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INSURGÊNCIAS:
dominação e resistência nas redes e nas ruas
Série
DESOBEDIÊNCIAS E DEMOCRACIAS RADICAIS:
A potência comum dos direitos que vêm
Belo Horizonte
2019
INSURGÊNCIAS:
dominação e resistência nas redes e nas ruas
Apresentação 5
Andityas Soares de Moura Costa Matos
Bruno Morais Avelar Lima
Hackerativismo e midiativismo:
possibilidades de resistência no paradigma
da governamentalidade algorítmica 68
Emanuella Ribeiro Halfeld Maciel
Igor Viana Ferreira
o poetry slam como estratégia de insurgência 89
João Henrique de Sousa Santos
Eduardo Antônio Santos Machado
Harrison Lucas Rocha de Freitas
O algoritmo estoico:
a subjetivação política em
Foucault e o problema da
“governamentalidade algorítmica” 110
José Antonio Rego Magalhães
1. Introdução
porâneas a cada um dos seus livros que Foucault deixa escutar seu
ponto de vista sobre a atualidade. Nos livros em si, “pelo rigor, por
vontade de não emaranhar tudo, por confiança no leitor”3, Foucault
optaria por resumir-se à arqueologia e à genealogia das relações de
saber, relações de força, e processos de subjetivação. As entrevistas,
segundo Deleuze, são diagnósticos, enquanto os livros são análises.
Esse cuidado metodológico, esse rigor – precisamente aquilo que
tantas vezes Foucault é acusado, pelos seus detratores, de não ter – é,
frequentemente, o que causa uma reação de perplexidade diante do
corpus foucaultiano: o que podemos, afinal, fazer com isso tudo hoje?
Este artigo dedicar-se-á a três questões relacionadas, que
costumam aparecer nos debates sobre Foucault. A primeira é se
aquilo que Foucault discutiu, no final da sua carreira, em torno dos
temas do cuidado de si e da parrésia, não resultaria em uma concep-
ção demasiado “individualista” da resistência política, que só per-
mitiria a cada um – recorrendo-se aqui a uma simplificação retórica
– cuidar de si mesmo, enquanto as relações de poder, em uma escala
mais ampla, permaneceriam inalteradas. As lutas ditas micropolíti-
cas, segundo essa crítica, seriam insuficientes para gerar mudanças
mais abrangentes nas configurações sociais, ao passo que a macro-
política seria tida como ultrapassada pelos moldes do pensamento
foucaultiano. A segunda questão é se esse paradigma de subjetivação
política que Foucault vai buscar na Grécia antiga poderia, de alguma
forma, ser recuperado para pensar a prática política contemporânea,
e em que sentido essa recuperação seria legítima, possível ou, em
todo caso, útil. A terceira questão – a ser introduzida em detalhe
mais à frente – é se o advento de novidades do mundo da técnica
como os megadados (Big Data) e aquilo que alguns têm chamado
de “governamentalidade algorítmica” apresentaria, como argumenta
Antoinette Rouvroy4, um problema do qual o pensamento de Fou-
cault não daria conta.
Uma amostra da atenção extrema dedicada por Foucault à
contingência é a maneira como, ao longo da sua carreira, ele não ces-
sou de elaborar, reelaborar, substituir e abandonar suas ferramentas
de análise, deixando que cada investigação (arqueológica, genealó-
gica) afetasse drasticamente o próprio método da sua abordagem.
3
DELEUZE, 2016, p. 367.
4
ROUVROY, 2016.
112
9
FOUCAULT, 1982.
10
FOUCAULT, 1982, p. 790, tradução minha.
11
FOUCAULT, 2005.
12
FOUCAULT, 2009, p. 200, tradução minha.
114
13
FOUCAULT, 2016.
14
CASTRO, 2015, p. 143.
15
DELEUZE, 1988.
16
FOUCAULT, 2009.
115
26
FOUCAULT, 1982.
120
Admitido o que foi dito até aqui, um outro nome para o que
tem-se chamado de “governamentalidade algorítmica” seria sim-
plesmente “governamentalidade”. O sentido dado por Foucault ao
termo se entrelaça intimamente à figura do algoritmo, ainda que o
autor não use essa palavra. Se o poder é puro exercício – exercício
que precede a um sujeito que exerce – voltado a condicionar as prá-
ticas possíveis e impossíveis para os elementos do dispositivo em
que opera, se ele é uma rede de operações que determinam outras
operações, então a governamentalidade não é senão um complexo
intrincado de algoritmos que acoplam-se uns aos outros executando
inúmeras funções. Ainda assim, o dispositivo amplo designado por
“governamentalidade algorítmica” não deixa de ter as suas especifi-
cidades que o distinguem, de forma decisiva, de dispositivos anterio-
res – só não se trata do recurso a algoritmos.
Antes de mais nada, a própria palavra dispositivo, enuncia-
da hoje, remete, para o cidadão médio, a um dispositivo específico
– o “dispositivo móvel”. Os smartphones e tablets são as variedades
mais comuns desses computadores portáteis através dos quais exe-
cutamos uma parte considerável e cada vez mais ampla das nossas
tarefas. A maior parte deles, ou em todo caso os mais populares/co-
merciais, operam através de sistemas operacionais de interface sim-
ples (iOS, Android, Windows Mobile) que, por sua vez, se baseiam
em aplicativos (apps) destinados, cada um, a um tipo de tarefa, a de-
sempenhar uma ou mais funções. No meu celular tenho aplicativos
para organizar meu dia, operar transações bancárias, me localizar
e locomover pelo espaço urbano (rotas calculadas por algoritmos),
aprender línguas, escutar música, assistir vídeos, ler textos, me rela-
cionar socialmente, tirar fotos, tomar notas e fazer gravações. Se os
dispositivos são realmente telescópicos no sentido exposto há pou-
co, não me pareceria uma impropriedade técnica dizer não só que os
dispositivos móveis são dispositivos, no sentido de Foucault, como
que os aplicativos formam parte de um tipo atual de dispositivo, na
122
29
Em 2017 foi lançada uma reedição comemorativa por ocasião dos dez anos do
album OK Computer, da banda britânica Radiohead.
30
ROUVROY, 2016.
31
ROUVROY, 2016.
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34
ROUVROY, 2016, p. 9, tradução minha.
35
ROUVROY, 2016, p. 10, tradução e grifos meus.
36
ROUVROY, 2016, p. 10, tradução minha.
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Referências bibliográficas