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Licenciatura em Física - Campus Natal/Central

Prof. Tibério Alves, D. Sc.


Eletromagnetismo Clássico I - 2019.2
Suplemento I - Coordenadas curvilíneas

30 de julho de 2019

Resumo
Neste material suplementar, vamos deduzir os operadores do cálculo vetorial para coordenadas
curvilíneas ortogonais generalizadas e estudar os casos de interesse, ou seja, as coordenadas
cilíndricas e esféricas.

1 Coordenadas curvilíneas ortogonais


Considere um conjunto de três curvas caracterizadas pelos parâmetros u, v e w, interceptando-
se mutuamente de maneira ortogonal num dado ponto P (veja figura 1 a seguir), definindo a
posição ~r. Os vetores êu , êv e êw são vetores unitários tangentes as curvas mencionadas no ponto
P e definem um sistema dextrogiro, de tal forma que definem um volume unitário, ou seja,

êu × êv · êw = 1. (1)

Figura 1: Sistema cartesiano ortogonal e conjunto de curvas ortogonais no ponto P com seus respectivos vetores
tangentes unitários.

O vetor posição ~r pode ser escrito tanto em termos dos versores cartesianos, que comumente é
dado por ~r = xî + y ĵ + z ẑ, como também pelos parâmetros u, v e w, isto é,

~r = ~r(u, v, w). (2)


Perceba que se derivarmos ∂~r/∂u, encontraremos um vetor tangente a curva definida pelo
parâmetro u. O mesmo para os parâmetros v e w. Sendo assim, para encontrarmos o vetor

1
tangente unitário, basta dividirmos essa quantidade pela sua norma |∂~r/∂u|, ou seja,

∂~r
∂u
êu = , (3)
∂~r
∂u

onde, por simplicidade, definiremos hu = |∂~r/∂u|. Sendo assim,

1 ∂~r 1 ∂~r 1 ∂~r


êu = êv = êw = . (4)
hu ∂u hv ∂v hw ∂w
Vale notar neste momento que os parâmetros u, v e w não são necessariamente o comprimento
ao longo de suas respectivas curvas, como acontece nas coordenadas cartesianas ortogonais. Sendo
assim, vamos nos referir a uma função su (função unicamente do parâmetro u), por exemplo,
para tratar comprimentos ao longo da curva com parâmetro u. Por outro lado, podemos escrever
também o vetor unitário no ponto P tangente a curva u da seguinte maneira

∂~r
êu = , (5)
∂su
ou seja, derivando ~r em relação ao comprimento na curva u. Aplicando a regra da cadeia, temos
que

∂~r ∂~r dsu


= . (6)
∂u ∂su du
∂~r dsu
= êu . (7)
∂u du
Comparando a equação 7 com a equação 4, chegamos a conclusão que
dsu
hu êu = êu , (8)
du
de tal maneira que

dsu = hu du, (9)


e analogamente para os demais parâmetros

dsv = hv dv (10)

dsw = hw dw. (11)

1.1 Gradiente
Podemos analisar o conceito de gradiente de uma função de várias variáveis como uma extensão
da definição de diferencial exata de uma função de uma variável, por exemplo, f (x), ou seja,
df
df = dx dx. Para uma função ϕ que dependa de mais de uma variável (campo escalar), temos que

∇ϕ · d~r = dϕ, (12)


onde dϕ é a variação do campo escalar ϕ entre ~r e ~r + d~r, ou seja, ϕ(~r + d~r) − ϕ(~r), com d~r sendo
um vetor de comprimento infinitesimal. ∇ϕ é o gradiente do campo escalar ϕ que indica a direção
e sentido da maior variação do campo escalar ϕ no espaço com seu módulo indicando a intensidade
desta variação.
O vetor d~r, que em coordenadas cartesianas é facilmente reconhecido por d~r = dxî + dy ĵ + dz ẑ,
toma a seguinte expressão geral para um conjunto ortogonal

d~r = dsu êu + dsv êv + dsw êw , (13)

d~r = hu du êu + hv dv êv + hw dw êw . (14)

2
O gradiente de ϕ pode ser escrito em termos de seus componentes nas direções definidas pelos
versores êu , êv e êw da seguinte maneira

∇ϕ = (∇ϕ)u êu + (∇ϕ)v êv + (∇ϕ)w êw , (15)


e calculando seu produto escalar com a equação 14 temos

∇ϕ · d~r = (∇ϕ)u hu du + (∇ϕ)v hv dv + (∇ϕ)w hw dw. (16)


Por outro lado, de forma geral, a diferencial exata de um campo escalar ϕ em relação um
conjunto de variáveis, por exemplo, u, v e w, é dada por
∂ϕ ∂ϕ ∂ϕ
dϕ = du + dv + dw, (17)
∂u ∂v ∂w
o que nos permite concluir que
1 ∂ϕ 1 ∂ϕ 1 ∂ϕ
(∇ϕ)u = (∇ϕ)v = (∇ϕ)w = , (18)
hu ∂u hv ∂v hw ∂w
chegando a expressão geral para o gradiente em coordenadas curvilíneas ortogonais
1 ∂ϕ 1 ∂ϕ 1 ∂ϕ
∇ϕ = êu + êv + êw . (19)
hu ∂u hv ∂v hw ∂w
O operador nabla pode ser visto através da seguinte operação
êu ∂ êv ∂ êw ∂
∇= + + . (20)
hu ∂u hv ∂v hw ∂w

1.2 Divergência
Vamos começar o cálculo da divergência reconhecendo que um campo vetorial f~ pode ser
escrito, em termos de seus componentes nas direções definidas pelos versores êu , êv e êw , da
seguinte maneira

f~ = fu êu + fv êv + fw êw . (21)


Portanto, calculamos a divergência através do seguinte produto escalar
 
~ êu ∂ êv ∂ êw ∂
∇·f = + + · (fu êu + fv êv + fw êw ) . (22)
hu ∂u hv ∂v hw ∂w
Para reduzir o esforço algébrico, vamos calcular apenas a atuação do operador nabla na componente
vetorial u de f~, ou seja, ∇ · (fu êu ), e depois generalizarmos para as demais parcelas do cálculo. O
primeiro termo é
 
êu ∂ êu ∂fu ∂êu
· (fu êu ) = · êu + fu , (23)
hu ∂u hu ∂u ∂u
êu ∂ êu · êu ∂fu fu ∂êu
· (fu êu ) = + êu · , (24)
hu ∂u hu ∂u hu ∂u
êu ∂ 1 ∂fu
· (fu êu ) = , (25)
hu ∂u hu ∂u
∂êu 1 ∂
onde usamos êu · êu = 1 e êu · = (êu · êu ) = 0. Vamos agora calcular o próximo termo,
∂u 2 ∂u
 
êv ∂ êv ∂fu ∂êu
· (fu êu ) = · êu + fu (26)
hv ∂v hv ∂v ∂v
êv ∂ êv · êu ∂fu fu ∂êu
· (fu êu ) = + êv · , (27)
hv ∂v hv ∂v hv ∂v
 
êv ∂ fu ∂ 1 ∂~r
· (fu êu ) = êv · , (28)
hv ∂v hv ∂v hu ∂u

3
1 ∂ 2~r
  
êv ∂ fu ∂~r ∂ 1
· (fu êu ) = êv · + , (29)
hv ∂v hv hu ∂u∂v ∂u ∂v hu

  :0

êv ∂ fu ∂ fu ∂1
· (fu êu ) = êv · (êv hv ) + êv ·
êu
hu , (30)
hv ∂v hv hu ∂v hv
 hu ∂v hu
êv ∂ fu ∂
· (fu êu ) = êv · (êv hv ), (31)
hv ∂v hv hu ∂u

êv ∂ fu ∂hv fu *0
∂ê

v
· êv · êv êv·

(fu êu ) = +  , (32)
hv ∂v hv hu ∂u  hv ∂u
êv ∂ fu ∂hv
· (fu êu ) = , (33)
hv ∂v hv hu ∂u
o que, de maneira análoga, nos permite afirmar que
êw ∂ fu ∂hw
· (fu êu ) = . (34)
hw ∂v hw hu ∂u
Juntando todas as parcelas, o cálculo para o diverte da componente u do campo vetorial f~ é dado
por
1 ∂fu fu ∂hv fu ∂hw
∇ · (fu êu ) = + + . (35)
hu ∂u hv hu ∂u hw hu ∂u
Esta última equação pode ser compactada por um regra da cadeia, ou seja,
1 ∂
∇ · (fu êu ) = (fu hv hw ) , (36)
hu hv hw ∂u
o que de forma análoga nos permite escrever a divergência para os demais componentes do campo
vetorial f~
1 ∂
∇ · (fv êv ) = (fv hu hw ) , (37)
hu hv hw ∂v
1 ∂
∇ · (fw êw ) = (fw hu hv ) . (38)
hu hv hw ∂w
Sendo assim, a divergência em coordenadas curvilíneas ortogonais generalizadas é dada por
 
~ 1 ∂ ∂ ∂
∇·f = (fu hv hw ) + (fv hu hw ) + (fw hu hv ) . (39)
hu hv hw ∂u ∂v ∂w

1.3 Rotacional
Vamos começar reconhecendo que o rotacional de um campo vetorial f~, em coordenadas
curvilíneas ortogonais, é dado por
 
êu ∂ êv ∂ êw ∂
∇ × f~ = + + × (fu êu + fv êv + fw êw ) . (40)
hu ∂u hv ∂v hw ∂w
Para simplificar o trabalho algébrico, vamos calcular inicialmente apenas a componente na direção
de êu , ou seja, os termos provenientes de
 
êv ∂
× (fw êw ) , (41)
hv ∂v
 
êw ∂
× (fv êv ) . (42)
hw ∂w

4
Calculando inicialmente o primeiro termo temos
   
êv ∂ êv ∂fw ∂êw
× (fw êw ) = × êw + fw , (43)
hv ∂v hv ∂v ∂v
   
êv ∂ êv ∂fw fw ∂ 1 ∂~r
× (fw êw ) = × êw + êv × , (44)
hv ∂v hv ∂v hv ∂v hw ∂w

1 ∂ 2~r
   
êv ∂ êu ∂fw fw 1 ∂~r
× (fw êw ) = + êv × − 2 + , (45)
hv ∂v hv ∂v hv hw ∂w hw ∂w∂v
   
êv ∂ êu ∂fw fw êw 1 ∂
× (fw êw ) = + êv × − + (hv êv ) , (46)
hv ∂v hv ∂v hv hw hw ∂w
   
êv ∂ êu ∂fw fw êw hv ∂êv êv ∂hv
× (fw êw ) = + êv × − + + , (47)
hv ∂v hv ∂v hv hw hw ∂w hw ∂w
   
êv ∂ 1 ∂fw fw
× (fw êw ) = − êu , (48)
hv ∂v hv ∂v hv hw
∂êv
onde usamos o fato que êv × êw = êu , êv × êv = 0 e êv × = 0.
∂w
Calculando o segundo termo1 temos
   
êw ∂ êw ∂fv ∂êv
× (fv êv ) = × êv + fv , (49)
hw ∂w hw ∂w ∂w
   
êw ∂ 1 ∂fv fv
× (fv êv ) = − + êu , (50)
hw ∂w hw ∂w hw hv
de tal forma que o componente vetorial u do rotacional de f~ é dada por
 
  fv fw 1 ∂fw 1 ∂fv
∇ × f~ êu = − + − êu , (51)
u hw hv hv hw hv ∂v hw ∂w
 
  1 ∂ ∂
∇ × f~ êu = (hw fw ) − (hv fv ) êu , (52)
u hv hw ∂v ∂w
e de forma análoga para as demais componentes do rotacional,
 
  1 ∂ ∂
∇ × f~ êv = (hu fu ) − (hw fw ) êv , (53)
v hu hw ∂w ∂u
 
  1 ∂ ∂
∇ × f~ êw = (hv fv ) − (hu fu ) êw , (54)
w hu hv ∂u ∂v
Concluímos então que o rotacional de um campo vetorial f~ em coordenadas curvilíneas ortogonais
é dado por

   
1 ∂ ∂ 1 ∂ ∂
∇ × f~ = (hw fw ) − (hv fv ) êu + (hu fu ) − (hw fw ) êv +
hv hw ∂v ∂w hu hw ∂w ∂u
  (55)
1 ∂ ∂
(hv fv ) − (hu fu ) êw .
hu hv ∂u ∂v

1.4 O Laplaciano
O Laplaciano pode ser determinado através da expressão da divergência. Basta fazer f~ = ∇ϕ
na expressão 39. Ou seja,
      
1 ∂ hv hw ∂ϕ ∂ hu hw ∂ϕ ∂ hu hv ∂ϕ
∇2 ϕ = + + . (56)
hu hv hw ∂u hu ∂u ∂v hv ∂v ∂w hw ∂w
1 Deixo o leitor fazer o desenvolvimento.

5
2 Coordenadas cilíndricas
Em coordenadas cilíndricas são representadas pelas quantidades ρ, φ e z e seus respectivos
versores ρ̂, φ̂ e ẑ (veja a figura 2 a seguir).

Figura 2: Sistema de coordenadas cilíndricas.

Vamos começar calculando os parâmetros hρ , hφ e hz . O vetor posição é ~r = ~r(ρ, φ, z) dado


por

~r = ρ cos φ î + ρ sin φ ĵ + z ẑ, (57)


o que fornece os seguintes parâmetros

∂~r
hρ = = cos φ î + sin φ ĵ = 1, (58)

∂ρ

∂~r
hφ = = −ρ sin φ î + ρ cos φ ĵ = ρ, (59)

∂φ

∂~r
hz = = |ẑ| = 1. (60)
∂z
Usando estas expressões e os resultados obtidos nas equações 19, 39, 55 e 56, podemos escrever o
gradiente, divergente, rotacional e Laplaciano em coordenadas cilíndricas. Veja a seguir.

∂ϕ 1 ∂ϕ ∂ϕ
∇ϕ = ρ̂ + φ̂ + ẑ , (61)
∂ρ ρ ∂φ ∂z
 
~ 1 ∂ ∂fφ ∂
∇·f = (ρfρ ) + + (ρfz ) , (62)
ρ ∂ρ ∂φ ∂z

1 ∂ 1 ∂fφ ∂fz
∇ · f~ = (ρfρ ) + + , (63)
ρ ∂ρ ρ ∂φ ∂z
     
~ 1 ∂ ∂ ∂ ∂ 1 ∂ ∂
∇×f = (fz ) − (ρfφ ) ρ̂ + (fρ ) − (fz ) φ̂ + (ρfφ ) − (fρ ) ẑ, (64)
ρ ∂ρ ∂z ∂z ∂ρ ρ ∂ρ ∂φ
     
1 ∂fz ∂fφ ∂fρ ∂fz 1 ∂ ∂fρ
∇ × f~ = − ρ̂ + − φ̂ + (ρfφ ) − ẑ , (65)
ρ ∂φ ∂z ∂z ∂ρ ρ ∂ρ ∂φ
      
1 ∂ ∂ϕ ∂ 1 ∂ϕ ∂ ∂ϕ
∇2 ϕ = ρ + + ρ , (66)
ρ ∂ρ ∂ρ ∂φ ρ ∂φ ∂z ∂z

1 ∂2ϕ ∂2ϕ
   
1 ∂ ∂ϕ
∇2 ϕ = ρ + 2 + . (67)
ρ ∂ρ ∂ρ ρ ∂φ2 ∂z 2

6
2.1 Elementos de volume e área
Para um volume infinitesimal dV , defino pelas curvas u, v e w, temos que

dV = dsu dsv dsw . (68)


Usando as equações 9, 10 e 11 para as coordenadas cilíndricas, podemos escrever que o elemento
de volume infinitesimal nestas coordenadas é dado por

dV = hu duhv dvhw dw = hρ hφ hz dρdφdz = ρdρdφdz. (69)

Figura 3: Sistema de coordenadas cilíndricas.

Os elementos de área são obtidos fazendo um dos incrementos diferenciais ds igual a 1 e


sua respectiva coordenada uma constante na equação acima. Por exemplo, para uma superfície
cilíndrica com eixo de simetria coincidindo com o eixo z, ρ = R, com R sendo o raio do cilindro e
dρ = 1. Neste caso, o elemento de área é dado por

da1 = Rdφdz. (70)


Para uma superfície defina por qualquer plano onde z = cte, dz = 1, temos que o elemento de área
é dado por

da2 = ρdρdφ. (71)


Para uma superfície defina por qualquer plano onde φ = cte, ρdφ = 1, temos que o elemento de
área é dado por

da3 = dρdz. (72)

3 Coordenadas esféricas
Deixemos como exercício para o leitor mostrar que os parâmetros hr , hθ e hφ são dados por

hr = 1 hθ = r hφ = r sin θ, (73)
e que podemos escrever o gradiente, divergente, rotacional e Laplaciano como se segue,

∂ϕ 1 ∂ϕ 1 ∂ϕ
∇ϕ = r̂ + θ̂ + φ̂ , (74)
∂r r ∂θ r sin θ ∂φ

1 ∂ 1 ∂ 1 ∂fφ
∇ · f~ = 2 r2 fr +

(fθ sin θ) + , (75)
r ∂r r sin θ ∂θ r sin θ ∂φ

7
     
1 ∂ ∂fθ 1 ∂fr ∂ 1 ∂ ∂fr
∇ × f~ = (fφ sin θ) − r̂ + − sin θ (rfφ ) θ̂ + (rfθ ) − φ̂ ,
r sin θ ∂θ ∂φ r sin θ ∂φ ∂r r ∂r ∂θ
(76)

∂2ϕ
   
1 ∂ ∂ϕ 1 ∂ ∂ϕ 1
∇2 ϕ = r2 + sin θ + . (77)
r2 ∂r ∂r 2
r sin θ ∂θ ∂θ r2 sin2 θ ∂φ2

3.1 Elementos de volume e área


De forma análoga ao que foi feito em coordenadas cilíndricas, mostre que o volume infinitesimal
dV em coordenadas esféricas (veja a figura 4 a seguir) é dado por

dV = hu hv hw dudvdw = hr hθ hφ drdθdφ = r2 sin θdrdθdφ, (78)


e que os elementos de área são,

• Para superfície esférica de raio R, dr = 1, da1 = R2 sin θdθdφ.


• Para cones definidos por θ = cte, rdθ = 1, da2 = r sin θdrdφ.
• Para planos definidos por φ = cte, r sin θ = 1, da3 = rdrdθ.

(a) (b)

Figura 4: Em (a) temos as coordenadas esféricas e seus versores. Em (b) temos o elemento infinitesimal de volume
em coordenadas esféricas.

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