Você está na página 1de 35

Ciência Política

Prof. Marcelo Fontenelle e Silva


Curso: Direito
Clássicos da teoria política: os
contratualistas
Considerações iniciais:

• O que é o “contrato”/“contratualismo”?
Considerações iniciais:
* Definição de contrato:

“O contrato é uma relação jurídica obrigatória entre duas ou mais pessoas,


físicas ou jurídicas, em virtude da qual se estabelecem direitos e deveres
recíprocos: são elementos essenciais, portanto, os sujeitos e o conteúdo dos
contratos, isto é as respectivas prestações a que são obrigados sob pena de
sanção. O Contratualismo clássico se apresenta como uma escola, pois todos
aceitam a mesma sintaxe: a da necessidade de basear as relações sociais e
políticas num instrumento de racionalização, o direito, ou de ver no pacto a
condição formal da existência jurídica do Estado. Mas os autores se diferenciam
notavelmente na determinação dos sujeitos e conteúdo do contrato, bem como
na especificação das possíveis sanções a aplicar aos transgressores” (BOBBIO,
2010, p. 279).
Considerações iniciais
• Situando o texto em seu contexto:

• 1) Período de transição, com o fim da sociedade feudal, consolidação do Estado moderno e afirmação
do capitalismo;

• 2) Ascenção da burguesia como ator político importante, com o consequente enfraquecimento da


nobreza e do clero;

• 3) Instabilidade política e guerra civil em diversos contextos da Europa (Inglaterra, em especial);

• 4) A emergência de uma “cultura política secular” – ou seja, disposição para apreender racionalmente
a realidade, afastando-se das explicações religiosas;
Considerações iniciais:
• Há, pelo menos, 3 correntes no contratualismo:

• 1) Corrente absolutista, da qual T. Hobbes é um expoente;

• 2) Corrente liberal, da qual J. Locke é um expoente;

• 3) Corrente democrática, da qual J.-J. Rousseau é um expoente;


Thomas Hobbes
(1588-1679)
Thomas Hobbes (1588-1679)

• O estado de natureza - > estado de guerra


- Igualdade prática (fonte de conflitos, posto que todos podem desejar e buscar as mesmas
coisas);

- O homem não é sociável por natureza – a convivência é dotada de tensão e violência;

- É um ser dotado de racionalidade;

- Cada um desconhece os desejos/vontades dos demais;

- Isto faz com que cada um aja a partir da pressuposição de quais seriam os desejos alheios, o
que leva em conta a possibilidade de ser atacado.
Thomas Hobbes (1588-1679)
• Direito de natureza: direito a usar seu próprio poder para defender-se e fazer tudo
aquilo que julgar adequado. No estado de natureza, o homem tem direito a tudo e a
todos.
• Lei de natureza: regra que obriga o homem a agir da forma que julgar melhor para
preservar a própria vida. Deve fazer a guerra, caso isto seja o mais razoável; deve
renunciar ao seu direito a todas as coisas, caso isto seja o mais razoável para preservar
a própria vida.

• Buscar a paz por meio da guerra: “É um preceito ou regra geral da razão, que todo
homem deve esforçar-se pela paz, na medida em que tenha esperança de consegui-
la, e caso não a consiga pode procurar e usar todas as ajudas e contagens da guerra.
A primeira parte desta regra encerra a lei primeira e fundamental de natureza, isto é,
procurar a paz, e segui-la. A segunda encerra a suma do direito de natureza, isto é,
por todos os meios que pudermos, defendermo-nos a nós mesmos” (Hobbes,
Leviatã).
Thomas Hobbes (1588-1679)
* A postura mais razoável, no estado de natureza, é antecipar-se – atacar o outro para excluir a
possibilidade de ser atacado.

“Contra esta desconfiança de uns em relação aos outros, nenhuma maneira de se garantir é tão
razoável como a antecipação; isto é, pela força ou pela astúcia, subjugar as pessoas de todos os
homens que puder, durante o tempo necessário para chegar ao momento em que não veja
qualquer outro poder suficientemente grande para ameaçá-lo” (Hobbes, Leviatã).

* Logo, a guerra no estado de natureza é justificada racionalmente;


Thomas Hobbes (1588-1679)
• Da mesma forma, abrir mão de sua liberdade a tudo e a todos, para
preservar a própria vida, passa a ser a postura mais razoável, caso todos o
façam.

• Com isto, o homem firma um contrato com todos os demais, em que


todos abrem mão de sua própria liberdade e do seu direito de natureza
para ceder sua liberdade ao soberano.

• Por escolha própria, o homem escolhe tornar-se súdito e obedecer ao


soberano.
Thomas Hobbes (1588-1679)

• O contrato é firmado entre os súditos, pois o soberano só surge após o contrato;


• O Estado/soberano passa a ter poder ilimitado para assegurar a paz; só assim é possível
evitar o retorno à guerra do estado de natureza;
• Por tais motivos, não é possível exigir nada do soberano – ele passa a ter total poder e
liberdade irrestrita; punir o soberano seria punir a si próprio.
• A única liberdade do súdito está em buscar proteger a sua própria vida. Na prática, isto
implica que a sua liberdade está em obedecer ao soberano ou agir naquilo que ele omite;
• Para Hobbes, não há um contrato de associação (que constitua a sociedade) precedendo
um contrato de submissão (que constitui o Estado). Os dois acontecem em um só
momento.

• Também não é possível rescindir, de forma legítima, ao contrato firmado;


Thomas Hobbes (1588-1679)
• A autoridade do Estado/Soberano só pode ser mantida mediante o poder da
espada. Para Hobbes, há a necessidade de um Estado forte, absoluto e soberano;
• É o medo que garante que os indivíduos cedam sua liberdade ao Estado. E é o
medo que permite que eles permaneçam obedientes ao Estado. Ou seja: os
indivíduos temem o Estado, mas temem ainda mais o estado de natureza.
• Logo, o Estado gera medo, mas gera também a esperança de uma vida mais segura
e confortável.
• Ao Estado compete todos os demais tipos de contrato da vida em sociedade. O
Estado hobbesiano está imerso em todas as dimensões da vida dos súditos,
inclusive subordinando a religião e no controle de todos os tipos de propriedade
(oposto a Locke, por ex.).
John Locke
(1632-1704)
John Locke (1632-1704)
• Aspectos contextuais

• - Revolução Puritana – guerra civil que ocorrera na Inglaterra, entre 1640 e 1649, envolvendo o rei Carlos I e o
parlamento, que saiu vitorioso e implementou a República.

• - Restauração – retorno do conflito entre Coroa e Parlamento, que ocorrera entre 1660 e 1688, culminando com a
restauração da Monarquia inglesa.

• - Revolução Gloriosa – institui, na Inglaterra, uma monarquia com poderes limitados; o absolutismo perde espaço
para o liberalismo político.

• - John Locke vai publicar suas principais obras logo após a Revolução Gloriosa, em que o Rei Jaime II foi deposto
pelo Parlamento.

• - Durante a Revolução Gloriosa, era aliado dos políticos liberais e, como tal, vai produzir uma justificativa teórica
para a deposição do Rei Jaime II e subordinação dos monarquistas.
John Locke (1632-1704)
O Estado de Natureza -> ausência de um juiz comum
• - Relativa paz, regido pela lei natural (autopreservação e preservação da humanidade).

- Primeiramente, o estado de natureza é caracterizado pela liberdade e igualdade plenas.

• - Os indivíduos já eram plenamente dotados de razão.

• - Já usufruíam do seu direito natural à propriedade;

• - Duas etapas do Estado de Natureza: 1) Propriedade limitada pelo trabalho; 2) surge o


dinheiro, que possibilita o acúmulo ilimitado, gera desigualdade e conflitos.

• - O estado de natureza apresenta um problema – a possibilidade de violação da


propriedade, o que pode gerar um estado de guerra;
John Locke (1632-1704)
A teoria da propriedade

• - O conceito de propriedade, para Locke, incluía não só os bens, mas a vida e a liberdade;

• - Sendo um direito natural (e que, portanto, precede a existência do Estado), o Estado não pode violar o direito à
propriedade;

• - O que torna um indivíduo dono de uma determinada propriedade não é a concessão divina ou um contrato
firmado pelo Estado, mas a incorporação do seu trabalho a um determinado bem (como explicar a pobreza?).

• - A passagem da propriedade limitada à propriedade ilimitada -> a capacidade de acumular propriedades,


inicialmente, era limitada pela capacidade de trabalho. O advento do dinheiro foi o que possibilitou o acúmulo
ilimitado de propriedade.
John Locke (1632-1704)
O contrato social
• - Para Locke, o contrato social tem como objetivo defender a propriedade
e preservar a liberdade.
• - É um termo livremente firmado entre os homens para consolidar e
preservar os direitos já existentes no estado de natureza.
• - Baseia-se no consentimento - e não na submissão a um soberano.
• - O contrato deve ser firmado mediante uma decisão unânime.
John Locke (1632-1704)
• Firmado o contrato, deve-se proceder com a escolha – mediante decisão majoritária -
da forma de governo a ser adotada.

• Locke diferencia entre poder federativo (responsável pelas relações exteriores),


executivo e legislativo – dando a este último a caracterização de “poder supremo”.

• O soberano deve obediência às regras estabelecidas.

• Para Locke, o governo que busca favorecer interesses próprios, usa excessivamente a
força e não zela pela propriedade é um governo tirano.

• Este exercício ilegal do poder dá aos governados o legítimo direito de rebelarem-se.


• Estado de natureza – estado de guerra – estado civil

“Quando os homens vivem juntos conforme a razão, sem um superior


comum na Terra que possua autoridade para julgar entre eles, verifica-se
propriamente o estado de natureza. Todavia, a força, ou o desígnio
declarado de força contra a pessoa de outrem, quando não existe qualquer
superior comum sobre a Terra a quem apelar, constitui o estado de guerra
(...). Evitar esse estado de guerra (...) é razão decisiva para que homens se
reúnam em sociedade deixando o estado de natureza” (Locke, J. Dois
tratados do governo civil)
John Locke (1632-1704)
• - A soberania do povo:

“Neste ponto é provável que formulem a pergunta comum: quem julgará se


o príncipe ou o legislativo agem contrariamente ao encargo recebido? [...]
A isto respondo: o povo será o juiz; porque quem poderá julgar se o
depositário ou o deputado age bem e de acordo com o encargo a ele
confiado senão aquele que o nomeia, devendo, por tê-lo nomeado, ter
ainda poder para afastá-lo quando não agir conforme seu dever?” (Locke, J.
Dois tratados do governo civil).
Jean Jacques
Rousseau (1712-1778)
Jean Jacques Rousseau (1712-1778)
Principais obras:

- Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1755);

- Contrato Social (1762);

Legado:

- Importância para a Revolução Francesa - crítica ao absolutismo, defesa do fim do poder do clero e da
monarquia, defesa da instauração da república;

- Pensar a democracia (direta);

- É tanto um crítico da sociedade feudal-absolutista que estava em vias de desaparecer, quanto um


crítico da sociedade capitalista que emergia.
Jean Jacques Rousseau (1712-1778)
• Estado de Natureza:

É uma abstração - e não um evento histórico (oposição a Locke);

O “bom selvagem” (oposição a Hobbes);

Não há egoísmo (como em Hobbes) – este sentimento surge com o processo de


socialização;

Não há a busca por acumular poder e se sobrepor aos demais;

Vida simples e sem desigualdade;


Jean Jacques Rousseau (1712-1778)
Estado de natureza:

Não há propriedade privada (oposição a Locke);

Por isso, a propriedade privada não é um direito natural (como para Locke);

O homem é guiado por um instinto de conservação. Quando orientado


pela razão, este instinto leva à sociedade virtuosa;
Jean Jacques Rousseau (1712-1778)

Contrato Social Processo de socialização

- É este processo que faz o homem tornar-se, de fato, homem;


- É o processo de socialização que possibilita o surgimento do pensamento racional, linguagem
articulada e consciência moral;
- Crítica ao “progresso”, à ciência e às artes – levaram à injustiça e à desigualdade, mas podem
levar à uma sociedade justa, mediante um outro tipo de contrato;
- O processo de socialização traz a possibilidade de efetivação de dois tipos opostos de
contrato: um que cria a sociedade desigual e injusta, e outro que cria a sociedade livre e
igualitária.
Jean Jacques Rousseau (1712-1778)
- A passagem para o estado civil implica em um movimento contraditório,
em que o homem desenvolve suas capacidades, mas também se vê
limitado. O contrato traz tanto a possibilidade de realização da liberdade
quanto o aprisionamento:

• “Embora nesse estado [civil] ele [o homem] se prive de muitas vantagens que foi
da natureza, ganha outras de igual magnitudes: suas faculdades de se exercer se
desenvolvem, suas ideias se alargam, seus sentimentos se enobrecem, toda a sua
alma se eleva a tal ponto que, se os abusos dessa nova condição não o
degradassem frequentemente a uma condição inferir àquela de onde proveio,
deveria incessantemente bendizer o instante feliz que dela o arrancou para
sempre e fez, de um animal estúpido e limitado, um ser inteligente e um homem”
(Rousseau, O Contrato Social)
Jean Jacques Rousseau (1712-1778)
• A sociedade injusta e a desigualdade entre os homens:

- O surgimento da propriedade privada é a principal causa do surgimento


da sociedade civil e da desigualdade;

- Esta desigualdade vai sendo progressivamente ampliada com a divisão


social do trabalho;

- Isto gera uma sociedade em que os homens são diferentes e guiados pelo
egoísmo.
Jean Jacques Rousseau (1712-1778)
A sociedade justa e igualitária – o contrato social legítimo

• O contrato “ideal” funda uma sociedade em que (1) a propriedade é igualmente distribuída e
(2) a ‘vontade geral’ guia a ação dos indivíduos e dos governantes.

• Um aspecto depende do outro, pois é a desigualdade que produz indivíduos egoístas.

• A vontade geral não é a soma dos interesses privados. É o que há de comum em todos os
interesses;

• É a vontade geral que deve guiar o estado.

• A vontade geral não é inata. Ela é gestada em uma sociedade guiada por um contrato
legítimo.
Como definir a vontade
geral? É possível aplica-la?
Jean Jacques Rousseau (1712-1778)
• A defesa da democracia

- Só é possível mediante um contrato social legítimo, que funde uma


sociedade em que não há desigualdade;
- Os governantes devem guiar suas ações a partir da vontade geral,
agindo sempre em busca do bem comum.
- O indivíduo obedece apenas a si próprio, pois é o autor – em
conjunto com os demais – das leis que regem sua própria vida.
- A representação é uma deturpação da democracia – cada
indivíduo deve representar-se a si mesmo.
Jean Jacques Rousseau (1712-1778)
Possíveis críticas:

• A teoria de Rousseau pode dar vazão a posturas totalitárias, na medida em que


sobrepõe a vontade geral às vontades individuais?

• Seria Rousseau um opositor do progresso? Um romântico que prega a volta a um


passado inexistente?

• Seria Rousseau um utópico?


OBRIGADO!

Você também pode gostar