Você está na página 1de 61

Unidade II

Unidade II
5 o PENSAMENTO POLÍTICO CONTEMPORÂNEO E A DEMOCRACIA

Neste capítulo, vamos estudar aspectos que historicamente foram fundamentais para que pudéssemos
alcançar o pensamento político contemporâneo e, principalmente, consolidar a ideia de democracia.

Para isso, conheceremos três pensadores políticos de grande importância: John Locke, Jean Jacques
Rousseau e Montesquieu. Além disso, vamos conhecer as três revoluções liberais, também chamadas de
Revoluções Burguesas, que foram as bases de muitas mudanças políticas ocorridas no mundo, inclusive
no Brasil. São elas: a Revolução Inglesa, a Independência Norte‑Americana e, a mais famosa de todas,
a Revolução Francesa.

Mais adiante, estudaremos um pouco sobre o pensamento de Marx e as revoluções Socialista, na


Rússia, e Nacional e Nacional‑Socialista, na Alemanha.

Para encerrar, vamos refletir sobre a democracia liberal e a democracia contemporânea.

Comecemos por John Locke, que nasceu em Bristol, Inglaterra, em 1632 e faleceu em 1704. Estudou
em Westminster e Oxford, ambas escolas da elite inglesa. Cursou ciências naturais e formou‑se em
Medicina; tornou‑se médico particular e conselheiro do Lorde Shaftsbury, político liberal.

Figura 18

58
Teoria Política

Ocupou cargos políticos e viveu na França de 1674 a 1679. Teve que se exilar na Holanda em 1683
por razões políticas, e só retornou à Inglaterra em 1689.

Escreveu sobre política, religião e economia. Suas principais obras são Cartas sobre a Intolerância,
Ensaio sobre o Entendimento Humano, e os Dois Tratados sobre o Governo Civil. O Segundo Tratado
é uma justificativa da necessidade da Revolução Gloriosa, e Locke utiliza a obra para fundamentar a
legitimidade da deposição de Jaime II por Guilherme de Orange.

O século XVII, período em que Locke nasceu e viveu a maior parte de sua vida, foi marcado pela luta
entre a Coroa e o Parlamento na Inglaterra. A Coroa era controlada pela dinastia Stuart e defensora do
absolutismo, e o Parlamento era partidário do liberalismo.

Liberalismo, tema sobre o qual falaremos melhor mais adiante, pode ser caracterizado, sinteticamente,
como um sistema sociopolítico e econômico que defende a liberdade do indivíduo em todos os aspectos,
em especial, na defesa da propriedade privada, do livre mercado, da mínima intervenção do Estado na
vida dos cidadãos e da igualdade entre eles.

Os pensadores liberais acreditavam que que todo homem nasce livre para trabalhar onde, como e
com o que quiser. E também para escolher o governo e a religião que quiser.

Os conflitos da Inglaterra do período de Locke tinham característica de ordem econômica e também


religiosa. O conflito de ordem econômica ocorreu entre beneficiários dos privilégios e monopólios
mercantilistas concedidos pelos monarcas, contra aqueles que lutavam pela liberdade da atividade
comercial e de produção.

Em 1640 teve início uma guerra sangrenta entre Carlos I e o Parlamento, que só terminou em 1649. Essa
guerra, conhecida como Revolução Puritana, terminou com a execução de Carlos I e a implantação da república
na Inglaterra. Porém, isso não durou muito: a monarquia foi restaurada e os Stuart retornaram ao poder.

A Restauração foi um período conturbado, que fez surgir a divisão do Parlamento inglês entre os
Tories e os Whigs, representando os conservadores e os liberais, respectivamente. No Reinado de James
II, a crise política chegou ao auge, a ponto de os dois partidos se unirem para depor o rei.

Guilherme de Orange, em 1668, retornou à Inglaterra à frente de um exército e tirou James II do


trono, recebendo do Parlamento a coroa de rei.

Essa revolução, que ficou conhecida como Revolução Gloriosa, simbolizou o triunfo do liberalismo
sobre o absolutismo. Um de seus marcos mais importantes foi a aprovação, em 1689, do Bill of Rights,
uma declaração de direitos, que instituiu na Inglaterra uma monarquia limitada, ou seja, o rei não
poderia mais fazer o que bem entendesse porque teria que se submeter às leis.

John Locke foi opositor dos Stuart e por isso teve de se refugiar na Holanda durante um período de
tempo. Só retornou à Inglaterra com o triunfo da Revolução Gloriosa e a subida ao poder de Guilherme
de Orange.
59
Unidade II

Para Locke, assim como para Hobbes, o Homem sai do estado de natureza para a vida em sociedade
ancorado em um contrato social, ou seja, em um acordo não escrito, mas que deve ser integralmente
respeitado, em que todas as pessoas terão direitos e obrigações, sem privilégios de nascimento ou de
qualquer outra natureza.

A diferença no pensamento dos dois é que, para Locke, o indivíduo existe antes do surgimento da
sociedade e do Estado e vive em um estágio pré‑social e pré‑político, caracterizado pela mais perfeita
liberdade e igualdade. O estado de natureza para Locke não era o espaço de conflitos e de medo de
Hobbes; ao contrário, era uma situação de relativa paz, concórdia e harmonia.

A guerra é apenas uma possibilidade que pode ocorrer no estado de natureza, mas, como há opção,
os homens resolvem viver em sociedade para que haja estabilidade no governo e a tranquilidade social
seja garantida. Para eliminar o estado potencial de guerra que vigora no estado de natureza, os homens
passam a viver em sociedade, organizam um poder central para governá‑los e escolhem juízes para
dirimir seus eventuais conflitos.

Locke define a propriedade como um direito amplo, que inclui a vida, a liberdade e os bens. Por isso
é que as sociedades precisam de um governo que proteja o direito de propriedade de seus cidadãos. O
mais importante direito do estado de natureza é mantido pelo Estado, que é o direito de propriedade;
e, o único direito retirado dos homens é o de justiça por conta própria: ele é subtraído dos indivíduos e
fica limitado ao Estado.

Bobbio (1984) afirma que para Locke o que falta no estado de natureza para ser um estado perfeito
é, sobretudo, a presença de um juiz imparcial, ou seja, de uma pessoa que possa julgar sobre a razão e
o erro sem ser parte envolvida.

Ao ingressar na vida em sociedade, os indivíduos renunciam substancialmente a um único direito: o


direito de fazer justiça por si mesmos e conservam todos os outros. Conservam, principalmente, o direito
de propriedade, que já nasce perfeito no estado de natureza, pois não depende do reconhecimento de
outros mas unicamente de um ato pessoal e natural, como é o caso do trabalho.

O contrato social para Locke dá ensejo à formação da sociedade civil, que ele denomina também
de sociedade política. O objetivo principal da união de homens na sociedade civil e de sua submissão
a governos é utilizar, de forma pacífica e segura, da propriedade, porque ela é a exteriorização da
personalidade humana por meio do trabalho. Não custa repetir que, para Locke, o direito mais essencial
e natural do Homem é o direito de propriedade. Para ele a propriedade vem antes do Estado e é um
direito natural do indivíduo. Contra a propriedade o Estado não tem poder algum e deve respeitá‑la.

Nem é preciso ressaltar que essas ideias agradaram muito à burguesia, que tinha o desejo de que sua
propriedade fosse respeitada por todos, inclusive pelo Estado.

Locke acredita que não é a sociedade que cria a propriedade privada, ela já é um direito que os
homens possuem pelo simples fato de existirem. E esse direito deve ser respeitado, na medida em que
cada um possui por natureza a si próprio e ao seu trabalho.
60
Teoria Política

O Homem torna‑se proprietário da terra pelo trabalho porque deve ser sempre dono daquilo em
que trabalhou. Para ele, cada qual apropria da terra aquilo que consegue com o seu esforço e, em troca,
torna‑se dono da terra.

Para Locke, com o surgimento do dinheiro, a proporção de terra para o uso do trabalhador se altera.
Porque, com a utilização do dinheiro, passa a ser possível a dissociação da propriedade em relação ao
uso pelo trabalhador; ou seja, a propriedade passa a ser medida por coisas duradouras como o ouro ou
a prata e não mais em função de coisas perecíveis, como os produtos extraídos da terra, por exemplo.
É isso que permite que a propriedade possa ser obtida por meio do trabalho ou pela aquisição por
dinheiro. E é essa possibilidade de aquisição pelo dinheiro que leva à distribuição desigual da riqueza
entre os homens.

A propriedade da terra, que era limitada pela capacidade de trabalho de cada indivíduo, transforma‑se
em possibilidade ilimitada de propriedade com o uso do dinheiro. Isso permite a acumulação de terra
por alguns em detrimento de outros e, em consequência, os conflitos poderão existir. Para arbitrar os
conflitos em torno da propriedade privada e da acumulação, os homens devem necessariamente viver
na forma do Estado, com juízes e regras fixas para o arbitramento das controvérsias.

Para Locke, a vida política após o contrato social tem por meta principal resguardar o direito natural
que é, fundamentalmente, o direito de propriedade.

Por fim, ele afirma que o desrespeito à propriedade privada quando for praticado pelo Estado
torna o governo tirânico e enseja o direito de resistência por parte do cidadão. Quando atenta contra
a propriedade, o governo deixa de cumprir seu objetivo de proteger a propriedade, torna‑se ilegal e
caracteriza a tirania.

Tanto para defender‑se de um governo tirânico quanto para libertar‑se de uma nação estrangeira,
Locke reconhece o direito do povo à resistência pela força. Nessas situações, o povo estará lutando
contra o estado de guerra criado pelo próprio Estado ao ferir o direito de propriedade. E o ponto mais
alto da resistência está consubstanciado na defesa da propriedade privada individual.

Para Bobbio:

Através dos princípios de um direito natural preexistente ao Estado, de um


Estado baseado no consenso, de subordinação do poder Executivo ao poder
Legislativo, de um poder limitado, de direito de resistência, Locke expôs as
diretrizes fundamentais do Estado liberal (BOBBIO, 1984, p. 41).

Locke exerceu influência para a ocorrência da revolução norte‑americana, que teve na defesa dos
direitos naturais e do direito de resistência as razões para a ruptura com a Inglaterra, de quem era
colônia.

Ele é considerado o fundador da doutrina política liberal e do individualismo liberal.

61
Unidade II

Repare que as ideias de liberdade e de propriedade começam a caminhar juntas e, mais tarde,
tornar‑se‑ão centrais no debate em torno do capitalismo e do socialismo. Além disso, a proteção da
propriedade e a ideia de que o proprietário é quem compra e não aquele que trabalha, são pontos de
conflito até hoje em nossa sociedade.

O que temos nesta foto?

Figura 19

A imagem é de um dos muitos acampamentos do Movimento Sem‑terra existentes em todo o país. O


objetivo do movimento é que a seja realizada a reforma agrária no Brasil, e que a terra agricultável seja
distribuída com mais justiça entre todos. Combatem o latifúndio improdutivo e defendem a propriedade
da terra para quem trabalha nela.

Procure conhecer melhor os movimentos que discutem a propriedade da terra no Brasil, para que
você possa avaliar como esse tema ainda é presente em nosso mundo, apesar de tanto tempo decorrido
das ideias de John Locke sobre a propriedade.

Nosso outro pensador fundamental para a compreensão de Teoria Política é Jean Jacques Rousseau.
Ele nasceu em Genebra, uma república protestante, em 1712 e faleceu em 1778 em Paris. Sua mãe
morreu no seu parto e seu pai era um relojoeiro sem muitas posses. Rousseau teve infância pobre e seu
pai teve que exilar‑se por motivos políticos, abandonando os filhos. Ele viveu com um tio e depois em
abrigos e orfanatos, passando por todo tipo de necessidades.

62
Teoria Política

Figura 20

Desde cedo, Rousseau se destacou por ser autodidata, ou seja, por estudar sozinho aquilo que
queria conhecer. Exerceu várias atividades profissionais, inclusive como compositor musical. Suas obras
o tornaram muito admirado pelo grupo de intelectuais franceses que lideravam o movimento iluminista.

Porém, antes de ser reconhecido como um intelectual importante, ele teve problemas com a publicação
de duas de suas obras mais importantes: Emilio e Do Contrato Social. Foram obras condenadas pelas
autoridades de Paris e de Genebra, e isso o obrigou se refugiar‑se em um território prussiano na Suíça.

Foi bastante perseguido por suas ideias políticas religiosas e em 1765 refugiou‑se na Inglaterra, a
convite de David Hume, quer era um importante filósofo. Voltou à França em 1767, casou‑se e teve cinco
filhos, que precisou entregar para orfanatos, porque Rousseau era muito pobre e não podia criá‑los.

O século XVIII, no qual Rousseau nasceu e viveu, ficou conhecido como “século das luzes”, por ter sido o
período em que ocorreu um movimento intelectual caracterizado pelo profundo otimismo sobre a capacidade
do ser humano de se orientar pelo uso da razão, e, com isso, a humanidade conseguiria alcançar o progresso.

O avanço das ciências fez com que o iluminismo fosse um movimento que pretendia aplicar o
raciocínio lógico a todas as áreas do conhecimento e, com isso, construir um conhecimento sólido sem
influência de crendices ou de superstições. A razão seria o guia da evolução da humanidade e, com ela,
o Homem chegaria ao progresso econômico, moral e social, bases para um mundo livre e de felicidade.

Os filósofos do chamado “século das luzes” defendiam que a difusão do saber era o meio mais eficaz para
colocar fim às superstições e à ignorância. Acreditavam que o uso da razão era uma enorme contribuição para o
63
Unidade II

progresso do espírito humano. A propósito, a busca pela aplicação da razão era a característica marcante daquele
momento do pensamento filosófico, e Rousseau constrói suas reflexões a partir da crítica a esse movimento.

Rousseau critica o tipo de saber que estava sendo construído: a ciência que era praticada por vaidade,
na busca de reputação, sem considerar o verdadeiro sentido do saber. Para ele, esse tipo de ciência não
conduziria a nenhuma melhoria para a humanidade. Ele acreditava que a verdadeira ciência estava na
virtude, e que o papel das ciências e das artes era impedir que a corrupção fosse maior. Ele destoava
muito dos pensadores de sua época.

Para Rousseau, o homem selvagem, não civilizado, que vivia no estado de natureza, era mais livre e feliz
porque era capaz de garantir sua subsistência com plena independência e de satisfazer seus desejos naturais
com maior facilidade. Ele defende a ideia de que o Homem no estado de natureza não se utiliza meios
artificiais para sobreviver, o que é contrário ao que se vê na vida em sociedade. A maior característica do
Homem no estado de natureza é sua liberdade e ele encontra limitação apenas na própria natureza, porque
depende dos recursos naturais para tudo. Porém, em relação aos outros homens, ele é livre. Rousseau entende
que o Homem na natureza tem liberdade para se aperfeiçoar, tanto quanto a tem para se conduzir por seus
instintos e, desse modo, rebaixar‑se a ponto de se parecer com os animais. No entanto, ele também luta para
sua conservação e se identifica com o sofrimento de outros homens.

O Homem natural de Rousseau é o bom selvagem, enquanto o Homem natural de Hobbes é o lobo
do próprio homem.

Não é a vontade dos indivíduos, como queriam Hobbes e Locke, mas a apropriação de conhecimento
(metalurgia e agricultura) por alguns e não por todos, que leva a sociedade a possuir a divisão do trabalho e o
exercício do poder de alguns sobre outros. É nesse ponto que os bens da natureza passaram a ser propriedade
de alguns. E mais, para ele, é por isso que ocorrem a escravidão e a miséria, e se instaura o conflito social.

O estado de guerra na sociedade decorre da apropriação. Quando todos eram livres para usar o que
necessitavam para sua sobrevivência, não existiam conflitos. A apropriação dos bens por alguns homens
e o surgimento de uma hierarquia entre os que possuíam bens e os que não os possuíam faz surgir os
conflitos. O estado de guerra entre os homens decorre da propriedade privada e da competição para
obtê‑la. E Rousseau formula, então, uma crítica contundente contra o Estado e o Direito, quando afirma
que eles foram criados apenas para legitimar e garantir a permanência da desigualdade.

A obra O Contrato Social foi escrito por Rousseau depois do livro Discurso sobre a Origem e os
Fundamentos da Desigualdade entre os Homens. Na primeira obra ele analisa a vida do homem no
estado de natureza e a etapa seguinte, que é a vida em sociedade. Na obra O Contrato Social, ele reflete
sobre a possibilidade de construção de outra ordem jurídica, política e social. Ele se dedica à ideia de
transformação da sociedade existente àquela época.

Essa sociedade que Rousseau idealiza é radicalmente democrática, ou seja, ele propõe a cidadania ativa.

O elemento fundamental da teoria de Rousseau no contrato social é a vontade geral, que é a única vontade
legítima. As vontades individuais não são legítimas. A função da sociedade é a consecução do bem comum.
64
Teoria Política

Curiosamente, Rousseau já apontava a educação como o caminho capaz para que os indivíduos
abandonassem seus interesses individuais em favor dos interesses gerais. Ele apresenta essa ideia na obra
Emílio, que é dedica a reflexões sobre educação. Ele também acredita que as leis deverão ser impessoais,
gerais e universais e, terão de ter dois objetivos fundamentais: a liberdade e a igualdade. Com essas
ideias, ele influenciou todos aqueles que mais tarde seriam os pensadores da Revolução Francesa.

Para Rousseau, o Estado é resultado de uma associação de membros que conservam sua participação
ativa e que obedecem somente às leis que a própria sociedade criou. O governo é subordinado ao povo
e o poder será exercido pelos membros da sociedade. A participação política do povo deve ser direta.

Ele aponta para a necessidade de assembleias permanentes que reúnam os cidadãos, para que eles
decidam sobre as leis e os administradores públicos. Leis ruins poderão ser revogadas e administradores
incompetentes deverão ser removidos. Para exercer a cidadania ativa os homens deverão ter boa
educação e formação moral. Essas são ferramentas para que o povo mantenha sua liberdade e o governo
tenha por objetivo o bem comum.

As ideias de Rousseau foram fundamentais para a Revolução Francesa e continuam sendo utilizadas
por adeptos da democracia participativa e do republicanismo comunitário.

Durante a Revolução Francesa, em 1794, seu corpo foi levado para o Panteão de Paris, onde foi
enterrado ao lado de seu desafeto Voltaire.

A primeira foto a seguir é do Pantheon, em Paris, França, local onde estão enterrados os corpos de
franceses famosos, entre eles Jean Jacques Rousseau. A segunda foto mostra o túmulo de Rousseau.

Figura 21

65
Unidade II

Figura 22

Charles Louis de Secondant, ou simplesmente, o Barão de Montesquieu, era um nobre francês


nascido em 1689 e falecido em 1755. Estudou Direito na faculdade de Bordeaux, na França, e praticou
a advocacia em Paris, onde também frequentou os salões da aristocracia.

Figura 23

66
Teoria Política

Sua vida foi dedicada a administrar a fortuna herdada de seus parentes, que possibilitaram a ele uma
vida financeira tranquila, que lhe permitiu viajar e estudar muito. É conhecido, principalmente, por sua
obra publicada em 1748 e denominada Do Espírito das Leis ou das relações que as leis devem ter com a
constituição de cada governo, os costumes, o clima, a religião, o comércio etc. A obra foi tão polêmica
que chegou a ponto de ser proibida pela tradicional universidade francesa Sorbonne. E também por
ter obrigado Montesquieu a escrever um livro somente para defender o anterior e que se denominou
A Defesa do Espírito das Leis. Essa obra é considerada uma das que mais influenciaram a burguesia
francesa para impulsioná‑la para a Revolução de 1789.

Dallari afirma a respeito da obra de Montesquieu

[...] com Montesquieu, a teoria da separação de poderes já é concebida


como um sistema em que se conjugam um Legislativo, um Executivo e um
Judiciário, harmônicos e independentes entre si, tomando, praticamente,
a configuração que iria aparecer na maioria das constituições. Em sua
obra Do Espírito das Leis, aparecida em 1748, Montesquieu afirma
a existência de funções intrinsecamente diversas e inconfundíveis,
mesmo quando confiadas a um só órgão. Em sua opinião, o normal
seria a existência de um órgão próprio para cada função, considerando
indispensável que o Estado se organizasse com três poderes, pois “Tudo
estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou
dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes.” O ponto obscuro
da teoria de Montesquieu é a indicação das atribuições de cada um dos
poderes (DALLARI, 2010, p. 219).

E Bonavides ressalta:

Depois de referir a liberdade política aos governos moderados, afirma


Montesquieu que uma experiência eterna atesta que todo homem que
detém o poder tende a abusar do mesmo.

Vai o abuso até onde se lhe deparem limites. E para que não se possa abusar
desse poder, faz‑se mister organizar a sociedade política de tal forma
que o poder seja um freio ao poder, limitando o poder pelo próprio poder
(BONAVIDES, 2006, p. 148).

A separação dos poderes proposta por Montesquieu é bastante conhecida de todos nós até
porque, com algumas modificações determinadas pelo tempo, permanece semelhante até hoje em
muitos países do mundo, como o Brasil, por exemplo. Ele propõe que exista um Poder Legislativo
para elaborar leis para toda a sociedade e para serem cumpridas em especial pelos governantes;
um Poder Executivo para representar o Estado e fazer cumprir as leis em benefício de todos; e,
finalmente, o Poder Judiciário que dá ao governante o poder de punir os crimes ou julgar os
conflitos de ordem civil.

67
Unidade II

E reflete Bonavides:

Discriminados assim os poderes nessa linha teórica de separação, segundo os


fins a que se propõem, entra Montesquieu a conceituar a liberdade política,
definindo‑a como aquela tranquilidade de espírito, decorrente do juízo de
segurança que cada qual faça acerca de seu estado no plano da convivência
social.

A liberdade estará sempre presente, segundo o notável filósofo, toda vez que
haja um governo em face do qual os cidadãos não abriguem nenhum temor
recíproco. A liberdade política exprimirá sempre o sentimento de segurança,
de garantia e de incerteza que o ordenamento jurídico proporcione às
relações de indivíduo para indivíduo, sob a égide da autoridade corporativa
(BONAVIDES, 2006, p. 149).

O tema é muito mais atual do que possa parecer à primeira vista. A Constituição da República
Federativa Brasileira, entre muitas outras em todo o mundo, estabelece no artigo 2º, que: “São
Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”
(BRASIL, 1988).

Acontece que, além de independentes e harmônicos, os poderes da União são dinâmicos, o que
permite que, por vezes, eles entrem em conflito sobre a realização de determinadas funções, cada qual
considerando que é sua função específica aquela que o outro considera que é dele.

Recentemente, por ocasião do julgamento do chamado “Mensalão”, entendeu o Poder Judiciário


que os deputados condenados estavam automaticamente cassados do exercício de seu cargo eletivo,
seja como deputados federais ou senadores. O Poder Legislativo, no entanto, entendeu que não havia
perda automática do mandato que era fruto de escolha popular, pelo voto, e que, portanto, somente os
deputados e senadores poderiam determinar a cassação do mandato por meio de votação em plenário,
porque eram representantes do povo. O assunto rendeu muitas reportagens na imprensa e vasta
discussão entre os parlamentares e o judiciário.

Essa mesma discussão acontece no Brasil todas as vezes que o Poder Executivo lança mão de uma
medida provisória, que é uma modalidade de lei, para regular determinada matéria de interesse e
urgência nacional. O Poder Legislativo fica contrariado com as medidas provisórias porque entende
que está sendo usurpado em suas funções, vez que somente ele tem poder para fazer leis. O Executivo
se defende sob a alegação de que por vezes o Poder Legislativo retarda a formulação de leis que são
urgentes e, por isso, obriga o Executivo a legislar.

Uma rápida consulta na rede mundial de computadores permitirá verificar que o tema é atual e,
por vezes, provoca debates contundentes no Brasil. No entanto, esses conflitos eventuais não subtraem
do sistema de tripartição de poderes proposto por Montesquieu seu enorme valor na busca de uma
organização racional e segura para as atividades do Estado.

68
Teoria Política

6 AS REVOLUÇÕES LIBERAIS ou REVOLUÇÕES BURGUESAS

A primeira foi a revolução ocorrida na Inglaterra entre 1640 e 1688. A Revolução Inglesa marcou
o momento em que o poder estatal passou para as mãos de uma nova classe social, que se enxergava
como sujeito de sua própria história. A luta foi pela construção de uma nova sociedade, tanto nos
aspectos socioeconômicos como também nos político‑culturais.

A queda de Carlos I e a ascensão de Guilherme de Orange ocorrem porque o Estado Absolutista


do primeiro tinha um projeto político e econômico totalmente diferente dos liberais, que apoiaram
o segundo. Esses projetos eram inconciliáveis e, por isso, a única solução foi remover a monarquia
absolutista de Carlos I e substituí‑la pela monarquia constitucional, que foi condição fundamental para
o crescimento econômico da Inglaterra naquele período, crescimento com estabilidade política, porque
o novo rei passou a governar com fundamento na legislação. Os setores liberais e burgueses impuseram
seus valores: valorização do trabalho e da vida econômica racional sem desperdício.

A segunda importante revolução liberal é a de Independência dos Estados Unidos, que aconteceu
entre 1775 e 1783. A partir da metade do século XVIII ocorre uma mudança nas relações entre a coroa
inglesa e a colônia norte‑americana, e essa mudança é para pior. As relações políticas e econômicas se
deterioram muito.

A Inglaterra estava com sérios problemas financeiros decorrentes dos gastos que havia feito e das
dívidas que havia contraído como consequência da chamada Guerra dos Sete Anos, ocorrida entre 1756
e 1763 contra a França. Ao mesmo tempo, a Revolução Industrial, que havia significado forte avanço,
também implicava em novas necessidades, sobretudo pelo acúmulo de pessoas nos centros urbanos,
locais em que se encontravam as fábricas, que atraíam milhares de trabalhadores. Era preciso atuar na
organização das cidades para impedir conflitos e descontrole social. E tudo isso implicava em custos.

A colônia norte‑americana passou a sofrer com a aplicação de novas leis criadas pela Inglaterra
e que, fundamentalmente, restringiam o comércio e aumentavam os impostos cobrados, o que não
tardou para criar conflitos entre os colonizadores e os colonizados.

Em 1776, os colonos se reuniram em um congresso com o objetivo de declarar as razões que os


levavam à independência. Durante o congresso, Thomas Jefferson redigiu a Declaração de Independência
dos Estados Unidos da América. Evidentemente, a Inglaterra não aceitou a independência de suas
colônias e declarou guerra.

A Guerra de Independência, que ocorreu entre 1776 e 1783, foi vencida pelos Estados Unidos
com forte apoio da França. A liberdade foi um fator não apenas de integração dos Estados Unidos
da América do Norte, como também essencial para a criação do novo país. Um valor essencial que os
norte‑americanos preservam até hoje como sendo um dos objetivos de criação do país.

A influência protestante era muito forte nessa época nos Estados Unidos e enfatizava, principalmente,
a participação dos indivíduos na vida da sociedade e a relação individual com Deus, sem que fosse
preciso intermediários como na Igreja Católica, que possui hierarquia para a intermediação entre os
69
Unidade II

homens e Deus (padres, bispos, cardeais, papa). No âmbito filosófico, a grande inspiração da libertação
norte‑americana foi Locke e a ideia de defesa da propriedade como um direito natural.

O governo criado pelos norte‑americanos após a Independência caracteriza‑se pelo limite do poder
político interno, ou seja, fiel cumprimento dos governantes às leis em vigor; representação democrática
de todos os cidadãos no governo, porque poderiam se candidatar a cargos eletivos; e a defesa da
propriedade privada e dos direitos individuais e coletivos dos cidadãos.

A Constituição Norte‑Americana de 1787 adotou o sistema de república federativa, garantiu a


propriedade privada, mas, principalmente, estabeleceu como linha mestra do país a defesa dos direitos
individuais dos cidadãos, em especial a liberdade de manifestação do pensamento, a liberdade de ir e vir
e a de escolha de governantes.

Isso não quer dizer que os norte‑americanos não tenham problemas sociais, políticos e
econômicos em sua história. A Guerra de Secessão, entre 1861 e 1864, que teve a escravidão
como ponto chave de seu surgimento; os problemas de racismo que ocuparam grande parte
do debate político em torno do movimento dos direitos civis dos negros, na década de 1960,
que teve em Martin Luther King um de seus principais personagens; a participação na II Guerra
Mundial; os atentados de 11 de setembro de 2001, entre outros fatos históricos, demonstram que
os Estados Unidos da América do Norte não possuem o mesmo padrão de cidadania e liberdade
para todos os seus cidadãos, e nem tão pouco respeitam os demais países do mundo como
querem ser respeitados.

Exemplo de aplicação

Pesquise sobre os principais fatos da vida de Martin Luther King e reflita um pouco sobre a segregação
dos negros nos Estados Unidos.

A última grande Revolução Liberal foi a Revolução Francesa de 1789.

O século XVIII foi o Século do Iluminismo. Marca a transformação do pensamento da humanidade


na busca da razão e da comprovação (experimentação); marca o uso da matemática para o estudo
dos fenômenos, sempre na busca de uma explicação racional e lógica, que pudesse ser comprovada e
esclarecesse os fenômenos.

O Homem toma consciência de sua situação de fruto da história e, ao mesmo tempo, as classes
sociais dedicadas à produção começam a se aperceber de sua importância, não apenas econômica, mas
também política e social. Quem produz com intuito econômico quer agora participar mais ativamente
do poder político, inclusive para facilitar sempre que possível o desenvolvimento da atividade econômica
de produção e distribuição de bens.

A Revolução Industrial havia ensinado aos homens os mecanismos necessários para a produção em
massa, que beneficiasse a todos e permitisse o fim da escassez. Era possível a todos os homens pensar

70
Teoria Política

em viver com conforto em uma sociedade sem miséria. Porém, para isso não bastava produzir, era
preciso que a política permitisse a liberdade de produção e de distribuição.

Ocorre que o domínio da monarquia na França, o absolutismo dos reis, era verdadeiramente despótico,
violento. Horrores eram praticados de forma irresponsável e os súditos submetidos a barbaridades. Não
tardou que os cidadãos franceses passassem a nutrir por seus reis e por todos os membros da corte o
mais profundo ódio e desprezo.

O rei era o único detentor do poder, ele era o Estado. Aliás, Luiz XIV conhecido como Rei Sol, que
governou de 1643 a 1715, havia pronunciado essa frase que se tornou célebre como representação do
poder absoluto dos reis de França: “O Estado sou eu!” (“L’État c’est moi”).

E o que significa ser o Estado? Ora, significa que o rei era o único detentor do poder e que, de forma
irresponsável, podia fazer o que quisesse porque não teria que responder por seus atos, nem perante a
corte, tampouco perante a sociedade.

Não havia nenhum limite para suas vontades, nem a lei. Aumentar impostos indiscriminadamente,
mandar prender, matar ou tomar toda a propriedade de alguém eram práticas corriqueiras dos reis de
França.

A Revolução Francesa começa com a Queda da Bastilha, uma prisão de triste memória pelo fato de
manter em condições desumanas seus prisioneiros. A seguir, uma maquete da famosa Bastilha que pode
ser encontrada no Museu Carnavalet, em Paris.

Figura 24 – Maquete da Bastilha, Museu Carnavalet, Paris

Na atualidade, no lugar em que se encontrava a Bastilha existe um prédio estatal e na praça em


frente há uma torre, que tem na ponta uma estátua, representando a liberdade. Veja:
71
Unidade II

Figura 25

Outro fato que conduziu ao desejo de mudança que resultou na Revolução Francesa foi o pouco caso
com o qual os reis governavam, tornando a França um país desorganizado, excessivamente burocrático
e profundamente injusto. A burguesia francesa que controlava o comércio, a indústria e a atividade
bancária desejava um governo organizado, justo, que permitisse que seus negócios se desenvolvessem
em paz. Para isso, decidiu que era preciso participar não apenas da vida econômica, mas também da
organização política do país.

Os grandes intelectuais que inspiraram o movimento conhecido como Revolução Francesa foram
John Locke, Rousseau, Voltaire e Montesquieu. Condenavam o absolutismo e acreditavam que, para viver
em sociedade, era preciso estabelecer um pacto (contrato social) para abrir mão de direitos absolutos,
mas garantir que todos tivessem os mesmos direitos.

A Revolução Francesa, a exemplo da Independência Norte‑Americana, é marcada por uma declaração


de direitos que começa afirmando que os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos,
e que esses direitos são naturais e imprescritíveis (não deixam de existir com o tempo). Os principais
valores dessa declaração de direitos são: liberdade é o direito de fazer tudo o que não prejudique os
outros; todos têm direito à propriedade, à segurança e à resistência contra a opresssão.

Fundamentalmente, a declaração de direitos advinda da Revolução Francesa colocou a lei acima


de tudo, porque a lei passava a ser a expressão da vontade geral. Com isso, assegurou que o Estado se
tornasse não um fim em si mesmo, mas uma organização com o objetivo de garantir que todos os cidadãos
pudessem usufruir livremente de seus direitos. Um dos aspectos mais interessantes da Declaração de
Direitos dos franceses foi determinar que cabe aos cidadãos, por si ou por seus representantes, o controle
das finanças e da administração pública (artigos 14 e 15).
72
Teoria Política

As palavras que historicamente consagraram a Revolução Francesa foram: Liberdade, Igualdade e


Fraternidade.

No entanto, é ilusão pensarmos que a partir daquele momento todos os franceses começaram a ser
tratados como iguais. Na ânsia do desenvolvimento econômico e do acúmulo de bens, os burgueses não
conseguiram ser justos e, em boa medida, as classes menos favorecidas apenas trocaram de algoz: dos
reis absolutistas para os comerciantes inescrupulosos. Na verdade, os grandes questionamentos sobre
a desigualdade no tratamento entre detentores dos meios de produção e trabalhadores vão surgir no
mundo logo após a Revolução Francesa.

Um novo personagem entrava em cena e seu nome e suas ideias até hoje provocam polêmica: Karl Marx.

Figura 26

Karl Marx nasceu em Treves, na Alemanha, em 1818. Seu pai era advogado, sua mãe era judia e
descendente de família de holandeses. Quando ele tinha seis anos, sua família se converteu ao
cristianismo. Mais tarde, casou‑se com Jenny Von Westphalen, que era filha de um barão da Prússia.
Sua vida pessoal teve momentos de tranquilidade financeira e outros de muitas dificuldades. Foi pai de
cinco e em alguns períodos sobreviveu graças à caridade de amigos.

Foi expulso da Alemanha, da França e da Bélgica, sempre como resultado de suas ideias políticas e
econômicas, e morreu na Inglaterra, em 1883.

Marx estudou Direito e, em seguida, encaminhou seus estudos para a História e a Filosofia. Também
conviveu com o movimento operário alemão e francês e, a partir do que constatou na realidade desses
trabalhadores, produziu textos e artigos que o tornam alvo de perseguições políticas. Isso o obrigou a se
mudar para Londres, na Inglaterra.

73
Unidade II

Ele conheceu o pensador inglês Friedrich Engels, que durante toda sua vida foi importante parceiro
intelectual. Além disso, Engels ajudou Marx e sua família em momentos de maior dificuldade financeira.
Juntos escreveram uma obra famosa, A Ideologia Alemã, na qual criticavam o pensamento do filósofo
Feuerbach e também o idealismo, que era uma forma de pensar clássica da filosofia alemã. Juntos
também eles refletiram sobre a apreensão coletiva dos meios de produção e, com isso, criaram o famoso
Manifesto do Partido Comunista, escrito em 1848.

Marx escreveu muitos textos de economia e política, mas O Capital foi sua obra mais famosa. Ele
publicou apenas o primeiro volume. Outros dois volumes foram publicados por Engels após a sua morte
a partir das anotações de Marx.

Entre as principais ideias de Marx está o fim do subjetivismo que caracterizava o pensamento alemão
da época. Ele substitui essa reflexão subjetiva pela concretude, ou seja, o Homem agora é pensado
a partir de suas relações de trabalho e, consequentemente, de suas relações sociais. Essa é a ideia
fundamental, pensar o Homem a partir de sua práxis, ou seja, da atividade praticada pelo Homem na
produção, no trabalho.

Nessa forma de pensar estão as bases do que foi chamado de materialismo histórico, que está
fundado nas relações sociais, pois, para Marx, o Homem só pode ser compreendido nessas relações, e
também nas históricas e produtivas em que ele vive. São as relações concretas dos homens que estão
imersos no sistema produtivo que constroem as ideias, o sistema social, a compreensão da religião e
também a política e o Direito.

Para Marx, o modo de produção econômica condiciona as demais relações sociais dos homens. É o
lócus fundamental para a constituição do homem e de sua sociabilidade.

O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econômica da


sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e
política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social.
O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social,
política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem que determina
o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua
consciência (MARX apud MASCARO, 2010, p. 284).

Para Marx, o capitalismo, por meio da circulação mercantil, do trabalho, das forças produtivas e das
relações de produção, domina tudo. Por isso, ele se dedica à reflexão sobre a exploração da força de
trabalho e as consequências para toda a sociedade.

Marx argumenta que o capitalista reúne em seu benefício vários saberes e com isso produz e
acumula riquezas. Parte da riqueza produzida é paga para o trabalhador e outra parte é acumulada pelo
capitalista. A diferença entre o excedente acumulado e aquilo que é pago ao trabalhador é a mais‑valia.
Os capitalistas compram a força de trabalho dos homens para tentar obter sempre a maior quantidade
possível de excedente.

74
Teoria Política

Ele entende que a lógica do capital é a da exploração do trabalho assalariado, que, ao mesmo tempo,
permite a circulação de pessoas como mercadorias.

Marx modificou o pensamento da sua época por ter ligado a política às condições materiais
concretas, ao econômico, e por ter denunciado a exploração do capital pelo trabalho, que até então
era considerada quase normal, ou ainda, necessária para garantir a produção. Por isso é que para
Marx a vida em sociedade não se origina do contrato social, como haviam defendido Hobbes, Locke
e Rousseau. A vida em sociedade é marcada pela luta de classes, que se dá nas relações de produção
e da mais‑valia.

O Estado moderno, fruto do fim do absolutismo e da consagração de direitos individuais e coletivos


após as revoluções liberais, havia tornado o indivíduo um cidadão, um sujeito de direitos com poder de
escolhas políticas. No entanto, esse sujeito livre para possuir direitos é também o trabalhador, que se vê
obrigado a vender a sua força de trabalho para os capitalistas, que é explorado pela mais‑valia e que,
ao mesmo tempo, tem sua relação de trabalho e exploração intermediada por leis consideradas justas e
de acordo com o Direito.

Por isso, Marx conclui que o Direito é apenas um instrumento para revestir a força de legalidade
e, nessa medida, dar suporte para a exploração do Homem pelo Homem. Um, detentor de meios de
produção; outro, trabalhador, dono apenas de sua força de trabalho e obrigado a se vender porque não
tem perspectiva de ser detentor de propriedade privada, dos meios de produção.

A igualdade das leis é meramente formal, porque na prática social o que se percebe são homens
detentores de meios de produção, que utilizam a força de trabalho de outros e a remuneram de
forma injusta. Ele conclui que as relações jurídicas são um meio de oficializar a exploração e fazê‑la
parecer justa. Ou seja, no capitalismo, a exploração humana é facilitada pelas leis do Estado e
garantida por ele.

O Estado estaria, portanto, a serviço da exploração capitalista. Porém, essa exploração está dissimulada
em leis e, por isso, o Estado aparece como um garantidor da democracia, do interesse público e do bem
comum.

Por isso é que Marx defende uma revolução que supere as formas políticas e jurídicas do capitalismo
e dê às classes trabalhadoras o direito de organizar a sociedade. Como o Estado é apenas uma forma
de opressão dos capitalistas e não garante condições de igualdade para os trabalhadores, ele deve ser
repensado e refeito, e a nova concepção de Estado deve propor que todos os membros da sociedade
sejam, ao mesmo tempo, trabalhadores e beneficiados pelo resultado coletivo da produção.

A ruptura com o Estado burguês permitirá aos trabalhadores controlarem totalmente a produção
material sem se submeterem a outra classe social. Quando isso acontecer, o Direito será um instrumento
de justiça e não de garantia dos privilégios capitalistas.

A crítica de Marx é forte, não poupa ninguém e até hoje provoca inúmeras polêmicas.

75
Unidade II

6.1 A Revolução Russa

A Rússia, antes de 1917, vivia o regime dos czares e enfrentava um momento de crise econômica
com forte repercussão social. Embora a classe trabalhadora vivesse em enorme carência material, o
czar Nicolau II determinou que a Rússia entrasse na I Guerra Mundial, o que aumentou as dificuldades
financeiras de toda a população e também a insatisfação geral.

Além disso, o governo russo estava mergulhado em gestões marcadas pela incompetência
administrativa e econômica e pela corrupção. É nessa situação que as ideias socialistas inspiradas em
Karl Marx e em Frederich Engels ganham força e importância.

O czar abdicou em março de 1917. Em seu lugar assumiu um Ministério Provisório, com Alexander
Kerenski como Ministro da Justiça. Ele pretendia estabelecer uma monarquia constitucional semelhante
ao modelo inglês, mas não resistiu e, em outubro do mesmo ano, ocorreu a ascensão dos bolcheviques,
membros de uma facção marxista ortodoxa que coexistia com os mencheviques, um pouco menos
radicais. Eles não tiveram muito trabalho para conquistar o poder, porque o governo estava praticamente
um caos total.

O lema que motivou os revolucionários foi bastante significativo: paz, terra e pão. Os principais
protagonistas da Revolução Russa de 1917 foram: Vladimir Lenin e Leon Trotsky.

O novo governo chamou a si próprio de ditadura do proletariado. Passaram a pertencer ao Estado


todos os meios de produção, tais como todas as terras, minas de minérios, usinas, máquinas, bancos,
ferrovias, fábricas e todo e qualquer outro meio de produção. Evidentemente, a perda dos bens provocou
uma guerra civil entre proprietários, que eram capitalistas, e os revolucionários, que pretendiam acabar
com a divisão de classes no país. Os proprietários dos bens expropriados foram apoiados por tropas de
governos contrários à instalação do regime socialista e, por essa razão, o conflito durou até 1920, com
violência de ambas as partes.

Depois de um período de reorganização da economia, durante o qual ainda ocorreram a produção


e comércio privados e pagamento de salários, o regime socialista adotou os Planos Quinquenais e
extinguiu totalmente as formas burguesas de produção e repartição de renda. Os Planos Quinquenais
foram, assim, estratégias e metas para a completa implantação do regime socialista. O objetivo era que
a Rússia fosse uma economia fortemente industrial e, ao mesmo tempo, uma sociedade comunista sem
classes.

No entanto, outro percalço teve de ser enfrentado pelos revolucionários russos: a morte de Lênin,
em 1924. Com ela, foi deflagrada uma luta violenta pelo poder entre Leon Trotsky e Josef Stálin.

76
Teoria Política

Figura 27

Leon Trotsky nasceu em 1879 e foi assassinado em 1940, no México. Foi um importante pensador
marxista e, nos primeiros tempos da União Soviética, organização política surgida a partir da Revolução
Russa, exerceu função semelhante à de Ministro de Estado. Foi também organizador e comandante do
Exército Vermelho, famoso por sua eficiência e combatividade. Era inimigo de Stálin e, em consequência,
foi expulso do partido e teve de sair da União Soviética. Buscou apoio no México, onde seria assassinado
por um agente da polícia de Stálin. A casa onde morreu no México hoje é um museu.

Figura 28

77
Unidade II

Josef Stalin nasceu em Gori, em 1879, e faleceu em 1953, em Moscou. Foi Secretário Geral do
Partido Comunista na Rússia e do Comitê Central. Em outras palavras, foi um grande líder político após
a implantação do regime socialista. Sua liderança foi essencial na derrota da Alemanha nazista durante
a II Guerra Mundial. Também foi fundamental para tornar a União Soviética uma potência econômica,
em especial pela industrialização, pela melhoria das condições sociais do povo soviético e também pela
expansão do território do que passou a ser chamado de União Soviética. Foi uma figura extremamente
controvertida, criticada por muitos e reverenciada por outros tantos.

Nada que se diga sobre a Revolução Russa de 1917 e sobre o regime político e econômico implantado
a partir dessa data, e que vai vigorar até o final da década de 1980, será pacificamente aceito. Sempre
existirão opiniões a favor e contra, histórias de heroísmo e de covardia, de sucesso e de fracasso.

A Revolução Russa exigiu do povo o devotamento ao trabalho, respeito pela autoridade pública,
disposição para o sacrifício pessoal no interesse da sociedade e lealdade à pátria soviética e ao regime
socialista. Essas eram as premissas fundamentais do cidadão russo. Para garantir que isso acontecesse,
Stalin não teve escrúpulos em torturar, matar e banir cidadãos.

Ao mesmo tempo, comprovadamente, reduziu o analfabetismo, melhorou os métodos agrícolas,


expandiu a industrialização, planejou a economia, criou oportunidades educacionais, culturais
e esportivas para o povo e adotou um sistema eficiente de saúde pública e de proteção aos filhos
das mães que trabalhavam. Esses benefícios costumam ser negados pelos detratores do regime, mas
existiram, não há dúvida. Os resultados obtidos pela União Soviética na corrida do espaço, contra os
Estados Unidos, a economia forte que a colocou como potência durante muitos anos, os resultados das
competições internacionais, como as Olimpíadas, e as exibições de suas orquestras e grupos de balés,
que sempre foram aplaudidos em todo o mundo, demonstram que muitas coisas funcionaram bem
durante o período socialista.

Porém, é preciso não perder de vista que o regime socialista foi duro, não permitiu a liberdade de
escolha, de expressão, de ideias e de crenças. Foi também um regime que em alguns momentos obrigou
os cidadãos russos a viverem com muito pouco, em especial porque os esforços industriais tinham por
objetivo a produção de material bélico para defesa da União Soviética.

Para Eric Hobsbawn:

A Revolução modernizou grande parte de um país atrasado, mas, embora


suas realizações tenham sido titânicas – principalmente a capacidade de
derrotar a Alemanha na Segunda Guerra Mundial –, seu custo humano
foi enorme, sua economia fechada estava fadada a se esgotar e seu
sistema político fadado a se esfacelar. [...]. Devemos deixar que os
diversos povos socialistas e ex‑socialistas façam sua própria avaliação
do impacto da Revolução de Outubro em sua história. Quanto ao resto
do mundo, apenas a conhecemos em segunda mão. [...]. Tal como a
Revolução Francesa, a Revolução Russa continuará a dividir opiniões
(HOBSBAWN, 1994, p. 452).
78
Teoria Política

Em outras palavras, quando se trata de história política, cada povo deve ter a primazia para julgar
aquilo que viveu e as consequências derivadas dessa vivência.

Saiba mais

Dois filmes inspirados na Revolução Russa devem ser vistos: Reds, de


1981, com Warren Beatty, e Dr. Jivago, de 1965, com David Lean. Ambos
tratam do mesmo tema com visões diferentes e são bastante interessantes
para facilitar a compreensão desse importante momento histórico.

6.2 O Estado Nacional‑Socialista

O Estado Nacional‑Socialista aconteceu na Alemanha pós I Guerra Mundial. É também chamado


de Führerstaat! Führung é um princípio de liderança, de condução da comunidade que, nesse caso, é
dirigida por um Führer.

Nessa concepção de organização política, o Estado é um meio e não um fim. É um meio para garantir
o aprimoramento da comunidade.

O nacionalismo é um componente essencial das ideologias fascista e nazista. O nazifascimo foi,


no entender de Bobbio, a resposta totalitária de uma sociedade que não mais conseguia conciliar
os objetivos de segurança e de desenvolvimento econômico com a manutenção das instituições
democráticas. O nazifascismo adotou a lógica totalitária da mobilização de todos os recursos para, de
forma hierarquizada, expandir a produção, favorecer a concentração produtiva e manter o controle de
tudo nas mãos do Estado.

A doutrina nacional‑socialista adotada na Alemanha e com variação no fascismo italiano é contrária


aos pressupostos da democracia liberal. A origem de todo o direito é o povo e o Estado é considerado
uma emanação direta dele. O povo é conduzido e guiado pelo governo, e este se encontra a serviço da
comunidade. O indivíduo não tem esfera de liberdade individual que deva ser respeitada pelo Estado,
porque seus direitos são como membro de uma comunidade.

A Alemanha do período da II Guerra Mundial acrescentou a essa situação mais um fator: a doutrina
nazista exigia a raça pura e, consequentemente, negava totalmente os direitos àqueles que não
fossem arianos. Em especial, perseguia os judeus e contra eles praticou as barbaridades que todos nós
conhecemos.

O Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, mais conhecido como Partido Nazista, foi
eleito democraticamente em 1933, ou seja, por voto popular, e foi o principal responsável por constituir
na Alemanha o III Reich, comandado pelo austríaco Adolf Hitler, que protagonizou enorme violência em
toda a Alemanha e, mais tarde, na Europa durante a II Guerra Mundial.

79
Unidade II

Saiba mais

Sugerimos a leitura de O Diário de Anne Frank, livro que conta a história


da vida de uma adolescente que teve de viver escondida junto com sua
família durante a II Guerra Mundial. A Menina que Roubava Livros, de
Markus Zusak, também é uma excelente indicação de leitura para você
conhecer melhor aquele período histórico.

Também indicamos O Pianista, um filme que retrata muito bem a


violência praticada pelo nazismo contra os judeus durante a II Guerra
Mundial. Existem muitos outros filmes sobre esse período histórico.
Pesquise!

6.3 O Estado do Bem‑estar Social

O final da II Guerra Mundial legou à Humanidade um continente destruído (a Europa); profundas


marcas de dor e violência contra todos e muito em especial contra os judeus; milhões de pessoas mortas
e outros milhões de mutilados físicos e psicológicos; a economia devastada com as consequências
conhecidas: escassez de alimentos, de recursos para a saúde, para a educação e assistência social.

Além disso, o espectro do socialismo rondava a Europa com a divisão da Alemanha em Oriental e
Ocidental, com a formação do bloco socialista dos países da chamada “Cortina de Ferro” e com o poder
econômico que a União Soviética significava naquele momento histórico. O mundo precisava reagir. As
ideias liberais não davam mais conta de organizar o Estado para um cidadão que, naquele momento,
precisava de maior proteção.

A experiência histórica mostrou que a concepção liberal do Estado Mínimo


era incapaz de assegurar vida digna à maioria das pessoas. Sem garantia de
emprego, recebendo salário aviltante, viram‑se abandonadas à própria sorte
diante da “neutra” indiferença do Estado.

É nessa moldura de insegurança e miséria das massas trabalhadoras que


se expande o capitalismo, convertendo o trabalho em mercadoria, ao
sabor das leis de mercado. Aos excessos do individualismo triunfante
veio responder uma corrente de ideias, de variada gama, abrangendo
desde a defesa do capitalismo, mediante a proposta de sua suavização,
passando pelas ideias do socialismo utópico, do pensamento social
católico, chegando ao materialismo histórico de Marx e Engels (AZEVEDO,
1999, p. 123).

A Segunda Guerra Mundial não pode ser considerada, no entanto, como o único fator que levou a
Humanidade a questionar as propostas liberais e buscar elementos que permitissem uma nova concepção
80
Teoria Política

do papel do Estado. Antes da Segunda Guerra, a Revolução Industrial, a Primeira Guerra Mundial, a Crise
Econômica de 1929 e as ideias da Doutrina Social da Igreja já haviam indicado que era preciso repensar
o papel do Estado.

Que o Estado sempre intervêm na vida das pessoas não há dúvida, porque é dele o papel de legislar,
executar políticas de ação e fiscalizar o cumprimento das leis. Não há nenhuma forma de Estado
conhecida na história da Humanidade que não tenha praticado intervenção nos direitos civis e políticos
de seus cidadãos. Porém, o Estado Liberal havia abdicado da intervenção no sistema econômico, de
forma que a liberdade dos agentes econômicos era garantida para que pudessem realizar suas atividades
da forma como entendessem mais adequadas.

Streck e Morais nos ensinam:

O projeto liberal teve como consequências: o progresso econômico; a


valorização do indivíduo, como centro e ator fundamental do jogo político
e econômico; técnicas de poder como poder legal, baseado no direito
estatal [...]. Todavia, estas circunstâncias geraram, por outro lado, uma
postura ultraindividualista, assentada em um comportamento egoísta;
uma concepção individualista e formal da liberdade onde há o direito, e
não o poder de ser livre; e a formação do proletariado em consequência da
Revolução Industrial e seus consectários, tais como a urbanização, condições
de trabalho, segurança pública, saúde etc.

Evidentemente que isso trouxe reflexos que se expressaram nos movimentos


socialistas e em uma mudança de atitude por parte do poder público, que
vai se expressar em ações interventivas sobre e no domínio econômico, bem
como em práticas até então tidas como próprias da iniciativa privada, o
que se dá, por um lado, para mitigar as consequências nefastas e, por outro
lado, para garantir a continuidade do mercado ameaçado pelo capitalismo
financeiro [...]

Para Dallari, há um duplo aspecto neste processo de transformação do Estado


Liberal, quais sejam: a) melhoria das condições sociais, uma vez que o poder
público se assume como garantidor de condições mínimas de existência
para os indivíduos; e; b) garantia regulatória para o próprio mercado, já
que o mesmo poder público passa a funcionar como agente financiador,
consumidor, sócio, produtor, etc., em relação à economia. (STRECK; MORAIS,
2006, p. 69‑70).

Como se pode perceber, a estratégia de liberdade total para os agentes econômicos estava com
seus dias contados e o Estado, a partir das pressões das massas de trabalhadores, da Igreja e da
necessidade de manter o mercado econômico em equilíbrio, adota nova postura de tratamento das
questões de cunho social. Assim, surge o Estado do Bem‑estar Social, também denominado de Estado
Assistencial, État Providence ou Welfare State, que a rigor é aquele Estado que tem o papel de
81
Unidade II

garantir acesso da população a um mínimo de segurança social, que significa, renda, alimentação,
saúde, habitação, e tudo isso assegurado ao cidadão, não como uma forma de caridade, mas como
direito político, previsto na constituição federal, lei máxima do país.

A ideia fundamental é que todo cidadão tem direito de ser protegido contra situações de curta
duração (doenças, desemprego, maternidade), como de longa duração (velhice, doenças crônicas,
invalidez etc.), que o impeçam de, por sua própria conta, garantir seu bem‑estar. O Estado atuará nesses
momentos de vulnerabilidade do cidadão para ajudá‑lo a ter uma vida digna e isso será resultado da
efetividade de um direito político, e não de um ato de caridade do Estado.

6.4 Doutrina social da Igreja

Em 1891, a encíclica Rerum Novarum (em latim, Das Coisas Novas), do papa Leão XIII, retomou o
pensamento de Santo Tomás de Aquino no sentido da justiça social. Encíclica é um documento por meio
do qual os papas católicos manifestam suas ideias, preocupações e apontam soluções e temas para a
reflexão em todo o mundo cristão.

Naquele documento o papa Leão XIII apelou para os empregadores a fim de respeitarem a dignidade
de seus trabalhadores como homens e como cristãos, e não os tratassem como instrumentos de fazer
dinheiro. Recomendou a formação de uniões de trabalhadores, o aumento do número de pequenos
proprietários agrários e a limitação de horas de trabalho. Leão XIII condenou o individualismo da
sociedade liberal burguesa e defendeu a intervenção do Estado, quando exigida pelo bem comum, para
salvaguardar os direitos da pessoa humana.

Em 15 de maio 1961, ao completar 70 anos da encíclica Rerum Novarum, o papa João XXIII escreveu
a encíclica Mater et Magistra (Mãe e Mestra), que determinou a prioridade do trabalho sobre o capital.
Essa encíclica é considerada o principal documento da chamada Doutrina Social da Igreja, porque
tráz profunda reflexão sobre os problemas contemporâneos àquela época e aponta caminhos para a
mitigação desses problemas.

A propriedade privada dos bens de consumo e dos meios de produção era não apenas um instrumento
indispensável à liberdade da pessoa humana, mas também uma garantia dos direitos sociais.

Na encíclica Mater et Magistra, o papa João XXIII afirma:

17. Bem conheceis, veneráveis irmãos, os princípios basilares expostos pelo imortal
Pontífice, com tanta clareza como autoridade, segundo os quais deve ser reconstruído
o setor econômico e social da comunidade humana.

18. Dizem respeito, primeiramente, ao trabalho que deve ser considerado, em teoria e na
prática, não mercadoria, mas um modo de expressão direta da pessoa humana. Para
a grande maioria dos homens, o trabalho é a única fonte dos meios de subsistência.
Por isso, a sua remuneração não pode deixar‑se à mercê do jogo automático das leis
do mercado; pelo contrário, deve ser estabelecida segundo as normas da justiça e
82
Teoria Política

da equidade, que, em caso contrário, ficariam profundamente lesadas, ainda mesmo


que o contrato de trabalho fosse livremente ajustado por ambas as partes.

19. A propriedade privada, mesmo dos bens produtivos, é um direito natural que o
Estado não pode suprimir. Consigo, intrinsecamente, comporta uma função social,
mas é igualmente um direito, que se exerce em proveito próprio e para bem dos
outros.

20. O Estado, cuja razão de ser é a realização do bem comum na ordem temporal, não
pode manter‑se ausente do mundo econômico; deve intervir com o fim de promover
a produção de uma abundância suficiente de bens materiais, “cujo uso é necessário
para o exercício da virtude”; e também para proteger os direitos de todos os cidadãos,
sobretudo dos mais fracos, como são os operários, as mulheres e as crianças. De igual
modo, é dever seu indeclinável contribuir ativamente para melhorar as condições de
vida dos operários.

21. Compete ainda ao Estado velar para que as relações de trabalho sejam reguladas
segundo a justiça e a equidade, e para que nos ambientes de trabalho não seja
lesada, nem no corpo nem na alma, a dignidade de pessoa humana. A este propósito,
a encíclica leonina aponta as linhas que vieram a inspirar a legislação social dos
estados contemporâneos: linhas, como já observava Pio XI na encíclica Quadragesimo
Anno, que eficazmente contribuíram para o aparecimento e a evolução de um novo
e nobilíssimo ramo do direito, o “direito do trabalho”.

22. E aos trabalhadores, afirma ainda a encíclica, reconhece‑se o direito natural de


constituírem associações, ou só de operários, ou mistas de operários e patrões;
como também o direito de darem às mesmas a estrutura orgânica que julgarem
mais conveniente para assegurarem a obtenção dos seus legítimos interesses
econômico‑profissionais, e o direito de agirem, no interior delas, de modo autônomo
e por própria iniciativa, para a consecução dos mesmos interesses.

23. Operários e empresários devem regular as relações mútuas, inspirando‑se no princípio


da solidariedade humana e da fraternidade cristã; uma vez que, tanto a concorrência
de tipo liberal, como a luta de classes no sentido marxista, são contrárias à natureza
e à concepção cristã da vida.

24. Eis, veneráveis irmãos, os princípios fundamentais em que deve basear‑se, para ser
sã, a ordem econômica e social.

[...]

73. Enquanto as economias dos vários países se desenvolvem rapidamente, com ritmo
ainda mais intenso neste último após guerra, julgamos oportuno lembrar um princípio
fundamental. O progresso social deve acompanhar e igualar o desenvolvimento
83
Unidade II

econômico, de modo que todas as categorias sociais tenham parte nos produtos
obtidos em maior quantidade. É preciso, pois, vigiar com atenção e trabalhar
eficazmente para que os desequilíbrios econômicos e sociais não cresçam, antes,
quanto possível, se vão atenuando.

74. “A própria economia nacional – nota sabiamente o nosso predecessor Pio XII – assim
como é fruto da atividade de homens que trabalham unidos na comunidade política,
assim não tende senão a assegurar, sem interrupção, as condições materiais em
que poderá desenvolver‑se plenamente a vida individual dos cidadãos. Onde isto
se conseguir, e de modo duradouro um povo será, de verdade, economicamente
rico, porque o bem‑estar geral, e, por conseguinte, o direito pessoal de todos ao uso
dos bens terrenos encontra‑se deste modo realizado conforme o plano estabelecido
pelo Criador. Daí segue‑se que a riqueza econômica de um povo não depende só da
abundância global dos bens, mas também, e mais ainda, da real e eficaz distribuição
deles segundo a justiça, para tornar possível a melhoria do estado pessoal dos
membros da sociedade: é este o fim verdadeiro da economia nacional.

75. Não podemos deixar de aludir ao fato de que hoje, em muitas economias, as médias e
grandes empresas conseguem com frequência aumentar rápida e consideravelmente
a capacidade produtiva por meio do autofinanciamento. Nestes casos, cremos poder
afirmar que aos trabalhadores se deve reconhecer um título de crédito nas empresas
em que trabalham, especialmente se ainda lhes toca uma retribuição não superior
ao salário mínimo.

76. A este propósito convém recordar o princípio exposto pelo nosso predecessor Pio
XI na encíclica Quadragesimo Anno: “É completamente falso atribuir só ao capital,
ou só ao trabalho, aquilo que se obtém com a ação conjunta de um e de outro, e é
também de todo injusto que um deles, negando a eficácia do contributo do outro, se
arrogue somente a si tudo o que se realiza”.

77. A essa exigência de justiça pode satisfazer‑se de diversas maneiras que a experiência
sugere. Uma delas, e das mais desejáveis, consiste em fazer que os trabalhadores
possam chegar a participar na propriedade das empresas, da forma e no grau mais
convenientes. Pois, nos nossos dias, mais ainda que nos tempos do nosso predecessor,
“é necessário procurar com todo o empenho que, para o futuro, os capitais ganhos,
não se acumulem nas mãos dos ricos senão na justa medida, e se distribuam com
certa abundância entre os operários”.

78. Devemos ainda recordar que o equilíbrio entre a remuneração do trabalho e o


rendimento deve conseguir‑se em harmonia com as exigências do bem comum,
tanto da comunidade nacional como de toda a família humana.

Fonte: João XXIII (1961).

84
Teoria Política

Antes de ser um documento religioso católico, a encíclica Mater et Magistra é um documento


político e social da maior importância, que repercute no tratamento da propriedade privada, das relações
de trabalho, no questionamento sobre o papel do Estado, e tudo em benefício de todos os homens,
mulheres e crianças do planeta Terra, independente de suas opções religiosas.

Lida com atenção e cuidado, a encíclica Mater et Magistra detecta problemas e situações de injustiça
social e econômica que ainda hoje persistem entre nós. E toca em questões problemáticas, como a
função social da propriedade que foram contempladas na Constituição Federal Brasileira e, ainda hoje
como sabemos, não se encontram satisfatoriamente solucionadas.

A distribuição da renda, por exemplo, tem sido tratada no Brasil de forma ainda polêmica com
programas sociais como o Bolsa Família. Se hoje já dispomos de pesquisas acadêmicas e de mercado que
sinalizam que o programa é efetivamente positivo para muitas famílias e regiões do país, por outro lado,
há um temor de que o acesso à renda sem programas de capacitação profissional, de empreendedorismo
e de educação continuada para o trabalho transforme uma parte da população brasileira em cidadãos
de “segunda classe”. Têm acesso a uma renda mínima que lhes permita ao menos alimentação, ainda que
nem sempre adequada, mas não têm acesso a formas de se tornarem independentes da ajuda estatal, ou
seja, de se autodeterminarem de forma plena como é o ideal do exercício da cidadania.

Assim, independente das opções religiosas de cada um de nós, a leitura dos textos das encíclicas nos
auxilia a compreender com maior profundidade a extensão dos problemas sociais e, consequentemente,
da complexidade das soluções que precisam ser encontradas para minimizá‑los.

O fato é que o Estado liberal que vigorara até a II Guerra Mundial é questionado por forças
políticas, religiosas, por grupos sociais de trabalhadores e até por forças econômicas, para as quais
as instabilidades sociais e políticas são sempre uma ameaça. Assim, havia indícios suficientes para
constatar que o Estado precisava modificar seu papel na economia e no social, de forma a garantir
que a população tivesse condições de vida mais dignas e, com isso, menor clamor contra o próprio
Estado e as forças produtivas.

Streck e Morais resumem:

O desenvolvimento do État Providence ou Estado de Bem‑estar pode ser


creditado a duas razões:

Uma de ordem política, através da luta pelos direitos individuais (Terceira


Geração), pelos direitos políticos e, finalmente, pelos direitos sociais, e

Outra de natureza econômica, em razão da transformação da sociedade


agrária em industrial, pois “o desenvolvimento industrial parece a única
constante capaz de ocasionar o surgimento do problema da segurança
social [...]”

[...]
85
Unidade II

O cerne da diferença, além da crescente atitude interventiva estatal, se coloca


exatamente neste aspecto de direito próprio do cidadão a ter garantido
o seu bem‑estar social pela ação positiva do Estado como afiançador da
qualidade de vida do povo.

Com Paulo Bonavides, pode‑se entender que o Estado Contemporâneo, ao


estilo do Estado do Bem‑estar, adota com preponderância a ideia social na
sua constituição com, como diz, a expectativa de que este princípio generoso
e humano de justiça (deva) se compadeça(cer) da tese não menos nobre e
verídica da independência da personalidade.

Na tentativa de realizar este equilíbrio, estabelece‑se, segundo Bobbio, um novo


contrato social, que nomina de socialismo liberal, no qual, partindo‑se da mesma
concepção individualista da sociedade e adotando os mesmos instrumentos
liberais, se incluem princípios de justiça distributiva, onde o governo das leis
– em contraposição ao governo dos homens – busque a implementação da
democracia em caráter igualitário (STRECK; MORAIS, 2006, p. 79‑80).

E Soares resume:

O paradigma do Estado do bem‑estar social foi adotado, após a Segunda


Guerra, pela maioria dos Estados desenvolvidos, impulsionada pelas
políticas econômicas keynesianas e pelo regime fordista de acumulação, e
também como resultado do compromisso entre classes sociais, em termos
de cidadania social acoplada ao crescimento econômico.

A cidadania social representou a conquista de significativos direitos sociais no


domínio das relações de trabalho, da segurança social, da saúde, da educação
e da habitação por parte das classes trabalhadoras dos Estados desenvolvidos
ou centrais, que, no entanto, foram menos intensas nos Estados periféricos
ou semiperiféricos (SOUSA SANTOS, 1996, p. 210 apud SOARES, 2008, p. 206).

O Estado teve de assumir as funções de agente conformador da realidade


social em face do advento de uma sociedade de massas marcada por
conflitos sociais.

O aparelho estatal desempenhou, ainda, função social integradora, ao


pretender reduzir as desigualdades sociais e propiciar certas condições
materiais para emancipação do indivíduo (BENDA, 1996, p. 553 apud
SOARES, 2008, p. 206).

Dotado de tais funções, o Estado social de direito faz‑se Estado administrador,


ao permitir o predomínio da Administração sobre a política ou da técnica
sobre a ideologia.
86
Teoria Política

Sua utopia era compatibilizar, dentro do mesmo sistema, o capitalismo, como


forma de produção, e as ideias socialistas, com o fetiche da consecução do
bem‑estar social (SOARES, 2008, p. 206).

Observação

John Maynard Keynes: economista britânico (1883‑1946).

Henry Ford: empresário fundador da indústria automobilística que leva


o seu nome (1863‑1947).

Como podemos perceber, os objetivos do Estado do Bem‑estar eram elogiáveis, na medida em que
pretendiam garantir melhor qualidade de vida para a população trabalhadora; mas, ao mesmo tempo,
eram esforços do Estado no sentido de aliviar as pressões dos trabalhadores e impedir o avanço do
regime comunista.

De todos os modos, não há como negar o avanço do ponto de vista social nos países que adotaram
plenamente, ou o mais plenamente possível, as características de Estado do Bem‑estar. Em aspectos
como acesso à saúde, educação e segurança pública, são até hoje países muito mais desenvolvidos,
como é o caso da Alemanha, por exemplo.

Mas, e o Brasil? Tivemos Estado do Bem‑estar Social em nosso país?

Os estudiosos são firmes em apontar, em sua grande maioria, que não construímos um modelo de
estado social que garantisse aos cidadãos acesso a seus direitos sociais fundamentais, como saúde,
educação, moradia, segurança e seguridade social. Durante a chamada Primeira República, não tínhamos
sequer direitos para os trabalhadores; com a tomada do poder por Getúlio Vargas tivemos mudanças
importantes, inclusive uma lei de proteção aos trabalhadores, mas não chegamos a construir outras
melhorias que nos aproximassem de um Estado de Bem‑estar.

Com o fim do período Vargas, vivemos no Brasil momentos de maior participação democrática, com
melhoria de serviços, em especial nos centros urbanos que cresciam com o avanço da industrialização,
mas, no geral, ainda estávamos carentes de efetividade de direitos sociais. O final do período democrático
é marcado exatamente pela promessa de João Goulart de realizar as famosas reformas de base, que
incluíam a reforma agrária e maiores direitos sociais para todos os brasileiros. A consequência todos
conhecemos: João Goulart teve que se exilar no Uruguai e os militares tomaram o poder para nos fazer
vivenciar 21 anos de ditadura.

Importante reflexão pode ser realizada sobre o Estado brasileiro pós‑ditadura militar e a perspectiva
de construção de um Estado do Bem‑estar. De fato, a Constituição Federal de 1988 é pródiga em
direitos individuais e coletivos, principalmente sociais, para todos os brasileiros e os estrangeiros
residentes no país.

87
Unidade II

A saúde, por exemplo, é garantida na Constituição Federal de 1988 como direito de todos
e dever do Estado, direito esse que será viabilizado mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário
às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Em outras palavras, a saúde
pública é um direito de quem trabalha, de quem não trabalha, de quem nunca trabalhou,
de todos independentemente de contribuírem ou não para o custeio das políticas sociais e
econômicas de saúde.

É uma ideia de enorme valor, mas podemos perguntar: na prática, após vinte e cinco anos da entrada
em vigor da Constituição Federal, a saúde pública no Brasil alcançou seus objetivos de atender com
qualidade e eficiência a toda a população brasileira?

Figura 29

Na foto anterior podemos ver uma das manifestações ocorridas no Brasil, em junho de 2013. Elas
ocorreram em praticamente todas as grandes cidades do país, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife, entre outras. Os motivos que levaram às pessoas comuns às
ruas para protestar foram os mais variados: qualidade da saúde, do transporte coletivo, da segurança
pública e críticas à realização da Copa do Mundo no Brasil.

Em São Paulo, o movimento ganhou muita força a partir do anúncio pelo governo do aumento
da passagem de ônibus, em 20 centavos. Porém, a qualidade do transporte público é tão baixa em
São Paulo que mesmo uma quantia aparentemente pequena revoltou as pessoas, que foram às
ruas em grandes manifestações, que no início eram pacíficas e, mais tarde, com a participação dos
chamados Black Blocs, – grupos de mascarados que promovem destruição durante as manifestações
–, tornaram‑se violentas e, recentemente, tiveram como resultado a morte de um cinegrafista no
Rio de Janeiro.

88
Teoria Política

O surgimento de grupos violentos infiltrados nas manifestações populares não tira delas o
aspecto positivo de termos visto a população protestar ativamente contra o Estado brasileiro, que
ainda se mostra, em muitos aspectos, ineficiente para garantir a qualidade de vida e o bem‑estar
do povo brasileiro.

Não são poucos, em todo o país, os problemas com a baixa qualidade da educação, da saúde, da
segurança, da moradia, da assistência social e da previdência social, todos direitos constitucionais
especificados no artigo 6º da Constituição Federal brasileira. Em outras palavras, temos os direitos
garantidos pela lei mais importante do país, mas, na prática, o cidadão brasileiro comum ainda enfrenta
enormes dificuldades para ter acesso aos direitos sociais com qualidade.

O Estado do Bem‑estar Social no Brasil não chegou a ser uma realidade. É certo que tivemos, após a II
Guerra Mundial, um período de razoável tranquilidade política e econômica, com a Constituição Federal
de 1946 como compromisso importante para a garantia de um Estado mais justo. Porém, a democracia
brasileira sofreria outro golpe em 1964, com a implantação da ditadura militar e suas consequências
negativas para os direitos políticos, civis e sociais, e para a economia do país.

O final da ditadura militar em 1985 legou ao povo brasileiro um país com necessidades sociais muito
importantes que, no entanto, até hoje, ainda não se conseguiu atender com eficiência e igualdade em
todo o país.

O modelo do Estado do Bem‑estar Social foi a inspiração da Constituição Federal de 1988, a primeira
após a ditadura militar. Mas é preciso reconhecer que a implantação desse projeto político e social ainda
não se completou no Brasil e que, nesse sentido, há muito a ser feito, em especial no tocante à maior
participação da população brasileira na construção da chamada cidadania ativa.

7 CONCEPÇÕES DE ESTADO NO MUNDO CONTEMPORÂNEO

Encerramos o título anterior com reflexões sobre o Estado do Bem‑estar Social e sobre o fato de que
no Brasil esse projeto não se efetivou inteiramente.

E nos demais países do mundo, o Estado de Bem‑estar Social foi implementado? Em alguns países
do mundo sim e com resultados de forte impacto positivo. Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos, entre
outros, foram países em que o modelo foi implantado de diferentes formas, porém, com resultados
satisfatórios para a população, que teve acesso a boas escolas, a serviço de saúde de qualidade, segurança
pública garantida e seguridade social na forma de aposentadorias que suprem as necessidades de uma
pessoa de mais idade.

É importante destacar que as formas como cada país implantou as bases do bem‑estar social
foram diferentes. Prova disso é que até hoje, em nossos dias, ainda existem problemas de acesso à
saúde nos Estados Unidos. O modelo de saúde implantado naquele país é diferente de outros, e assim
sucessivamente. Porém, geralmente, o traço de união entre todos foi a preocupação em assegurar a
cada cidadão o acesso a direitos que lhe garantissem a dignidade humana, ou o mínimo ético, como
também chamam alguns estudiosos da área de direito.
89
Unidade II

Assim, da década de 1950 até 1980, os diversos países do mundo que adotaram os princípios do Estado
de Bem‑estar Social implantaram de formas diferentes o acesso aos direitos sociais, inclusive como forma
de se protegerem de manifestações favoráveis ao socialismo, regime que nesse período estava presente em
muitos países como a União Soviética, Polônia, Tchecoslováquia, Hungria, entre outros.

Em 1979, Margareth Thatcher assume como primeira ministra da Inglaterra e inicia o desmonte
do Estado de Bem‑estar Social, sob alegação de que o Estado não possuía mais recursos para garantir
tantos direitos sociais para os cidadãos. Ela dá início a um movimento que se alastra por outros países e
que a bem da verdade ainda não se encerrou totalmente.

Em 1989 a queda do Muro de Berlim simboliza, de forma decisiva, o fim a experiência socialista na
maior parte dos países europeus. A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas se dissolve e deixa em seu
lugar um mundo conturbado política e economicamente, muito embora a Rússia ressurja como nação
poderosa no cenário mundial. A Alemanha Oriental e a Alemanha Ocidental se reorganizam em um país
único, com enorme força econômica e política, e a Europa inicia um novo momento que mais tarde
resultará na criação do bloco denominado União Europeia.

O liberalismo econômico ganha nova vitalidade e ressurge como neoliberalismo, trazendo com ele
um outro fenômeno ainda hoje muito estudado, a globalização.

Comparato explica:

[...]

A crise mundial do petróleo, desencadeada subitamente em 1973, quando os


países‑membros da OPEC (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) decidiram
reduzir o fornecimento do produto e aumentar substancialmente o seu preço, provocou
uma acentuada queda do crescimento econômico em todos os países, combinada com
altas taxas de inflação monetária e de desemprego. Foi o fenômeno da assim chamada
estagflação, patologia econômica que voltou a se repetir, sobretudo na Europa, após o início
da grande recessão de 2008. Seu tratamento revelou‑se muito difícil, pois as medidas de
política econômica, classicamente aplicadas para debelar a inflação, tendem a reduzir ainda
mais a produção e a acelerar o desemprego.

Ao mesmo tempo, essa crise energética – repetida em 1979, logo após a revolução iraniana
– teve como resultado um aumento expressivo das reservas monetárias dos países produtores
de petróleo, em especial no Oriente Médio. A fim de não deixar esses recursos ociosos, tais
países passaram então a fazer, por intermédio de alguns grupos bancários internacionais,
grandes ofertas de crédito em outras regiões do planeta, não só às empresas privadas, mas
também aos próprios Estados estrangeiros, sobretudo em países subdesenvolvidos. [...]

O fenômeno da estagflação provocou de imediato, em todas as potências capitalistas,


uma acentuada queda na acumulação do capital das empresas, com a consequente redução
dos níveis de riqueza pessoal do estrato mais rico da população.
90
Teoria Política

Tal fato serviu de incitação à busca de um novo modelo de organização geral da


atividade econômica. As ideias originalmente expostas por Friedrich Hayek, logo após a
Segunda Guerra Mundial, ressurgiram na Universidade de Chicago, em torno de Milton
Friedman, cunhando‑se, para caracterizá‑las, a denominação neoliberalismo. [...] A nova
ideologia passou a contar, desde logo, com o apoio político dos Estados Unidos, sob
a presidência de Ronald Reagan, e do Reino Unido, sob a batuta da primeira‑ministra
Margaret Thatcher.

Eis as recomendações principais da doutrina neoliberal:

• Redução acentuada dos poderes do Estado na regulação da vida econômica e


também dos direitos sociais, a fim de assegurar, segundo se garantia, maior eficiência
na atividade empresarial.

• Privatizações em massa de empresas, mesmo nos setores de infraestrutura (energia,


transportes e comunicações), bem como no setor de serviços públicos.

• Generalizada abolição dos regulamentos administrativos em matéria econômica,


mesmo nos setores em que tradicionalmente tais regulamentos sempre existiram,
como crédito, câmbio, seguros, mercado de capitais, circulação internacional de
capital e comércio exterior.

• Mudanças na política financeira estatal, com a eliminação dos déficits públicos, a


redução da carga tributária (substituída em grande parte pela emissão de empréstimos
públicos) e a supressão de subsídios estatais a certas atividades econômicas.

• A mais grave consequência da política neoliberal, estendida em pouco tempo ao


mundo inteiro, foi, sem dúvida, a precarização do conjunto de direitos da classe
trabalhadora.

[...]

Fonte: Comparato (2013, p. 247‑248).

Friedrich Hayek, citado no texto anterior de Fabio Konder Comparato, nasceu em Viena, na Áustria,
em 1899 e estudou economia. Na obra O Livro da Política, consta:

O papel central do governo, disse Hayek, deveria ser a manutenção do “Estado


de direito”, com o mínimo possível de intervenção na vida das pessoas. Ele
seria uma “associação civil”, que oferece um arcabouço dentro do qual cada
indivíduo poderia seguir seus próprios projetos.

[...]

91
Unidade II

Por um longo tempo, as ideias de Hayek tiveram apenas poucos discípulos,


e a economia keynesiana dominou a política dos governos ocidentais no
pós‑guerra. Muitos países estabeleceram Estados de Bem‑estar Social a
despeito das advertências de Hayek em oposição. Mas a crise do petróleo e
a crise econômica dos anos 1970 persuadiram algumas pessoas a revisarem
as ideias de Hayek, e, em 1974, para a surpresa de muitos, ele ganhou o
Prêmio Nobel de Economia. Desse ponto em diante, suas ideias tornam‑se
o ponto de convergência para todos os que defendiam os livres mercados
desregulados como o caminho para a prosperidade econômica e a liberdade
individual. Nos anos 1980, Reagan e Thatcher implementaram políticas para
encolher o Estado de Bem‑estar, reduzindo a tributação e diminuindo as
regulações. Muitos dos líderes das revoluções contra os governos comunistas
do Leste Europeu também foram inspirados pelas ideias de Hayek (KELLY,
2013, p. 274‑275).

A partir da década de 1980, alguns países ocidentais passam a implantar o chamado desmonte
do Estado do Bem‑estar Social. Em lugar desse modelo, implanta‑se o neoliberalismo e com ele, a
globalização, necessária para que o dinheiro e as mercadorias possam circular livremente entre os
mercados, com rapidez para aproveitar os melhores momentos e obter maior quantidade de lucro.

Política e economia, como vimos, caminham juntas.

Se por um lado os estados socialistas começaram a partir da década de 1980 um processo de


maior democratização e, consequentemente, de maior liberdade para o povo, seja para escolher seus
governantes, seja para manifestar suas ideias, no âmbito econômico esse período é marcado pelo fim
das ideias do bem‑estar social.

Para os países da América Latina, como o Brasil, que ainda viviam em período de ditadura militar,
a mudança econômica foi sentida da pior forma possível, ou seja, pelos reflexos das crises econômicas
que começavam a tornar‑se mundiais, como aconteceu com a crise do petróleo em 1973. E, ainda mais
lamentável, ao final dos períodos de ditadura militar, os países da América Latina foram pressionados
para ingressar prontamente no modelo neoliberal, de estado mínimo e de forte liberdade para a atuação
dos grupos econômicos internacionais, porque esse era um pré‑requisito essencial para que o capital
estrangeiro aceitasse realizar investimentos no Brasil.

Assim, sem nem termos conseguido implantar o Estado de Bem‑estar Social, nos vimos às voltas
com a abertura para o mercado internacional (governo Collor de Mello) e as privatizações (governo
Fernando Henrique Cardoso), tudo em nome de um país mais moderno, eficiente e que receberia o
capital dos investidores internacionais para poder ingressar em um ciclo de desenvolvimento.

Desse modo, embora a Constituição Federal brasileira tenha um extenso rol de direitos sociais
previstos para serem disponibilizados pelo Estado para os cidadãos, a realidade social brasileira ainda é
bastante precária na efetividade desses direitos.

92
Teoria Política

Rizzotto afirma:

No Brasil, o “neoliberalismo” foi introduzido associado ao discurso da necessidade de


modernização do país, que se iniciou no governo de Fernando Collor de Mello, em 1989,
e se aprofundou nas décadas de 1990 e 2000. No primeiro caso, com ênfase nas reformas
econômicas, na privatização das empresas estatais e nas políticas sociais focalizadas; no
segundo, aprofundando esses aspectos e modificando substancialmente a estrutura do
Estado por meio de ampla reforma, consubstanciada em documento denominado Plano
Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (1995). No referido documento foram definidas
as diretrizes da reforma e a nova configuração que o Estado brasileiro deveria assumir a
partir de então.

O movimento neoliberal defendia a tese de que a crise das décadas de 1970 e 1980
decorria do mau funcionamento do Estado, evidenciado na falta de efetividade, no
crescimento distorcido, nos altos custos operacionais, no excesso de endividamento
público e na incapacidade de se adequar ao processo de globalização em curso, que teria
reduzido a autonomia e a capacidade dos Estados Nacionais para gerirem suas próprias
políticas econômicas e sociais. Portanto, seria necessário que as sociedades aceitassem uma
redefinição das responsabilidades do Estado, selecionando estrategicamente as ações que
o Estado iria desenvolver e as que deixaria de executar. Esperava‑se com isso reduzir as
atribuições impostas ao Estado e fazer com que os cidadãos se envolvessem mais na solução
dos problemas da comunidade.

O novo Estado, denominado ‘social liberal’, teria como principal função a regulação, a
representatividade política, a justiça e a solidariedade, devendo‑se afastar do campo da
produção e se concentrar na função reguladora e na oferta de alguns serviços básicos, não
realizados pelo mercado, tais como os serviços de educação, saúde, saneamento, entre
outros. A implementação de reformas administrativas e gerenciais permitiria a focalização
da ação estatal no atendimento das necessidades sociais básicas, reduzindo a área de atuação
do Estado por meio de três mecanismos: a privatização (venda de empresas públicas), a
publicização (transferência da gestão de serviços e atividades para o setor público não
estatal) e a terceirização (compra de serviços de terceiros).

Para proceder às mudanças apregoadas no âmbito do projeto neoliberal, deveriam ser


removidos os constrangimentos jurídico‑legais, notadamente de ordem constitucional, que
impediam a adoção de uma administração ágil, com maior grau de autonomia, capaz de
enfrentar os desafios do Estado moderno.

No que tange às políticas sociais, para o pensamento neoliberal, estas não são
compreendidas como direitos, mas como forma de assistir aos mais necessitados ou como
ato de filantropia, daí que a ação do Estado deve ser focalizada nos pobres, e a sociedade,
na figura das organizações não governamentais e no voluntariado, deve ser estimulada a
assumir responsabilidades pela resolução dos seus problemas, reduzindo a carga imposta ao
Estado ao longo do tempo.
93
Unidade II

Nesse aspecto, a ofensiva às políticas sociais foi linear, atingindo tanto os países que
conseguiram construir um Estado de Bem‑estar Social como os países periféricos, que só
conseguiram realizar um esboço de proteção social aos seus cidadãos. Contudo, a forma de
assimilação e os resultados foram distintos em um e noutro contexto, com maior desmonte
dos sistemas de proteção social nos países periféricos, tanto pela fragilidade desses sistemas
como pela pouca capacidade de resistência dos segmentos afetados.

[...]

Fonte: Rizzotto (2009).

Como saímos da ditadura para o neoliberalismo, não foi possível quitar com as camadas mais pobres
da população brasileira a imensa dívida social acumulada. Ao contrário, aprofundamos os problemas
sociais e, até hoje, o Estado brasileiro ainda não deu conta de diminuir de forma eficiente essa dívida
social com as camadas de baixa renda da população, embora tenha havido melhoria nos últimos anos.

José Eduardo Faria dimensiona em números e percentuais o que significou para o Brasil sair da
ditadura militar e ingressar no mundo neoliberal, com a necessidade de adequar‑se às novas regras de
mercado e de financiamento, quando afirma que:

[...] a inflação em 1985 tinha sido de 600%, em 1985/1986, um terço da


população economicamente ativa brasileira estava desempregada, algo em
torno de 10% a 11% da população se encontrava em estado de miséria
absoluta. Ou seja, tínhamos uma economia parada, um desemprego
extremamente preocupante e, acima de tudo, tínhamos uma economia
inteiramente desvirtuada do ponto de vista da estabilidade monetária.

[...] entre 1970 e 1980, o PIB cresceu em termos deflacionados algo em torno
de 150% e, entre 1980 e 1986, cresceu alguma coisa em torno de 1,5%, 1,6%,
1,7%. Enquanto tínhamos um crescimento de 150% na década anterior, nós
tivemos um fluxo migratório extremamente elevado em direção aos pólos
de industrialização, que são o Sul e o Sudeste. A partir de 1980, quando se
freia o ritmo do crescimento econômico, o processo migratório continua e é
nesse momento que vamos verificar um processo por meio do qual aquela
urbanização desenfreada, decorrente de um movimento migratório, gera,
em função de uma paralisia da economia, o grande problema social que é
a formação de cinturões de pobreza nas grandes regiões metropolitanas.
É nesse momento que começamos a ter questões de terra, dos sem‑teto,
da criminalidade urbana, da violência e, acima de tudo, a questão dos
movimentos sociais que agem no sentido de uma política de transgressão
do direito do ponto de vista legal e de uma política de valorização do direito,
do ponto de vista do direito natural, ou seja, uma ruptura da legalidade
justificada em nome da legitimidade, tornando os conflitos sociais brasileiros
cada vez mais tensos (FARIA, 2001, p. 136‑137).

94
Teoria Política

A situação social brasileira tem raízes históricas e políticas que não podem ser analisadas apenas
com base nos últimos governos, de Fernando Henrique Cardoso (oito anos), Luis Inácio Lula da Silva (oito
anos) e Dilma Roussef (quatro anos). É preciso compreender historicamente como o processo político
nacional e internacional se desenvolveu, para que possamos perceber onde se encontra o nascimento
dos problemas e, com isso, ampliarmos o entendimento para podermos buscar soluções eficazes e
historicamente construídas.

Em outras palavras, os problemas políticos, econômicos e sociais na atualidade são parte integrante
de uma conjuntura em que a figura do Estado soberano perdeu força e valor. E deu lugar para a
ocupação hegemônica dos modelos econômicos que ditam as posturas do Estado. Em pouco tempo,
deixamos de ser um país e um mundo em que os políticos determinavam o que seria da economia, para
sermos subjugados às tendências econômicas e seus desdobramentos. E além de ter que enfrentar o
neoliberalismo, o Brasil saído da ditadura militar enfrentou ainda outro fenômeno bastante correlato
com o primeiro: a globalização.

O século XX foi marcado por intenso desenvolvimento tecnológico que avançou, em especial, a partir
da II Guerra Mundial. Produtos de consumo com farta tecnologia incorporada fizeram a Humanidade
saltar de um estágio de consumismo para o atual momento, que é classificado por muitos como de
hiperconsumo, ou seja, o consumo se tornou parte essencial da vida das pessoas.

A vida útil dos produtos disponibilizados no mercado diminuiu muito porque o desejo é sempre por
novidades. Um produto tem tempo muito curto para ser pesquisado, desenvolvido, fabricado, colocado
no mercado e retornar o maior lucro possível, porque em poucos anos, e às vezes, poucos meses, ele será
substituído por outro que atrairá o desejo dos consumidores.

Para que esse curto ciclo de pesquisa, desenvolvimento, comercialização no mercado e obsolência do
produto se realize e permita ao fabricante ter lucro, é preciso expandir o mercado consumidor. Por isso,
empresas transnacionais como a Nike, por exemplo, criam o modelo do produto nos Estados Unidos,
produzem no Vietnam e vendem na Costa Rica, entre outros muitos países do mundo. Em um ano é
possível criar novos modelos, fabricá‑los e colocá‑los à venda no mercado sem perder a lucratividade.

Facilidade de acesso à matéria‑prima e mão de obra com baixo custo são os outros componentes
que sustentam a globalização, além da expansão territorial dos mercados.

No entanto, de forma inevitável, a globalização não se resume aos aspectos econômicos, embora
eles tenham sido determinantes para que ela se consolidasse. Quando há maior circulação de produtos
e serviços, quando empresas transnacionais se instalam em diferentes partes do planeta, a cultura
também circula e influencia outros lugares e outras pessoas. Vivemos, portanto, a partir do século XX,
a globalização dos costumes, dos valores, das crenças, das diferentes culturas, tudo circulando com
enorme rapidez por meio da rede mundial de computadores e dos meios de comunicação cada vez mais
ágeis, múltiplos e globais.

A globalização é, portanto, um fenômeno que tem aspectos econômicos, sociais, culturais,


tecnológicos e políticos e pode ser representada nessa medida como um conjunto de transformações.
95
Unidade II

Todos esses elementos permitem afirmar que vivemos em um mundo globalizado, sob influência desse
fenômeno altamente complexo que se encontra, ainda, em fase de estudos iniciais.

Vieira afirma:

A globalização é normalmente associada a processos econômicos, como a


circulação de capitais, a ampliação dos mercados ou a integração produtiva
em escala mundial. Mas descreve também fenômenos da esfera social,
como a criação e expansão de instituições supranacionais, a universalização
de padrões culturais e o equacionamento de questões concernentes à
totalidade do planeta (meio ambiente, desarmamento nuclear, crescimento
populacional, direitos humanos etc). Assim, o termo tem designado a
crescente transnacionalização das relações econômicas, sociais, políticas
e culturais que ocorrem no mundo, sobretudo nos últimos 20 anos
(MUÇOUÇAH,1995 apud VIEIRA, 2009, p. 72‑73).

O sociólogo inglês Anthony Giddens define globalização como “a


intensificação de relações sociais em escala mundial que ligam localidades
distantes de tal maneira, que acontecimentos locais são modelados por
eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice‑versa” (GIDDENS,
1990 apud VIEIRA, 2009, p. 72‑73).

[...]

A globalização implica uma nova configuração espacial da economia


mundial, como resultado geral de velhos e novos elementos de
internacionalização e integração. Mas se expressa não somente em termos
de maiores laços e interações internacionais, como também na difusão
de padrões transnacionais de organização econômica e social, consumo,
vida ou pensamento, que resultam do jogo das pressões competitivas do
mercado, das experiências políticas ou administrativas, da amplitude das
comunicações ou da similitude de situações e problemas impostos pelas
novas condições internacionais de produção e intercâmbio. As principais
transformações acarretadas pela globalização situam‑se no âmbito da
organização econômica, das relações sociais, dos padrões de vida e cultura,
das transformações do Estado e da política.

Outros aspectos são as migrações e viagens internacionais, multiplicação


dos contatos e das redes de comunicação, multiplicidade de relações e
organizações interestatais, o número crescente de redes de organizações
não‑governamentais, difusão de novas tecnologias, internacionalização do
conhecimento social e novas formas de interdependência mundial. Entre
esses elementos não econômicos destacam‑se a expansão da democracia
e, sobretudo, a deterioração ecológica do planeta, que passou a constituir
96
Teoria Política

uma das bases fundamentais da globalização, talvez a mais importante,


à medida que tanto suas causas quanto seus efeitos são globais (VIEIRA,
2009, p. 72‑73).

Em linhas gerais, é possível afirmar que a globalização tem aspectos positivos e negativos e que
ambos devem ser analisados com cuidado e com muita profundidade teórico‑metodológica.

Entre os aspectos negativos, sem dúvida, inclui‑se a economia global, que tende a favorecer os países
e empresas mais ricos e, em contrapartida, a exigir grandes sacrifícios dos países e empresas menos
desenvolvidos. Um exemplo clássico é a questão do valor da mão de obra. As empresas transnacionais
buscam países com menores direitos para os trabalhadores, de forma que o valor agregado ao custo da
mão de obra seja menor e, consequentemente, os produtos possam chegar aos mercados com valores
mais baixos.

Ainda sobre aspectos negativos, temos os grupos econômicos que se dedicam à circulação de capitais
e que, invariavelmente, deslocam grandes fluxos de dinheiro de um país para outro em curto espaço de
tempo, sempre visando ao proveito de aplicações mais rentáveis, sem participar, necessariamente, com
investimentos de longo prazo para subsídio de infraestrutura, que quase sempre é bastante precária nos
países emergentes ou nos países pobres.

Os governos locais, ou seja, de cada país, pouco ou nada podem fazer para impedir que a globalização
econômica prejudique a economia nacional, em especial quando ela atinge com a forma de uma tsunami
os países, como aconteceu recentemente com a crise de 2008, ou com a mais recente crise europeia
em países como Grécia, Espanha, Portugal e Irlanda, em 2011, que teve repercussão em muitos países
inclusive no Brasil.

As causas da crise europeia foram basicamente o endividamento público elevado desses países e a
falta de uma política mais consistente da União Europeia para resolver esse alto endividamento. E as
consequências foram imediatas: aumento do desemprego, escassez de crédito disponível no mercado,
fuga de capital dos investidores, queda do crescimento dos países e do seu PIB e expansão da crise
para além do bloco dos países europeus, dando início a uma onda de pessimismo e de dificuldades que
atingiu o Brasil.

Por outro lado, existem aspectos positivos que devem ser ressaltados, como especialmente a maior
pressão mundial pela democratização dos países que ainda se encontram em regimes autoritários,
inclusive com a realização de bloqueios econômicos para forçá‑los a uma atitude mais flexível. Como
as informações circulam muito rapidamente, existem pressões internacionais também contra costumes
consagrados, como pudemos verificar recentemente no caso da condenação por apedrejamento de uma
iraniana, Sakineh Mohammadie Ashtiani, cuja história foi fartamente noticiada pela imprensa em
todo mundo e motivou reações que impediram essa prática brutal.

Além disso, a comunicação permanente entre diferentes culturas pode contribuir para ampliar
a visão do mundo, os valores, o conhecimento e as expectativas de vida das diferentes pessoas, o
que sempre traz resultados positivos. Quando conhecemos aspectos culturais, sociais e políticos
97
Unidade II

de outros países podemos estabelecer comparações e, por meio delas, constatar que existem
mudanças que precisam ser feitas, e trabalhar para que elas aconteçam.

Organizações não governamentais que atuam em várias partes do mundo também têm
contribuído para globalizar o debate sobre direitos humanos, combate ao terrorismo, fim das minas
de guerra que matam e mutilam pessoas mesmo depois que o conflito termina, preservação do
planeta, fim da destruição de animais com objetivo econômico (caça a baleias, por exemplo), entre
tantos outros projetos de caráter humanitário que se tornaram parte da agenda de muitos países
do mundo.

O que se pode perceber, ainda, é que, globalizado ou não, a organização política contemporânea
não pode existir sem a participação efetiva dos cidadãos a quem compete, em última análise,
afirmar valores, protestar contra ofensas aos direitos, reafirmar objetivos e fiscalizar a conduta
dos líderes políticos. Sem a consolidação democrática e a consequente participação do cidadão na
política, não existem meios para melhorar ou aprimorar sistemas políticos.

8 DEMOCRACIA

Conceito ou princípios fundamentais do que é democracia? O que é mais importante para estudar?

Conceito, princípios fundamentais ou dificuldade para realizar as aspirações da democracia? O que


é mais importante para compreender?

Conceito, princípios fundamentais, como realizar as aspirações ou as várias tentativas realizadas até
este momento da história da humanidade? O que é mais importante para refletir?

Democracia é viável na atualidade? Se não é, por que não? E se é, de que forma?

Credita‑se a Winston Churchill a frase: “A democracia é a pior de todas as formas imagináveis de


governo, com exceção de todas as demais que já se experimentaram”. Essa frase nos dá a dimensão da
dificuldade em definir democracia. Esse assunto já foi parcialmente tratado no título 5 deste livro e é
retomado aqui para que possamos refletir sobre a democracia participativa com mais profundidade
do que fizemos.

O conceito de democracia foi construído historicamente e, na atualidade, é muito diferente daquele


que era praticado na Grécia. A noção é a mesma, ou seja, governo do povo.

O problema é que a definição de povo para os gregos era bem diferente daquela que utilizamos
hoje. Cidadão para os gregos era aquele que possuía virtude política, que é a sabedoria para mandar e
obedecer. E ela só pertence àquele que não tem necessidade de trabalhar para viver, conforme afirmava
Aristóteles na obra A Política.

A ideia moderna de Estado democrático está no século XVIII e tem como significado essencial a
existência de certos valores fundamentais da pessoa humana e a convicção de que o Estado tem de
98
Teoria Política

proteger esses valores. Ao longo da trajetória histórica a esses valores essenciais são acrescidos outros,
quase sempre após momentos cruciais da humanidade, como a I e a II Guerras Mundiais, por exemplo.
Democracia é e será sempre um conceito em construção.

E, embora seja um conceito que é permanentemente construído, alguns princípios deverão estar
presentes em um Estado democrático. Entre os principais: supremacia da vontade popular; preservação
da liberdade e igualdade de direitos. E como realizar esses fundamentos da democracia em um mundo
que tem na economia globalizada sua maior expressão de poder?

Estudamos anteriormente que a democracia pode ser direta, semidireta e representativa. Democracia
participativa é o nosso objeto principal de estudo neste momento.

Democracia representativa é aquela em que o povo é governado por representantes periodicamente


eleitos por ele. Esses representantes tomam decisões em nome do povo e no atendimento a seu interesse,
decisões políticas que afetam a vida de todos.

Na atualidade, no Brasil, há intensa discussão sobre a democracia representativa e seus defeitos. A


propósito, quais são os principais defeitos da democracia representativa do Brasil na atualidade?

Já a democracia participativa, que pode ocorrer junto com a representativa, implica maior participação
do povo em relação à administração pública e ao governo. Nela o poder democrático não se restringe ao
voto, embora ele exista e continue sendo essencial. Na democracia participativa o poder de decidir do
povo é exercido em diferentes momentos e por diferentes formas.

Ocorre todas as vezes que a sociedade civil intervém durante o mandato dos governantes para
opinar sobre práticas a serem adotadas.

Para Lyra

[...] só há participação política efetiva quando existe democracia participativa,


quando o cidadão pode “apresentar e debater propostas, deliberar sobre elas
e, sobretudo, mudar o curso da ação estabelecida pelas forças constituídas e
formular cursos de ação alternativas (FILLA; BATTINI, 1993).

Ou seja, mais precisamente, sempre que houver formas de o cidadão


participar, decidindo e (ou) opinando, diretamente, ou de forma indireta,
por meio de entidades que integra, a respeito de uma gama diversificada
de instituições, no âmbito da sociedade (famílias, empresas, mídia, clubes,
escolas, etc) ou na esfera pública (orçamento participativo, conselhos de
direitos, ouvidorias, etc). Fica claro, portanto, que a democracia participativa,
tal como a acabamos de definir, não abrange a democracia representativa.
Embora possa perfeitamente coexistir com ela, como, aliás, ocorre no Brasil
(LYRA, 2002, p. 36).

99
Unidade II

O texto da Constituição Federal brasileira de 1988 consagrou a participação da sociedade como


princípio de direito constitucional e de direito administrativo. Por isso, contém um conjunto de normas
que determinam a adoção de práticas de participação popular na vida política e administrativa do país.

O artigo 10 da Constituição Federal assegura a participação dos trabalhadores e empregados nos


colegiados dos órgãos públicos e que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de
discussão e deliberação. O artigo 29 da Constituição Federal, ao tratar do município e suas normas básicas
de organização, prevê expressa cooperação das associações representativas no planejamento municipal.
O artigo 187 da CF, por sua vez, quando estabelece a atividade administrativa de planejamento da
política agrícola, determina que esta será executada na forma da lei, com participação efetiva do setor
de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, assim como setores de comercialização, de
armazenamento e transportes.

O artigo 194 da Constituição Federal prevê em seu caput que: “A seguridade social compreende um
conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinados a assegurar
os direitos relativos à saúde, à previdência social e à assistência social” (BRASIL, 1988).

No inciso VII, o artigo 194 assegura o caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa,
com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados.

No inciso III do artigo 198 do texto constitucional está previsto que as políticas, ações e serviços
públicos de saúde deverão ser organizados tendo como diretriz a participação da comunidade.

No inciso II do artigo 204 está previsto que os serviços públicos de assistência social devem ser
organizados e executados com a participação popular, por meio de organizações representativas, na
formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

O artigo 205 estatui que a educação é atividade que será promovida e incentivada com a colaboração
da sociedade e o 206, inciso VI, completa com a determinação de que o serviço público contará com
gestão democrática na forma da lei.

Nos artigos 216 (proteção do patrimônio cultural), 225 (defesa do meio‑ambiente) e 227 (programas de
assistência integral à saúde da criança e do adolescente), também existe previsão expressa para a participação
da sociedade brasileira na concepção, execução e fiscalização de políticas públicas nessas áreas.

Nas disposições finais e transitórias, a Constituição Federal determina que o poder público
desenvolverá esforços, com a mobilização de todos os setores organizados da sociedade, para eliminar
o analfabetismo e universalizar o ensino fundamental.

A Lei nº 9.394, de 1996, a chamada Lei de Diretrizes e Bases da Educação, fixou que os sistemas de
ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo
com as suas peculiaridades e conforme os princípios da participação dos profissionais da educação
na elaboração do projeto pedagógico da escola, e da participação das comunidades escolar e local em
conselhos escolares ou equivalentes.
100
Teoria Política

Na Emenda Constitucional nº 19, de 1998, art. 37, parágrafo 3º, está determinado que:

A Lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração


pública direta e indireta, regulando especialmente: I‑ as reclamações
relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a
manutenção de serviços de atendimento a usurários e a avaliação periódica,
externa e interna da qualidade dos serviços; II – o acesso dos usuários a
registros administrativos e a informação sobre atos de governo, observado
o disposto no art. 5º, X e XXXIII; III‑ a disciplina da representação contra
o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na
administração pública (BRASIL, 1998).

O Conselho Tutelar é órgão previsto no art. 131 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da
Criança e do Adolescente), que o instituiu como “órgão autônomo, não‑jurisdicional, encarregado de
zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.”

Em cada município brasileiro deve haver pelo menos um Conselho Tutelar, instituído por lei municipal,
composto de cinco membros e escolhido pela comunidade local com mandato de três anos, sendo
permitida uma recondução.

A Lei 8.742, de 1993, que estabelece o regramento da assistência social e a define como direito do
cidadão e dever do Estado, trata a assistência social como política de seguridade social não contributiva,
que provê os mínimos sociais e que será realizada por meio de um conjunto integrado de ações de
iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.

No artigo quinto essa lei determina as diretrizes para organização da assistência social e entre elas
prevê, expressamente, a participação da população, por meio de organizações representativas, na
formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

A Lei nº 8.842/94, que fixou os primeiros passos para uma política nacional de proteção ao idoso,
prevê no artigo sexto a formação de conselhos nacional, estaduais, do distrito federal e municipais
do idoso, que serão órgãos permanentes, paritários e deliberativos, compostos por igual número de
representantes dos órgãos e entidades públicas e de organizações representativas da sociedade civil
ligadas à área.

O artigo sétimo da mesma lei determina que compete aos conselhos a formulação, coordenação,
supervisão e avaliação da política nacional do idoso, no âmbito das respectivas instâncias
político‑administrativas.

Esses conselhos continuaram sendo fundamentais para zelar pelos direitos dos idosos no texto da Lei
nº 10.741, de 2003, o chamado Estatuto do Idoso.

Como se pode perceber, a lista de oportunidades para o cidadão brasileiro participar da construção
política da democracia é muito grande. Existem leis que regulam todas as formas de participação mas,
101
Unidade II

sem mobilização popular, sem consciência de cidadania e sem interesse pela política, essa possibilidade
de participação na democracia fica relegada a plano secundário.

Experiências como o orçamento participativo realizado em alguns municípios brasileiros, ou como


os conselhos municipais de educação e saúde já estudadas em dissertações e teses de programas de
pós‑graduação de Serviço Social, Políticas Públicas, Administração Pública, entre outros, dimensionam
claramente que expandir a participação popular nos decisões políticas e administrativas é possível. No
entanto, é preciso haver esforços para isso, inclusive no sentido de preparar a população no aspecto
técnico para participar com qualidade e consciência.

De fato, assuntos extremamente técnicos do orçamento municipal não podem ser compreendidos
sem que o cidadão receba informações prévias essenciais e, principalmente, sem que se conheça
a legislação e o que ela determina, como os investimentos mínimos na educação pública, que são
expressamente determinados pela Constituição Federal. Capacitar a população para participar ativamente
da democracia também é papel do Estado, e políticas públicas sérias e bem organizadas poderão resolver
essa dificuldade sem maiores problemas.

Soares afirma:

[...] o verdadeiro resgate do Estado constitucional há de ser implementado


com as seguintes medidas:

a) Revitalização da sociedade civil na qual se fundamenta sua estrutura.

b) Democratização das forças políticas, através de mecanismos eleitorais


incisivos e transparentes.

c) Racionalização dos meios de produção, por intermédio da criação


de instrumentos constitucionais que possibilitem a permanente
distribuição de rendas (SOARES, 2008, p. 370).

As experiências de governo que já tivemos no Brasil comprovam que é imprescindível que a população
acompanhe, de perto e de forma muito atenta, a forma de governar daqueles que foram eleitos. Na atualidade,
as redes sociais, as organizações não governamentais – pela transparência pública – e tantas outras formas de
aprender sobre boa conduta dos administradores públicos poderão ser ferramentas muito úteis para uma nova
forma de agir político por parte do cidadão. Com maior responsabilidade e muito maior participação direta.

Lembrete

Globalização é uma expressão que não se refere apenas ao aspecto


político e econômico, mas também ao cultural. Multiculturalismo é a forma
de expressar que as diferentes culturas devem conviver em harmonia,
independente das diferenças que existam entre elas.
102
Teoria Política

Saiba mais

Sugerimos a leitura de Por uma Outra Globalização, do geógrafo brasileiro


Milton Santos, publicado pela Editora Record. É uma obra imprescindível
para quem deseja conhecer mais sobre esse tema contemporâneo e
complexo.

Resumo

Essa unidade apresentou as ideias políticas de John Locke, Jean Jacques


Rousseau e Montesquieu.

Locke foi um dos defensores da ideia de que o Homem decide


viver em sociedade para se proteger da possibilidade de um estado
de guerra. Ele defende a propriedade privada, que deve ser garantida
a quem tenha condições de trabalhar e mantê‑la, ou adquiri‑la com
o pagamento. Influenciou fortemente a Revolução de Independência
Norte‑americana.

Rousseau propõe uma sociedade radicalmente democrática, em que


haja a cidadania ativa. O elemento fundamental da teoria de Rousseau
no contrato social é a vontade geral, que é a única vontade legítima.
As vontades individuais não são legítimas. A função da sociedade é a
consecução do bem comum.

Montesquieu, por sua vez, foi o criador da ideia de divisão de poderes no


governo, de modo que cada um exerça uma atividade com independência
em relação aos outros. Assim, Legislativo, Executivo e Judiciário devem
coexistir, porém, cada qual com funções específicas e independentes.

As ideias desses pensadores inspiraram as chamadas Revoluções


Liberais ocorridas no século XVII e XVIII: a Revolução Inglesa, a Revolução
da Independência Norte‑americana e a Revolução Francesa.

Após as vitórias liberais, a atividade econômica foi exercida de forma


muito intensa, o que inclusive gerou perdas enormes para os trabalhadores,
tanto de saúde como de valor de remuneração. Observando essa realidade,
Karl Marx propôs novas reflexões sobre a organização social e considerou
que a sociedade naquele momento era a prevalência do capital (capitalistas
donos das máquinas e indústrias) contra o trabalho (pessoas que tinham na
sua própria força de trabalho o seu único bem).
103
Unidade II

As ideias de Marx, por sua vez, influenciaram a Revolução Soviética de


1917, que implantou um sistema diferente, no qual o Estado é dono de
todos os meios de produção e os trabalhadores todos vendem sua força de
trabalho para o Estado.

Em resposta a essa nova forma de organização do Estado surgem as


ideias do Estado de Bem‑estar Social, também conhecido como Welfare
State. As características principais dessa forma de governo consistem na
obrigação do Estado garantir aos cidadãos, por direito deles e não por
caridade, os direitos sociais como saúde, educação, segurança, seguridade
social, moradia, entre outros.

Essa modalidade de Estado foi implantada em alguns países do


mundo, mas outros não chegaram a concretizá‑la, como foi o caso do
Brasil.

Também analisamos as condições sociais, políticas e econômicas


que permitiram o surgimento do neoliberalismo e quais suas principais
características. Aliado a esse fenômeno, o mundo assistiu ao desmonte
do Estado do Bem‑estar Social substituído pela proposta de liberdade
econômica e redução substancial do papel do Estado, em especial na
proteção das classes menos favorecidas.

A necessidade de maximizar o resultado de lucro da produção fez


com que os países economicamente mais fortes começassem a expandir
mercados consumidores, bem como a utilizar países menos desenvolvidos
no âmbito social e econômico para produzir com menores custos. Os
custos menores eram garantidos pelo pagamento menor que nos países
de origem das empresas produtoras, bem como pela redução de direitos
sociais decorrentes do trabalho.

Assim, a globalização é, na atualidade, uma realidade econômica e


social, que interfere na organização política dos Estados. Tem pontos
positivos e negativos e suas consequências têm sido severamente sentidas,
em especial com as crises econômicas de 2008 nos Estados Unidos e a
de 2011, na Grécia, Espanha e Irlanda, que rapidamente atingiram vários
países do mundo.

Em tempos de neoliberalismo e de globalização, as decisões


políticas contarão cada vez mais com a participação da população,
ou seja, com a prática da democracia participativa. A Constituição
Federal brasileira prevê várias formas de concretização da democracia
participativa.

104
Teoria Política

Exercícios

Questão 1. A Revolução Francesa foi marcada historicamente pela Queda da Bastilha, em 4 de


julho de 1789, mas sua principal influência para outras épocas históricas foi a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, cujos princípios estão presentes até nossa época em várias constituições em todo o
mundo, inclusive no Brasil. Entre esses princípios se destacam:

A) Liberdade e igualdade dos cidadãos perante a lei.


B) Garantia de acesso à saúde.
C) Dever de segurança pública do Estado.
D) Função social da propriedade.
E) Liberdade de exercício do trabalho.

Resposta correta: alternativa A.

Análise das alternativas

A) Alternativa correta.

Justificativa: o principal objetivo dos revolucionários foi terminar com o absolutismo, que
transformava as pessoas comuns – que não eram membros da realeza e nem do clero – em pessoas sem
direitos e vulneráveis aos mandos e desmandos do poder. Uma vez considerados livres e iguais perante
a lei, os cidadãos poderiam proteger‑se do poder político e até mesmo integrar esse poder, na medida
em que poderiam votar pela composição do legislativo, por exemplo.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: não havia, naquele momento histórico, a preocupação com a saúde como direito a ser
fornecido pelo Estado.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: não havia, naquele momento histórico, a preocupação da população com a garantia pelo
Estado da segurança pública. Ao contrário, a grande preocupação do cidadão era possuir elementos legais
para se proteger do próprio Estado, capaz de praticar violências de toda a ordem contra os cidadãos comuns.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: a noção de função social da propriedade surge mais tarde, com as reflexões sobre a
implantação do Estado do Bem‑estar Social. Naquele momento histórico a propriedade ainda é tratada
como um direito absoluto que não podia ser relativizado.
105
Unidade II

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: a liberdade de exercício do trabalho não era, naquele momento histórico da Revolução
Francesa, uma preocupação maior para os revolucionários. As corporações de ofício ainda possuíam força
econômica e política e só mais tarde é que se articulam as primeiras reflexões em torno da liberdade de
acesso ao trabalho.

Questão 2. Sobre a democracia participativa podemos afirmar que:

A) O poder de decidir do povo é exercido em diferentes momentos e por diferentes formas.

B) O poder de decidir do povo está limitado ao voto.

C) A participação popular só pode ocorrer em manifestações de rua.

D) Não há previsão legal no Brasil.

E) Não é recomendável porque atrapalha a ação dos governantes.

Resolução desta questão na plataforma.

106
Figura e Ilustrações

Figura 5

147.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_9099/147.jpg>.


Acesso em: 6 mar. 2014.

Figura 6

146.GIF. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_9099/146.gif>.


Acesso em: 6 mar. 2014.

Figura 7

148.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_9099/148.jpg>.


Acesso em: 6 mar. 2014.

Figura 8

10.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_1999/10.jpg>.


Acesso em: 6 mar. 2014.

Figura 9

41.1275.188.JPG. Disponível em: <http://cdn.brooklynmuseum.org/opencollection/images/objects/


size3/41.1275.188.jpg>. Acesso em: 6 mar. 2014.

Figura 10

JOHN de Salisbury. Disponível em: <https://www.google.com.br/search?q=john+de+salisbury>.


Acesso em: 8 fev. 2014

Figura 16

CONTEUDO_3481/04.JPG. Disponível em: <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/


conteudo_3481/04.jpg>. Acesso em: 13 mar. 2014.

Figura 17

HOBBES, T. Leviathan or the matter, forme and power of a common wealth ecclesiasticall and civil.
Londres: Andrew Crooke, 1651.

107
Figura 18

3B07397R.JPG. Disponível em: <http://lcweb2.loc.gov/service/pnp/cph/3b00000/3b07000/3b07300/3b0


7397r.jpg>. Acesso em: 8 fev. 2014.

Figura 19

ABR050313MCA_2977.JPG. Disponível em: <http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/sites/_


agenciabrasil/files/gallery_assist/26/gallery_assist715180/prev/ABr050313MCA_2977.jpg>. Acesso em:
08 fev. 2014

Figura 20

3B31092R.JPG. Disponível em: <http://lcweb2.loc.gov/service/pnp/cph/3b30000/3b31000/3b31000/3b3


1092r.jpg>. Acesso em: 08 fev. 2014.

Figura 23

3C30773R.JPG. Disponível em: <http://lcweb2.loc.gov/service/pnp/cph/3c30000/3c30000/3c30700/3c3


0773r.jpg>. Acesso em: 11 fev. 2014.

Figura 26

3A18737R.JPG. Disponível em: <http://lcweb2.loc.gov/service/pnp/cph/3a10000/3a18000/3a18700/


3a18737r.jpg>. Acesso em: 11 fev. 2014.

Figura 27

28899R.JPG. Disponível em: <http://lcweb2.loc.gov/service/pnp/ggbain/28800/28899r.jpg>. Acesso em:


11 fev. 2014.

Figura 28

65.JPG. <http://www.objetivo.br/conteudoonline/imagens/conteudo_1281/65.jpg>. Acesso em: 11


fev. 2014.

Figura 29

ABR190613PZB_6997.JPG. Disponível em: <http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/sites/_


agenciabrasil/files/gallery_assist/23/gallery_assist723535/prev/ABr190613PZB_6997.jpg>. Acesso em
18 fev. 2014.

108
REFERENCIAS

Audiovisuais

DOUTOR Jivago. Dir. David Lean. Estados Unidos; Itália; Espanha: MGM, 1965. 197 minutos.

MORTE ao rei. Dir. Mike Barker. Alemanha; Reino Unido: FilmFour/IAC Film/Natural Nylon
Entertainment/Rockwood Edge/Scion Films/Screenland Movieworld GmbH, 2003. 102 minutos.

O NOME da rosa. Dir. Jean‑Jacques Annaud. Alemanha; Itália, França: Neue Constantin Film/
Cristaldifilm/Les Films Ariane/Zweites Deutsches Fernsehen (ZDF), 1986. 130 minutos.

O PIANISTA. Dir.: Roman Polanski. França; Polônia; Alemanha; Reino Unido: R. P. Productions, 2002.
150 minutos.

A RAINHA Margot. Dir. Patrice Chéreau. Alemanha; França; Itália: Renn Productions/France
2 Cinéma/D. A. Films /Degeto Film/ARD/WMG Film/RCS Films & TV/Centre National de la
Cinématographie (CNC)/Canal+, 1994. 162 minutos.

REDS. Dir.: Warren Beatty. Estados Unidos: Barclays Mercantile Industrial Finance, 1981. 195
minutos.

ROBIN Hood: o príncipe dos ladrões. Dir. Kevin Reynolds. EUA: Warner Bros./Morgan Creek Productions,
1991. 143 minutos.

Textuais

ARISTÓTELES. A política. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

AZEVEDO, P. F. Direito, justiça social e neoliberalismo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

BARROS, A. R. G. O pensamento político no final da Idade Média e no Renascimento. In: MACEDO JR.,
R. P. (Coord.) Curso de filosofia política. São Paulo: Atlas, 2008.

BERNARDES, J. Hobbes & liberdade. São Paulo: Jorge Zahar, 2002.

BOBBIO, N. Direito e estado no pensamento de Kant. Brasília: UnB, 1984.

BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de política. 5. ed. Brasília: Editora UnB, 2004.

___. Teoria geral da política. A filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

BONAVIDES, P. Ciência política. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

109
BRASIL. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras
providências. Brasília, 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.
htm>. Acesso em: 7 mar. 2014.

___. Emenda constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998. Modifica o regime e dispõe sobre princípios
e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças
públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências. Brasília, 1998.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc19.htm>. Acesso
em: 7 mar. 2014.

___. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Brasília, 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 7
mar. 2014.

___. Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994. Dispõe sobre a política nacional do idoso, cria o Conselho
Nacional do Idoso e dá outras providências. Brasília, 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/l8842.htm>. Acesso em: 7 mar. 2014.

___. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá
outras providências. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.
htm>. Acesso em: 7 mar. 2014.

___. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 28 fev. 2014.

BRECHT, B. O analfabeto político. Disponível em: <http://pensador.uol.com.br/frase/MjMzMDA5/>.


Acesso em: 24 mar. 2014.

BURNS, E. M. História da civilização ocidental. 3. ed. Porto Alegre: Globo, 1973.

COLLIVA, P. Monarquia. In: BOBBIO, N.; MATTEUCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de política. 5. ed.
Brasília: UnB, 2004. p. 776.

COMPARATO, F. K. A civilização capitalista. São Paulo: Saraiva, 2013.

DALLARI, D. A. Elementos de teoria geral do Estado. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

DE CICCO, C.; GONZAGA, A. A. Teoria geral do Estado e ciência política. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008.

DUBY, G. História da Vida Privada – da Europa feudal à Renascença. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. 2 v.

FARIA, J. E. Globalização, soberania e direito. In: MAUÉS, A. G. M. (Org.). Constituição e democracia. São
Paulo: Max Limonad, 2001.
110
FRANK, A. O diário de Anne Frank. 38. ed. Otto H. Frank (Org.). Rio de Janeiro: Record, 2013.

HOBSBAWN, E. A era dos extremos: o breve século XX – de 1914 a 1991. São Paulo: Cia. das Letras,
1994.

JOÃO XXIII. Carta Encíclica Mater et Magistra. 1961. Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_
father/john_xxiii/encyclicals/documents/hf_j‑xxiii_enc_15051961_mater_po.html>. Acesso em: 5 mar.
2014.

KELLY, P. (Consultor da edição) et al. O livro da política. Tradução Rafael Longo. São Paulo: Globo, 2013.

LE GOFF, J. A bolsa e a vida. São Paulo: Record, 2007.

LYRA, R. P. Direitos humanos os desafios do século XXI: uma abordagem interdisciplinar. Brasília:
Brasília Jurídica, 2002.

MAQUIAVEL, N. O príncipe. São Paulo: Penguin Cia. das Letras, 2010.

MARX, K. Prefácio à contribuição crítica da economia política. In: MASCARO, A. L. Filosofia do direito.
São Paulo: Atlas, 2010.

MASCARO, A. L. Filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 2010.

MATTEUCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de política. 5. ed. Brasília: UnB, 2004.

PENSAR o estado ou ficar quieto: carta de Machiavelli a Francesco Vettori (9 de abril de 1513). Alea,
Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, jan./jun. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ar
ttext&pid=S1517‑106X2012000100011>. Acesso em: 25 mar. 2014.

PEREIRA JÚNIOR, J. S. T. Introdução à sociologia. In: LEMOS FILHO, A. et al. Sociologia geral e do direito.
3. ed. Campinas: Alínea, 2008.

PERKINS, A. Política. São Paulo: Ciranda Cultural, 2009.

RIZZOTTO, M. L. F. Neoliberalismo e saúde. 2009. Disponível em: <http://www.epsjv.fiocruz.br/


dicionario/verbetes/neosau.html#topo>. Acesso em: 18 fev. 2014.

SANTOS, M. Por uma outra globalização. 19. ed. Rio de Janeiro: Record, 2011.

SOARES, M. L. Q. Teoria do Estado – novos paradigmas em face da globalização. 3. ed. São Paulo: Atlas,
2008.

SOUTO MAIOR, A. História Geral. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1976, p. 205.

111
STRECK, L. L.; MORAIS, J. L. B. Ciência política & teoria do Estado. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006.

VIEIRA, L. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Record, 2009.

ZUCCHINI, G. Aristocracia. In: BOBBIO, N. MATTEUCI, N. PASQUINO, G. Dicionário de política. 5. ed.


Brasília: Editora UnB, 2004, p. 57.

112
113
114
115
116
Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000

Você também pode gostar