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TEXTO COMPLEMENTAR: Os planetas descrevem órbitas elípticas.

FILOSOFIA

Professor: Dr. José Francisco dos Santos


Os planetas descrevem órbitas elípticas.

Se você matou essa aula de Física, não se preocupe. Não é exatamente


sobre a órbita dos planetas que pretendo escrever. Chamo a atenção para a
forma equivocada com que, muitas vezes, gastamos nossa energia tentando
aprender alguma coisa. Lembro-me de tomar conhecimento da primeira lei de
Kepler (essa do título: “os planetas descrevem órbitas elípticas, das quais o sol
ocupa um dos focos”) quando estava na oitava série, e não foi durante as aulas.
Na verdade, eu decorei a lei, ouvindo meus colegas do 2º grau (naquela época
ainda era 2º grau!) estudarem para a prova. Eles repetiam intermitentemente a
frase, para poderem decorá-la. No ano seguinte, quando finalmente estudei a
matéria, foi moleza, pois já havia decorado a lei um ano antes. O fato é que eu
só fui saber o que era uma elipse dois anos depois, na matemática do 3º ano.
Mas como eu poderia saber que os planetas descrevem órbitas elípticas se eu
não sabia o que era uma elipse? O que aprendi, afinal? O fato é que tirei dez
numa prova sobre um assunto que eu absolutamente não compreendia. Quando
finalmente compreendi (bastante tempo depois), me dei conta de que, apesar de
a aparência de coisa difícil, a ideia é bastante simples. Os planetas não giram ao
redor do sol descrevendo um círculo perfeito, como se pensava até Kepler. Na
verdade, a órbita é bem mais oval, formando a figura que em geometria
chamamos de elipse. O sol nunca está exatamente no meio, mas sempre numa
das “pontas” da elipse, por isso ele “ocupa um dos focos”. Bastava um desenho
tosco no quadro e tudo ficaria muito claro, mas não foi o que aconteceu: a única
exigência para a prova era que se decorasse a tal lei. Se manda quem pode e
obedece quem tem juízo, o melhor é decorar. Mas se o aluno conseguir fazer
uma colinha e deixar embaixo da manga da camisa, o resultado é o mesmo:
após a prova ele vai continuar não sabendo o que significa o tal assunto. Se o
tempo que passamos na escola é para coisas desse tipo, então estamos muito
mal. Esse tipo de “decoreba” de leis e regras, que não fazem sentido para quem
“aprende” é totalmente inútil. Se eu fosse ensinar a tal lei hoje, iria explicar a
diferença geométrica entre uma elipse e um círculo, dizer por que os fenômenos
se explicam melhor com a teoria da elipse. Desenharia os dois modelos no
quadro, ou mostraria uma imagem melhor da internet. E, é claro, a pergunta da
prova jamais seria a óbvia “qual é a primeira lei de Kepler?” Para responder a
essa pergunta, basta decorar ou colar o enunciado da lei. Eu pediria para que o
aluno explicasse, num texto de 10 a 15 linhas, por que Kepler precisou propor
um novo modelo para a órbita dos planetas, e como era esse modelo. Para
respondê-la seria preciso saber a lei, é claro, mas raciocinar mais um bocado
para entender suas consequências. Se fosse colar, daria um trabalho maior do
que acompanhar a explicação e realmente entender. É assim que funciona nossa
inteligência. Desenvolvê-la é enfrentar situações que exijam e permitam resolver
problemas, discutir, fazer aplicações, mesmo que sejam em meros exercícios
hipotéticos. A memória será uma auxiliar valiosa nessa tarefa, mas memorizar
não significa aprender. E isso se aplica a qualquer coisa que possa ser objeto de
ensino e aprendizagem. Aliás, aproveito para desfazer um equívoco sobre o
verbo “decorar”, que utilizamos significando “memorizar”. Em latim, “cor” é o
nominativo para coração. Saber algo “de cor” não é, então, saber de cabeça,
mas de coração. Decoramos realmente aquilo que não só aprendemos, mas, de
algum modo, estimamos, amamos. Se os educadores se ligarem mais nessa
verdade, o tempo que passamos na escola será bem mais proveitoso.
(SANTOS, José Francisco dos. Para refletir: artigos para reflexão e discussão
em filosofia, ética e temas transversais. Jundiaí/SP: Paco Editorial, 2013, p. 49.)

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