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Salvador
2018
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Salvador
2018
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É a palavra da língua nativa angolana quimbundo. O termo ‘nzunga’ é resultado da forma verbal
‘kuzunga (circular, rodear) mulher que percorre as ruas vendendo produtos diversos dentro de uma bacia
que leva na cabeça, antigamente eram comumente chamadas de Quitandeira.
2
Um dos pratos típicos de Angola.
6
Guiné
sou eu
até depois da esperança
Guiné
és tu
camponês de Bedanda teimosamente
procurando a bianda na bolanha
que só encontra água na mágoa da tua
lágrima
Guiné
és tu
criança sem tempo de ser menino
Guiné
és tu
mulher-bidera3
em filas de insónia
noites di kumpra pon4
(mafé di aos)5
Guiné
é um grito
saído de mil ais
que se acolhe no calcanhar
da terra adormecida
Mas
Guiné somos todos mesmo depois da
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Revendedora.
4
Noites de comprar o pão.
5
A única alimentação.
7
esperança
Tony Tcheca (poeta guineense)
Agradecimentos
Primeiramente agradeço a Deus pai todo poderoso por ter me guiado até aqui.
Pois gratidão é um dos sentimentos mais nobres que existe e eu não posso me abdicar
dela. Diante de uma jornada de trabalho muito intensa que está a terminar e certamente
prestes para o começo de um novo tempo. E sabe-se que o tempo é uma realidade
fugida, enquanto ela passa e olharmos para trás, observa-se que valeu a pena a
persistência e o sacrifício para chegar ao topo da montanha, e a minha escalada neste
exato momento é procurar dar voz a quem não a tem, isto é, as sacoleiras. Porém, para
que isso se torne realidade, contou-se com a contribuição direta e indiretamente de
amigos, colegas pesquisadores, professores, desde a graduação, no mestrado, e agora no
Doutorado. Para chegar a esta altura da escalada, algumas escolhas foram feitas, dentre
as quais, assumir a difícil tarefa de distanciar-se fisicamente dos meus familiares para
adquirir novos conhecimentos, numa condição de estrangeiro, enfrentando todas as
adversidades, e vivenciar diversas formas de preconceitos. Mas valeu a pena, pois todas
as experiências e amizades adquiridas só engrandeceram o meu conhecimento.
Com isso, quero dizer que é chegada a altura de retribuir com afinco,
agradecendo em alto e bom som, de forma cordial a todas e todos que contribuíram para
a concretização deste trabalho. Há sentimentos que ultrapassam o significado postulado
pelas palavras. Por isso, sintetizo os meus agradecimentos.
Esta tese é o fruto de um trabalho árduo, porém contou com contribuições
significativas de professores, alunos e colegas, pelas sugestões. Mas quero agradecer
primeiramente a quem me acolheu numa situação de desespero. Refiro-me cordialmente
a minha Orientadora, Profa. Dra. Maria Gabriela Hita, por ter aceitado o grande desafio
de me orientar, e com dedicação, paciência e disponibilidade, soube me apontar as
direções que nortearam a execução desta tese. Tive a honra e sorte de participar dos
grupos de estudos da professora Hita, no qual aprendi que é possível fazer com que a
etnografia e a teoria caminhem conjuntamente, de mãos dadas, sem comprometer o
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Pa almas di nha garandis di Djiba, ku nha djorson Malobál sta sempri ku mi! (Que as
almas dos meus ancestrais de Geba e da minha linhagem Malobál estejam sempre
comigo nas minhas caminhadas).
Djarama! (Obrigado, em língua fula, uma das línguas da Guiné Bissau).
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Resumo
O presente estudo oferece uma perspectiva atual de um lado pouco falado no mundo do
trabalho contemporâneo, ao assumir o desafio de estudar as chamadas “sacoleiras”
angolanas e guineenses que se deslocam a São Paulo e para demais mercados
internacionais tais como: Singapura, Guangzhou, Dubai, Tailândia para comprarem
artigos de consumo a serem revendidos em seus países. Entendeu-se que esta
modalidade de trabalho consiste num circuito inferior da economia urbana que se
constitui como um dos modos antigos de ser da informalidade, e por conta disso não
pode ser tratado como um fenômeno deslocado, a-histórico. Pelo contrário, se trata de
uma realidade que tem sido alternativa de reprodução social de milhares de pessoas ao
redor do mundo. Por isso está inserida na história, a partir de um processo de interação
entre o trabalho formal e formal. A metodologia utilizada para coleta de dados no
campo baseou-se no questionário plicado às sacoleiras, buscando explorar as narrativas
de suas experiências de comprar mercadorias nos mercados internacionais, para depois
abastecerem os produtos comprados no guarnecimento de suas lojas e/ou fazer o
negócio à pronta-entrega. Com esse percurso visei responder à pergunta central desta
tese, que foi: com a sua participação nos mercados, o que diferencia a “sacoleira”
africana de outros trabalhadores e/ou trabalhadoras informais (Brasileiros ou Africanos),
a exemplo de quitandeiras, ou quituteiras, ou as bideras (revendedoras) de peixe, por
exemplo? Esta tese se enveredou numa direção que nos permite compreender que em
muitos países africanos, especialmente no caso de Guiné-Bissau e Angola, emergiu um
“reencantamento comercial” de compra-venda de produtos que vêm crescendo de modo
sem precedentes, e que são distribuídos em pequenas proporções em circuitos inferiores
da economia. Acredito com isso, que esta tese contribui ao acrescentar novos exemplos
e modos de operar da nova informalidade especialmente no que concerne ao modo
próprio e autêntico de ser desse tipo de economia informal engendrada por essa “nova
classe trabalhadora das sacoleiras” que cumprem a dupla função: a de manter a sua
reprodução social e a de alavancar a economia contemporânea.
Abstract
The present study offers a current perspective of a little talked about side in the world of
contemporary work, as it takes on the challenge of studying the so-called Angolan and
Guinean bagtraders that move to São Paulo and to other international markets such as
Singapore, Dubai, Thailand to buy consumer goods to be resold in their countries. It
was understood that this modality of work consists of a lower circuit of the urban
economy that constitutes one of the old ways of being of informality, and because of
this it can not be treated as a dislocated, a-historical phenomenon. On the contrary, it is
a reality that has been an alternative social reproduction of thousands of people around
the world. This is why it is inserted in history, starting from a process of interaction
between formal and formal work. The methodology used for data collection in the field
was based on the questionnaire about the bagtraders, seeking to explore the narratives of
their experiences of buying merchandise in the international markets, later to supply the
products bought in the furnishing of their stores and / or do the business to the prompt
delivery. With this path, I aimed to answer the central question of this thesis, which
was: with its participation in the markets, what differentiates the African "bagtraders"
from other workers and / or informal workers (Brazilians or Africans), such as grocers, ,
or fish bending (reselling), for example? This thesis was set in a direction that allows us
to understand that in many African countries, especially in the case of Guinea-Bissau
and Angola, a "commercial re-enchantment" of buying and selling of products that have
been growing unprecedentedly in small proportions in lower circuits of the economy. I
believe that this thesis contributes by adding new examples and modes of operation of
the new informality especially with regard to the proper and authentic way of being of
this kind of informal economy engendered by this "new working class of the
bagtraders" that fulfills the double function : to maintain its social reproduction and to
leverage the contemporary economy.
LISTA DE ABREVIATURAS
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO p.18
Capítulo I
1 A DESCRIÇÃO ESPACIAL DO BRÁS: COMÉRCIO E p.32
SURGIMENTO DE NOVOS PERSONAGENS NA CENA URBANA
1.1 Radiografando o cotidiano do Brás como lugar de compra e de p.38
sociabilidade
Capítulo II
2 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO SOCIOPOLÍTICO E p.44
DEMOGRÁFICO DA GUINÉ-BISSAU E DE ANGOLA
2.1 Guiné-Bissau: Situação Geográfica e demográfica p.45
2.2 Guiné-Bissau: Situação histórica e política p.47
2.3 Guiné-Bissau: alguns elementos econômicos p.51
2.4 República Popular de Angola: Situação geográfica e demográfico p.52
2.5 Angola: Situação histórica e política p.53
2.6 Angola: Alguns elementos econômicos p.56
2.7 A África pós-colonial: transição e reestruturação p.58
2.8 Quando as atividades populares se tornam a alavanca da economia p.62
Capítulo III
3 TRABALHO INFORMAL NAS ECONOMIAS PERIFÉRICAS p.69
3.1 A cultura do trabalho e os mercados tradicionais “Lumo” como legado
da economia informal na Guiné-Bissau e em muitas economias
africanas p.71
3.2 Do fenômeno do subemprego urbano às resistências do trabalho não
tipicamente capitalista p.78
3.3 O conceito de informalidade no âmbito laboral: processo em
construção p.87
3.4 Um esboço sobre a economia informal e suas combinações: O p.93
processo de produção no debate contemporâneo
3.5 O Trabalho informal como fio (in)visível de acumulação p.106
3.6 A simbiose entre setor arcaico e moderno da economia nos debates da
CEPAL p.110
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Capítulo IV
4 PROTAGONISMO FEMININO E SUBSISTÊNCIA DO TRABALHO EM
GUINÉ-BISSAU, ANGOLA E NO MERCADO TRANSNACIONAL p.113
4.1 Quando as escolhas por emprego são reduzidas, o espaço urbano se p.114
transforma em cenário de disputas para satisfação
4.2 A feminização do trabalho: Uma experiência das angolanas e p.125
guineenses
4.3 A força de trabalho feminino e a desigualdade do gênero no mercado p.134
de trabalho na Guiné-Bissau e Angola
Capítulo V
5 AS MERCADORIAS NOS FLUXOS CONTÍNUOS DA GLOBALIZAÇÃO
POPULAR p.137
5.1 As sacoleiras nos circuitos inferiores da economia urbana nos tempos p.139
da globalização
5.2 Enclaves étnicos, rede de relações e o destino de muitos turistas- p.143
compradores em busca dos artigos “Made in China”
5.3 Os impactos positivos da globalização de baixo custo e a dinâmica p.150
socioeconômica das revendedoras
5.4 O deslocamento de capital estrangeiro para os mercados periféricos p.167
abre novos espaços para a globalização popular
5.5 A vida social das mercadorias e a crise de identidade socialmente p.175
(des)construída nas antigas colônias
5.6 A globalização como fábula: um critério ideológico baseado em dois p.187
pesos e duas medidas
INTRODUÇÃO
características bem suis generis, as quais iremos apresentar e analisar, algumas delas, ao
longo desta tese. E que são próprias dessa prática de trabalho, deste tipo de sujeito e de
sua origem, o que lhes outorga um significado novo, no que acredito que esta tese
ilumina e mostra bem. Ao analisar algumas de suas principais características e
manifestações busquei por momentos intentar traçar uma análise morfológica e
socioeconômica de um tipo de atividade comercial e de um grupo de mulheres que
atravessam fronteiras e superam dicotomias ou tensões que atravessam debates e
polêmicas de questões como as do local e problemas globais, setores formal e informal
de trabalho, tudo isso no contexto maior de um capitalismo contemporâneo e
globalizado. Estas informações são temas importantes nesta tese, as quais tratarei mais
detidamente nos capítulos seguintes. As características desta modalidade de trabalho
comercial são altamente informalizadas, bastante heterogêneas e corroboram com o
conceito de poder estar tratando este fenômeno como um surgimento de uma nova
modalidade e tipo de sujeitos, ou, parafrasendo Antunes (2009) como uma classe-que-
vive-do trabalho, revelando por isso novas facetas, e umas das que têm sido pouco
reconhecidas neste campo de estudos até o momento, tanto no contexto brasileiro como
no africano.
A nossa leitura sobre o mundo do trabalho, a ser descrito aqui de vários
modos, se debruçará sobre diversos temas e debates teóricos em torno da noção e
implicações da informalidade impulsionada pelo fenômeno da globalização. Considero
que o trabalho é uma categoria humana revestida de razão prática que envolve múltiplas
dimensões e experiências de serviços e, por isso, ele se configura essencialmente como
elemento central às necessidades cotidianas. Discordo inteiramente da tese de que o
trabalho informal estaria hoje perdendo o seu significado e função nas estruturas
econômicas com o passar dos tempos devido aos avanços tecnológicos. Longe disso, a
realidade atual nos demonstra o contrário, pois é o trabalho informal que vem crescendo
em decorrência de elementos que destacarei adiante, e dos quais destaco aqui dois
motivos principais: o dos movimentos cada vez mais fortes em direção à flexibilização
das condições laborais e o resultante do aumento alarmante do desemprego. Isto me
permite afirmar que as modalidades informais de trabalho parecem estar longe de serem
extintas, ao levarmos em consideração o número cada vez mais significativo de
indivíduos que dependem deste tipo de atividades e modos de trabalho na atualidade
para a sua sobrevivência.
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diferentes regiões do mundo. Elas se dirigem, desde a África, para outras cidades
industriais e comerciais cuja circulação de capital é maior, como São Paulo (no Brasil),
Dubai (em Emirados Árabes), Pequim (na China), e Singapura (Cingapura), comumente
conhecidos por serem cidades com maior poder atrativo de produtos atacados e varejos.
Além do mais, nessas grandes cidades industriais e comerciais encontram-se
múltiplos serviços como os de diversidade muito ampla de tratamentos estéticos,
produtos os quais estas africanas (as pesquisadas) têm especial atração, além do
oferecimento de diversos tipos de acomodações hoteleiras que estão ao alcance dos
recursos destas, e os mais variados tipos de quitutes e alimentos. Tudo isso em preços
considerados razoavelmente baixos quando comparados diretamente aos de outras lojas
locais, confundindo-se ou associando-se ao seu papel de turistas, o de serem
consumidoras e compradoras de mercadorias produzidas ou vendidas nestas cidades.
Portanto, ao analisar e ilustrar, ao longo desta tese, como vai sendo configurado esse
cenário atual do comércio internacional manifestado nas experiências destas sacoleiras
africanas, fui percebendo como este exemplo só veio a confirmar a afirmação de
Zygmunt Bauman (1999), de que a sociedade contemporânea (moderna ou pós-
moderna), tem hoje pouca necessidade da força de trabalho industrial, e que por conta
disso desloca boa parte dos seus membros a desempenharem cada vez mais outro tipo
de papel: o de consumidor (especialmente em atividades de setor terciário), como é o
caso aqui destas “turistas compradoras”6 que ao virem na procura de artigos que lhes
foram demandados pelas suas clientelas, elas são e se caracterizam primeiramente como
consumidoras, e só depois como vendedoras dessas mercadorias, as quais são colocadas
posteriormente para circular, sendo ofertadas aos consumidores finais das vendedoras.
Trata-se este de um processo de negociações diversas de compra e venda que as eximem
(excluem) de operar exclusivamente como consumidoras, ou as finais. Por isso, a sua
posição em relação ao fabricante dos produtos adquiridos é a de estimulá-los a criar
novos produtos para este tipo de compradora a partir das mercadorias que elas mais
procuram e demandam, por um lado, e a de que elas a consumirão e colocarão em
circulação espalhando-as por sua vez, em outros contextos onde atuam. Daí que
atividades comerciais como essas executadas pelas sacoleiras assumam a função de
exercer um papel importante no rol da divisão sócio-internacional do trabalho e na era
6
Por isso é que em alguns momentos da tese o termo “sacoleira” aparece como turista-compradora
(consumidora), por ela ser turista-compradora e só em segunda instância como revendedoras dos mesmos.
22
da globalização atual, mesmo quando ainda continuam sendo consideradas por muitos
como um substrato da economia subterrânea.
Desde esta perspectiva da internacionalização deste circuito comercial,
mobilizado pelo envolvimento na economia das atividades e roteiros destas sacoleiras,
pode ser melhor compreendida como um tipo de atividade do mundo da informalidade,
a qual tem passado a ter novos significados e existência maior. O que também se explica
mediante a ampliação dos processos socioculturais intrincados em outro conjunto de
trocas culturais e manifestações civilizatórias às que também estão associados os
processos ou situações como as vivenciadas pelas sujeitas de nossa pesquisa, pelo
simples fato de atravessarem novas fronteiras, e entrar em contato com outros valores,
costumes e modos de vida diferentes de outros países. Elas trazem também consigo os
seus próprios modos de ser, agir, sentir, pensar e imaginar, e que passam a ser
contrastados e comparados por elas aos modos de outras culturas dentro deste ampliado
e cada vez mais complexo processo de globalização. (IANNI, 1996, p.140).
O principal destino das sacoleiras originárias dos dois países africanos estudados
nesta tese se divide em quatro principais pontos do globo: Brasil, Emirados Árabes,
China e Singapura. Uma primeira questão que me fiz frente a esse dado foi a de buscar
explorar e compreender melhor quais as razões dessa segmentação, e de buscar
encontrar explicações para isso, o que o faço, empírica e teoricamente. Outra questão
relevante foi me perguntar o que faz com que uma parte destas mulheres escolha vir ao
Brasil e outra prefira ir para os Emirados Árabes ou China. E a partir destas questões
mais gerais e estruturais, fui levantando várias outras mais específicas, e que foram
também guiando parte de meu percurso nesta tese. São elas: Qual a posição dentro da
estrutura social de classe das sacoleiras que possibilitam-lhes uma escolha de rota de
viagem diversa? É possível dizer que as sacoleiras com maior poder aquisitivo se
dirigem para os Emirados Árabes e China, e as menos aquinhoadas vêm para o Brasil?
Quais produtos elas compram aqui e quais comprariam lá? A respeito dos
consumidores: quem seriam estes? E porque preferem produtos importados aos
nacionais? Será que existem produtos similares em seus países de origem? Qual é a
posição hierárquica na pirâmide social que as sacoleiras ocupam da divisão-sócio-
internacional do trabalho global que realizam? Essas foram apenas algumas das
questões mais gerais da nossa investigação e que contribuíram para aguçar o modo de
seguir este fenômeno e me guiar na reflexão e na investigação aqui desenvolvida.
23
7
O trabalho Manual Africano nos Labirintos da Globalização: O caso dos Africanos em São Paulo.
(2011).
25
melhor o modo como algumas dessas mercadorias chegavam ao seu destino final, para
ampliar a minha compreensão do fenômeno como um todo e de todo o seu trajeto, assim
como algumas de suas principais implicações e efeitos. Também me preocupou buscar
testemunhar, em alguns casos, como se distribuem algumas dessas mercadorias aos
consumidores finais.
Para isso, e já numa etapa de finalização da pesquisa, que coincidiu com a da
redação final desta tese, precisei escolher entre ir para a capital angolana ou para a
capital guineense no início de 2018. Espremido em tempo para concluir meu trabalho de
campo e redação final desta tese, e pressionado pelo prazo que me tinha sido
preanunciado da possibilidade de sair a minha nomeação ao cargo de professor recém-
concursado na Unilab, na unidade de São Francisco do Conde, no que tinha sido
aprovado, decidi deslocar-me apenas para Bissau entre os dias 03 de janeiro e 06 de
fevereiro de 2018 para entrevistar algumas das sacoleiras de minha rede de contato e
que eu já tinha entrevistado antes no mercado do Brás, em 2015, na cidade de São
Paulo, como foi o caso da Odete, Celeste e Mariama. Já em Bissau, fui apresentado,
através de redes sociais do Facebook e o aplicativo WhatsApp, e por intermédio de um
amigo que trabalha com o comércio e que reside naquele país, a mais outras
comerciantes. Foi através desse amigo que logrei me aproximar de outras sacoleiras
com as quais não tinha tido nenhum contato anterior. Este foi o caso da Helem Pinto,
Brinsan, Carmem e Iza, que também realizam rotas de viagens entre Bissau-São Paulo e
São Paulo-Bissau. Com todas as sacoleiras contatadas em Bissau realizei as entrevistas
baseadas na mesma guia de entrevistas usadas no Brasil, com devidas adaptações aos do
novo contexto (vide o anexo A), mas também visitei as lojas de algumas e busquei
observar a estrutura da disposição das mercadorias em suas lojas, em alguns dos casos,
e acompanhar a distribuição final das mercadorias e algumas de suas rotinas de
trabalhos na capital guineense, em outros. Observei que em determinadas situações as
mercadorias são comercializadas em forma de “pronta-entrega” para os amigos e
funcionários públicos de sua rede de contatos (considerados por elas como os melhores
ou “bons pagadores”), mas em outras ocasiões são as clientelas que se deslocam para as
residências destas sacoleiras para escolherem algumas das mercadorias por elas trazidas.
Infelizmente não tive a chance de testemunhar nenhum dos circuitos da chegada
das mercadorias compradas na cidade de Luanda (Angola), o que teria dado um belo
contraponto pelas diferenças entre ambos os países, pela falta de tempo e devido a
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globalização como a fábula, constituída numa divisão desigual em dois pesos e duas
medidas. E, por fim, foram desenvolvidas as Considerações Finais.
32
Capítulo I
8
Disponível em: http://almanaque.folha.uol.com.br/bairros_bras.htm. Acesso em: 03 mai. 2016.
33
9
Grupos étnicos que se congregam com especificidades de trabalhos diferentes numa divisão social do
trabalho: entre nacionais brasileiros (proprietários de lojas), bolivianos, no setor de costura, a comunidade
coreana, nas lojas das confecções voltadas para a moda feminina e redistribuidores de eletroeletrônicos,
comunidade Chinesa - eletroeletrônicos. A comunidade africana é composta por rapazes que atuam no
ensacamento de embalagens, somado a sacoleiras que perambulam durante suas rotinas de compras
diárias. Sendo que a parcela significativa atua nas atividades informais.
10
Serão aprofundados ao longo dos capítulos.
34
Foi assim que, nesse cenário da pesquisa, ao retornamos aos corredores entre
restaurantes e lojas, cruzamos com uma moça exausta, depois de “perambular” pelas
ruas e comércios como muitas que seguem o itinerário de compras nas terras
longínquas, para além das fronteiras do emprego. (A figura abaixo mostra a celeste após
as compras).
11
Dissertação de Mestrado cujo título é O trabalho Manual Africano nos Labirintos da Globalização: O
caso dos Africanos em São Paulo.
36
12
Comércio de exportação de importação localizada no Brás. Uma empresa formal cujos proprietários são
africanos (de Angola e Guiné-Bissau) e exportam mercadorias para diversos países.
13
Certos rapazes (guineenses e angolanos) atuam como empacotadores e carregadores de malas e
mercadorias das sacoleiras a serem despachadas. Nas avenidas logo nas proximidades do Metrô Brás,
principalmente no Largo da Concórdia, a disputa em torno do espaço urbano se torna mais evidente e
acirrada entre os camelôs brasileiros, os senegaleses e os congoleses.
40
14
A mercadoria é segurada pela agência transportadora. Todo transtorno da mercadoria é de inteira
responsabilidade da empresa transportadora.
42
Olha, aqui nós temos gente que vem de todo lugar, e principalmente
os teus conterrâneos, os africanos ocupam muitos quartos, sai um,
entra outro, os corredores ficam cheio de malas, são malas alargadas
nos corredores dos hotéis, enquanto e sempre vem com os caras
(rapazes) que ajudam elas carregando as malas. Mas há dois anos atrás
o movimento era bem maior, mesmo quando o mundo estava em crise.
Ontem mesmo uma estava comentando sobre a dificuldade de se
conseguir o visto de turismo no consulado Brasileiro nos seus países,
por causa dos problemas. Dizem que não está sendo fácil conseguir o
visto de turismo para vir ao Brasil. Falam também que está sendo
difícil conseguir o dólar em Angola, já que é a moeda que elas
costumam usar no câmbio para o real (moeda brasileira). Sempre
quando o dólar está alto elas aparecem em maior quantidade e os
nossos quartos ficam totalmente cheios numa diária de 60 reais por
quarto simples com o banheiro externo, e 80 reais pros quartos com
banheiros internos. Mas este ano o ritmo caiu bastante, mas esperamos
que até o meio do ano as coisas melhorem. (Elza,43 anos, Brasileira,
secretária do hotel Borba. Entrevista realizada em São Paulo, no
bairro de Brás: 04/11/2016)).
Capítulo II
15
Palavra proferida pelo Ex-presidente do Quênia.
45
16
Os colégios católicos e protestantes surgiram como espaços privilegiados de homogeneização da sua
cultura religiosa e dos saberes demandados pela pequena nobreza e burguesia para a sua ordenação social.
“(…) A interferência da Igreja foi decisiva para a difusão da escolarização, principalmente dos jovens, na
medida em que ela centralizava a administração e os funcionamentos das instituições escolares”. (Veiga,
2007, p.2).
17
Cf. o desenvolvimento verde na Guiné-Bissau. Disponível em:
http://www.worldbank.org/pt/news/feature/2015/11/30/guinea-bissaus-green-development-takes-root-
starting-with-biodiversity-conservation. Acesso em: 08 nov.2017.
18
Região Bafatá, Biombo, Bolama, Cacheu, Gabu, Oio, Quinara e Tombali, e o setor autônomo de
Bissau.
46
Fonte: royalty-fre
A república da Guiné Bissau possui uma vasta diversidade étnica e cultural, além
de uma multiplicidade partidária, é um país laico. Ademais, é mister destacar que
embora diante das suas instabilidades políticas, o país vem se reinventando através da
47
19
Foi o movimento que derrubou o regime salazarista em Portugal, e ocorreu no ano de 1974, de forma a
estabelecer liberdades democráticas, com o intuito de promover transformações sociais no país. A
população saiu às ruas para comemorar o fim da ditadura de 48 anos, e distribuiu cravos, a flor nacional,
aos soldados rebeldes em forma de agradecimento, dando origem ao nome “Revolução dos Cravos”.
49
no país. Foi uma consequência dos 13 anos de guerra colonial, na qual os portugueses
enfrentaram os movimentos de libertação nas suas colônias: Angola, Moçambique,
Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Neste sentido, segundo
Manecas Santos20, o posicionamento e as resistências políticas, engendrados por
PAIGC, através dos confrontos militares, foram cruciais naquele momento para a
libertação da Guiné, e influenciando na “Revolução dos Cravos”. Afirma Manecas
Santos:
[A Guiné] foi a colónia onde a guerra foi mais violenta e mais eficiente por
parte dos guerrilheiros nacionalistas. Eu creio que ninguém tem dúvidas
disto. A partir do momento que nós conseguimos estas armas antiaéreas,
deixando o exército português completamente na defensiva [surgiu uma
situação] inimaginável para qualquer exército colonial ou qualquer exército
europeu. De facto, nós teríamos sido a ex-colónia cujo combate foi decisivo
para que acontecesse o golpe de Estado em Portugal e depois a libertação das
colónias. O golpe de 25 de Abril nasceu aqui.
20
O 25 de abril nasceu na Guiné. Está disponível em: http://www.dw.com/pt-002/o-25-de-abril-nasceu-
na-guin%C3%A9-diz-manuel-dos-santos/a-17656412. Acesso em: 07 jan.2018.
50
verdianos). O que, de outra maneira, pode ser chamado de “colorismo de classe” que
parecia um fenômeno natural.
Em decorrência disso, é importante também entender, porém, que o golpe de
estado “movimento reajustador” também joga por terra o projeto de unidade nacional
entre os guineenses e cabo-verdianos – projetado por Amílcar Cabral, acaba por nutrir
enorme estranhamento no aparelho do estado, enquanto para a sociedade civil restou-se
as incertezas. Decerto, essa reestruturação política a partir do golpe não trouxe uma
mudança substancial a uma nação recém “liberta”, senão a perpetuação de uma
aristocracia política e militar no poder por quase duas décadas de incertezas em todos os
segmentos sociais. Portanto, jogou-se um papel importante contra o imperialismo
português, porém, nos tempos da pós-independência o país acompanhou intensas
danças de cadeiras (alternâncias) no poder executivo, quase uma dúzia de presidentes
passaram sem êxito. Sendo que nessa incipiente democracia tortuosa, jamais um
presidente concluiu o seu mandato sem que tivesse sido deposto ou expulso por vias de
insurgências (golpes)21, assassinatos ou mesmo morte por doença (vide o anexo C).
Essas danças de cadeiras, em pouco espaço de tempo, numa república
teoricamente democrática, se enveredaram por um caminho marcado por intensas
incertezas, colocando em xeque o processo de estabilidade e, consequentemente, o
processo democrático, na medida em que os resultados dos escrutínios passam a não
significar o cumprimento dos cargos. Consequência de um sistema de governo
semipresidencialista que abre muitas brechas (espaços) a interpretações, fazendo com
que ora o presidente exonere ou nomeie o primeiro ministro, ora o presidente dissolve o
parlamento e nomeia um Governo de gestão e de iniciativa presidencial.
Ademais, somam-se a isso o histórico de constantes instabilidades, insurgências,
prisões arbitrárias, golpes, assassinatos de executivos, demissão de executivos, derrubes
de governos, muito comum nesses países, nos remete àquilo que Giorgio Agamben
21
Luís de Almeida Cabral foi um dos Fundadores do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo
Verde (PAIGC) e também o primeiro Presidente da Guiné-Bissau - em 1973/4. Luís Cabral ocupou o
cargo até 1980, data em que foi deposto por um golpe de Estado militar. Disponível
em:http://www.dw.com/pt-002/guin%C3%A9-bissau-o-pa%C3%ADs-onde-nenhum-presidente-
terminou-o-mandato/g-37918406 . Acesso em: 02 dez. 2017.
51
(2004) chama de estado de exceção, quando se inverte a lógica dos princípios do estado
de direito e de valores democráticos a situações “anormais”, em que a violação da
normalidade constitucional, a exemplo de golpes de estado - que em condições normais
são consideradas uma exceção, passa a se configurar como norma (regra), enquanto o
que era a regra constitucional, como é de praxe (habitual) dentro de um “estado
democrático” se transforma em exceção, e a exceção é tomada como regra. Esse
quiproquó entre o estado de direito e o estado de exceção (violação da normalidade), na
Guiné-Bissau tanto quanto em Angola, faz com que a estabilidade seja transformada na
instabilidade, e o desemprego se torna uma regra, minando possibilidades do diálogo, na
medida em que o estado, que deveria ser o principal interlocutor, se torna o cúmplice do
próprio caos.
22
Guiné-Bissau: memorando econômico do país - Terra Ranca! Um novo recomeço. Disponível em:
http://documents.worldbank.org/curated/pt/425691468276277003/pdf/582960PORTUGES0CEM0final01
0Feb150PT.pdf . Acesso em: 08 nov. 2017.
23
É uma medida comparativa usada para classificar os países pelo seu grau de “desenvolvimento
humano” e para ajudar a classificar os territórios como desenvolvidos (desenvolvimento humano muito
alto), em desenvolvimento (desenvolvimento humano médio e alto) e subdesenvolvidos (desenvolvimento
humano baixo). Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%8Dndice_de_Desenvolvimento_Humano. Acesso em: 08 nov. 2017.
52
humano. Tem uma posição hierarquicamente inferior em relação a certos países da sub-
região da África ocidental, em especial quando comparado a Senegal, um país vizinho
que ocupa a posição 162º.
Fonte: Royalty-free.
24
Cf. Ana Isabel Cabral. Cartografia de coberto do solo para o território angolano utilizando imagens de
satélite Modis. Revista portuguesa de estudos Regionais. N.15. 2007.
53
As sociedades que viriam a construir uma nação angolana eram do século XV, de
organização tribal, se apresentavam todas como estados semi-organizados cuja evolução
foi interrompida com a chegada dos portugueses, sob o comando de Diogo Cão, no
reinado de D. João II. Chegam ao Zaire em 1482, e estabelecem uma aliança com o
reino do Congo, enviando navios com padres e ferramentas ao Reino do Congo. É a
partir daqui que se iniciará a conquista, pelos portugueses, desta região da África,
incluindo Angola. O primeiro passo foi estabelecer uma aliança com o Reino do Congo,
que dominava toda a região. Na época, Angola era dominada por três reinos, o Reino do
Congo, o Reino de Ndongo, e o de Matamba, cujos dois últimos não tardam a fundir-se
para dar origem ao reino de Angola, em 155926.
Na segunda metade do século XVI, os exploradores tiraram o proveito das
rivalidades entre esses reinos para extrair os seus recursos e intensificar a pilhagem dos
seus recursos naturais, em particular os escravos, transformando a atual Luanda num
espaço propício de abastecimento de escravos para as Américas, uma vez que a
penetração para o interior era considerada muito limitada. Portanto, como mercadoria, o
escravo se transformou num dos bens mais procurados e prestigiados pelos Europeus,
que os trocavam por bebidas alcoólicas, armas de fogo, tecidos etc. Por isso, do ponto
de vista da organização social e econômica, o antigo comércio de escravos se mostrou
capaz de integrar profundas respostas. E, no século VI, os Portugueses se instalam na
região de Angola e começa a exportação dos escravos essencialmente para o Brasil. Em
1576 é fundada São Paulo de Assunção de Luanda, que se constituiu como ponto
estratégico no comércio entre a África, Europa e América. Um momento em que o
comércio de escravo se banalizou largamente nos finais do século XV e meados do
25
Isabel Castro Henrique & Isabel Medeiros (Org) Lugares de memória da escravatura e do tráfico
negreiro. Lisboa. CEA/FUL.
26
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_de_Angola . Acesso em 18 de janeiro de 2018.
54
27
Revolução político e social. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_de_25_de_Abril_de_1974#cite_note-DHP-2
55
os parâmetros para a partilha do poder Era uma condição sine qua non para a
independência de Angola, resultando assim na Independência em 11 de Novembro de
1975. Porém, após a assinatura do acordo do alvor, os três movimentos de libertação
descumpriram o acordo e entraram-se numa luta armada interna (conhecido como
guerra civil). Mas o importante a destacar aqui é que, em todos os momentos dos
conflitos, cada um desses movimentos de libertação era apoiado pelas potências
estrangeiras, ora uns como aliados, ora como inimigos. Foi assim, desde a guerra
colonial e durante a guerra civil. O partido MPLA- que controlou a cidade de
Luanda, Lobito e Benguela era apoiado principalmente por Cuba e União Soviética. A
África do Sul apoiou o FNLA e a UNITA. Pois a FNLA contou também com o apoio da
China, dos mercenários ingleses e portugueses e dos portugueses, e ainda recebia o
apoio dos EUA, sendo que os mesmos estadunidenses também apoiavam a UNITA.
Um fator importante a destacar nessas alianças é a forte presença ideológica e
militar demonstradas por parte das potências socialistas estrangeiras no apoio à
descolonização portuguesa nas antigas colônias portuguesas, assim como demonstraram
seus apoios aos demais movimentos de libertação em todos os territórios africanos que
lutavam pela independência. Mas o importante ainda é salientar as capacidades de
mobilização das suas lideranças partidárias nos eventos internacionais em que se
reuniam frequentemente (movimentos anticolonialistas africanos e as potências
socialistas estrangeiras), sejam elas através dos financiamentos militares, ajudas
alimentares, instruções militares, congressos etc.
E quando se trata de Angola e Guiné-Bissau, é importante destacar o papel de
Amílcar Cabral: como descreve Carlos Lopes (apud DURÃO, 2016, p.99):
Na década de 1950, Cabral, já tendo terminado seus estudos em
agronomia, pôde participar do processo de formação do MPLA
(Movimento Popular de Libertação de Angola) e em 1956 fundava o
PAIGC (Partido Africano pela Independência da Guiné e Cabo
Verde). A década seguinte ele já se articulava entre figuras
importantes e via os processos de libertação eclodirem em todo
continente africano.
28
Relatório do Desenvolvimento Humano 2016. Disponível em:
http://www.br.undp.org/content/dam/brazil/docs/RelatoriosDesenvolvimento/undp-br-2016-human-
development-report-2017.pdf. Acesso em: 28 abr. 2018.
58
incluir as economias de subsistência e/ou ganhos de trabalho informal etc., pois uma
sacoleira pode ter um ganho anual maior que um português que atua formalmente num
posto de gasolina, ou numa rede de fast food. De igual modo, os dois podem
experimentar diversos níveis de informalidade que reflete diretamente na sua saúde
emocional ou não.
Observando o caso de Cabo-Verde, por exemplo, que está ranqueado numa
posição privilegiada, enfrenta cotidianamente o grave problema de dessalinização da
água, somada ao aumento de criminalidade. Por isso, muitos elementos ainda devem ser
considerados. Como diz Amartya Sen (2001)29, na sua obra intitulada Desigualdade
Reexaminada, enfatizando a pergunta “Igualdade em relação a quê? ”. Para esse autor,
os critérios e os indicadores que definem o “desenvolvimento” precisam ser
reexaminados.
Estamos na segunda metade do século XXI, e até este exato momento vê-se que
as histórias desses países foram acompanhadas por des-governações sem precedentes na
conjuntura democrática. Isto porque após o fim da guerra colonial permaneceram as
estruturas coloniais suplantadas, coisas que deveriam ter sido desenraizadas para conter
os fantasmas ou resquícios e interferências ultramarinas portuguesas nessas antigas
colônias. Como se não bastasse a segregação de classe, a própria estrutura política se
torna o lugar de enriquecimento, o que faz com que o aparelho de estado tenha servido
de trampolim para a ascensão social de um novo sujeito a se consolidar nessas
sociedades, trata-se de uma infraestrutura socialmente construída pela colônia
portuguesa para que as lideranças e o país se mantenham na dependência ao
neocolonialismo.
Para Nkrumah (1967), o neocolonialismo de hoje representa o imperialismo no
seu estágio final e talvez o mais perigoso, na medida em que torna impossível por parte
daqueles que sofrem por responsabilizar o culpado diretamente, como acontecia no
29
SEN, Amartya: Desigualdade reexaminada. Ed. Record, 2001.
59
antigo governo colonial, onde o inimigo era evidente, na atualidade, as estratégias são
outras, na qual, o mercado financeiro e as indústrias se expandem para os mercados
africanos explorando a força de trabalho dentro de uma infraestrutura já dependente a
abastecer.
Em síntese, queremos apontar que o termo “pós-colonial” é disfuncional à
realidade atual do capitalismo e da globalização, porque o que se vê é uma contínua
intervenção imperialista que persiste depois de desmantelamento da ocupação física sob
o domínio português, a ideologia imperialista retoma a nova estratégia sob o prisma da
globalização, mantendo suas relações as antigas colônias. (Hall (2013, p.134).
Pode-se dizer que à semelhança do que acontece nas Américas, quando
comparado aos países africanos, o estado português ainda se mantém com uma forte
influência nas suas antigas colônias, sem recorrer aos velhos meios, mas com os
mesmos fins no controle monopolístico e habitual das infraestruturas, concessões de
empréstimos etc., esta é uma das práticas habituais do neoimperialismo, como assevera
Ribeiro:
que estejamos vivendo numa “aldeia global”. E à luz de tudo isso, é que estarmos longe
de um fim entre o centro e periferia. É nessa perspectiva ideológica que Moema Parente
Augel adverte que [...] “é preciso ter-se sempre a consciência de que o “pós” não
significa algo que passou. O “colonial” continua a ser para os países africanos o eixo de
referência e o elo entre a história que aconteceu antes e a que vem acontecendo depois
da independência”. (AUGEL, 2005, p.38)30.
Portanto, se analisarmos a situação de muitos países africanos hoje, especialmente
os casos de Angola e Guiné-Bissau, que são os países de origens das sacoleiras
pesquisadas, observa-se de fato que os resultados obtidos durante o processo de
libertação denotam os reais avanços no sentido da desocupação territorial, porém os
recuos no plano material e ideológico são notórios. Sendo que esses resultados em boa
parte se devem à queda do “império soviético”, pois notadamente a queda do muro de
Berlim sinalizou o desmoronamento do compromisso revolucionário que vinha sendo
mantido (entre as nações africanas e o bloco socialista ocidental e a China).
Por isso, embora continue a ser uma condição imprescindível, os resultados atuais
do pós-independência deixa a desejar em sua função essencialmente libertadora de uma
nação, para o da instituição de estado falido e desnorteado incapaz de andar com suas
pernas e, tampouco, de os seus líderes pensarem com suas próprias cabeças, faz com
que o país continua a depender de investimentos estrangeiros, diante de um setor
privado que se mantivera desfocado “sem-tração” e sem compromisso com o projeto
revolucionário.
Passou-se a vivenciar uma crônica da dependência econômica exercida em
espécie de políticas de “toma lá, dá cá”. Uma política de mãos estendidas às caridades
internacionais incapazes de engessar ou solidificar as instituições públicas ou mesmo as
privadas, que ao fim e a cabo resultaram em golpes e contragolpes, prevalecendo seus
interesses pessoais em detrimento da cidadania e do respeito pelo outro, de forma
inescrupulosamente assustadora.
Este perfil de políticos e de setores de segurança (tem sido os mesmos que
buscavam reconhecimento na sociedade “civilizada” desde a época colonial) continua
corroendo a democracia guineense, cuja classe política é dependente e alienada aos
30
É importante ressaltar que o conceito “colonial” aqui empregado por Augel (2005), para explicar a
presença e a influência ocidental no continente africano na contemporaneidade se assemelha ao conceito
de colonialidade definido por Quijano (2005).
61
cargos, pois aceitam-se quaisquer ofertas de promoções dos partidos opostos (na
maioria das vezes com incompatibilidades ideológicas), submetem-se a práticas de
fuxicos, intrigas para em seguida comporem-se os elencos governamentais. Daí, se
porventura forem nomeadas, assim poderão continuar a usufruir dos privilégios da
classe média alta.
Trata-se de uma elite de classe política corrompida, movida pelo seu interesse
particular que almeja e projeta seus meio e fins perpetuando-se no aparelho de estado,
cujo propósito é ascensão social. Este grupo de corruptos e corruptores (composto por
políticos e altos escalões das forças armadas), que para salvaguardarem seus interesses
particulares se personificam a modus vivendi da classe política infiltrando-se nos
governos com a pretensão de atingirem a escala mais alto da pirâmide social, como se
os cargos fossem ofícios (profissão), corriqueiramente recorrem às práticas reacionárias
para comprometer transições de governos.
É deplorável acompanhar o dia a dia no cenário político guineense, onde os
interesses pessoais continuam a sobrepor-se aos interesses coletivos da nação, e
copiosamente estes interesses continuam a alimentar os conflitos.
presença do setor de segurança, cada vez mais envolvido na política. O outro vetor que
pode contribuir para este quadro é devido à sua localização geográfica e aos seus
recursos naturais, fazem da Guiné-Bissau um cruzamento de vários interesses externos
diversos na sub-região, somada às influências políticas das metrópoles ocidentais, que
opõem a sua estabilidade. Em especial, nas suas relações com o ocidente, que
sistematicamente resultam em trocas desiguais dentro de um sistema estrutural e
contínuo desde o tempo colonial ao neocolonial.
doméstico.” (UNCTAD, 2013, p.40). Elas, com frequência, atuam como intermediárias
entre os pescadores ou importadores de peixes por um lado, e os consumidores finais
por outro. Com base nos cálculos da UNCTAD, é possível concluir que o setor informal
é o principal meio de sobrevivência para a maioria dos angolanos e, quer seja rural ou
urbano, é ainda a fonte precípua ocupação para a força de trabalho feminina. Como
consta nos estudos da UNTAD (2013):
vida dos guineenses, sobretudo nas zonas urbanas e incentivou novas atividades
econômicas de sobrevivência. (GOMES, 2012. p.2)”.
31
Cf. palestra de Carlos Lopes no instituto Lula. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=IdAUjKryKJo . Acesso em: 29 abr. 2017.
67
Isso nos remete aos estudos de Karl Polanyi (2000), na sua obra intitulada A
grande transformação: as origens de nossa época, publicada desde 1944, na qual esse
autor já havia preconizado de forma sagaz, quando afirmava que com a expansão do
capitalismo, as sociedades tradicionais (enraizadas) foram diminuídas e viu as suas
formas de relações sociais substituídas e cerceadas pelo poder do capital. Ademais,
foram desmantelados importantes elementos tradicionais de subsistência do homem,
para implementação do novo sistema formal da economia de mercado (POLANYI,
2000).
Uma mudança que jamais significou a libertação, ao contrário, com estas
mudanças estruturais, os terceiro-mundistas assinam o atestado dos outsiders, punidos e
condenados à mercantilização das forças de trabalho, e precarização das forças
produtivas, em que o indivíduo produtivo passa a ser aquele que, direta ou
indiretamente, despende o seu tempo de trabalho a serviço do capitalista, sendo que, na
maioria das vezes, o trabalhador é tão explorado ao ponto de não reconhecer o produto
do seu próprio trabalho. Essas transformações causadas pelo capitalismo, faz Karl
Polanyi (2000), não ver com bons olhos a presença do capitalismo nas economias
“enraizadas”, ao preconizar que a demarcação hierarquizada entre as culturas do
trabalho foi exagerada, à exemplo disso é que desde o surgimento do arado, de lá para
cá, não sofreu mudança substancial no âmbito da agricultura. Neste sentido, os povos de
antigamente sobreviveriam substancialmente sem a economia de mercado, cabendo
ressaltar, por exemplo, a façanha do Novo Egito há dois mil anos, dispondo de uma
riqueza e cultura sólidas. Tal consternação é confirmada por Polanyi (2000) ao observar
que recentes pesquisas históricas e antropológicas mostram que historicamente a ação
do homem na economia como um ser social não ocorre para salvaguardar seus
interesses, mas para, na posse de bens materiais, reproduzir a situação social. Os
conflitos de interesses não ocorriam predominantemente por motivações econômicas
como tem acontecido exponencialmente (em cálculos matemáticos) na atual economia
de mercado dentro deste movimento insaciável pelo capital e a valorização do mesmo.
Isso significa que, as transformações estruturais implementadas pela economia
de mercado, além de paliativas, jamais serviram como alternativas concretas às
sociedades periféricas, ao contrário, os arranjos econômicos burocráticos só vieram a
reforçar o crescimento desigual exacerbado, resultando numa África que não se
industrializa como era esperado, nem tampouco melhora sua produtividade laboral na
68
Capítulo III
32
Cf. Juliana Borges. https://www.sescsp.org.br/online/artigo. Acesso em: 06 jan. 2018.
72
intermediado por sacoleiras africanas, e outros tanto significados sobre o circuito destas
mercadorias tanto a nível local quanto a nível global.
Um elemento importante a destacar à nível local é que em diversos regiões da
África ainda é observada a persistência de antigas formas de organizações comerciais
em pequenas células devidamente organizadas. Na Guiné-Bissau, por exemplo, existem
grupos informais socialmente organizados por homens e mulheres comprometidos com
o comércio local. Os expositores pagam os seus tributos junto à câmara de comércio
para a operacionalização e/ou fixação das feiras etc. Esta varia de municípios para
município e cada expositor de mercadorias é obrigado a pagar uma taxa nas datas da
realização das feiras comunitárias no valor de 150 francos CFA 33 (equivalente a seis
reais) no dia da exposição à administração do Comitê do Estado de Setor. Esta
modalidade comercial é muito explorada por pequenos comerciantes, que se mobilizam
esporadicamente nos mercados regionais dos seus municípios a partir de um circuito
econômico chamado Lumo34 (feiras livres populares) apoiadas pelos governos de
Estado. O que lhe distingue das férias livres no Brasil é que em muitos países Africanos
quando uma associação de feirantes de um determinado município (anfitrião) decide
organizar a feira, a mobilidade do comércio se volta a seu favor, atraindo todos os
feirantes da região, estados ou até de feirantes de países associados a exporem seus
produtos nessa feira. O efeito pretendido é o de atrair clientes de diversas áreas numa
situação de comércio análoga à de um monopólio social de comércio, já que existe
ordem de rotatividade em datas estipuladas para que cada município se incumba de
organizar o evento. Daí que, de modo geral, todos os feirantes membros terão que de
modo informal e consensual obedecer às normas de rotatividade do grupo, expondo seus
produtos exclusivamente naquela feira livre (lumo) e permitindo que a clientela se
desloque para esse único lugar da exposição (feira livre) na data marcada em cada local.
Estas feiras presentes em muitas culturas africanas que estão sendo analisadas
aqui são realizadas periodicamente e geralmente em exposições quinzenais ou mensais
(e rotatividade de lugares); elas ocorrem também em bazares especiais para a exposição
dos produtos socialmente compatíveis com o poder aquisitivo da população. Este evento
33
Moeda usada em doze países africanos (Camarões, Costa do Marfim, Burkina Faso, Gabão, Benim,
Congo, Mali, República Centro-Africana, Togo, Níger, Chade e Senegal), sendo também usado na Guiné-
Bissau (uma antiga colônia portuguesa) e na Guiné Equatorial (uma antiga colônia espanhola).
34
Feiras populares, organizadas por associações comerciantes, que expõem os seus produtos agrícolas,
não agrícolas, animais, vestimentas, etc.
73
35
O legado de antigas fronteiras coloniais, criados pelos colonialistas que subdividiram África de
seguinte forma: África do Norte, Oriental, África Central, África Oriental e África Austral e África
Ocidental. A África Ocidental é uma região no oeste da África, que inclui os países na costa oriental do
Oceano Atlântico e alguns que partilham a parte ocidental do deserto do Saara. Os países que são
normalmente considerados parte da África Ocidental são: Benim, Burkina Faso, Cabo Verde, Costa do
Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Serra
Leoa e Togo. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81frica_Ocidental.Acesso em: 29 jan.
2017.
74
36
As marcações caracterizam os diferentes países que compõem o fluxograma da Fig. 14. A cor vermelha
caracteriza o Lumo de Guiné-Conakry; a cor amarela - Lumo de Senegal; a cor azul celeste - Lumo da
Guiné-Bissau.
75
precário ao que estiveram sempre expostos, como julgamos ser o do perfil característico
de muitas das entrevistas neste estudo.
Porém, de modo geral, todos esses arranjos são imbricados a elementos do
capitalismo, o que concomitantemente pode ser benéfico ao capitalista. Uma realidade
que demonstra que esses efeitos de mobilizações organizacionais provocados nessas
sociedades podem ser caracterizados como um fenômeno social do “informal
organizado”, como formas das resistências a um determinado modo de produção ou não.
À luz de tudo isto até aqui posto, é importante destacar que nestas sociedades africanas,
apesar de resistências (políticas ou não), a presença do capitalismo vem introduzindo
novas relações entre o trabalho e o capital, fazendo com que as práticas antigas tenham
passado a ser exploradas pela acumulação do capital num nicho da divisão
internacional, tanto pela exploração da força de trabalho, quanto pela circulação de
mercadorias, no setor de comércio.
Nessa mesma linha de raciocínio, e embora se tratando a estudo anterior ao de um
capitalismo como o contemporâneo, Polanyi (2000) já vinha precavendo de forma
visionária e enfática os perigos da homogeneização e da ocidentalização econômica, na
sua obra intitulado: A grande transformação: as origens da nossa época. De acordo
com esse autor, vivemos num certo tipo de determinismo econômico do mercado que se
impõe sobre os tecidos sociais e, por conseguinte, um em que as formas tradicionais
preexistentes (locais) foram invadidas e substituídas pelas novas formas artificiais
consoantes às da ideologia econômica do mercado. Essas mudanças implicaram na
destruição da ordem social básica pré-moderna existente durante toda a história anterior,
impulsionando novas manifestações de formas de trabalho, principalmente nas cidades,
a exemplo do que é verificado nas urbes angolanas e guineenses, onde não há emprego
formal expressivo e nas quais as instituições sociais encarnam o sustentáculo à
sobrevivência.
De acordo com Gomes (2012) e Domingues (2000), em Guiné-Bissau as
mulheres engendram as cooperativas informais sustentadas através de arrecadação de
poupanças comunitárias de empresas de seus próprios membros. O montante acumulado
em forma de abotas (impostos) arrecadado, mensalmente ou trimestralmente costumam
ser depositados para fundos de associações, podendo ser usados nos momentos de
festividades, honras fúnebres, casamentos, e principalmente para os empréstimos aos
membros do grupo do que participam quando se encontram em situação de reunião ou
77
necessidades, sendo este um recurso de suma importância e que opera como um tipo de
investimento em pequenos negócios, etc. Em vários segmentos da sociedade,
mesclando-as às raízes étnico-culturais, assim como as de associações de
mandjuandade37 das mulheres e outras associações nas feiras de troca, como o “lumo”.
Podemos mencionar também a associação de horticultores – que visam potencializar as
ações individuais como alternativas à crise estrutural do capitalismo. Essas estratégias
de recursos são fundamentadas na circulação de certo capital social e econômicos,
baseados e apoiados em redes e relações de confiança, informalidade e cooperação entre
a membresia (membros) desse tipo de associações de vizinhos, parentes ou amigos. É
nessa perspectiva que o capital social, apesar de potencializar o empowerment dos
setores excluídos, deve ser igualmente entendido e visto como um possível e útil
instrumento complementar e não como um mero substituto de mecanismos
convencionais política e socioeconômica. (BAQUERO, 2003, p.84).
Em grupos, as mulheres costumam empregar parte de seus rendimentos
socioeconômicos, e por meio de diferentes arranjos de solidariedades como os descritos,
que estabelecem a reconversão entre o capital social e econômico, propiciando
oportunidades para o desenvolvimento de novas pequenas economias de subsistência.
Neste sentido, o capital social analisado por Domingues (2000), é também um elemento
importante para compreendermos a estrutura econômica do trabalho informal e um que
irá ser especialmente importante no caso das sacoleiras. Elas costumam utilizar suas
pequenas quantias de economias guardadas, ou adquiridas de outros modos, as que
passam a ser acionadas em formas de interajudas, relação de confiança e tolerâncias,
para lhes permitir fazer circular as mercadorias que irão adquirir e buscar além das
fronteiras conhecidas e que as fazem transitar de modo tão singular e único entre
diferentes tipos de serviços e atividades dos setores do (in)formal e (i)legal.
Marcel Mauss (1974) fez uma análise muito semelhante, e que me obrigou a
repensar melhor e através da sua obra a cultura africana, ao abordar aspectos de
solidariedade/reciprocidade em sua obra Ensaio sobre a dádiva. O texto reflete de modo
evidente como esses aspectos e formas de organização social de dar e receber (dádiva)
37
Associação “grupo” cultural folclórico, voluntários que se reúnem frequentemente para apresentações
nos eventos da comunidade através de cantos e danças e arrecadação de fundos para a manutenção da
associação.
78
produz a aliança não só econômica, mas também o cimento religioso, político e social,
permeados pela reciprocidade.
Foto: Paulo G. Vaz (Janeiro de 2018). Foto: Paulo G. Vaz (Janeiro de 2018).
38
Há um fenômeno batizado por “Bancadas”, constituído essencialmente por jovens do sexo masculino e
na sua maior parte desempregados. Que se concentram espontaneamente nas varandas, calçadas ou becos
para debaterem a situação política e social do país, ou mesmo do bairro. Ver Miguel de Barros:
Associativismo juvenil enquanto estratégia de integração social: o caso da Guiné-Bissau. INEP - Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas (2010).
39
Cf. Migração (deslocamento) de pessoas da zona rural (campo) para a zona urbana (cidades).
40
Veículos Populares de transporte (médio porte) de passageiros que, na Guiné-Bissau, geralmente são
vans pintadas de azul e amarelo. Em Angola é conhecido como candonga – pintados de azul e branco.
Esses veículos disputam os centros urbanos com os taxis, e outros meios de transportes.
81
citar ainda os antiquiares (antigos) – jovens que atuam como cambistas informais na
parte externa dos aeroportos abordando turistas e ao mesmo tempo cumprem a função
de guias turísticos prestando diversos auxílios possíveis ao turista, que nas suas disputas
concorrenciais entre si agem como uma espécie de aves de rapina para conquistar os
turistas. Todas essas modalidades citadas acima têm sido uma alternativa muito
recorrente de emprego para os jovens desempregados, principalmente nos centros
urbanos, a exemplo da cidade da Luanda (Angola) e Bissau (Guiné-Bissau). Muitos
estudos reforçam essas práticas do trabalho informal ou na cultura do trabalho. (Ver:
CÂMARA, 2010; DOMINGUES, 2000; SANTOS, 2011).
Todas essas manifestações do trabalho se moldam nesse tipo de Know-how
pelo qual os trabalhadores seguem o itinerário de trabalho sobrecarregado de esforço
físico e psiquicamente dispendioso, muitos acordam ao grito do galo da madrugada e só
voltam ao final da tarde ou à noite, cuja finalidade é administrar o seu lar. Isto remete às
experiências acumuladas ao longo da história de acordo com as suas infraestruturas
disponíveis e adequadas naquele determinado estilo de vida local. Atualmente, tem-se
evidenciado inúmeras estratégias de atividades em decorrência do desemprego. Em
determinadas sociedades africanas, algumas práticas, além de serem milenares,
carregando consigo relações simbólicas, coletivas e recíprocas, operam de forma
legitima de acordo com os elementos culturais valorativos da dignidade de quem as
vende. O ato de vender nas ruas, na esquina das varandas de casa fora encetado por
diversos mercadores e/ou os berberes41 (conhecidos como homens livres na Idade
Média). Os nômades usavam suas estratégias de comercialização em terras longínquas
no continente africano. Hoje é evidente a forma como as inúmeras atividades não
tipicamente capitalistas se incorporaram socialmente nos centros urbanos por rapazes
jdilas42 que perambulam de porta em porta com suas mercadorias debaixo dos braços
e/ou sobre a cabeça, transfigurando-se em mecanismos muito comuns na sociedade
africana, consentidas socialmente e legitimadas nessas sociedades e “tolerados” pelas
ordens estatais. Isso continua até hoje e parece estar longe de serem extintas devido ao
acumulo de experiências herdadas que passa a se configurar em sentimentos de pertença
aos de uma memória coletiva. Memória, que para Michael Pollak (1992), não se resume
à vida de uma pessoa, mas também pode ser um fenômeno construído coletivamente e
41
Comerciantes nômades do norte da África que depois povoaram a África subsaariana.
42
Jovens ambulantes que vendem nas ruas e de portas em portas.
82
Foto: Paulo Vaz (Janeiro 2018). Foto: Paulo Vaz (Janeiro 2018).
empresas regulares (formais) num mesmo segmento econômico. Não obstante, vemos
nas avenidas o conglomerado de pessoas no vai e vem das atividades autônomas e de
outros tipos de trabalhos e atividades exercendo seus expedientes em forma de prestação
de serviços para empresas formais, como por exemplo, é o caso dos Freelancers ou
Office boy (“menino de escritório”, que ficam disponíveis para realizar diversas tarefas
rotineiras nessas empresas, principalmente as que exigem deles funções mais
burocráticas (tais como as dos serviços bancários, reconhecimentos de firmas etc.). E
neste sentido, entendemos que há um conjunto de situações características
compartilhadas e vividas em comum, na maioria das cidades (capitais) africanas que
vivenciam a invasão dos espaços públicos, tais como: as avenidas, praças, e as calçadas
por parte dos empreendedores privados e/ou informais nas cidades como Bissau (Guiné-
Bissau) e Luanda (Angola). Sendo que em todas elas, observa-se um tecido urbano
constituído de uma certa des-configuração e degradação dos aspectos arquitetônicos e
estéticos das cidades, dando-lhes uma aparência desorganizada, devido à proliferação
desenfreada dos comércios informais, influenciada por uma economia ligada ao
pequeno comércio de sobrevivência. Além desses grupos espalhados nesses pontos da
cidade, percebe-se que vêm sendo criados, seja no centro e em demais bairros, inúmeros
outros pontos de concentração de camelôs, ao ar livre ou em pequenas galerias, como
espécie de Camelódromo, muito parecidos aos de outros contextos urbanos:
citado, são os que agem e também participam na produção e no fazer dessas cidades.
Na capital guineense, como se vê na figura 11, acima, evidencia-se que, além das
calçadas, até os espaços domésticos (residências) e as varandas foram apropriadas por
ambulantes e demais comerciantes informais, somada à presença marcante dos
automóveis regulares e irregulares em disputas pelas principais avenidas da cidade, por
ser geralmente locais maiores de concentração e circulação de dinheiro. Esses fluxos
intensos reforçam a poluição visual e sonora da cidade, com os barulhos
ensurdecedores, somado ao vai e vem de transeuntes, motos, motocicletas e ambulantes,
os quais contribuem negativamente para os arrendamentos ou vendas de casas aos
comerciantes.
Nessas regiões comerciais, há um crescimento explosivo de aluguéis das casas
por médio de comerciantes e de ambulantes do entorno, na busca pela maior qualidade
de vida e sociabilidade. Uma eclosão urbana que faz com que os antigos moradores
(proprietários de casas) se vejam obrigados a se deslocarem para os novos bairros
urbanizadas tais como: bairro de Cuntum, bairro de Bôr, bairro Militar, que hoje vem se
configurando como bairros populares, e que até bem recentemente eram vistos
redutivamente como zonas periféricas, e que também começam a sofrer com as disputas
em torno desses novos espaços urbanos.
O que se diz ser trabalho informal hoje e o setor informal da economia, na pratica
não é um fenômeno novo a partir de uma narrativa das grandes instituições ocidentais,
em especial o Banco mundial. Historicamente elas sempre existiram e suas
características eram devidamente assumidas nas sociedades, antes da economia de
mercado que traz consigo a burocracia e os impostos. Isso leva Lautier (2004) a afirmar
que a expressão "economia informal" refere-se a uma invenção das instituições
internacionais (Banco Mundial e OIT) para designar realidades muito diferentes
(comércio de rua, tráfico de drogas, o trabalho não declarado em grandes empresas e
emprego doméstico), podendo incluir o ilegal, ilícito e legal como distintas formas de
sobrevivência, dependendo das condicionalidades do estado e o controle num critério
bastante seletivo e relativo, porque há situações em que algumas atividades são
parcialmente formais e em outros casos ela assume alguns aspectos informais, a
88
exemplo das revendedoras de produtos de beleza (Natura). (ABÍLIO, 2002). Nela, são
criadas redes ampliadas de revendedores invisíveis na sociedade que atuam em forma de
células para a geração de capital. Podemos mencionar também o caso dos motoboys
(Godoy, 2012). Muitos deles atuam na empresa formal, mas suas condições de trabalho
são precárias dentro de um processo de “informalização” das empresas que passam a
usar desse tipo de funções ou terceirização do trabalho. Ao mesmo tempo eles possuem
potencial de força de trabalho equivalente aos da atividade de um trabalhador formal.
Porém o que lhes diferencia é que enquanto o setor formal vem sendo relacionado a
empresas tipicamente capitalistas, o setor informal tende a ser visto como se fosse o
avesso (é muitas vezes considerado ou associado ao conjunto de unidades não
tipicamente capitalistas). Como sustenta Maria Cacciamali (1994), sobre o uso
equivocado do termo:
O uso do termo setor informal, desde a sua origem até os dias de hoje,
vem sendo aplicado, na literatura especializada, muito mais para
denominar formas heterogêneas de produção e de trabalho não usuais
às empresas tipicamente capitalistas ou os serviços diretos prestados
pelo Estado, do que associado a um fenômeno específico e bem
definido do espectro produtivo ou do mundo do trabalho
contemporâneos. Por outro lado, cabe considerar, ainda, que o fato de
esse termo não constituir um conceito consensual entre os analistas
implica, e ao mesmo tempo deriva, racionalizações teóricas frágeis e
não homogêneas, e, não raramente, os estudos redundam em
descrições de distintos tipos e formas de trabalhos envolvidos em
atividades econômicas de baixa produtividade. (CACCIAMALI,1994,
p.217. Grifo – itálicos - nossos).
Com essa análise, Maria Cacciamali foi muito precisa apontando a construção
social desse elemento subjacente que está entre os setores formal e informal. Para essa
autora, a forma como os estudos vêm distinguindo os dois setores, se trata de critérios
essencialista que só consegue observar o modo de trabalho tipicamente capitalista, logo,
ao contrário dela é considerado setor informal, frequentemente empregado para
representar trabalhadores e proprietários que participam da produção em unidades
produtivas micro ou pequenas (não tipicamente capitalista). Para ela, após 20 anos da
criação do conceito informal pela OIT em 1972, não se chegou ainda numa definição
reatualizada e consensual sobre o que seja de fato o setor informal, e uma que se
distancie de forma significativa da fase embrionária desta noção. Neste sentido, as sete
condições originais que tinham como objetivos caracterizar o setor informal está mais
para o âmbito das controvérsias contemporâneas do que para indicar pontos sobre o que
89
diferentes autores chegam a consensos. Por que observando a realidade atual e real, se
percebe que o setor informal tem os “seus aspectos característicos relativos e não
absolutos [ainda por]/para captar”. (CACCIAMALI, 1994, p. 217).
Prosseguindo dentro dessa mesma linha analítica, Krein e Proni (2010),
ressaltam que o estudo pioneiro sobre o chamado setor informal da economia urbana
partiu originalmente de um reconhecido e muito utilizado estudo da OIT (Organização
Internacional do Trabalho) nos anos 1970, no Quênia. Nos estudos que se derivaram
dessa concepção, os resultados obtidos indicavam que o setor informal na economia
urbana se caracterizava como um fenômeno típico dos países do terceiro mundo nos
quais o avanço das relações mercantis modernas não havia sido capaz de “[...]incorporar
expressiva parcela da população trabalhadora no padrão de emprego capitalista,
possibilitando o aparecimento de outras estratégias de sobrevivência. ” (OIT, 1972,
apud KREIN; PRONI, 2019, p.8).
Comparativamente, este mesmo critério fora utilizado na América Latina para
caracterizar o conceito de informalidade na economia por incorporar certas
especificidades combinatórias do arcaico e moderno na economia. Devido a essa
narrativa construída pela OIT, Krein e Proni (2010) sustentam que a denominação do
termo “setor informal” originou-se de forma interpretativa associada à dicotomia entre
“setor tradicional” e “setor moderno”, nesse sentido associam-se ao setor informal as
transformações modernas ocasionadas pelo processo da urbanização. Esse quiproquó
consiste no plano discursivo que vem operando socialmente no imaginário social das
pessoas comuns, na sua visão de “senso comum”. Como sustentam estes autores:
43
O conteúdo entre colchetes foi acrescentado pelo autor, como recurso estético, na reedição da citação.
90
d) microempregadores;
44
Contrário à lei. Ilegítimo.
45
Não lícito, proibido por lei.
94
país do Quênia, nos anos 70, através dos estudos da economia, no âmbito de programas
de estudo de iniciativa da OIT (Organização Internacional do Trabalho, como
consequência do excedente da força de trabalho, devido ao crescimento demográfico do
campo para a cidade). O segundo conceito de informalidade foi o elaborado nos finais
da década de 70, a partir da crise de Estado de bem-estar-social no pós-guerra, que
deflagrou em países centrais da Europa e o desemprego, levando indivíduos a
exprimirem atividades e práticas econômicas ilegais e/ou ilícitas fora dos padrões das
normas, ou seja, é aquela na que se “[...] distingue a economia registrada da economia
subterrânea a partir da legalidade/ordem jurídica. “(DRUCK; FILGUEIRAS &
AMARAL, 2004, p.228) ”. O terceiro, e o último conceito de informalidade, é o da
“nova informalidade”, caracterizada pela presença de novos trabalhadores informais em
novas e velhas atividades – assalariados ou não, com os processos produtivos formais,
ou mesmo em atividades tradicionais da velha informalidade – e que por esses motivos
os conceitos são redefinidos como a junção de dois critérios: ilegalidade e/ou atividades
econômicas, tanto as tipicamente quanto as não tipicamente capitalistas.
Dentre os conceitos de informalidade apresentado por esses 3 autores e
observando o relato de uma das nossas interlocutoras da pesquisa de campo, podemos
afirmar que atividade das sacoleiras é uma manifestação de trabalho que remete
exclusivamente aos tradicionais culturais dos povos africanos de fazer a economia, por
isso não se enquadra como ilegítimo, dentro dos seus padrões socioeconômicos.
Portanto, a questão de apresentada acima pelos autores (DRUCK et al,2004), é um
conceito ocidental e capitalista de compreender o trabalho.
A Guineense Helem Pinto, viaja sazonalmente a São Paulo, para comprar artigos
no varejo para depois revende-los. Desde que terminou o ensino médio, desencantou
com as ofertas no mercado de trabalho, porque encontra soluções nos seus pequenos
negócios autônomos que já empreendia com a sua Avó e a sua mãe, dona de um
restaurante, no bairro de Mindará. A entrevistada conta que, após terminar o ensino
médio, começou a encontrar no comercio melhores condições para ajudar nos encargos
familiares. Tal como descreve:
Djito tem ku tem [temos que saber a dar um jeito e procurar soluções],
eu já fiz de tudo neste mundo, desde pequena procurei conciliar os
estudos com o trabalho, já vendi sorvete [geladinho], comprava pão na
padaria do Dias Gomes e revendia no passeio da minha casa; fazia
bolos para vender, fazia comidas [quentinhas] para vender aos
funcionários. Já cheguei a revender peixe - comprava em atacado no
96
46
Cf. Employment, Incomes and Equality: A Strategy for Increasing Productive Employment in Kenya,
disponível em: http://www.wiego.org/publications/employment-incomes-andequality-strategy-increasing-
productive-employment-kenya acesso: 19 de dezembro de 2017.
102
STATUS
TIPO DE ATIVIDADE ECONÔMICA
Sacoleira africana compra mercadoria no mercado Lícito e formal48
Brás ou em Dubai com Nota Fiscal do produto
comprado
Trabalhador manual com a carteira de trabalho Lícito e Formal49
assinada numa empresa de transporte de carga export
trading.
Sacoleira compra Rolex ou perfume Dolce & Gabbana Informal tradicional e legal
nos Shoppings center de São Paulo e vende no
mercado de Bandim
Sacoleira compra vestido do Brás e vende nos Lumos Informal tradicional, legal e
de Bissau legitimo
Fonte: Reprodução do autor (Paulo G. Vaz).
47
Refere´se ao Biotipo de associação de dois organismos de espécies diferentes, na qual ambos são
beneficiados. Conforme consta no dicionário Houaiss (2004, p.511).
48
Alice
49
Cardoso- Trabalhador Manual.
104
50
Foi membro da missão da OIT. Durante os estudos sobre a economia, na Quênia, produziu o relatório
referente ao setor informal nesse país em 1972.
106
51
José de Souza Martins (2016) usa o conceito de deserdados quando se refere a grupos de indivíduos
sem meios de produção, forças produtivas, e sem recursos naturais (terra, matérias-primas). Grosso modo,
é o perfil de indivíduos ou grupos carentes de bens materiais.
108
O que Beloque (2007) quer explanar é que, pela ótica do modo de produção
capitalista, a informalidade é concebida como economia excludente, porém segundo o
mesmo autor, a história nos aponta para uma direção oposta, a de que se trata de uma
atividade econômica atemporal, que não podem ser concebidas, como se fossem as
manchas do atraso, que vão desaparecer com a retomada do crescimento econômico. E,
diz ainda, nem tampouco como encarada como um elemento deslocado, estanque e
intruso da economia, intruso (na sociedade), e na economia somente porque é
invisibilizada no modo de produção capitalista, ao contrário ambas podem se apresentar
como elementos de complementariedade e em constante produção de uma economia na
geração de riqueza. O que significa que, o serviço informal não é inferior, nem superior
a outra ocupação trabalhista, pois é simplesmente importante pelo que carrega os traços
da cultura do trabalho milenar, atuando nas diversas relações coexistência e de
interdependência direta na dinâmica da circulação dentro de uma economia, somada as
“novas e velhas” práticas de trabalho.
Isso significa que, esse universo comercial ainda quando seja informal, não está
desacoplado ao sistema capitalista de produção e por isso pode ser compreendido como
um importante fluxo monetário para a manutenção do sistema capitalista, de acordo
com suas especificidades na utilização das práxis humanas no processo de valorização
do capital e, que de igual modo serve também como força vital para a subsistência
dessas famílias. Aqui nos referimos ao tempo de trabalho daqueles indivíduos que,
109
depois de anos juntando suas quantias e ganhos, seja por empréstimos de familiares ou
por empréstimos ao banco, partem para a via-crúcis ou via-sacra, numa viagem em
caráter mercantil e monetária, objetivando-se a abastecer-se da compra de produtos que,
na maioria das vezes, são ofertados em lugares improvisados, ora em boxes de feiras
populares, ora em varandas de casa, para os revenderem em seus países de origem e
recuperar essa inversão feita na viagem e compra desses produtos, esperando ganhar
mais do que foi invertido inicialmente, no final do processo. Isso é algo que nem sempre
acontece, ou seja, que lhes esteja totalmente garantido.
O segmento da atividade mercantil e monetária praticada por esses indivíduos,
aquecem o mercado na medida em que estão inseridas num processo de negociação,
envolvendo (Dinheiro-Mercadoria-Dinheiro), numa esteira comercial, elas, as sacoleiras
reproduzem suas comunidades e, concomitantemente geram o retorno financeiro aos
fabricantes. Uma dinâmica compreendida por Marx (1978, p.15) como resultado de um
trabalho socialmente combinado e generalizado entre a produção, a distribuição, o
intercambio e o consumo. Por isso, entende-se que o setor econômico não se limita à
relação “ do trabalho típico”, mas de todos os mecanismos engenhosamente
interconectadas nas experiências de trabalho capaz de criar valor e constituir-se dentro
da economia. É exatamente nesse sentido que as atividades informais são elementos
dignos de apreciação e não depreciação, pois elas não são exteriores à economia, ao
contrário, constituem-se dentro da economia capitalista, seja nas fases da produção das
mercadorias, seja nas da circulação desses bens ou de serviços.
No capítulo VI inédito de O Capital, Karl Marx (apud ANTUNES, 2009) fala
sobre o trabalho produtivo, insinuando que não se trata necessariamente da qualidade do
trabalho que a pessoa executa enquanto métier (oficio), mas o que de fato incumbe
observar é se ele participa diretamente na geração do capital, inclusive através da
circulação de mercadorias que resultará em lucro. Segundo Antunes (2009), se o
trabalhador “[...] está de fato subsumido ao capital, se participa diretamente do processo
de valorização desse mesmo capital, então ele é um trabalhador produtivo. (ANTUNES,
2009, p.202).
110
3.6. A simbiose entre setor arcaico e moderno da economia nos debates da CEPAL
52
A Comissão Econômica Para a América Latina. A teoria desenvolvimentista da Cepal, em especial o
Celso Furtado, era que devido a situação de polarização do setor atrasado (do latifúndio), e do outro lado-
o setor moderno, daí a tarefa do estado, necessariamente tinha que ser a de superar o setor atrasado
porque era o empecilho ao desenvolvimento, o que fazia com que a economia se retraísse, e por isso a
solução seria a industrialização do Nordeste.
111
53
O estranho animal é, ao mesmo tempo, um réptil, um pássaro e um mamífero. É anfíbio (vive na água e
na terra), dá de mamar aos filhotes, como os mamíferos, mas não dá à luz a esses filhotes, em vez disso,
põe ovos: como fazem muitos outros animais, exceto os mamíferos. Para além disso, tem um bico
semelhante ao de um pato, o rabo semelhante ao de um castor, membranas nas patas e, no caso dos
machos, espigões venenosos, uma característica também bastante rara em animais mamíferos. É tão
estranho quanto fantástico. Disponível em: http://noticias.terra.com.br/ciencia/interna/0,,OI2872257-
EI8145,00-Ornitorrinco+e+confirmado+como+ave+reptil+e+mamifero.html . Acesso em: 26 jul. 2016.
112
Capítulo IV
economia, a demanda pelo emprego e a falta de oportunidades, tem sido um dos maiores
desafios de economias nacionais, somada ao aumento significativo de novas
manifestações e emergência de novas culturas e modalidades de trabalho encontradas
cada vez mais em todo tipo de cidades.
Isso significa que as cidades de Luanda e de Bissau apresentam em suas
características, importantes semelhanças quanto à prática informal do trabalho,
visivelmente acompanhado pelo grande abarrotamento de suas ruas e calçadas. Pois,
durante a nossa pesquisa de campo, acompanhamos as idas e vindas de sacoleiras aos
seus países onde são expostos os produtos à venda, geralmente nos espaços
improvisados.
Muitos estudos teóricos também testemunham o drama que assolam as cidades
Guineenses e Angolanas. No caso particular de Angola, a cidade de Luanda é a que
vivencia o maior cotidiano de aumento abrupto de população e o crescimento de
atividades comerciais de rua (que nasce desde os primórdios da constituição dessas
sociedades), dominada pela presença de mulheres, conforme, descrito por Orlando
Santos (2011):
O rápido aumento das populações nos centros urbanos, agravado pelos
grandes influxos de deslocados (...) e pelo crescimento bastante lento
das oportunidades de emprego, e os salários pouco atrativos do
mercado de trabalho, aliado a uma tradição das populações ligadas a
atividades comerciais, fizeram de Luanda o maior canteiro de
alternativas de sobrevivência (...) estimulando a criatividade das
populações que tiveram de criar e inventar empregos para si próprios.
Esse acentuado incremento das atividades comerciais de rua tornou
ainda mais notória a presença das mulheres nesse tipo de atividade,
sendo atualmente apontada como a principal categoria social
fornecedora de mão-de-obra ao referido setor. Na procura de
alternativas de sobrevivência, as mulheres destacam-se enquanto
maioria, estando inseridas nos mais variados setores dessa atividade.
(SANTOS, 2011, p.8).
venda nos modestos Shoppings centers da cidade. O que configura que a massiva
presença de mulheres no incremento das atividades comerciais de rua e/ou no mercado
informal é uma prática comum e necessária para a população local, dentro de uma
lógica comercial praticada por mulheres há anos.
Mas, a grosso modo, observa-se que especialmente nas maiores cidades da
Guiné-Bissau são também as mulheres que se destacam nessas modalidades, criando
alternativas de sobrevivência através de negócios próprios e participando na
solidificação da economia do país. Somadas aos demais segmentos informais, tais como
os chamados Djilas (camelôs) e demais proprietários de boxes, barracas distribuídas em
diversos pontos de vendas, contribuem proporcionalmente com seus impostos de acordo
com a capacidade dos seus pequenos empreendimentos, daí, que um imposto recolhido
pelo ministério das finanças serve como alavanca no PIB (Produto Interno Bruto da
Guiné-Bissau). Esse procedimento tributário no setor informal é muito mecanismo e
recurso muito comum e utilizado nos países periféricos, e um que também se aplica ao
caso de Angola, onde as feirantes, as quitandeiras, muambeiras seguem o mesmo ritual
de tributos que são canalizados para o cofre público54 através da circulação de
mercadoria e no tributo à câmara de comércio. Todavia, em todos esses segmentos
comerciais, há modos dos informais burlarem o fisco, quando não possuem um ponto de
fixação nos lugares públicos e improvisam estratégias de encontros informais em redes
de amigos para revenderem seus produtos a partir de suas casas ou em suas
proximidades, o que lhes permite igualmente realizarem seus afazeres domésticos,
embora algumas se desloquem até os mercados. Como é o caso da Sra. Nzinga que com
a participação dos guias que perambulam nas esquinas do Bairro do Brás, Nzinga
pechincha em todas as destacadas lojas do Brás e da feira da madrugada, um mercado
popular que oferta produtos de baixo custo, localizado na rua do oriente, além da rua
São Caetano, rua Monsenhor Andrade:
54
No Brasil os informais em geral também pagam impostos indiretamente na circulação, produção e
consumo de mercadorias. Além desses, outros tantos pagam via inserção como MEI –
Microempreendedor Individual.
117
Imagem 3 Feira de Madrugada - Imagem 4. Atual feira da madrugada. (Foto: Imagens do autor)
(...) sou comerciante em Luanda, tenho minha loja que fica ao lado da
minha casa, e que funciona há uma década, eu já sei dos países e sítios
que me proporcionaram boas peças de roupa, um bom preço de
cabelo, chinelos, lingeries etc. Vou a Dubai, Istambul, Cingapura,
Hong Kong e São Paulo. São nessas cidades que eu prefiro comprar as
minhas coisas. A Singapura e Hong Kong têm muitos acessórios,
118
Esse cenário experienciado pela Nzinga tem sido definitivamente mais intenso
e flexível devido à reestruturação produtiva do capital a partir da década de 1990, em
virtude do deslocamento das pessoas nas áreas rurais (pequenas cidades) para as áreas
urbanas de maior impacto econômico. Nesse contexto, tanto em Angola quanto em
Guiné-Bissau, a vida no campo tem sido o passado de muitos jovens, e a cidade cumpre
a função de apresentar o presente e o futuro na economia, tornando-se o lugar adequado
para a aquisição de dinheiro. As cidades grandes têm sido refúgio abarrotado de
trabalhadores desempregados (e informais), que se aproximam da circulação de
dinheiro, mercadoria e serviços, partindo da noção de que naquele lugar eles serão
acionados para serviços informais (geralmente no comércio, convivendo muitas vezes
com uma realidade de trabalho e vida com desproteção social e precariedade). É o que
lhes resta, e elas, as sacoleiras, reinventam e reestabelecem seus modus vivendi nos seus
círculos sociais, criam e recriam novas relações de vizinhança, trocas de favores e
ajudas mútuas (muito próximas e similares aos de famílias extensas, nas que algumas
delas vivem) – uma característica típica de sociedades enraizadas (e categorizadas como
sociedades tradicionais) e nas instituições sociais, na qual os sujeitos constantemente
buscam preservar a imagem sensível-espiritual da vida.
Por conseguinte, a compreensão que se tem dessa comunidade de africanos é que
a compressão-tempo-espaço e/ou fugacidade do tempo e espaço não subestima os
valores morais e a importância familiar, sendo esta considerada uma essência humana
baseada em um simples preceito unificador consagrado na máxima Zulu 55, que é
comumente compartilhada em muitas sociedades africanas, e que segundo Louw (1998,
não paginado): "Um indivíduo só se torna um ser humano através da alteridade com
outros seres humanos", o que significa dizer que se eu sou humano é porque eu pertenço
aos humanos; logo, se eu existo, é porque “nós somos”. Isto é uma relação
55
Grupo étnico da África do Sul. Os zulus ou zulos (são um povo do sul da África que vive em territórios
correspondentes à África do Sul, Lesoto, Suazilândia, Zimbabwe e Moçambique).
119
coletivo de uma da família extensa, com imponente presença das mulheres na economia
e na administração do lar. Como narra a entrevistada Alice:
A minha família é uma família grande, entre tios sobrinhos e netos,
todos praticamente dormem no mesmo teto, sempre ando por aqui
com algum parente ou amigas, que também vem pra cá fazer compras.
Sou muito conhecida aqui no comercio, desde [o] lojão do Bras até a
Feira da Madrugada. As vezes as atendentes das lojas me perguntam
se o meu marido não me ajuda a fazer compras e eu sempre dou risada
e falo que a passagem tá cara, agora está a custar 1.100 USD
[equivalente três mil reais]. Mas ele trabalha lá. Eu me sinto bem
[em] trabalhar com isso. Olha vou te falar uma coisa, já que eu não
desisti desde primeiros anos, não é agora que vou mudar para pra
fazer outra coisa, que nem sei se vai valer a pena. Os meus filhos
todos, nasceram e cresceram do meu trabalho e das minhas lojas.
E nunca pensei em mudar para fazer outra coisa. Dá um pouco de
trabalho, mas não posso reclamar. Se eu posso ajudar as minhas
sobrinhas ou algum outro parente, porque não? Não para tapar o
sol com a peneira. O único conselho que eu dou aos meus filhos e
sobrinhos é saber acreditar e levar as coisas serias, o dinheiro pode ser
pouco, mas se saber controlar bem, pode crescer. Estou aqui com a
minha sobrinha essa semana toda comprando daqui um pouco e
depois vamos para a Praça da República, [onde] tem uma loja
Rener, [lá] ela vai comprar alguns vestidos para misturar com o
que ela já comprou ontem, porque eu e o meu marido oferecemos
a ela uma quantia pequena pra comprar coisas simples como
chinelos e peças intimas e se der certo [para ela], ela pode
continuar, ela é quem vai se empenhar com isso. (Celeste,
angolana, 45 anos, entrevista realizada no Brás-são Paulo
13/10/2015).
Figura 15 - Olga (de pé, posicionada à frente) e tia Alice (de pé, posicionada atrás), ambas durante as
compras de chinelos, brinquedos e fantasias de aniversário infantil).
Quero sempre ter as minhas coisas, é neste comércio que eu tiro o meu
sustento diário. A vida está difícil em todo o lugar! Com o meu
negócio consigo pagar todas as minhas dividas e ainda ajudar os meus
parentes. Por isso ando de cabeça erguida e cuido muito bem dos
meus filhos. Eles [meus filhos] depois podem decidir escolher a
vida que eles querem, mas eu não, não tenho escolhas... é pegar ou
largar! A minha geração, por exemplo, já está perdida, muitos
colegas [homens e mulheres] estão perdidos no álcool e a depender
de ajudas de familiares. Eu não! Recuso a derrota, posso garantir
o meu sustento dignamente com este trabalho. Não sou uma pessoa
acomodada, sabemos que a vida é dura, mas enquanto temos saúde
vamos correr a atrás quem sabe ... e aguardar que os nossos políticos
ou pessoas mais estudadas tomem o juízo para o nosso país. (Sra.
Nzinga, comerciante angolana, 39 anos, entrevista realizada em
04/11/2016).
Sra. Nzinga, angolana de 39 anos organizando os produtos comprados, que serão despachados pela
transportadora de mercadorias. Foto: do Autor (04/11/2016).
condições materiais e/ou déficit de estruturas econômicas em seus países. Este contexto
as coloca em condições práticas desprivilegiadas no mercado de trabalho,
impulsionando-as a incorporarem o espírito resiliente para subsistirem socialmente e
garantirem a manutenção do núcleo familiar, numa persistência tenaz que lhes imputam
face aos desgastantes desafios cotidianos impostos pela vida diante de vários fatores de
desigualdade e carências de políticas públicas eficazes, por isso as escolhas para se
inserir no mercado de trabalho formal, são praticamente escassas. Tal fato explica até
certo ponto o alto índice de participação das mulheres nesse setor, pois é por meio dele
que elas poderão garantir seu sustento. O que significa que, a avaliação do impacto do
comércio e das políticas comerciais sobre o gênero deve predominantemente se enfocar
mais nesse setor.
Segundo o relatório do Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento-
PNUD (2016), intitulado: “acelerar a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das
Mulheres em África”, os dados apontam que Angola e Guiné-Bissau estão entre os
países com maior nível de perdas econômicas devido às desigualdades de gênero no
mercado de trabalho:
A desigualdade de gênero está custando à África subsaariana em
média U$ 95 bilhões por ano, atingindo U$ 105 bilhões em 2014 - ou
seis por cento do PIB da região - prejudicando os esforços do
continente para um desenvolvimento humano inclusivo e crescimento
econômico (Relatório 2016).
O relatório analisa os fatores políticos, econômicos e sociais que
impedem o avanço das mulheres africanas e propõe políticas e ações
concretas para colmatar a disparidade de gênero. Estes incluem
abordar a contradição entre as disposições legais e a prática em leis de
gênero; Derrubando normas sociais nocivas e transformando cenários
institucionais discriminatórios; E assegurando a participação
econômica, social e política das mulheres.
Os obstáculos estruturais profundamente enraizados, como a
distribuição desigual de recursos, poder e riqueza, combinados com
instituições sociais e normas que sustentam a desigualdade, estão
mantendo as mulheres africanas e o resto do continente a retroceder. O
relatório estima que um aumento de 1% na desigualdade de gênero
reduz o índice de desenvolvimento humano de um país em 0,75 por
cento. (PNUD, 28 ago. 2016, tradução nossa)56.
56
Africa Human Development Report, 2016. Disponível em:
http://www.undp.org/content/undp/en/home/librarypage/hdr/2016-africa-human-development-
report.html. Acesso em: 10 nov. 2016.
124
57
Cf. (vide o anexo B): Uma análise interessante e condensada desse modus operandi das sacoleiras a
partir do comercio do Brás pode ser encontrada no artigo intitulado As “muambeiras” nos subterrâneos
das cadeias globais de mercadorias: o caso das sacoleiras africanas nos circuitos comercial entre
São Paulo (Brás) e Angola. (2013), publicada pela revista CERU da USP. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/ceru/article/view/87214/90179
58
Se caracteriza pela divisão sócio-sexual do trabalho predominado pelas mulheres. Cf. Helena Hirata em
Globalização e divisão sexual do trabalho, 2002.
126
(1976) preconiza em seus estudos que o trabalho nunca foi alheio à mulher. Neste
sentido, ela assume um papel preponderante na criação de riqueza social e na
subsistência de sua família, contudo, o que feministas relevam é que, em toda a história
da humanidade o gênero feminino tem ocupado uma relação subalterna e em nenhuma
sociedade de classe conseguiu extirpar as hierarquizações de gênero, que aparecem
como omnipresentes, em muitas sociedades, mesmo na maioria das africanas, onde um
significante protagonismo e maior autonomia das mulheres no exercício de atividades
no âmbito da economia, religião e culturas de modo geral lhe são mais reconhecidos,
quando comparados aos de outros contextos. Esta é uma situação e tipo de estereótipos
que requer a implementação de medidas mais eficazes de combate, mediante um maior
incentivo à inclusão social do gênero feminino através de políticas públicas, como uma
forma de buscar amenizar os efeitos nefastos e desigualdades das que elas são as
maiores vítimas.
As mulheres trabalhadoras, estão envolvidas diretamente com o comércio
internacional e com frequência, recorrem a instituições informais de empréstimos
financeiros (em raras exceções), e criam cooperativas informais para arrecadação de
fundos, somados aos dispositivos relatados de buscar a ajuda de familiares, buscam
armar-se e juntar seus recursos para viajar a países como China, África do Sul, Namíbia,
Emirados Árabes, Singapura, Turquia, Índia e Brasil, a fim de comprar mercadorias.
Esses artigos são posteriormente enviados a Angola ou Guiné-Bissau para serem
vendidos no comércio retalhista local59. Embora em menor proporção, estes sujeitos
desempenham um papel importante na balança comercial (comércio internacional) pela
quantidade de produtos comprados. No Brás, uma das áreas mais comerciais da cidade
de São Paulo, essas mulheres cruzam-se entre si, trocam cumprimentos e aconselham
umas às outras sobre suas diferentes estratégias de compra. Teresa Manuel, de 30
anos60, residente em Luanda, é uma delas. Viaja quase todos os meses para o Brasil.
Casada e mãe de quatro filhos (crianças na faixa etária de 2 a 14 anos), ela conta que
não teve oportunidades para estudar e ingressar na universidade “devido à
responsabilidade familiar”. Após uma pausa em sua fala, ela acrescenta, sorridente, que:
“[...] com o pequeno comércio já é possível empurrar a vida”. Teresa conhece bem o
59
UNCTAD (2013). Informação fornecida pela Federação Angolana de Mulheres do trabalho informal
durante a missão de levantamento de dados, 2013.
60
Nome fictício, entrevista realizada em 12/07/2013 como parte da pesquisa de campo. Cf. VAZ, Paulo
Gomes (2013).
127
mercado acima citado e afirma, sem hesitação, que a mercadoria brasileira é mais aceita
em termos de qualidade e design, enquanto os produtos da China são aceitos pela
quantidade e pelo preço:
O relato da Teresa Manuela chancela de fato uma das partes importante nesse
circuitos e itinerários de compras. No caso da nossa interlocutora, são artigos femininos,
o design, que torna o mercado mais atrativo, enquanto o mercado chinês são os preços
baixos, e a Dubai é sempre associada a artigos luxuosos.
Francisca Guimarães é outra comerciante do grupo das sacoleiras. Mãe solteira,
de 35 anos, tem três filhos, aprendeu o negócio com a tia, que já comprava roupas nos
bairros do Bom Retiro em São Paulo, para revender em Angola. Nas palavras de
Francisca: “A minha tia sempre trabalhou com honestidade para dar de comer aos
filhos. E agora, cá estou eu a fazer o mesmo”. Ela diz que a vida é dura, mas persevera;
corajosa, arrisca-se em feiras de madrugada, acompanhada por guias (rapazes
angolanos), em busca dos preços baixos. Assim que amanhece e as lojas abrem as
portas, ela segue a rotina, sem despregar os olhos, seguindo o percurso que conhece tão
bem: “faço compras na loja Paraná, que fica na Rua Cavalheiro-Brás, no número 85, e
nas lojas que ficam na Rua Maria Marcolino”. Estamos no começo da área do Brás, no
Largo da Concórdia. Francisca abre os braços, aponta para o fim da avenida e para as
suas compras, durante uma pausa para o almoço durante a nossa conversa informal
(quando eu propus a ela que respondesse o meu questionário), a mesma seguiu que
mantivemos a nossa conversa de modo informal, porém breve, e diz: “veja”: são essas
havaianas que estão sendo muito procuradas lá em angola, é um produto que dá a
sensação de originalidade, de coisa pura, pode conferir a qualidade do material, com
esse material lá eu consigo vender rápido e tiro um bom lucro, me afirmou e mostrou
os produtos que eu fotografei e exponho nas Figuras 16 e 17, a Francisca Guimaraes:
128
Viajo três vezes por ano e o meu negócio estendeu-se para outros
artigos, para além dos sapatos para todas as idades. Estou a contar já
com o fornecedor BBS (banco de crédito), mas os dias que correm não
são os melhores, temos tido muito pouco rendimento (Cláudia Maria,
31 anos, entrevista realizada no Bairro Brás, São Paulo, 27/09
2013)61.
61
Cf. VAZ, Paulo Gomes (2013).
130
Figura.19 - Teresino Junior - gerente e supervisor do Hotel Vitória, no Bairro Brás - São Paulo –
SP
62
Cf. VAZ, Paulo Gomes (2013).
132
era o caso de) O Caminho das Índias (nome de uma novela televisiva muito popular à
época), mas procuram também os logotipos das seleções de futebol”.
63
Cf. VAZ, Paulo Gomes (2013).
64
É uma categoria que criamos para definir as sacoleiras, por denotar menos rotulações.
133
caso da jovem sacoleira - Priscila, grávida de 6 meses, a brasileira que foi estuprada e
morta na Bolívia, fato este que comoveu a sociedade e a imprensa Brasileira naquela
época e fica pululando no imaginário de toda sacoleira, sobre os riscos aos que podem
estar expostas. Ver a seguir um trecho da reportagem mencionada:
65
Disponível em: http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,gravida-de-6-meses--moradora-de-
campinas-e-estuprada-e-morta-na-bolivia,10000006875. Acesso em :28 de jan.2007.
134
66
Etimologicamente, vem do termo zungar, originário do quimbundo (língua de Angola), que significa
andarilha, andante ou vagante. Mulher que percorre as ruas vendendo produtos diversos dentro de uma
bacia que leva na cabeça e/ou outra no ventre, são conhecidas como quitandeiras. Só muda a
denominação e o lugar – na língua crioula da Guiné-Bissau são denominadas bideiras, enquanto no Brasil
recebem o nome de quituteiras.
67
Expressão empregada no crioulo da Guiné-Bissau para se referir as (mulheres revendedoras de
produtos essencialmente alimentícios, tais como peixe e outros produtos de primeira necessidade, no
“setor informal”.
68
Termo utilizado em Cabo Verde para definir as pequenas revendedoras.
(quem vende o que foi comprado com a intenção de ser comercializado, mas etimologicamente o sufixo
rabidar é também empregado em crioulo da Guiné-Bissau como sinônimo de revirar, dar a volta por
cima, superar. Cf. SILVA, Tatiana (2012).
136
Barros (2010), são nessas “bancadas” que os jovens, em sua grande parcela pessoas do
sexo masculino, e na sua maioria desempregados ou intermitentes, se dedicam a
participar em associações dos seus bairros adquirindo mais experiências políticas e, se
calhar, lançar-se como um político de carreira.
Como havíamos dito, observa-se que há sempre uma relação intrínseca entre os
gêneros ao que pertencem e o tipo de atividade a ser escolhida e realizada. Nesse caso,
observa-se uma divisão sócio-sexual e cultural do trabalho, que vão além de trabalhos
formais e informais, e que hierarquizam e reproduzem a distinção entre o homem e
mulher. No setor informal, foi-nos possível constatar que enquanto os homens procuram
os segmentos de construção civil e demais modalidades braçais, as mulheres preferem
se centram nas atividades associadas a atividades que não colidem com suas aptidões e
funções domésticas, ou que são até vistas como extensão deste âmbito mais privado ao
que se costuma recluir a mulher. Contudo como vimos, dedicar-se a esse tipo de
atividades acostuma estar associado e resultar do acúmulo de dupla, tripla ou até quarta
jornadas de trabalho (elas não são isentas de seus afazeres em suas casas), com exceção
em momentos de viagens. Como é o caso, quando elas precisam se deslocar para outros
territórios para comprar os artigos que serão transformados em mercadorias,
essencialmente em São Paulo e nas terras asiáticas.
137
Capitulo V
5. AS MERCADORIAS NOS FLUXOS CONTÍNUOS DA GLOBALIZAÇÃO
POPULAR
Este capítulo discute a dinâmica global a partir dos agentes sociais inseridos
numa globalização econômica não hegemônica, um universo também conhecido como
globalização popular constituído socialmente por indivíduos ou grupos comumente
entendidos por gente do povo, que relutam num movimento de baixo para cima com o
propósito de se manterem sua sobrevivência através de mercadorias e, de maneira pela
qual, tais mercadorias contribuem também para o processo de globalização, interligando
países e continentes. Esta forma de globalização, chamada de globalização popular, é a
que de fato nos interessa descrever nesta tese, demonstrando como os diferentes nós do
sistema mundial não-hegemônico explorado por diversos atores sociais se mobilizam
juntando seus recursos financeiros, deslocando-os para os mercados asiáticos, os
chamados tigres asiáticos, que se destacam pelo rápido desenvolvimento industrial em
um contexto histórico mais recente. Gustavo Lins Ribeiro ressalta que “[...] o centro
produtivo do sistema se encontra na Ásia, na Coreia, na Tailândia, Singapura e Taiwan,
mas especialmente no Sul da China, na província de Guangdong. (RIBEIRO, 2009,
p.514). Porém, além do sudoeste asiático, existem alguns pontos nodais espalhados
138
principalmente em alguns cantos do globo como a fronteira da ciudad del Este / Foz de
Iguaçu, considerado o principal nó do sistema mundial não hegemônico na América do
Sul, que abastece muitos estabelecimentos comerciais na rua 25 de março, em São
Paulo, Brás (Feira da Madrugada). É também um dos destinos de muitas sacoleiras que
procuram esses mercados alternativos para complementar os produtos.
Este capítulo discute o espírito transatlântico e a inserção da força de trabalho
feminino na economia global de baixo custo, centralmente sobre os encalços da
informalidade, assumindo o papel de se comprar num território para abastecer em outro,
em rotas que para elas são concretas, mas invisíveis à economia do mercado, uma
característica atípica quando comparada à dinâmica comercial tutelada pelas grandes
corporações.
Observa-se que a literatura predominante nos estudos sobre atividade econômica
nos tempos da globalização e de fluxos de mercadorias tendem a focalizar-se nos
processos comandados por agentes poderosos numa perspectiva hierárquica de cima
para baixo, dentro dos critérios normativamente estabelecidos pela economia de
mercado, cuja distribuição dos valores (mercadorias) é regulado pelas governanças
corporativas das empresas num conjunto de políticas integradas, muito presente nos
estudos do Gery Gereffi (1994), Gereffi et al. (2001) denominada de cadeias globais de
commodites (CGC), e Cadeias globais de Valores (CGVs), respectivamente.
Porém, de forma crítica, a nossa tese busca também partir de uma literatura
contra- hegemônica, destinada a explorar os “circuitos inferiores da economia urbana”
explorada por indivíduos e/ou grupos desprivilegiados de direitos políticos e sociais,
inserida numa economia invisibilizada pelas ordens estatais, cujos membros dependem
desse nicho de mercado para suas sobrevivências trançando percursos transnacionais
acionando suas redes de relações não hegemônicas, numa modalidade que, por sua vez,
desafia as estruturas econômicas tradicionais.
Decerto, essa globalização é de fato a que parece oferecer maior acesso às
mercadorias a diversas camadas da população e na circulação do dinheiro a nível global,
fato que, de outra forma, algumas mercadorias não estariam disponíveis para as
camadas mais vulneráveis de qualquer sociedade. Por isso, é imperativo elucidar que
esse cenário traçado pelas sacoleiras nos circuitos inferiores da economia parece apontar
para uma globalização mais popular e inclusiva para os problemas sociais
contemporâneos. Portanto, o crescimento acelerado dessa modalidade de comprar aqui,
139
para revender em outro lugar pode ser apenas a ponta do iceberg de uma crise sistêmica
do capitalismo que tem muito mais a nos revelar, uma vez que uma parcela significativa
da população ao redor do mundo se inscreve nos nichos do mercado como instrumento
de sobrevivência.
69
Santos (2008, p.19) prefere usar o termo Subdesenvolvidos ao invés de “em desenvolvimento” ou
‘terceiro mundo”. Para o autor o terceiro mundo é “um mundo em desenvolvimento”, quer dizer, que está
numa situação de transição para o que hoje são os países desenvolvidos.
141
cidades, como forma de subsistir às crises econômicas pelas que passam seus países, e
que reduzem suas possibilidades de sobrevivência.
Santos (2008) destaca que, se o circuito superior é impulsionado por um intenso
fluxo de capital e constituído pelos bancos, serviços modernos, indústria de exportação,
comércio, transportadoras e atacadistas, por outro lado, o circuito inferior é composto
por um fluxo de capital não intensivo, desde formas de fabricação aos serviços
fornecidos “a varejo”, o comércio, todos são elementos de pequena dimensão e não
modernos. Segundo Santos (2008), se no circuito superior pode-se distinguir atividades
“puras”, “impuras” e “mistas”. As atividades que se enquadram como “puras” são as
indústrias urbanas modernas, o comércio e serviços modernos, e ao mesmo tempo são
as atividades típicas da cidade e do circuito superior. Do outro lado, temos as atividades
“impuras”, sendo aquelas de comércios voltadas aos negócios e indústria de exportação.
Estes, geralmente quando instalados nas cidades, são para explorar os recursos locais.
Nessa “esteira” de circulação, as distribuidoras e atacadistas têm atividades do
tipo misto, pelos laços funcionais diretos com os circuitos superiores como com os
circuitos inferiores, ambos cumprindo dupla ligação. Mas além de atacadistas, apontado
por Santos (2008) como um elemento que está no topo da cadeia decrescente dos
intermediários, as sacoleiras (ambulantes) são também as que ocupam a importância
central nos circuitos inferiores, na medida em que cumprem a função de espalhar as
mercadorias nos níveis inferiores da atividade econômica aos consumidores finais. Por
isso consideramos a função dessa “classe de trabalhadores” ser muito importante na
acumulação do capital, tanto para os agentes do circuito superior, como no circuito
inferior, atuando como um métier e fonte de renda relevante para uma parcela
significativa da população, provenientes principalmente dos países onde o emprego
formal é escasso.
Mas o mais importante é a forma como Santos (2008) aponta para a existência
de intermediários que agem de forma mista, entre os dois circuitos, impossibilitando
quaisquer situações isoladas, dualísticas ou estanques. Mas o que de fato ocorre é a
relação de coexistência entre ambos tipos de circuitos, quais sejam: numa relação
hierárquica, ou numa relação de simples complementariedade, ou ainda, numa relação
de complementariedade recíproca. Como se observa na figura 19, abaixo.
142
Além dos dois circuitos da economia urbana acima apresentados na figura 19, o
autor ainda acrescenta para um outro elemento do circuito inferior, que o mesmo chama
de circuito superior marginal – utilizando-se de normas mais ou menos modernas. Nele
os agentes “marginais” também realizam sistematizações normativas, embora de formas
limitadas e híbridas, quando comparadas aos agentes do circuito superior legal.
Atualmente são nesses países associados aos países do “terceiro mundo” ou sudoeste
asiático que recebem em grande proporção de turistas, pequenos empresários, inclusive
os de menor capital financeiro. Nessas relações as suas atividades econômicas não são
tão “claras” e munidas de tolerâncias, flexibilização da força do trabalho e os produtos
de baixo custo.
143
O que é possível compreender aqui, através dos dizeres de Gustavo Lins Ribeiro
(2009) é que, apesar da globalização popular se situar numa posição hierarquicamente
inferior, considerada de baixo para cima, ela, porém, jamais aparece como elemento
deslocado da globalização convencional, ao contrário, ambos tipos de globalização se
mantêm necessariamente imbricadas na circulação e na acumulação. Conforme assevera
Gustavo Lins Ribeiro (2009):
Os dois sistemas mantêm relações de complementariedade
complexas e frequentemente capilares e podem ser eventualmente
contraditórios entre si, mas não necessariamente antagônicos. Na
verdade, as pessoas que operam internamente ao não-hegemônico não
pretendem destruir o capitalismo, muito antes pelo contrário,
pretendem dele destruir. O mesmo poderia ser dito de muitos que
operam no sistema hegemônico, não querem realmente destruir ao
144
Fazendo jus às grandes metrópoles, Hong Kong se distingue pelo seu maior
desenvolvimento e grau de tolerância em relação à China continental, fazendo com que
Hong Kong venha se inserindo cada vez mais nos paradigmas da globalização, por
possuir cada vez mais aqueles elementos característicos das chamadas “Cidades
Globais”, que se impõem e destacam das restantes pela intensificação e imbricamendo
de suas capacidades econômicas, de conectividade e estruturais. As Cidades Globais se
destacam como os mais importantes centros financeiros do mundo, onde há maiores
refluxos de pessoas e de bens e serviços em tempos da globalização contemporânea. Em
razão disso, Hong Kong é talvez um distrito um dos mais diferenciados por se destacar
tanto na sua maior tolerância em outorgar vistos, pela maior mobilidade de pessoas,
como do seu comércio, indústrias e sofisticação de serviços que desenvolvem.
150
tipo de estrangeiro apontado por Simmel (1983), como estrangeiro em potencial que
chega e incorpora a cultura local para sobreviver na cidade do seu destino, age como um
comerciante ou negociador (recebe a cultura de outro e em troca faz questão de oferecer
a sua cultura). Enquanto o segundo tipo de estrangeiro, o turista-comerciante, está
sempre em trânsito, de um lado para o outro (seja esporadicamente ou frequentemente),
esse estrangeiro não reforça os vínculos sociais porque sabe da sua condição de
temporário, e conta com ajuda dos guias comerciais e/ou tradutores que lhe apresentam
os agentes comerciais. Geralmente não entende sequer a língua local, e não têm muitos
interesses em conhecer a cultura local, e sim interesses comerciais, e por isso contam
com os seus conterrâneos - tradutores africanos que residem nessas “cidades globais”,
que lhes apresentam os agentes comerciais nessa zona comercial.
Essa divisão social do trabalho observado nesse nessa comunidade é um dos
modus operandi nesse tipo de comércios presente em muitos países inscritos nas formas
de globalização subterrânea descrito e nomeadamente reconhecido como o de uma
globalização de baixo custo (MATHEWS et al.2012.a), globalização popular (LINS
RIBEIRO, 2009), circuitos inferiores da economia (SANTOS, 2008). Esses autores
conceituaram-a como um movimento contemporâneo da globalização redesenhada em
dinâmicas geográficas específicas da economia mundial, mobilizada por populações
muito concretas e específicas com condições econômicas reduzidas, e cujo objetivo é o
de comprar artigos em certas regiões do globo onde o custo de produção e força de
trabalho são mais baratas e, por conseguinte, os artigos ofertados nesse mercado são
também considerados de baixo custo, quando comparados àqueles circuitos maiores da
economia. Esse movimento ao redor do globo por esse mercado reflete a centralidade do
sudoeste asiático na economia da globalização de “baixo custo”.
Por ser um produtor em potencial, segundo Mathews et al. (2012b), a China
agrada a todos os gostos, desde as empresas dos bens genuínos às copias (produtos de
baixa qualidade). Esse segundo tipo é muito procurado por comerciantes dos países em
desenvolvimento que exploram o nicho do mercado asiático para revenderem aos seus
clientes nos seus países de origem, já que são os valores que a maioria dos seus clientes
poderá pagar, e essa má reputação é estendida aos produtos chineses como um todo. Por
isso, no que concerne às categorias de trabalho, podemos asseverar que nesse contexto,
a China, assim como os demais polos de fabricação de bens baratos se envolvem numa
realidade em que a fabricação deste tipo de produtos e sua comercialização não depende
152
70
Apontado por esses autores como “economia informal”.
157
mais cômoda (sem os ecos da hora do rush, do comércio) e com a calma e dedicação
que eu esperava. Daí trocamos os contatos de telefone (WhatsApp) para que, no caso de
desencontros no dia seguinte, eu pudesse lhes ligar. No dia seguinte, cheguei no horário
combinado, e como costumou ocorrer com muitas das outras entrevistas, enquanto as
entrevistadas despachavam seus produtos na agência transportadora,
concomitantemente, foram respondendo ao meu questionário, de maneira descontraída,
detalhando-me os itinerários de suas experiências no comércio transatlântico. Observei
entre elas comportamentos distintos, enquanto a primeira aparentava ser mais receosa,
cautelosa em conceder a entrevista e mais precavida nas suas palavras, a segunda,
Patrícia, mostrou ser mais extrovertida, simpática e comunicativa, contando-me que a
cidade paulista lhe proporciona diversidade de artigos de todos os gostos e para todos os
tipos de clientes que ela possui. O que lhe possibilita comprar um pouco de cada artigo
para agradar um perfil variado da sua clientela, como se observa nos relatos da Ana
Sebastião e da sobrinha, Patrícia, respetivamente.
“Compro, aqui no Brás, as vezes um pouco na 25 de março e também
vou na cidade de Franca [sp] comprar calçados. Como tu estás a ver
agora, estamos a fazer despachos aqui, já apresentamos as notas
fiscais, tudo certinho. Desta vez não vou poder ir pra Angola neste
mês [novembro] pra receber [despachar] as mercadorias, mas a minha
tia é quem vai receber as mercadorias, eu vou só no mês de dezembro.
Mas até lá vou ficar na casa das minhas amigas que moram e estudam
aqui. (Patrícia, angolana 25 anos. Entrevista realizada em São Paulo
10/11/2017. Grifo nosso).
além das compras na Franca as duas também compram suas mercadorias nas lojas do
Brás pela diversidade de ofertas. E a figura abaixo demonstra as duas numa divisão de
papeis e contabilizando seus artigos na parte interna de uma das agências
transportadoras, (como consta na figura abaixo):
71
Não obstante nos seus países de origens elas são conhecidas como empresarias, comerciantes, e/ou
chamadas pelos seus próprios nomes, sejam elas: Eugenia, Brinsam, Mariama, etc, menos sacoleira.
161
" A cultura consumista é marcada por uma pressão constante para que
sejamos alguém mais. Os mercados de consumo se concentram na
desvalorização imediata de suas antigas ofertas, a fim de limpar a área
da demanda pública para que novas ofertas a preencham. Engendram
a insatisfação com a identidade adquirida e o conjunto de necessidade
pelo qual se define essa identidade. Mudar de identidade, descartar o
passado e procurar novos começos, lutando para renascer - tudo isso é
estimulado por essa cultura como um dever disfarçado de privilegio."
(BAUMAN, 2008, p.128).
precisa ser, deve ser e tem que ser um consumidor por vocação (ou seja, ver e tratar o
consumo como vocação). Nessa sociedade, o consumo visto e tratado como vocação é
ao mesmo tempo um direito e um dever humano universal que não conhece exceção."
(BAUMAN, 2008, p.73).
Neste sentido, o indivíduo consumidor passa a pertencer, e se identificar ao
mesmo tempo, e a ser identificado como membro da classe consumista, daí o consumo e
o status se configuram como elementos importantes na realização desse novo sujeito
moderno – que renuncia ao tradicional ao “se tornar chique” se adere ao modelo
globalizado e ocidentalizado. Pois este último, por ser um produto criado pela
propaganda, tende a se tornar obsoleto, e que na visão sustentada por Gilberto Dupas
(2007):
Marketing e propaganda criam objetos e serviços do desejo
manipulando valores simbólicos, estéticos e sociais (...). Essência da
lógica capitalista, a inovação tenta tornar obsoletos o mais
rapidamente possível os produtos existentes, transformando a
abundância ameaçadora de um mercado concorrencial em uma nova
forma de escassez transitória, e conferindo à nova mercadoria um
valor incomparável e imensurável, porque sua posse se transforma em
realização de um desejo quase mítico. É o caso típico das telas de
televisão de plasma em meados dos anos 2000. (DUPAS, 2007, p.80).
moveu para uma matriz cada vez maior de novas economias industrializadas (NEI) no
Terceiro Mundo, destacadamente ao Sudoeste asiático (Singapura, Indonésia, Malásia,
Tailândia, Filipinas ); Nordeste asiático (China - Hong Kong, Taiwan, Coreia de Sul e
Macau); Sul asiático (Paquistão, Bangladesh, Sri Lanka e Índia); América do Norte
(Canadá e México); América Central e Caribenho (República Dominicana, Honduras,
Guatemala, El Salvador, Honduras, Costa Rica e Jamaica); Europa (Itália e Turquia).
Isso leva David Harvey (1992) a destacar que o mosaico da nova divisão
internacional do trabalho, faz com que as indústrias que tradicionalmente dependiam de
exportação de matérias-primas passam a tornar-se muitos mais interdependentes em
alguns aspetos e independentes em outros devido às corporações transnacionais
instaladas nos mercados periféricos. Afirma Harvey (1992):
varejos nacionais brasileiros como as lojas Renner, lojas Marisa, etc. Daí a produção se
tornar global. Embora nessas empresas (empreiteiras) filiais que se instalam nos países
periféricos, os salários pagos aos trabalhadores são menores, tende-se a atrair os
pequenos comerciantes que acompanham as tendências dos produtos.
É nesse contexto social, em que a força do trabalho é desvalorizada em relação
à de outras regiões, que se torna uma “mina”, que atrai os compradores de diversos
espaços do globo. Não obstante, observa-se que o deslocamento de sacoleiras para
certas regiões do globo, onde os produtos são mais baratos. Por isso, o deslocamento de
sacoleiras não pode ser associado a um fenômeno aleatório ou acaso. Pelo contrário, se
trata de ação racional com relação a fins, porque a elas interessa os produtos de baixo
custo, ou seja, elas procuram escolher os meios possíveis para a realização de um fim
econômico que começa a se engendrar desde a viagem, moradia, contato (WhatsApp)
com seus conterrâneo que agem como guias - intermediários e/ou tradutores no interior
desses comércios locais e internacionais, daí somando-se a todos os artifícios
favoráveis, para depois realizarem suas viagens e compras, e para depois vender a um
preço que lhes permitem obter o seu retorno financeiro investido nos artigos. E de igual
modo, o capitalista também se beneficia desse processo de circulação de mercadorias.
As turistas compradoras (sacoleiras) estão cientes das suas limitações financeiras e
dos mercados, e por isso recorrem a mercados de baixo custo – considerado-os
adequados para a realização das suas compras nas áreas consideradas como periféricas
do “capitalismo mundial”, cuja matriz geralmente se fixa nos países tradicionalmente
industrializados, mas pela necessidade de acelerar os lucros (superexploração), as
empresas se deslocam para zonas periféricas, que apresentam menor custo da força
produtiva (insumos e forças de trabalho), trabalho degradante, além de salários dos
operários considerados extremamente baixo, comparado aos operário das mesmas
empresas situadas nas economias centrais. (GEREFFI, 1994); (HARVEY, 1992);
(SANTOS, 2008).
David Harvey (1992) categoriza essa situação como a globalização atrelada às
formas de produção flexível com base na desregulamentação das relações e a
flexibilização das leis trabalhistas. Uma reconfiguração que impõe uma nova
interlocução para as empresas, os sindicatos e o Estado à situação crítica. Uma violenta
destruição do estado e dos capitais estatais sob o domínio das multinacionais, em que as
matrizes podem estar num determinado país de origem, mas o seu alcance está para
170
além dos territórios fronteiriços, por isso seu impacto é de caráter exponencial. Desse
modo, essa nova reconfiguração do capital-trabalho, a nível global, opera através de
deslocamentos e transnacionalizações de capital-empresa, que consequentemente põe
em causa existencial as forças sindicais e a segurança dos trabalhadores em todos os
sentidos, entre os quais os impactos sobre o emprego e trabalho e as novas formas de
organização da produção e do trabalho, nessas novas formas de gestão e de relação
inter-firmas, e nas diferentes formas de precarização do trabalho, especialmente as da
terceirização, superexploração da força do trabalho e suas faces informais de contratos
sob regimes parciais, também conhecidos como trabalho part-time, temporário,
intermitente ou subcontratado.
Analisando o mapeamento do Gereffi (1994) sobre a desterritorialização e
deslocamentos do capital para as novas economias industrializadas (NEI) no Terceiro
Mundo, os dados da nossa pesquisa acrescentam um elemento importante e novo nessa
estrutura - o deslocamento de sacoleiras para essas regiões, espalhando as mercadorias
para consumidores finais, aumentando com isso o mercado global desses produtos. Uma
dinâmica que não estava prevista nas estruturas dos circuitos superiores, ou nas
chamadas cadeias globais de mercadorias, apresentado por Gereffi (1994, p.99), que
concebia a distribuição de mercadorias de forma hierárquica, liderado pelas empresas,
governanças em corporações producer-driver (produção dirigida) e buyer-driven
(comprador dirigido).
Nessas transnacionalizações das empresas por certas regiões do globo,
dilaceradas pela flexibilização das forças de trabalho, precarização, alienação do
trabalhador, tanto em relação contratual quanto à mercadoria fabricada pelo próprio
trabalhador, somado ao definhamento das relações sindicais, é que se apresentam
maiores ofertas de produtos finais e a serem exportados. É neste contexto que o
capitalismo internacional (globalizado) tende a se caracterizar por uma postura-
dinâmica e agressiva contra as forças sindicais que em diversas situações se constituem
por um claro esgotamento e descomprometimento dos trabalhadores com as causas
coletivas. Para Milton Santos (2000) essa é a característica das grandes empresas no
tempo da globalização, é uma que, na verdade, não têm responsabilidade social e moral,
e é por isso que termina desorganizando os territórios, tanto socialmente como
moralmente.
171
Ainda, de acordo com Milton Santos (2000), o que ocorre na globalização é uma
divisão internacional de trabalho injusta e desigual cujas grandes empresas
transnacionais ou multinacionais transferem suas produções industriais para países
terceiro-mundistas ou emergentes, principalmente onde não há limites para a exploração
da força de trabalho, e nas que se contabiliza o tempo de trabalho de seus funcionários
em frações de segundos, mascarando mais ainda, desse modo, os verdadeiros valores
dos salários pagos (salário real-medido pelo tempo de trabalho). Como bem abordado
também por David Harvey (1992):
vez que esses bens são considerados bens relativamente muito escassos, principalmente
as do setor têxtil, eletroeletrônicos, e produtos estéticos.
Mas a carência das forças produtivas, por si só, não determina o fenômeno de
consumo protagonizado pelas sacoleiras, pois o que determina as preferências do
dispêndio em tempos da “mundialização do consumo” tem sido impulsionado por
intermédio dos grandes meios de comunicação, em especial a mídia tradicional (TVs),
que se configuram como agente de transformação e reprodutores de bens simbólicos,
através dos “rituais” por eles construídos e que passam a ser seguidos pelos seus fiéis.
Segundo Bourdieu (2007), esses mesmos bens simbólicos são concomitantemente
valorizados como mercadorias carregadas de significações, tanto em caráter mercantil
quanto cultural.
Nota-se que, o padrão de consumo dos produtos comercializados segue as
tendências modernas e ocidentais, desde vidros, aparelhos de som, ou até vasos de
flores, Sandálias havaianas, cabelos humanos, roupas íntimas, dentre outros. Como
observa o antropólogo angolano Carlos Serrano72(2007): “[...] o enorme interesse pelos
programas de televisão é um termômetro da influência que o Brasil exerce sobre alguns
países africanos (...) que nutrem quase que uma idolatria pelo Brasil”73.
A análise do Serrano desvela a relação intrínseca de causa e efeito entre o
consumo e a da imposição cultural, de forma pelo qual os impulsos por aquisição de
certas mercadorias relacionadas aos cuidados estéticos, em certas medidas são de
características supérfluas e fugazes, como o caso dos apliques, cabelos naturais
(humanos); cabelos artificiais, roupas idênticas à das personagens dos filmes ou
telenovelas, que passam a se constituir como elementos imperativos do status social do
outro lado do atlântico, e que incidem mais para satisfazer as “necessidades da
fantasia” do que para satisfazer as “necessidades do estômago”. Como se pode
perceber nos relatos das entrevistadas, que descrevem os produtos demandados pelas
suas clientelas (consumidores finais). Nos relatos das duas guineenses, Titina de 33
anos e Carmen de 32 anos que asseguram que têm como destino de suas compras a
cidade de São Paulo, uma cidade que, segundo a primeira, apresenta uma variedade
esmagadora de artigos e os preços são relativamente acessíveis. ela costuma fazer as
72
Prof. Dr. da Universidade de São Paulo (USP).
73
Disponível em: http://reporterbrasil.org.br/2007/04/das-novelas-brasileiras-aos-mercados-populares-da-
frica/ .
177
compras de acordo com os pedidos da clientela, sendo que as solicitações são baseadas
nas tendências de moda das telenovelas brasileiras, principalmente dos seus
protagonistas. Como os clientes seguem as tendências de modas, “os clientes pedem de
tudo que eles vêm na novela, desde vestidos, saias, blusas, calcinhas (roupas íntimas),
bermudas, camisetas, roupas de praia, havaianas personificadas ou com logotipos da
Copa do Mundo, bijuterias etc. E como o descreve a entrevistada:
“Eu vendo os produtos brasileiros para os funcionários públicos e
principalmente pros funcionários do Banco, sei que lá tem
dinheiro...(risos), e eles sempre me pagam, por isso é mais confiável
vender nos serviços do que na rua, e a grande verdade é que o pessoal
dos bancos ou outros funcionários públicos podem até demorar um
pouquinho, mas pagam, e quando eles levam um produto,
praticamente significava [para mim], uma garantia de [seu posterior]
pagamento. Além disso, elas não demoram como outras pessoas aqui
da vizinhança [do bairro] que tu nem sabes muito bem se têm
empregos fixos ou não. Na vizinhança muitas pessoas pedem o
produto mesmo sabendo que não vão conseguir o dinheiro pra te pagar
dentro do prazo, eles pedem, por isso não adianta trabalhar com
pessoas assim. (Titina, guineense,33 anos).
para comprar os cabelos porque considera que é o único entreposto que vende cabelos a
preços bons. E aproveita também para comprar produtos de beleza, como Shampoo,
condicionador, hidratante, vitaminas, esmaltes. Ressalta ainda que “os produtos de
beleza em geral fazem sucesso aqui “pra mulherada” da minha terra e “aqui eu revendo
[eles] diretamente para as donas dos salões de cabeleireiros, aqui mesmo em Bissau”.
Igualmente, fascinada pelos mercados paulistanos, a Iza é uma cliente assídua de
modas femininas específicas como as marcas Vizzano (Sandália feminina, bolsas,
vestidos) e Beira Rio (marca nacional-brasileira), compradas nos grandes varejos da
cidade, pois além de acompanhar as tendências e demandas da sua clientela em Bissau,
que frequentam a sua loja situada no empreendimento comercial situada no prédio
Ancar, ela geralmente viaja quatro vezes por ano para acompanhar e abastecer a sua
segunda loja em São Paulo, que vende produtos africanos, e de igual modo compra
artigos em São Paulo para abastecer a sua loja em Bissau.
Analisando o contexto social dos consumidores finais nas terras africanas e os
relatos das sacoleiras Titina e Carmen, quando afirmam que os pedidos são baseados
nas tendências de moda das telenovelas brasileiras, principalmente nos protagonistas
das telenovelas, isso nos mostra a capacidade da imagem e da publicidade hoje. E de
como fazem com que essas ideias sejam divulgadas de maneira repetitiva, aumentando
assim sua capacidade de memorização e fixação social (daquilo que deve ser tomado
como tendência).
Segundo Renato Ortiz (1996, p.99) “a comunicação aprofunda as condições de
deslocação das Pessoas” ao redor do mundo, podendo até contribuir com processos de
vir a desenraizá-las das suas culturas locais, sendo este um processo que entranha nas
mais diversas classes sociais e regiões. Não obstante, alguns teóricos arriscam-se a
chamar essa onda de intensificação de comunicações de “aldeia global”, provocada
também pelo poder da indústria cultural e midiática.
O desenvolvimento dos sistemas de comunicação social irão, deste
modo, redefinir a própria relação entre o local, o nacional e o mundial.
Não se trata, como já dito, apenas de uma redefinição espaço-
territorial mas, essencialmente, de uma redefinição de ordem cultural
no interior destes espaços e territorialidades onde o processo de
constituição de uma cultura nacional popular e a noção de identidade
nacional dela derivada passam a servir de marcos divisores e
fronteiras entre as sociedades e povos. (RETONDAR, 2007, p.4).
das mercadorias não ocorrem de forma isolada, pois estão associados a elementos
cultuais. É nessa mesma perspectiva cultural que Arjun Appadurai (2008) traz uma
contribuição importantíssima para compreendermos a vida social das mercadorias, ao
preconizar que as demandas por certos produtos (importados ou não), não devem ser
tomados como um evento natural, mas sim, a partir do pressuposto de que os desejos a
elas imputadas podem ser manipulados por uma elite econômica opressora, e por isso
essas demandas jamais podem ser tomadas como automáticas, porque as mercadorias
têm suas vidas sociais, status social (biografia de marca) principalmente na medida em
que se tornam superlogomarcas, é o significado pelo qual são embutidas nelas um certo
valor simbólico que representa um status para os consumidores. Pois nota-se que nesse
nicho de mercado e nos próprios comportamentos evidenciados por consumidores finais
em muitas sociedades africanas, os cabelos humanos naturais e longos ganham uma
maior notoriedade tanto pela sua escassez, procura, e principalmente pelo seu valor
simbólico, como se observa na narrativa da entrevistada a seguir,
“Pra falar a verdade, os preços variam muito, mas eu vou te falar o
valor exatamente que está no mercado hoje. Há pessoas que compram
cabelos brutos (sujos), eles compram por quilo, e depois lavam ou
fazem todo o processo higiênico, vendem pra nós já tudo organizado e
limpinho. Eles já deixam os cabelos bem processados (lavado) e
cheirosos, pronto nas prateleiras em centímetros. Desta forma:
Tal afirmação de Bourdieu (1989) se identifica com aquilo que Norbert Elias
(1990), explica com muita propriedade quando faz uma alusão à burguesia alemã, que
almejava aprender o idioma francês na esperança de ter privilégios e reconhecimentos
na estrutura social francesa, e que para isso procurava desenvolver com gentileza a
cortesia e a urbanidade adequada à sociedade francesa da época (sociedade de corte-
absolutismo monárquico, cristão e do Barroco). Isso impunha o contágio a um tipo de
comportamento mais uniformizado, obviamente oriundo de uma monarquia
centralizada, apoiada na religião e no processo civilizador, o que, por sua vez, apontava
para uma tendência a uma maior homogeneização e ocidentalização do mundo.
Frantz Fanon (2008) na sua importante obra, Pele negra, máscaras brancas,
nos adverte sobre o conflito de “identidade retraída” que atormenta a personalidade do
colonizado, fazendo-lhe procurar aderir à imagem do colonizador como ao da
representação socialmente perfeita. Essa (des)personificação pode se manifestar em
vários segmentos sociais, pois além de estar presente na comunidade africana
contemporânea e alastrando-se também em outras culturas, ela pode se tornar mais
evidente quando se trata do consumo de massa socialmente construída com base nas
182
precisam também valorizar suas identidades, mas, para que isso aconteça, antes da
própria superação do problema da “depreciação” propriamente dita, o autor destaca que
é preciso, em primeira mão, que as minorias possam expiar essa identidade imposta e
destrutiva. Para depois fazer um trabalho de recuperação das suas autenticidades, o que
significa buscar, acima de tudo, a autorrealização, no sentido de sentir-se bem consigos
mesmos.
Inspirado na obra Fenomenologia do espírito do Hegel, Frantz Fanon (2008)
avisa que é preciso que o colonizado tenha a própria consciência de si, pois o outro
espera o nosso reconhecimento, a fim de se expandir na consciência de si universal.
Segundo Fanon (2008):
O homem só é humano na medida em que ele quer se impor a um
outro homem, a fim de ser reconhecido. Enquanto ele não é
efetivamente reconhecido pelo outro, é este outro que permanece o
tema da sua ação. É deste outro, do reconhecimento por este outro que
dependem seu valor e sua realidade humana. É neste outro que se
condensa o sentido da sua alma. (FANON, 2008.p. 180).
Dito de outra maneira, ao fazer uma análise dialética, Fanon insinua que as
antigas colônias precisam se reconhecer (a si) primeiramente enquanto nações
independentes e dignas das suas liberdades, para que as metrópoles ocidentais as
reconheçam como nações livres, autônomas e capazes de galgar e pensar com suas
próprias cabeças. Porque imitar a imagem do colonizador sempre trará consequências
negativas e a tendência é de o oprimido ser renegado quando ameaçam ascender à
pirâmide social. Porém, ao sofrer a rejeição, Fanon alerta que, mesmo renegado, a
reação do mesmo indivíduo renegado (que imita o colono) deve procurar evitar o ódio,
mas deve ser flexivelmente “autêntico”, sem discriminar quem tenha o negado.
Para Fanon (2008) devido ao complexo de inferioridade histórico do negro
perante o colonizador-branco, o colonizado-negro tenta reagir por intermédio de
complexo da superioridade na tentativa de assemelhar-se à figura do colonizador,
buscando a ilusão dos espelhos como reflexo da imagem do colonizador-branco. É isso
que o mesmo chama de narcisismo dos negros contra negros. Esse quiproquó do
transtorno de identidade ou personalidade é o que caracteriza a situação neurótica. E
para esquivar dessa situação neurótica de assimilação e dependências, é preciso que o
colonizado não se fixe ao passado dependente, mas sim superando o dado histórico.
Portanto, é salutar dizer que a contextualização destes elementos é sumamente
186
74
Tornou-se comum o uso de produtos de clareamento de pele nos países africanos.
187
embora a ele somente lhe resta imitar, para quem sabe superar as barreiras impostas. É
neste contexto que considero se enquadrar a realidade dos consumidores de muitos
países africanos hoje, cujos demandantes dos produtos inspiram os sujeitos da nossa
pesquisa a suprir a demanda de boa parte dessa clientela alienada ao imaginário
socialmente padronizado pela mídia. Um labirinto que obriga Fanon (2008, p.26) a
erigir a seguinte questão: “o que quer homem? O que quer o homem negro?”. É
preciso que o oprimido se reconheça enquanto parte importante da totalidade humana,
pois só a partir disso é que ele pode descolonizar-se, olhando o mundo a partir do ponto
de vista próprio e não do ponto de vista do colonizador. Senão estará condenado a viver
do passado negativo e inculcando a cultura do colonizador.
Porém, olhando por outro lado, é importante destacar também o papel dos
movimentos negros e de grupos de identidade étnico e racial nas suas lutas diárias em
prol das políticas de ações afirmativas que trabalham em prol da autoestima e no resgate
da identidade étnica, um mecanismo capaz de reproduzir maior dinamismo no tipo e
maior variação dos produtos locais e de valorização da própria força de trabalho nos
tempos da globalização. Mas também caberia pensar o quanto saber ou poder usar essa
linguagem do outro, do europeu e saber mover-se e usar as ferramentas do dominador,
poderia ser também lido como uma importante forma de resistência e de luta dos
oprimidos, um modo sutil de resistir e “usar as armas dos mais fracos” parafraseando o
James Scott (em sua famosa obra Weapons of the Week de 1985) de saber impor sua
cultura e valores, em linguagem que possa ir além do local, e atingir o global.
desigual, recusando-se a aceitar aquilo que Eduardo Galeano (19799) afirma que não
há nenhuma riqueza que seja inocente da pobreza dos outros, que todo processo de
acumulação é também um fenômeno de excluir.
Dito de outra maneira, toda riqueza é o resultado do sofrimento de outro, seja ela
fruto de decadências, de exploração física, psicológica, colonial, pós-colonial e
neocolonial e/ou da própria globalização. Sendo que neste último caso (o da
globalização), além de silencioso, opera de forma cruel pela coexistência de diversas
categorias acima apontadas no bojo do capitalismo contemporâneo no qual se insere o
nosso objeto de estudo, onde a exploração se dá essencialmente através de mecanismos
que reforçam os novos perfis de consumidores. Daí, não importa a região, o que
interessa ao funcionamento da chamada globalização contemporânea é explorar a crise
dos outros, mesmo recusando-se de falar sobre ela e principalmente banalizando as suas
necessidades e/ou dependências aos dos ditos países centrais. É pelo motivo dessas
polarizações ideológico-socioeconômicas que Milton Santos (2000) atribui a essa
globalização do capitalismo suas características bipolares em: “os de lado de cá”, isto é,
as ditas economias centrais, e “os do lado de lá” - as economias ditas periféricas, que
oferecem amplas isenções de impostos, tolerâncias, leis ambientais frágeis, entre outras
facilidades.
Na outra extremidade há os países de economias mais fortes e tradicionalmente
industrializados que nas últimas décadas passaram a deslocar as suas empresas para os
países “periféricos”. Aqui, trata-se de uma dinâmica conhecida como um processo de
aprofundamento internacional da integração econômica, social, cultural e política,
ocasionando diversas formas de exclusão social, desemprego e o globalismo, e lutas
simbólicas intermediada pelo consumo. É a despeito disso que Milton Santos (2000) nos
adverte sobre o perigo e competitividade fundados na mesma ideologia capitalista, e que
segundo ele, é porque o consumo “[...] além de ser um veículo de narcisismo, por meio
dos seus estímulos estéticos, morais, sociais; ele aparece como o grande
fundamentalismo do nosso tempo, porque alcança e envolve toda a gente” (SANTOS,
2000, p.49). Por isso, Milton Santos (2000) destaca também a sua perversidade quando
diz que a globalização em todas as suas fases tem sido cruel. A começar pela primeira
fase, na qual os africanos foram abandonados à própria sorte, uma globalização
“clássica” do colonialismo que se caracterizara pela ocupação territorial. Já a segunda
fase da globalização que começou no fim do século XX, fora marcada pela
189
Esse mundo imaginário, frustrante e paradoxal, refutado por Milton Santos (2000),
o qual salienta que nela as ações humanas são tomadas pela padronização cultural, onde
190
as pessoas são atraídas pelas mesmas coisas, mesmos costumes, mesmos hábitos, novas
atitudes, novos valores, que juntos são movidos numa intensa velocidade, o que não
significa redistribuição, ao contrário trata-se de uma velocidade que sobrevive das
desigualdades sem precedentes na história da humanidade. Santos ainda sugere que, se
de fato quisermos sair dessa percepção da crença enganosa do mundo e os seus
contrastes no interior da globalização, será preciso considerarmos a existência de “três
mundos num só”, quais sejam (SANTOS, 2000, p.17):
75
Conjugação de grandes medidas - que se compõe de dez regras básicas - formulado em novembro de
1989 por economistas de instituições financeiras situadas em Washington D.C., como o FMI, o Banco
Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, fundamentadas num texto do economista
John Williamson, do International Institute for Economy, e que se tornou a política oficial do Fundo
Monetário Internacional em 1990, quando passou a ser "receitado" para promover o "ajustamento
macroeconômico" dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades. O FMI passou a
recomendar a implementação dessas medidas nos países emergentes, durante a década de 1990, como
meios para acelerar seu desenvolvimento econômico. Implementando as Dez Regras: Disciplina fiscal;
Redução dos gastos públicos; Reforma tributária; Juros de mercado; Câmbio de mercado; Abertura
comercial; Investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições; Privatização das estatais;
Desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas); Direito à propriedade intelectual.
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Consenso_de_Washington. Acesso em 2 de dezembro de
2017.
192
6. Considerações Finais
Nesta tese foram analisados diversos aspetos relativos ao nosso objeto de estudo.
Pois desde as dimensões locais à global buscou-se construir os elementos decorrentes da
velha informalidade e da nova informalidade, isto é, desde as chamadas modalidades
informais predominantes nas economias africanas aos efeitos das flexibilizações das
formas do trabalho nos países mais industrializados ou “desenvolvidos. No Primeiro
capitulo conclui-se que o comércio do Brás e os demais mercados populares se
constituem como espaços característicos de circuitos inferiores onde se sobressaem as
atividades de sacoleiras e os demais agentes sociais que foram analisados nesta tese. No
segundo capítulo, abordamos questões como os da instauração de elementos da
“colonialidade do poder” ocidental nas estruturas sociais de países africanos tanto no
caso de Angola quanto no da Guiné-Bissau, o que impediu essas duas sociedades de
construir em curto prazo o tipo de “transformação estrutural” requerido pelas suas
economias por intermédio de processos de aumento da industrialização de suas formas
produtivas, comprometendo por isso não apenas a sua emancipação econômica, como
também a política e cultural, que tem obrigado uma parcela expressiva da sua população
a engrossar cada vez mais o setor terciário.
No terceiro capítulo, sobre a problemática da informalidade e as principais
polêmicas deste conceito e sua evolução, concluímos ser a informalidade um processo
arbitrário, inacabado e baseada em critérios estruturalistas e ocidentais, o que tem
impedido de construir uma visão do campo, de modo a incluir uma pluralidade mais
enriquecedora dos fenômenos heterogêneos dessas manifestações das formas de
trabalho, a semelhança das modalidades que foram trazidas e iluminadas em toda esta
tese com o estudo de caso de sacoleiras africanas, que podem ajudar a romper e
contribuir com este campo de estudos, e que não pode mais ser visto desde concepções
mais antiquadas de informalidade praticada antes da economia de mercado. Ao observar
e analisar o caso das sacoleiras africanas como uma modalidade nova e particular de
trabalho informal, o qual buscamos examinar simultaneamente, tanto desde uma
perspectiva de análise mais macro sociológica –, pela posição na estrutura de classes
ocupada por esta atividade num mercado mundial de circulação e produção de
194
mercadorias comandado pelo capitalismo globalizado atual – como desde uma outra
perspectiva de análise mais micro sociológica e antropológica – e que visou buscar
compreender quem são e como operam, quais seus principais significados e efeitos e
como podem se ver e são vistas estas sacoleiras em diferentes momentos de seus
trajetos pelo mundo e em diferentes contextos pelos que elas transitam (países africanos,
Brasil, outros mercados, ou o mercado mundial) – esta tese buscou demonstrar que
mesmo quando em contextos africanos e de seus países de origem elas passam a ser
elementos de classes médias, mais altas e beneficiadas, pelo empreendedorismo de suas
atividades que, por outro lado, isso não as exime de processos de precarização, aumento
de desemprego e outras pressões criadas pelo capitalismo contemporâneo, e que
também, por isso, fazem o trabalho e podemos afirmar estarem também ao serviço do
capital, expostas no entanto à superexploração que diversas formas de reestruturação
produtiva e flexibilização do trabalho tem produzido em todo o mundo, inclusive nas
empresas de grande porte comumente instaladas onde o custo (da contratação) da força
de trabalho é menor, a exemplo do sudoeste asiático, entre outras. No quarto capítulo
foram apontados os principais elementos da resiliência e do empoderamento das
mulheres inseridas nessa modalidade de trabalho, e que mesmo não contando com as
devidas atenções dos seus Estados-Nação no que refere à falta de garantia ou leis que
lhes ofereçam proteção social, ou outro tipo de amparos materiais, e por isso, que
trabalham em situações de bastante precarização, elas por sua vez também são capazes
de traçar as mais diversas estratégias e tipos de agências e redes importantes para a
reprodução social das suas vidas e comunidades de origem. No quinto capítulo, e ao
que volto de modo diferente depois de todo o percurso feito, é onde inicio a construção
de nossas principais conclusões ou posicionamentos sobre este estudo de Caso. Nele
concluímos que existem duas faces e tipos de globalizações distintas, o de baixo (o dos
circuitos inferiores da globalização), e a de cima, sendo que o de baixo é aquele mais
explorado por pessoas com menores recursos financeiros na busca de consumo de bens
não duráveis, que cria outros circuitos e trajetos diferentes aos de uma globalização de
cima, e sem o qual muitas dessas mercadorias não estariam disponíveis e poderiam
chegar para camadas mais vulneráveis de qualquer sociedade. Nesse sentido, o papel
importante desempenhado pelas sacoleiras como as analisadas nesta tese é o de
propiciar e ajudar a acelerar em dinâmicas tanto nacional quanto global, interligando
195
Mas o que lhes tornam singulares, comparado aos outros grupos de sacoleiras, de
certas regiões do nordeste brasileiro, por exemplo, como aquelas que vão ao Paraná, ou
das demais revendedoras vindas do Paraguai para o Brasil, é o de suas características
particulares étnico-históricos e culturais, o seu possivelmente maior know how milenar
no mundo comercial e a maior extensão e investimentos que exige participar de
circuitos de compra-venda como os que elas escolhem. Pois, enquanto algumas
sacoleiras brasileiras atuam na rota regional entre Paraguai-Brasil, as bideras e
quitandeiras se limitam aos espaços nacionais, enquanto as sacoleiras (sujeitos deste
nosso estudo) se configuraram neste âmbito de atividades como as de um novo tipo e
espécie de “sacoleiras globais”, porque exploram diversos continentes, destacadamente
o mercado brasileiro (continente sul-americano) e o sudoeste asiático para abastecer o
nicho de mercado em terras africanas.
Concluímos, por tudo isso, com um novo chamado neste campo de estudos ao do
“reencantamento” de uma manifestação do trabalho peculiar predominante no contexto
desses países analisados, que não se submetem puramente às ordens do mercado e nem
tampouco a de servir como marionete do capitalismo, como muitos estudos de teor
apenas economicista e de um marxismo mais ortodoxo, ou apenas voltados para a
análise do tema do aumento da precarização pela expansão da globalização poderiam
estar tentados a interpretar, impedindo ver outros aspectos, que acreditamos se encontrar
em nosso estudo, o qual com todas suas limitações e acertos, tentou iluminar a
discussão citada. O que ficou claramente evidenciado nesse cenário econômico em que
atuam e se movem as sacoleiras que fazem parte de nossa pesquisa, e que, embora o
vigor do capitalismo se faz presente em muitas sociedades, e não foi diferente nos
países de origem de onde cada uma das sacoleiras proveem, ele (o capitalismo) não
consegue apagar em absoluto o modo como o fenômeno se desenvolve localmente, e é
por isso que trazer os elementos próprios do contexto africano nos capítulos iniciais foi
tão importante, além de ser um modo de criar novas conexões que me permitem
compreender muito melhor esse fenômeno social e identificar algumas de suas
particularidades e singularidades, que foi principalmente na direção que visamos poder
nos enveredar nesta pesquisa. Nada disto teria sido possível sem termos lançado mão de
metodologia e técnicas de teor mais etnográfico que foram em grande medida a partir
das quais logrei realizar todo este trajeto e chegar ao tipo de dados e conclusões que
foram sendo apresentadas ao longo da tese. Tampouco teria sido possível o fazer desta
197
pesquisa se não tivesse partido deste estudo de caso e do que lhe é mais singular e
especifico –, que foi melhor iluminado com o apoio da revisão da literatura feita. Este
estudo de caso permite-nos visibilizar mais vividamente desde as vidas e percepções
destas sacoleiras e compreender muito melhor um fenômeno que também é muito mais
geral da globalização, mas que se opera de um modo particularmente diferenciado neste
caso e contextos analisados, ao que não teríamos chegado se não fosse o fato de
levarmos seriamente em conta a perspectiva e lugar de fala destas mulheres. Bem como,
tambémconsiste nisso, a originalidade e importância desta tese. E mais que isso, como
já dito, só pode ser percebido e iluminado desde as narrativas, desde as experiências e
pontos de vista de pessoas de carne e osso. É isso que tentamos trazer nesta tese ao
buscar dar-lhes voz (por meio das sacoleiras), invisibililizadas no processo produtivo e
na sociedade.
Ao se analisar este caso desde a perspectiva das sacoleiras, (enquanto lugar da
fala), nota-se que a função que lhes incumbe, é voltada a outras hipóteses e aspectos da
vida delas que aparecem e se evidenciam, e que não pareceriam estar fundamentalmente
voltados para o seu interesse em realimentar a circulação do capital – ainda que esta
ocorra independentemente de suas vontades -– muito pelo contrário, e para além de
muito disso, as sacoleiras mostraram continuar imprimindo neste modo novo e
moderno de atuar, velhas tradições e modos de ser do trabalho que nos remontam a toda
essa velha tradição dos mercados africanos no comércio retalhista expressado na
economia contemporânea como estratégias de sobrevivência de mulheres que agora
passam a se expandir para os mercados internacionais. Aspectos que nesta tese apenas
foram situados e mencionados, mas que mereceriam vir a ser melhor aprofundados em
estudos futuros.
. Por tudo isso, observou-se neste estudo uma espécie de proto76-empreendedoras
autônomas, que se constitui como um fenômeno que vem ganhando maior notoriedade
através de práticas antigas (velhas) do trabalho em novas estruturas do mercado nos
tempos da globalização, mobilizada por pessoas de diversas nacionalidades com
propósitos centralmente socioeconômicos. Nesta direção, o que as turistas compradoras
africanas, denominadas de “sacoleiras” estão apresentando é a peculiaridade da
persistência e revitalização dessa prática antiga de trabalho que permanece até os dias
76
Exprime a ideia de primeiro, anterior.
198
atuais e adota agora novos contornos. E, a partir da realidade desses dois países
africanos estudados, concluímos que as experiências de trabalho empreendida pelas
sacoleiras se constitui a partir de uma lógica de informalidade histórica, que se perpetua
há milhares de anos e é compartilhada entre muitas sociedades africanas, pois
analisando os resquícios das atividades tradicionais, por exemplo, como é o caso dos
chamados lumos, na África ocidental, fica mais evidente que a questão de
informalidade no imaginário social das sacoleiras e dos consumidores finais não é falta
de profissionalismo ou desorganização, mas sim, trata-se muito mais de uma
manifestação cultural concebida e compartilhada pelos membros dessa totalidade como
um novo “tradicional organizado”. Por isso, quando se fala de (in)formalidade, é
importante saber, afinal, desde qual tipo de informalidade se trata e desde onde o
estamos fazendo. Porque a classificação depende dos locais e das sociedades na qual os
eventos ocorrem, isto é, de acordo com seus níveis de tolerâncias ou não. Visto que em
muitas sociedades em desenvolvimento uma parcela considerável de pessoas dependem
das atividades antigas para sobreviver e/ou ascender socialmente, e levando em conta
que nem todas as sacoleiras sejam oriundas da mesma classe social, algumas mais
“privilegiadas” e outras nem tanto, ou menos, todas elas podem e devem ser
identificadas como uma “nova classe de trabalhadoras” cujo oficio se constitui como
uma modalidade digna de reconhecimento, resiliência e passível de criar em torno dela
maiores estratégias de empoderamento (das mulheres que as praticam e comunidades
que delas se beneficiam). Não obstante, o termo “sacoleira” socialmente desaparece
quando elas regressam ao lugar de partida, seja em Angola ou na Guiné-Bissau, elas são
donas de lojas, ou microempresárias, menos sacoleira.
Acredito por isso tudo que, esta tese esclareceu alguns dos atuais dilemas sobre
estudos da informalidade no âmbito laboral concebido na maioria das vezes como
alternativas ao desemprego, quando na realidade é preciso considerar que muitas das
pessoas podem ter também suas próprias preferências e escolhas, e nem todas as
alternativas podem ser influenciadas pelo fator desemprego. No caso das sujeitas
(sacoleiras) aqui trazidas, diversos foram os relatos que mostram que a busca pela
qualidade de vida e equilíbrio da vida pessoal é também um critério relevante, levado
em conta por elas, por optarem em não querer aderir ao assalariamento, entendido por
algumas das nossas entrevistadas como uma forma de “alienação do trabalho”.
199
.
202
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SAYAD, Abdelmalek. A Imigração ou os Paradoxos da Alteridade. São Paulo:
Edusp, 1998.
Sites consultados
UNCTAD. Quem se beneficia com a liberalização do comércio em Angola? Uma
perspectiva de gênero. Publicação das Nações Unidas, 2013. Disponível em:
<http://unctad.org/meetings/en/SessionalDocuments/ditc_gender_2013d01_pt.pdf.
Acesso em: 22 mai.2016.
UNECA. Perspectivas Econômicas em África. Países Africanos da CPLP 2014.
Disponível em:http://www.ppa.pt/wp-
content/uploads/2014/08/Edition_Lusophone_web.pdf. Acesso em: 22 jun.2016.
212
ANEXOS
213
Entrevistada: ____________________________
1 - Gênero/sexo:
a) Feminino ( )
b) Masculino ( )
c) Outro ( )
d) Escolaridade: __________________________________________
a) Angolana ( )
b) Guineense ( )
c) Outro ( )
4 - Por que escolheu esta (s) cidade (s) para realizar suas compras
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
___________________________,
5 - Assinale com (x) os três principais motivos que te levaram a ser empreendedora
autônoma, e por quais motivos:
a) Estás desempregada?
Sim ( ); Não ( )
b) Tem carteira de trabalho assinada? Sim ( ); Não ( )
c) Se está empregada, por que decidiu exercer esta atividade de autônoma? Favor
descrever:______________________________________________________________
______________________________________________________________________
________.
d) Houve algum evento “crítico” que te motivou a iniciar o negócio? (demissão,
aposentadoria, desemprego, outro?)
Sim ( ); Não ( )
Favor descrever:
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
___________________________________________________________________.
a) Permanecer no segmento?
Sim ( )
Não ( )
b) Por que?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
_____________________________________________________________________ .
Sim ( )
Não ( )
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
________________________________________.
d) Se conseguir emprego formal está difícil para muitos, o que você acha que o estado
ou governo do seu país deveria implementar para ajudar ou melhorar a vida das pessoas
ou mesmo na sua atividade como autônoma?
Resp:__________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
_____________________________________________________________________.
e) Onde são vendidos os seus produtos? Em sua residência? Na rua? Nos boxes das
feiras, nas lojas, mercados ou Shoppings centers? Por quê? Favor descrever:
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
__________________________________________________________.
f) Caso a resposta for a primeira ou a segunda (espaço residencial ou a rua), quais
as vantagens que esses espaços te dão que outros espaços não dão?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Sim ( ). Justifique___________________________________.
Não ( ). Justifique___________________________________.
Quantas pessoas residem em sua casa?
__________________________________________________________..
11 - A freguesia:
a) Quais produtos a sua clientela mais procura?
Favor descrever os produtos (utensílios):
_____________________________________________________________________.
12 - Agentes de Hotéis:
a) Tratando-se de mulheres ou homens africanos que se hospedam no hotel, quais
são as nacionalidades estrangeiras que mais frequentam este hotel?
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
_______________________________________________________________.
b) Quais são os valores das diárias dos quartos?
________________________________________________________________
________________________________________________________________
_______________________________________________________________
c) Poderia descrever o comportamento desses hóspedes?
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
_______________________________________________________________.
13 - Guia turístico/comercial:
a) Você reside em São Paulo? Sim ( ); Não ( ).
b) Você poderia me dizer qual é a sua ocupação profissional?
Você atua no auxílio a mulheres que vem comprar produtos aqui no Brás (zona leste
e/ou centro de São Paulo) para enviar aos países africanos? Sim ( ) ; Não ( )
c) Caso a resposta seja sim, você poderia descrever qual é a sua função direta e
como a exerce nesse negócio com as mulheres que vão às lojas?
Resp:___________________________________________________________
_______________________________________________________.
d) Você poderia afirmar se recebe algum valor por este trabalho?
218
Sim ( )
Não ( )
Caso a resposta assinalada seja Sim, poderia me dizer qual é o valor?
Resp:__________________________________________________________.
219