Chega uma hora da noite que o tempo para de contar.
Entramos numa espiral
que tudo bloqueia. O nosso infinito. Parece que o sol nunca mais irá voltar. E uma pergunta assola-me sempre durante quando entro nesta dimensão. “Quem sou eu?”. Numa noite que não começou minha mas que acabou por se tornar. Estava a olhar para o fogo ardente, as brasas purificantes, através do vidro de um copo quando me fiz esta pergunta. Quando escrevo isto, já o copo jaz em cacos. Cacos que ressemblam a minha mente fraturada. Uma mente que percorreu um estranho caminho. Começando por achar que estava fraturada por culpa dela, para achar que a culpa é do mundo, para chegar à conclusão que o jogo da culpa sempre caiu em si por ser tão fraca. Mente de uma lesma que nunca conseguiu revelar o que era. Tentou. Ainda tenta. Pensava ela que nunca mais voltaria a querer tentar. Dizia a si mesmo que apenas iria ser quem é quando já fosse dono do seu mundo. Quando fosse mais independente do que aquilo que é. Há 10 anos que a lesma tentou revelar aquilo que era. Aquilo que já sabia que era mas que apenas tomou consciência nos 2 anos seguintes. Tentou contar à pessoa em quem mais confiava. Não por escolha mas por necessidade. Era isso ou enfrentar a temível morte. Sabendo hoje, talvez tivesse optado pela foice fria. Ao menos estaria acbado. Em vez disso, ainda hoje revive aquela noite. Tenta não o fazer. Não pelo seu bem-estar, mas porque foi a única vez na vida em que foi genuino. A única vez em que se abria. E essa é a única parte de si que sabe ser verdadeira. A razão porque ainda não ceifou a própria vida (em vez de esperar pelo ceifeiro em pessoa) é para proteger a pessoa que ele mais adora mas que lhe causou esta dor. A ironia de que a lesma tanto gosta virou-se contra ele. A lesma não gosta de o admitir, mas é egocêntrica. Quer que a sua dor seja mais do que é. Mas talvez ela goste da dor e tenha medo de admitir. Hoje, enquanto se banhava, a lesma decidiu castigar-se, fazendo correr água saída do inferno pelas suas pesadas costas. E o castigo soube-lhe bem… soube-lhe a vida… e vida é prazerosa… se não fosse a sua consciência a alertá-la, teria continuado a banhar-se em tais águas. Cada vez a lesma pensa em castigos mais severos. Castigos com facas, como outrora tentou… A lesma orgulhava-se da sua força mas hoje percebeu que de forte não tem nada. É o que todas as lesmas são: covardes. E é pouco frutífera a tarefa de tentar mudar o que a natureza nos deu. Lição que a lesma aprendeu há muito tempo… A lesma está sempre a reinventar-se, vestindo cada dia uma pele ligeiramente diferente. Mas não deixa de ser uma lesma em pele decorada… A lesma quer admitir que é lesma mas não sabe como. Teme a ira das outras lesmas. Outras lesmas que, não só não têm medo de admitir o que são, como também o fazem com orgulho. Nenhuma das duas esta lesma é capaz de fazer com orgulho. Será uma decepção para o covil das lesmas. Nunca lutou pela causa. Falhou a chamada para rebelião. Teme a ira das outras espécies também… Verte lágrimas de ternura porque é a única que sente pena de si mesma…