber se há ou não expetativa funda de suprimento da
insuficiência, porque tendo Margarida morrido, não poderá agora aumentar o seu património, mas
se ainda estiver viva, não sabemos que idade tem e se não poderá ainda adquirir elementos
patrimoniais que preencham o capital de 100000€.

b) Em caso negativo, qual o destino do capital afeto à fundação?


O testamento só produz efeitos post mortem por isso a constituição da fundação só pode
acontecer depois de ela morrer, logo não precisamos de levantar hipóteses de acordo com o art.
188º/5 do CC, já sabemos que ela está morta. Sabemos qual a consequência da insuficiência do
património, mas não do fim socialmente irrelevante. Prof. Carvalho Fernandes diz que temos que
ver se é possível converter numa fundação de fim parecido mas socialmente relevante. Mas se não
for, a opção mais lógica no caso concreto, defendida por CF, é o capital entrar na sucessão e vai
para os sucessíveis.

De acordo com o art. 188º/5 do CC, temos que saber se Margarida ainda está viva ou se já morreu.
Se ainda está viva, a instituição da fundação fica sem efeito; se já tiver falecido, os bens, neste caso
os 75000€, são entregues a uma associação ou fundação de fins análogos, que a entidade
competente designar.

53. O Banco X, por ocasião do Natal, efetuou uma doação de 5.000 euros destinada
a ajudar crianças carenciadas de um país africano. Será válida a doação?
Isto é um problema de capacidade de gozo nos termos do art. 160º/1 do CC. Só há capacidade
específica de gozo para as pessoas coletivas, e elas só têm capacidade relativamente aos direitos e
obrigações que são necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins. Temos uma
sociedade, cujo fim é o lucro. Então, o problema é saber se uma sociedade pode ou não celebrar
uma doação, porque não é lucrativa.

Aparentemente, ao olhar ao art. 160º o ato seria nulo. Mas não se vê assim porque vivemos numa
sociedade e esta norma está inserida num sistema, e o nosso sistema jurídico consagra o princípio
da solidariedade. Sabendo isso, não podemos simplesmente estabelecer como regra que uma
sociedade nunca pode fazer doações, porque isto seria uma ofensa direta ao princípio da
solidariedade. Como equilibrar os dois? A forma de conciliar é dizer que a sociedade só pode fazer
doações ou donativos se tiverem relevância social, se há capacidade económica para o fazer (é uma
atividade lucrativa, mas se tiverem património amplo e perderem 5000€ não põe em causa o lucro
da sociedade, podem, mas se estiverem cheios de dívidas, já não podem  no fundo não se pode
doar se comprometer o lucro anual da sociedade), e se nunca forem para um sócio.
Nos termos do art. 947º/2, a doação de dinheiro é uma doação de coisa móvel e por isso há
liberdade de forma, mas tem que ser acompanhada da tradição da coisa doada, pois caso contrário
só pode ser feita por escrito e a inobservância da forma legal nos termos do art. 220º determina
nulidade.

54. Bernardo, Carlota e Diogo constituíram, por documento particular, uma


sociedade civil para a produção de produtos hortícolas. Bernardo entrou para a
sociedade com o prédio rústico onde iria ser feita a exploração agrícola e Carlota e
Diogo com o capital. Dois anos depois, Bernardo vem sustentar que o contrato de
sociedade é nulo, por vício de forma, e exige a devolução do prédio. Tem razão?
Ausência de escritura pública levanta dois problemas:

 Questão doutrinal e jurisprudencial acerca de se as sociedades civis são ou não pessoas


coletivas. Não há nenhuma norma que diga que são e também não há nenhuma que
expresse um reconhecimento individual ou explícito. A ausência de uma norma que exija
reconhecimento individual ou estabeleça reconhecimento normativo leva ao problema de
saber se é pessoa coletiva ou não. A forma que se tem usado para distinguir os casos em
que as sociedades civis dão ou não aso a pessoas coletivas é o art. 157º. Neste artigo
estamos a falar sobre disposições de pessoas coletivas, fica a dúvida de saber que
sociedades são estas e quando há analogia. Se a lei não distingue, o intérprete também
não deve distinguir. Utilizamos para aplicar às sociedades civis as normas sobre
associações, porque elas são uma forma de associação. Com base no art. 157º sustenta-se
a aplicabilidade analógica do art. 158º, portanto é possível uma sociedade civil ter
personalidade jurídica através do art. 158º por intermédio do 157º. Então pode ter
personalidade se cumprir os requisitos do art. 158º/1, ou seja, se for celebrada por
escritura pública e se distinguirem todos os requisitos do art. 167º, e se o fizer ela vai
receber personalidade jurídica, por reconhecimento normativo implícito e não explícito,
porque estamos a aplicar por analogia. Se isso acontecer temos sociedade civis com
personalidade jurídica, senão não temos. Uma sociedade civil sem personalidade é uma
situação de contitularidade, porque há um património coletivo porque há pluralidade de
titulares.
o Como não foi celebrado por escritura pública, já sabemos que não há
personalidade jurídica.
 Não sabemos ainda se pode haver sequer uma situação de contitularidade, porque exige-
se forma se existir algum imóvel na sociedade. A regra é que uma sociedade civil sem
personalidade jurídica tem liberdade de forma, a menos que tenhamos imóveis, nos
termos do art. 981º/1 do CC. A inobservância de forma faz com que o negócio seja nulo,
por isso supostamente nem sequer existiria património coletivo e não há contitularidade.
Mas o art. 981º/2 tenta salvar o negócio de duas formas: conversão do negócio (converter
a natureza da participação de Bernardo, dizer que ele entrava com um direito de
comodato do imóvel  em termos viáveis é possível porque só era preciso a terra, temos
que ver se a vontade das partes se basta com o comodato ou se, pelo contrário, queriam
mesmo a propriedade, e aí o negócio não pode ser salvo e é nulo) ou redução do negócio
(tenho um negócio com invalidade parcial, mas se calhar o negócio pode subsistir sem a
parcela  aqui é difícil manter a sociedade sem a participação do Bernardo, porque não
podem fazer uma produção agrícola sem terra).
Predomina o elemento pessoal, porque estamos perante várias pessoas que se querem associar
para prosseguir interesses comuns, logo, estamos perante uma associação. Segundo o art. 158º/1
do CC, as associações têm que ser constituídas por escritura pública, e o art. 158º-A indica a
aplicação do art. 280º à constituição de pessoas coletivas, que determina a nulidade do negócio
jurídico que seja contrário à lei. Como não há inalegabilidade formal porque não estão preenchidos
os pressupostos da tutela de confiança, Bernardo tem razão.

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