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Márcio Vabo

Quarenta e Quatro Milhas


As pessoas não têm paciência para relacionamentos.
Se está ruim elas simplesmente trocam.
Clarissa Corrêa
Prólogo.

Um jogador de futebol em ascensão, com 16 anos, provavelmente nunca


viveu uma história de amor, certo? Errado. Apesar da pouca idade eu já vivi uma
história de amor. Tudo bem que não teve o desfecho que eu esperava. E quem
espera que o primeiro amor possa causar tanta dor? Eu não esperava e demorei
bastante para superar essa frustração. O que me ajudou, depois do
acompanhamento profissional, foi escrever tudo o que passei.
Enfim, não importa se você está a cem mil milhas ou quarenta e quatro
milhas de quem ama. Não faz diferença se você está distante ou do lado dessa
pessoa. Não existe distância certa que te impeça de amar. O amor não vê a
distância que separa os corações. O amor se dá a quem está disposto a vivê-lo.
Há coisas boas no amor. Mesmo que seja à distância. Mas essa história não
é sobre o lado bom do amor. É sobre o que acontece quando o amor acaba,
quando não sabemos lidar com o fim.
1.

Eu: “Frio, grosso, mal-amado… fique a vontade para me chamar como quiser,
mas prefiro idiota. Tenho meus motivos pra ser desse jeito. Motivos que ninguém
entende. Somente quem passou pelo que por isso sabe quão ruim é. Uma paixão
não correspondida tem sua beleza, numa situação dessas podemos aprender
muito. Primeiro, nunca, nunca confie 100% em uma mulher que já amou ou ama
alguém. Foi meu pior erro. E o mais incrível, ela me avisou. Segundo, se não é
correspondido pula fora. Solidão não cai bem em ninguém. Não, em hipótese
alguma tente obrigar alguém a te amar. O amor é algo puro e involuntário,
simplesmente acontece quando bem cultivado. Terceiro, a culpa sempre é sua.
Você escolhe quem vai ama. Talvez você se apaixone por alguém sem querer,
porém, não vai passar de uma paixonite. Caso esteja começando a sentir algo
mais forte por alguém que não te corresponde, fuja o mais rápido possível.”.
Eu: Lucas, leu isso? Que garoto idiota, como ele fala assim. Ele não sabe nada
sobre o amor.
Ele: Primeiro: ele escreveu, não falou.
Eu: Idiota.
Ele: Se ele escreveu sobre o assunto é por que já passou por essa situação. Onde
achou esse texto?
Eu: Você é muito idiota Lucas.
Ele: Isso tudo é porque você me ama, André. Estou começando a desconfiar de
você.
Eu: Lucas, você é lindo, porém, gosto de mulher, loira, morena, ruiva, tanto faz.
Então vai se ferrar.
Ele: Não parece. Desde que “conheceu” essa tal de Juliana, você não ficou com
ninguém.
Tinha conhecido a Juliana antes de vir morar na Alemanha, éramos
vizinhos, mas quase ninguém sabia, até porque quase não conversávamos,
naquela época, meninos andavam com meninos e as meninas com meninas. No
ano passado, com as especulações sobre minha permanência no Borussia, voltei a
conversar com algumas pessoas do Brasil, entre elas, estava a Juliana. Com o
avanço das negociações e da minha volta, quase certa, para o Brasil, a Juliana
resolveu me dar uma chance, mesmo em países diferentes. Mas eu não voltei.
O Lucas foi para o Brasil no meu lugar, mas só ficou seis meses por lá.
Durante esse tempo, quase não conversei com a Juliana. Com a volta do meu
amigo, meu nome voltou a ocupar a pauta de transferências e então voltei a
conversar com a Juliana, que estava meio receosa em me dar outra chance.
Eu: Vou socar a sua cara…
Eu: Foi bom tocar nesse assunto, vou conhecê-la semana que vem.
Ele: Sei…
Eu: Sério! Ela me ama…
Ele: Claro que ama, André!
Ele: Pensa! Ela nunca te viu, babaca.
Ele: Como consegue ser tão idiota assim?
Eu: Fala isso por que nunca amou ninguém!
Eu: Não quero discutir sobre isso. Fim!
Ele: André…
Ele: Deixa pra lá. Você não entenderia.
Eu: Chega Lucas, é sempre isso. Não confia mais em mim, não é? Desde que
voltou do Brasil está assim.
Ele: Você está apaixonado… Tchau André, até amanha.
Eu: Vai logo, tenho que ligar para Juliana.
Ele: Vai lá bobão, amo-te.
Eu: Eu também te amo.
Depois que parei de conversar com o Lucas achei melhor tomar um banho e
comer algo. Normalmente as ligações com a Juliana demorava horas.
Liguei a primeira vez e foi parar na caixa postal. A segunda tentativa estava
quase tendo o mesmo destino da ligação anterior, quando a Juliana atendeu.
- Alô, André?
- Amor, quanto tempo… Você esta bem?
- Estou sim e você, André?
- Estou bem, aconteceu algo?
- Não amor, desculpa. É que… – Ela suspirou – Deixa pra lá.
- Fala logo, Juliana. - Meu tom de voz rapidamente mudou ganhando força.
- Trabalho da faculdade, só isso.
- Sei…
Alguém bateu na porta. Pedi a Juliana que esperasse alguns minutos, pois,
iria atender a porta, ela concordou com certa arrogância no tom de voz.
Eram 2h da manhã. Tomado por ira, fui verificar quem era. Imaginei que
fosse o Lucas e automaticamente o desejei morto. Quando abro a porta, era o
Lucas acompanhado de duas mulheres. Uma estava beijando o pescoço dele. E a
outra correu em minha direção dando um salto e se pendurando no meu pescoço.

- André, quem esta com você? – Perguntou Juliana no outro lado da linha
nervosíssima.
- É o Lucas, amor. Mas ele já tá de saída com as amigas dele.
- Desliga isso, André! Larga essa aprendiz de Elsa. - Ele sorriu - Olha essa loira,
do jeitinho que você gosta.
- Quando ele sair me liga, tchau! – Ela desligou antes do eu pudesse me
justificar.
- Feliz? – Fiquei revoltado, joguei o celular no sofá – Pode se retirar da minha
casa agora!? - Gritei.
- Sério? Hoje é sábado, nossa noite… – Respondeu-me o Lucas abalado com a
minha reação – Não faz um mês que você está com essa garota e preferiu me
trocar. Parabéns FREUND! - Lucas se virou e chamou as mulheres - Eu cuido de
vocês.
- Obrigado, Lucas!
- Você já foi melhor André. Cuidado, essa menina tá acabando contigo!
- Tchau, Lucas!
Fechei a porta do apartamento e voltei correndo para o sofá.
A Juliana ignorou às duas primeiras ligações, na terceira atendeu e pediu
para que eu a deixasse dormir, pois, no dia seguinte me mandaria alguma
mensagem. A raiva que senti era tanta que depois de encerrar a ligação joguei o
celular no outro sofá e comecei a resmungar: “Ele não pode fazer isso! Ele não
pode vir na minha casa e estragar minha noite! Isso terá consequência”.
Antes de ir dormir fui conferir as redes sociais. O Lucas havia marcado a
Juliana em uma publicação que dizia: “Nos apaixonamos por outra pessoa ou
pela ideia que fazemos dessa pessoa”. Depois ele me mencionou nos
comentários.
Não consegui parar de pensar em como e quando o Lucas conheceu a
Juliana. A frase passou praticamente despercebida.
2.

No dia seguinte acordei pensando na Juliana, como acontecia com certa


frequência. Procurei o celular pela casa desesperadamente - na esperança de
encontrar alguma notícia animadora - quando lembrei que tinha jogado o
aparelho no sofá. Notei que havia uma mensagem da Juliana, abri a caixinha de
dialogo que dizia: “Precisamos conversar”. Esse tipo de mensagem sempre me
deixava preocupado. Respondi de forma sutil. A noite se apresentava e nenhum
sinal da Juliana. “Droga! O que será que ela quer?” pensei enquanto me olhava
no espelho. Depois de algumas horas, Juliana me mandou uma mensagem
dizendo: - Ontem recebi uma ligação do Bruno, ele me disse umas coisas que
mexeram comigo. Falou sobre o meu passado… Ele estava certo. Você sabe que
ainda amo o Victor. Eu não quero te magoar, nem te iludir e me iludir.
Quando terminei de ler, dei alguns passos para trás me encostando à parede
e deslizou até sentar no chão. Chorei de soluçar… E o celular vibrou, era outra
mensagem da Juliana: - Eu não vou me afastar. Vou mudar contigo e muito, se
quiser se afastar de mim, vou entender. Pois, eu só te faço sofrer.
Eu não parava de chorar. Chegou ao ponto deu deitar no chão da sala em
posição fetal corando e dormir. Foi só corte comparado ao que estava por vir.
Mas parecia que tinham dilacerado meu coração.
No dia seguinte, Lucas foi até a minha casa, não tínhamos o costume de ir à
escola, juntos. Mas era já era meio-dia e não tinha atendido nenhuma das
ligações feitas por ele, o que provavelmente o deixou preocupado. Antes de
lembrar que tinha uma chave reserva na parte de cima da esquadrinha da porta, o
Lucas quase a quebrou de tanto bater esperando que eu fosse abrir. Quando
entrou e me viu jogado no chão foi conferir a minha pulsação. Ainda tinha sinais
vitais.
- Acorda, cara. - Lucas me chacoalhou.
- O que esta fazendo aqui? - Gritei.
- Vim te salvar, seu idiota. Liguei para você vinte vezes e só dava caixa postal.
- Para de agir como uma mulherzinha – Peguei o celular – Você só ligou duas
vezes. Dramática! – Sorri.
- Sério, fiquei preocupado.
Não brigávamos com muita frequência, éramos como irmãos. E o Lucas se
importava comigo. Independente de qualquer briguinha boba que tivéssemos,
estaríamos lá um para o outro.
- Cara, tive um sonho estranho…
- Conte-me enquanto se arruma. Mas me da, o seu celular, estou querendo
mandar mensagem pra uma gatinha.
- Pega ai. - Joguei o celular na direção dele e me dirigi ao banheiro - Ei, você
voltou do Brasil igual um cafajeste. O que aconteceu lá?
- Conta a droga do sonho, André! – o Lucas não gostava de falar sobre essa
viagem.
- Relaxa, vou contar…
Entrei no banheiro e deixei a porta aberta, assim poderia contar o sonho
sem ficar gritando.
- Lucas, foi assim… – A primeira ducha de água gelada caiu respingando
algumas gotas na minha perna – Sonhei que você tinha vindo aqui com mais duas
garotas, e eu havia brigado com a Juliana…
- Espera! Isso não foi sonho! Eu estive aqui anteontem – o Lucas olhou as
mensagens no meu celular – Como a Juliana terminou contigo? Digo, brigou
contigo? - Ele indagou.
- Eu não tinha contado que terminamos. Como sabe? - Me joguei debaixo da
água dando pulinhos - Enfim, ela me mandou mensagem.
- Sim, isso não importa muito – Lucas olhou de novo a caixa de entrada e teve
certeza que não era um sonho – Cara, as mensagens estão aqui.
Fiquei em silêncio por alguns segundos até que o Lucas me chamou.
- Oi? Estou bem, relaxa.
- Eu não perguntei isso. Vamos para escola logo, sai desse banheiro.
- Estou indo. Ei, liga para aquela loira de ontem. Quero transar com ela.
- Não, ficou louco? Você não vai transar com ela. - Respondeu surpreso.
- Claro que vou. - Já tinha traçado essa meta enquanto terminava o banho.
- Não, você não vai. Acredite! - Ele riu.
- Você vai ver se não vou fazer sexo com uma loira hoje.
Subi correndo enrolado na toalha. O Lucas não ligava em me ver daquele
jeito, jogávamos juntos desde nossos 12 anos. Coloquei uma roupa meio largada,
bermuda e o casaco do treino. Atletas tinham certos privilégios em relação aos
uniformes e as notas.
Quando chegamos à escola tentou mostrar que estava no controle dos seus
sentimentos. Foi aí que a atitude mais idiota possível. Ninguém tem controle do
que sente, principalmente quando se trata de amor. No fundo, esse eu sabia disso,
porém, queria provar para mim mesmo que estava errado, e que podia controlar o
que sentia. E lá fui na primeira tentativa frustrada de esquecer a Juliana.
- Meninas, boa tarde. – Consegui arrancou sorrisos tímidos das moças que
responderam “Oi”.
A morena, da ponta esquerda, com aparelho nos dentes, pele bronzeada do
sol, cabelo liso, negro e longo, dona do sorriso mais cativante quando não
mostrava os dentes. De boca fechada, Clarisse conseguia ser completamente
apaixonante. O que estragava era a voz extremamente fofa. Segurei a mão da
dela e dei um beijo em seu rosto e permaneci entre no grupinho das amigas.
Enquanto isso o Lucas me olhava de longe enquanto conversa com a Bianca
- uma amiga que estava tentando resgata-lo do que havia acontecido durante a
viagem ao Brasil - provavelmente ele disse algo sobre eu querer iludir a Clarisse,
pois, a reação da Bianca foi ir até onde eu estava só para me dizer: - “Estou de
olho, se magoar minha amiga, vou lhe castrar como fazem com os animais!”,
apenas sorri.
O sinal tocou. Puxei a Clarisse e a olhei nos olhos, tinham um brilho
naqueles olhos. Fui em direção aos lábios dela, como se fosse beijá-la e desviei
no último segundo. Precisava de um segundo plano. O tempo estava acabando.
Sussurrei no ouvido dela: - Será que sua amiga gostosa, a sua esquerda, vai
querer sair comigo? - Ficou nítido que ela queria me agredir.
- Para de incomodar a Clarisse, André. - Gritou o Lucas.
O professor entrou na sala. Fui para meu lugar com a Clarisse. Os lugares já
estavam combinados, sentei ao lado da Bianca e o Lucas ao lado da Clarisse.
Éramos amigos, parecíamos namorados e nos tratávamos como irmãos. Dizem
que os melhores relacionamentos surgem de amizades como a que tínhamos.
- Vamos passar o fim de semana juntos? Digo todos, nós quatro – A Bianca
perguntou esbanjando um sorriso branco, típico de comerciais de creme dental.
- Tenho que ver com meu empresário. – Respondi.
- Não precisa. O clube publicou que não vai te liberar antes de acabar a
temporada. – O Lucas comentou animado.
- Copiar a matéria pra que, né!?. – A nerd, Clarisse, interrompeu.
- Não copiou a matéria o dia todo. Aí vai querer copiar a da última aula? Pera lá!
Me beija, Clarisse! – O Lucas puxou a Clarisse para perto, arrastando a cadeira.
- Claro, meu amor. - O sinal tocou, estava na hora de ir embora - Ops, fica para
outro dia. - A Clarisse completou indicando o sinal.
- Lucas, para de dar mole para Clarisse. Sabe que eu fico com ciúmes! – Disse
enquanto olhava para Bianca.
Cada um foi para sua casa.
3.

No dia seguinte, fiquei irritado com a publicação que a Clarisse tinha feito
no Facebook:
“Tudo que tenho agora, é uma caneta e um caderno. A TV ligada me faz
lembrar de um amor que está distante. Não vou dizer que isso é ruim, mas o
destino poderia ter sido mais generoso. No entanto, sinto o que estou passando
será de grande aprendizado. Vou continuar seguindo. Tentando juntar o que
sobrou de mim. Vou erguer a cabeça e seguir em frente.”
Não podia ligar reclamar com o Lucas, muito menos com a Bianca, eles não
entenderiam. Foi então que me veio um flash de memória dos tempos em que
vivia no Brasil. Mandei uma mensagem para um primo explicando as novidades
e o assunto principal era: Como a Clarisse me tirava do sério. O Thiago não
entendeu muito bem, apenas leu o que mandava por boa parte do tempo.
Estávamos muito tempo sem nos falar e mesmo assim ele me deu atenção e
conselhos.
Eu: Thiago, o que essa garota tem na cabeça?
Enviei voltando ao assunto da publicação no facebook.
Ele: Já falamos sobre isso. Você está com ciúmes de um possível amor que nem
está por perto? É isso?
Mesmo sendo um desastre completo quando o assunto era o próprio
relacionamento, o Thiago tinha um dom, o homem conseguia acertar sempre que
uma pessoa estava com ciúmes, apaixonada ou simplesmente querendo iludir
outra. Exceto quando ele estava envolvido sentimentalmente com a pessoa em
um relacionamento.

***
A ideia da Bianca de passarmos o final de semana juntos ganhou força
durante a semana. Os dias passaram sem muitas novidades. Eu tentava não sentir
saudades da Juliana. O Lucas e a Bianca pareciam ter entrado num
relacionamento, o que foi bom. Pela primeira vez o meu amigo estava voltando
ao que era antes de passar uns dias no Brasil.
Na quarta-feira, quando cheguei da escola, recebi uma mensagem do meu
primo, Tiago:

Ele: Hoje é um dia daqueles que desejo que acabe logo. Não esta sendo legal,
não mesmo! O que me deixa animado, é o fato de no fim de semana poder lhe
reencontrar.
Eu: Como assim?
Respondi surpreso.
Ele: Ah! Sabe como é? Aqui não tem nada pra fazer.
Eu: Não é isso. Como assim vamos nos reencontrar?
Perguntei novamente. Sem nenhum sinal de “digitando…” deixei o celular
de lado. Talvez fosse uma brincadeira. Primos mais novos tem esse costume.
Adoram pregar peças nos mais velhos.
Enquanto preparava algo para comer, melhor dizendo, esquentando a
lasanha no micro-ondas, a Clarisse bateu em minha porta. Eram 20h, mas eu já
estava com roupa de dormir - sem camisa e short - e não me preocupei em vestir
algo mais adequado.
- Oi, Clarisse. - A cumprimentei com um beijo no rosto quando abri a porta.
- Oi. - Sorriu - Não vai me convidar para entrar?
Pedi desculpas pela distração e a indiquei o caminho. Fechei a porta e a
levei até a cozinha.
- Servida? O cardápio de hoje é lasanha, sabor quatro queijo. Uma delícia. - Sorri
estendo o prato.
- Não, obrigada. - Virou o rosto enjoado com o cheiro - Já comi.
Não insisti. Ela ficou estranha com o cheiro da lasanha.
-Podemos ir para um lugar mais fresco?
Assenti. Fomos para o meu quarto e a Clarisse só falto se jogar pela janela.
Eu sentei na cama e continuei comendo. Enquanto isso ela se recuperava do
enjoou debruçada no parapeito da janela.
- Então… - Clarisse quebrou o silêncio - Você ficou sabendo que eu estava
namorando o Mario?
Balancei a cabeça confirmando.
- Fui a casa dele, semana passada…
- Mas ele mora longe. -Interrompi.
- Sim. Eu dormi lá de sábado para domingo… - Ela colocou a cabeça para fora
novamente à procura de ar limpo - Transamos.
Aquela informação me afetou mais do que pensei que afetaria. Parte de
mim, tinha esperança em ficar com a Clarisse. Não consegui pensar em algo
louvável para responder, a segunda opção era tentar agir naturalmente. Mas eu
sabia o destino da conversa, ela ficou enjoada com o cheiro queijo.
Droga! Grávida!? Não pode ser. Porra Clarisse, como pode dar um mole
desse! Pensei, mas única coisa de conseguir fazer foi enfiar mais pedaço de
lasanha na boca.
- Não sei o que dizer. - Respondi com a boca cheia.
- Desculpa… - Ela me olhou triste.
- Why? - Acabei de comer e deslizei o prato para o lado de fora do quarto - Senta
aqui - Indiquei um lugar no colchão - Você não tem que se desculpar.
- Tenho sim. - Respondeu encostando a cabeça no meu colo e se ajeitando na
cama - Eu não devia ter ido lá. Eu não gostava tanto assim do Mario como no
início do namoro. Eu não devia ter perdido minha virgindade com ele.
- Como assim? - Tirei o cabelo que estava tampando os olhos da Clarisse.
- Eu fiquei com ciúmes de você com a brasileira. - Ela ficou envergonhada,
provavelmente deve ter sido muito difícil assumir aquilo - Você estava gostando
dela de verdade. Eu pensei que se transasse com ele iria te esquecer.
Droga! Droga! Ela transou com um cara pra me esquecer e ficou grávida!
Olha a merda que eu fiz!, pensei. Não sabia o que responder.
- Você está grávida? - Enfim perguntei.
- Não, André! - Minha cara de alivio foi tão imediata que casou uma crise de riso
na Clarisse. - E se eu tivesse? Você não me aceitaria?
- Não sei. - Respondi. Não era bem o que queria dizer, seria melhor ter dito algo
que fizesse se apaixonar perdidamente e depois me venerasse como o príncipe
encantado do seu conto de fadas. Porém eu não consegui mentir para Clarisse.
Ficamos em silêncio por um tempo. Ela pareceu bastante surpresa com a
minha sinceridade, mas não questionou e nem procurou uma resposta mais
concreta. Estava ficando tarde e Clarisse não demonstrava atitude de quem iria
pra casa. Pedi que ela levantasse a cabeça para, enfim, colocar o prato na pia.
Quando voltei ela perguntou se podia dormir comigo, de conchinha. Era
normal a Clarisse dormir aqui em casa algumas vezes durante a semana,
a casa dela ficava à distância de 44 milhas, cerca de 30 minutos de carro, e como
não tinha sido aprovada no exame de direção, não podia dirigir.
- Prefere dormir com a janela aperta? - Perguntei enquanto entrava no banheiro
para escovar os dentes.
- Fechada! - Gritou Clarisse.
Terminei minha higiene, fechei a janela e apaguei a luz. Deitei no canto, de
costas para parede, e a Clarisse se ajeitou no meu corpo como se eu fosse uma
almofada gigantesca. Aquele perfume doce ficou impregnado no meu nariz a
noite toda.
Observação:
Não tem nada de romântico em dormir de conchinha, ainda mais com a
Clarisse, uma moça com o corpo mais invejado e escultural da BVB-Kolleg,
escola para os futuros jogadores profissionais do Borussia Dortmund, para filhos
e filhas dos jogadores, e para os filhos e filhas dos funcionários do clube. Foi
extremamente constrangedor sentir a pele nua da Clarisse colada na minha, já
que não faríamos sexo. Em todos os minutos daquela noite ela se ajeitou
procurando a melhor posição para os nossos corpos se encaixarem, o que tornou
inevitável ficar excitado.
4.

É terrivelmente assustador quando você começa a conviver com alguém


que está afim. É tudo diferente. São costumes diferentes, manias diferentes, jeitos
de lidar com os problemas diferentes dos seus. É como se estivesse dividindo o
lar com uma pessoa totalmente estranha. E por mais que conheça a pessoa há, sei
lá, quatro anos, nunca vai conhecê-la tanto como conhecerá passando uns dias no
mesmo teto que ela.
Meu Deus! Eu estava conhecendo a Clarisse mais do que eu deveria para
aquele período. Nós nem sequer estávamos namorando, ou se beijando. E
praticamente casamos, mas sem a parte boa, a do sexo. A pior parte nisso tudo é
que eu estava gostando de passar aqueles dias com ela.
Era legal a ideia de estar dividindo a casa com alguém, com uma mulher.
Mas só era legal no mundo abstrato, na prática, não era tão bom. Eu não tinha o
que reclamar da Clarisse. Exceto pelo jeito como ela se alojou na casa dos meus
tios (vou explicar no paragrafo seguinte), fora isso, ela era muito prestativa, me
ajudava a arrumar a casa, a fazer comida, era uma boa companhia.
Depois de dormir de conchinha e ser responsável por uma das piores noites
da minha vida, Clarisse, foi para escola como se aquela noite não tivesse
acontecido. Nem sequer comentou com a Bianca ou com o Lucas sobre ter
dormido na minha casa, na minha cama, com a minha blusa. Ela estava tomando
tudo que era meu aos poucos, ou de uma vez!? Agora fiquei confuso, mas enfim.
Depois da aula, Clarisse disse que passaria lá em casa para estudar que só ia à
casa dela pegar alguns livros. Mais tarde aparece a Clarisse com uma mochila
cheia de roupa, abraçada com alguns livros.
- Oi! - Ela sorriu e continuou - Vim passar uns dias aqui, foi muito bom dormir
com você ontem!
Foi bom pra quem? Pra ela, né!? Porque pra mim, foi um desastre. No
começo pensei que não aguentaria mais uma noite daquelas e aguentei mais
duas. Ainda podia ser insensível às vezes, mas como mandar embora uma amiga
que havia dispensado ou levado um pé na bunda recentemente, ainda mais depois
de saber que foi por minha causa!? Eu estava numa enrascada. Precisava de uma
ajuda dos céus. A quarta noite dormindo de conchinha seria o meu fim. O celular
vibra em cima do criado mudo, vou olha e tenho certeza que se Deus existe, com
certeza Ele tem um carinho enorme por mim.
Tiago: Primo, estou no aeroporto. Vem me buscar!
Obrigado Senhor! Gritei do quarto. A Clarisse na cozinha não entende e
vem correndo me perguntar o que aconteceu. Respondo que foi uma providência
divina. Informo que meu primo está no aeroporto, teremos visita. Ela contente
com a minha felicidade, sorri e me beija. Putz. E agora? Me veio a sensação de
alívio, somos um casal. Depois a de insegurança, daqui a pouco ela volta para o
Mario. Meu celular vibra novamente.
Juliana: Podemos conversar?
Meu mundo desmorona. Sinto que não reagi bem a surpresa que a Clarisse
me proporcionou. Ela deve ter sentido insegurança. Não era ela, era a Juliana.
Mesmo a milhas de distância ainda tinha o poder de mexer com as minhas
emoções. Eu não queria magoar a Clarisse, mas naquele dia, eu sinto que magoei.
Ela não foi embora, manteve a postura e não desistiu de mim naquele momento.
Eu no lugar dela provavelmente desistiria.
Cheguei ao aeroporto e encontro meu primo flertando com uma francesa
que vinha passar uns dias com os primos, que também jogavam no Dortmund.
- Com licença, desculpe atrapalhar. Mas o senhor Marcos Reus está lhe
aguardando.
- Acho que o senhor está me confundindo - Respondeu Tiago sem reconhecer a
minha voz - Estou esperando o André, jogador das categorias de base, bom de
bola.
A francesa me olhou e começou a rir. Foi aí que o Tiago se virou e me viu.
Depois de três anos reencontrei o meu primo, nos abraçamos e foi aquela
felicidade que você vê nos filmes. Mas o Tiago não podia deixar passar a
oportunidade, pegou o número da francesa para se encontrarem enquanto
estivesse na Alemanha. Ela com certeza era mais velha do que ele, mas o Tiago
sempre passava despercebido por causa da altura elevada e porte atlético.
Ninguém acreditava que ele só tinha 15 anos.
No caminho para minha casa, decidimos parar em uma lanchonete. O Tiago
estava faminto e eu o acompanhei por pura formalidade. A mensagem da Juliana
estava me tirando tudo de bom, até fome. Minha cara estava péssima, meu humor
estava ruim, tudo estava meio nublado. Uma mensagem, dependendo de quem
vem, pode acabar com o nosso dia.
- O que aconteceu? - Perguntou-me Tiago - Você está com uma cara horrível.
- Juliana me mandou uma mensagem dizendo que quer conversar. - Respondi.
- Em falar nessa peste. - Ele sorriu - Toma! - Em seguida o Tiago me entregou
um papel. Não li naquele momento. Guardei no bolso do casaco.
- Não comente sobre ela, ou sempre isso quando chegarmos a casa, tudo bem!?
Penso que estou me entendendo com a Clarisse, não quero estragar tudo por
causa da Juliana.
O Tiago assentiu e recomendou que eu lesse antes de voltar para casa.
Ignorei. Ao chegarmos a casa, o apresentei a Clarisse. Eles ficaram conversando
e eu subi com a mala do Tiago e deixei no quarto de hóspedes. Estava curioso
para ler o que a peste havia me mandado pelo Tiago. Eles não eram tão amigos,
viviam brigando e se ele trouxe, provavelmente devia ser algo importante. Me
contive e não li. Tirei o casaco, com o papel dentro do bolso, e deixei jogado em
cima da cama.
- E aí, estão conversando sobre o que? - Perguntei ao voltar para sala. Os dois
não pararam de falar um segundo sequer desde que tinha subido.
- Sobre você, é claro! O Tiago está me contando seus podres. - Eles riram.
- Se você não desistir de mim depois disso nada pode te fazer desistir, Clarisse.
- Claro que não vou, mijão. - Ela me deu abraço tão apertado e gostoso.
Impossível esquecer.
- Eu vou te matar, Tiago. Não acredito que contou essa história pra ela. - Por
mais que estivesse com raiva do Tiago por contar sobre o apelido de infância era
mais proveitoso continuar envolvido pelos braços da Clarisse.
- Enquanto vocês se matam vou colocar a roupa na maquina e fazer algo para
comermos. - Clarisse me soltou e foi fazer o que tinha combinado.
O dia passou bem devagar. Depois do almoço deitamos na sala e assistimos
Resident Evil: O hóspede maldito pela milionésima vez. Clarisse era apaixonada
por Resident Evil, mas ela estava estranha. Algo estava a deixando incomoda. E
toda vez que eu pegava o celular ela fechada a cara e me tratava com arrogância.
Era algo tão nítido que o Tiago resolveu sair, disse que iria encontrar com a
mulher do aeroporto, mas no fundo eu sabia que ele só queria nos deixar a
vontade para conversar.
- André, o que é isso? - Clarisse estava segurando o papel que o Tiago me deu.
- Não sei. Eu não li. - Respondi.
- Então lê essa merda. - Ela jogou o papel em cima de mim e foi para o quarto. -
Eu gosto muito de você para te impedir de ser feliz, André.
- O que você quer dizer com isso? - A segurei pelo braço impedindo que ela
entrasse no quarto.
- Me solta! Preciso ir embora. - Uma lagrima rolou pelo rosto da Clarisse - Por
favor, deixe-me ir.
Eu não tive forças para pedir que ela ficasse. Era totalmente injusto fazer
isso com a Clarisse, ainda mais depois de conhecê-la tão bem. Ela não merecia
ter alguém que não quisesse está cem por cento ao seu lado. E a Juliana ainda
tinha alguns por centos de mim. Eu precisava saber o que Juliana queria comigo.
Por isso deixei a Clarisse ir.
Aos prantos, Clarisse arrumava as coisas dela sem dizer uma palavra. Na
hora de ir embora, ela me deu o último beijo, seus lábios estavam molhados
por causa das lágrimas, e saiu.
5.

O Tiago chegou e me viu abatido no sofá, segurando o papel que tinha


destruído o início do meu relacionamento com a Clarisse. Essa história não tem o
final que a maioria esperava. Na realidade nem sempre o personagem principal
termina feliz.
- Cadê a Clarisse? - Perguntou-me.
- Ela leu esta droga. - Joguei o papel em cima do Tiago.
- E você? Leu? - Ele jogou o papel de volta.
- Ainda não. - Respirei fundo - E nem sei que quero saber o que essa peste tá
dizendo.
O Tiago me olhou confuso.
- Antes de passar esses dias com a Clarisse, eu queria muito que a Juliana
voltasse para mim, que ficássemos juntos. Eu gostava muito dela. Você sabe,
eu me entrego, me jogo de corpo em alma nos meus relacionamentos. Talvez
esse tenha sido o meu erro. Talvez eu tenha me entregado por inteiro a quem não
estava disposto a me ter nem pela metade. Talvez essa seja a minha maior
decepção em relação ao termino repentino com a Juliana. - Ficamos em silêncio
por um tempo - As pessoas mudam o tempo todo, ou você aceita a mudança
delas, ou se afasta com tempo sem perceber. Por isso nos afastamos por um
tempo Tiago. Quando me mudei para cá e você ficou no Brasil, mudei. E
muito. E me envolver com a Juliana foi uma forma de lembrar as minhas
origens…
- Como assim? - O Tiago me interrompeu.
- Eu a idealizei como um pedaço do meu lar.
- Para! O que vocês tiveram foi real. Lê a droga do recado que ela mandou antes
de ficar falando besteira. - O Tiago levantou irritado - O fato da gente ter se
afastado não tem nada a ver com você e a Juliana.
Aquela foi uma das raras vezes em que vi o Tiago irritado de verdade.
Depois que ele subiu para o quarto de hóspedes, consegui tomar coragem para ler
o maldito papel.
“Oi André,
Primeiro, me desculpa por ter sido uma idiota contigo e ter terminado daquele
jeito. Não existe nenhum Bruno e nunca existiu. O nome do meu ex-namorado é
Lucas, ele joga futebol na Alemanha e só passou uns dias aqui. Mas o que
vivemos foi intenso. Ele chegou a me pedir para morar em Dortmund. Recusei
e brigamos feio…”
Ela estava falando do Lucas, o meu melhor amigo, quase irmão, era quase
inacreditável, quase. Se as histórias não se encaixassem tão bem dava para dizer
que ela estava mentindo.
Continuei lendo...
“… ele me chamou de aprendiz de Elsa, as mesmas palavras que o
seu amigo me chamou quando estávamos no telefone naquele dia. Na mesma
hora, achei que você soubesse de tudo. Por isso menti e terminei contigo…”
... Mas eu não sabia...
“… Perdoa-me por ter feito você sofrer. Eu senti muito sua falta e sei que você
também sentiu. Tentei entrar em contato mais parece que você me bloqueou em
todas as redes sociais.”
... E não era para ter desbloqueado naquele dia, não sabia que mandaria
mensagem.
A carta continuava:
“André, me dá uma chance te mostrar que o que vivemos foi real. Você sabe o
que quanto odeio o seu primo e não estaria disposta a falar com ele se fosse
algo realmente sério. Eu te amo. Por favor, não deixa o que a gente teve morrer
assim. Me desbloqueia das redes sociais para gente conversar. BEIJOS,
com amor, Juliana”.
A atitude da Clarisse vez muito mais sentido depois que eu li tudo. Ela viu a
mensagem que a Juliana tinha mandando mensagem e deve ter pensado que a
desbloqueie por causa da carta. Foi um mal-entendido. Só precisava provar. Mas
eu também queria conversar com a Juliana, estava sentido saudades dela. Eu era
tão novo e já estava com coração partido.
No final das contas eu não fui atrás da Clarisse e nem conversei com a
Juliana. Dei um tempo ao meu coração. Estava precisando me dedicar mais aos
treinos e voltar a brilhar dentro de campo. Larguei as vontades do coração num
canto da casa e fui jogar futebol.
Talvez quando eu estiver mais maduro consiga fazer uma delas, feliz de
verdade. Talvez eu consiga até me entregar cem por cento em um
relacionamento. Eu preciso viver um dia de cada vez.

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