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O Espírito Santo é Deus 1

“A graça do Espírito é verdadeira-


mente necessária para tratar do Espírito
Santo; não a fim de que possamos falar
dele como corresponde – porque isso é
impossível – senão para que possamos
atravessar este tema sem perigo, dizen-
do o que está contido nas divinas Escri-
2
turas” – Cirilo de Jerusalém, (c. 315-386).

Introdução:

A Pessoa e obra do Espírito Santo têm sido esquecidas! Talvez os últimos cem
anos tenham sido um dos períodos mais omissos quanto ao Espírito Santo. Parado-
xalmente, quando consultamos os catálogos de livros evangélicos, “navegamos” na
3
“internet” ou adentramos em livrarias de material evangélico, nos surpreendemos
com a quantidade de livros, opúsculos, sermões, apostilas, cursos, fitas de vídeo,
“K7”, “CDs”, “DVDs” e outros meios semelhantes, sobre o Espírito. De fato, reafirmo,
o Espírito tem sido esquecido!

O Espírito tem sido esquecido porque os discursos modernos sobre Ele, parecem
não ser “elaborados” no Espírito, em submissão ao Espírito. Parece-me que a tenta-
ção humana é de ir “além” do que o Espírito vai; e, portanto, além do que requereu
de nós. Curiosamente, estas tentativas, são permeadas por um discurso “libertador”
do Espírito. No entanto, todas as vezes que tratamos do Espírito alheado do Seu
próprio desejo – conforme registrado nas Escrituras –, nos esquecemos do Espírito;
Ele passa a ser o tema de nossas cogitações, não da Sua revelação. Temos nos es-
quecido do Espírito!

O ministério do Espírito só pode ser compreendido e avaliado de modo correto


dentro da perspectiva cristocêntrica; um enfoque sem esta consideração consiste
num esquecimento do Espírito por maior que seja o nosso desejo de “reabilitá-lo” à
igreja. Quando a igreja compreende adequadamente Quem é Cristo e o Seu ministé-

1
Estudo ministrado na Escola Dominical da Igreja Presbiteriana em São Bernardo do Campo, SP., no
dia 19 de julho de 2009.
2
The Catechetical Lectures, XVI.1. In: P. Schaff & H. Wace, eds. Nicene and Post-Nicene Fathers of
the Christian Church, (Second Series), Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1978, Vol. VII, p. 115.
3
Esta é também uma preocupação do movimento carismático dentro da Igreja Católica. Vd. Hermann
Brandt, O Risco do Espírito: Um Estudo Pneumatológico, São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1977, p. 7-8.
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rio, ela honra o Espírito, porque este conhecimento só pode ser alcançado por obra
de Deus (Mt 11.27; 16.17) e, é o Espírito de Deus Quem nos conduz à verdadeira
compreensão de Cristo. A confissão do Cristo por parte da Igreja, é, de certa forma,
a glória do Espírito (Jo 14.26; 15.26; 16.13-15/1Co 12.3). Bruner, analisando a atitu-
de de Paulo em relação a alguns discípulos em Éfeso que nada sabiam sobre o Es-
pírito Santo (At 19.1-7), mostra que o apóstolo passou-lhes a ensinar sobre o batis-
mo de Jesus (At 19.4). Conclui: “Este fato é relevante. O remédio para aqueles
que sabem pouco ou nada acerca do Espírito Santo não é instrução especi-
al sobre Ele, nem o conhecimento sobre o acesso ao Espírito, nem uma nova
coleção de condições, um novo regime de esvaziamento, de obediências
adicionais, de dedicação mais profunda, ou de orações ardentes, mas, pelo
contrário, simplesmente o grande fato: o evangelho da fé no Senhor Jesus
4
Cristo e o batismo em Seu nome”. Lloyd-Jones (1899-1981) faz um comentário
pertinente: “Ao meu ver, esta é uma das coisas mais espantosas e extraordi-
nárias acerca da doutrina bíblica sobre o Espírito Santo. Ele parece esquivar-
5
se e ocultar-se. Ele está sempre, por assim dizer, focalizando o Filho....”.

O Espírito – como Deus que é –, deve ser estudado dentro da perspectiva da


Sua Palavra, em harmonia com os Seus propósitos. Qualquer esforço que ultrapas-
se ou diminua isso, significa esquecer o Espírito, alhear-se da Sua vontade.

Lembremo-nos do Espírito, considerando-O tão-somente a partir da Sua revela-


ção, dentro do dimensionamento dado por Ele mesmo a respeito de Si. O limite do
nosso conhecimento está configurado nos parâmetros da revelação; tentar ultrapas-
6
sá-los, além de infrutífero, é loucura (Dt 29.29).

Quando Cristo é compreendido dentro da dimensão do revelado, isto significa que


o Espírito tem sido considerado, porque o Seu testemunho foi aceito: “Quando, po-
rém, vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade,
que dele procede, esse dará testemunho de mim”, disse Jesus Cristo. (Jo 15.26).

No entanto, a observação de Kuyper feita em 1888, permanece como um alerta


para todos nós:

4
Frederick D. Bruner, Teologia do Espírito Santo, São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 160.
5
D. Martyn Lloyd-Jones, Deus o Espírito Santo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas,
1998, p. 31. À frente: “Ele não ensina acerca de Si mesmo, nem chama a atenção para Si
mesmo, nem glorifica a Si mesmo. Ele está o tempo todo chamando a atenção para o Se-
nhor, e essa é a característica de toda a obra do Espírito Santo” (D. Martyn Lloyd-Jones, Deus
o Espírito Santo, p. 61).
6
Tenho aqui em mente, as oportunas observações de Calvino: "As cousas que o Senhor deixou re-
cônditas em secreto não perscrutemos, as que pôs a descoberto não negligenciemos, para
que não sejamos condenados ou de excessiva curiosidade, de uma parte, ou de ingratidão,
de outra" (As Institutas, III.21.4). “Tudo o mais que pesa sobre nós e que devemos buscar é
nada sabermos senão o que o Senhor quis revelar à Sua igreja. Eis o limite de nosso conhe-
cimento” [João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, São Paulo: Edições Parácletos, 1995 (2Co 12.4),
p. 242-243]. “....Que esta seja a nossa regra sacra: não procurar saber nada mais senão o
que a Escritura nos ensina. Onde o Senhor fecha seus próprios lábios, que nós igualmente
impeçamos nossas mentes de avançar sequer um passo a mais” [J. Calvino, Exposição de Ro-
manos, São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 9.14), p. 330].
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“Ainda que honremos o Pai e acreditemos no Filho, vivemos muito pou-


co no Espírito Santo! Parece-nos algumas vezes até que somente para a
nossa santificação o Espírito Santo é acrescentado acidentalmente à
grande obra redentiva.
“Esta é a razão porque as nossas mentes se ocupam tão pouco com o
Espírito Santo; porque no ministério da Palavra Ele é pouco honrado; por-
que o povo de Deus, quando se curva suplicante diante do Trono da
Graça, faz Dele tão pouco o objeto de sua adoração. Sente-se involunta-
riamente que Ele recebe uma porção muito exígua de nossa piedade,
7
que já é bastante pequena”.

Nas páginas do Novo Testamento encontramos uma gama maior de referências


ao Espírito Santo, as quais revelam mais detalhadamente a Sua Pessoa e Obra, ao
mesmo tempo em que lançam luz sobre diversos textos do Antigo Testamento.

1. O Espírito Santo no Antigo Testamento:

O Antigo Testamento emprega a palavra (ahUr) (rüah), para “espírito”, sendo tra-
duzida por “vento”, “espírito”, “alento”, “hálito”, “sopro”, etc. A idéia básica é de “ar
8
em movimento” (Gn 2.7; Ex 10.13,19; 14.21; Dt 32.11; Jó 1.19; Is 7.2). Entretanto,
“não é tanto o movimento por si que desperta a atenção, mas, sim, a ener-
9
gia que semelhante movimento manifesta”. “Não expressa imaterialidade,
10
mas a energia da vida em Deus”, resume Vos. Fazendo eco a Vos, Ferguson
enfatiza: “O que está em vista é energia em vez de imaterialidade. (...) A ên-
11
fase é posta, antes, em sua esmagadora energia”. (Is 25.4; 40.7; 59.19; Hc

7
Abraham Kuyper, The Work of the Holy Spirit, Chaattanooga: AMG. Publishers, 1995, p. XV-XVI.
8
J. Barton Payne, hUr: In: R. Laird Harris, ed., Theological Wordbook of the Old Testament, 2ª ed.
Chicago: Moody Press, 1981. Vol. 2, p. 836a.
9
E. Kamlah, et. al., Espírito: In: Colin Brown, ed. ger. Teologia do Novo Testamento,O Novo Dicioná-
rio Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, Vol. II, p.124
(Doravante citado como NDITNT). “O pensamento implícito em rûah é que a ‘respiração’, com
o movimento do ar que ela acarreta, é a expressão externa da força vital inerente em todo
o comportamento humano” (Idem, Ibidem, II, p. 124). Por outro lado, recorrendo à figura do vento,
podemos dizer que: “.... Os hebreus conheciam muito bem o poder do vento. Uma tempesta-
de de areia no deserto é uma potência que pode destruir até homens. Tremendo poder!
Quando falam do Espírito de Deus estão pensando no poder de Deus, Seu alento, aquilo
que se emite Dele e que sai ao mundo para cumprir Seus propósitos. Na realidade este é o
conceito do Espírito no Antigo Testamento, o poder de Deus que sai ao mundo para realizar
algum propósito determinado que Deus tem” (Hoke Smith, Teologia Biblica dEl Espiritu Santo,
Buenos Aires: Casa Bautista de Publicaciones, 1976, p. 14-15). Vd. também, A.B. Davidson, The
Theology of the Old Testament, Edinburgh: T. & T. Clark, 1904, p. 193; A.B. Crabtree, Teologia do An-
tigo Testamento, 2ª ed. Rio de Janeiro: JUERP., 1977, p. 65-66; Sinclair B. Ferguson, O Espírito San-
to, São Paulo: Editora Os Puritanos, 2000, p. 16-19; Alister E. McGrath, Teologia Sistemática, históri-
ca e filosófica: uma introdução à teologia cristã, São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 362.
10
Geerhardus Vos, Biblical Theology: Old and New Testaments, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans,
1985 (Reprinted), p. 238.
11
Sinclair B. Ferguson, O Espírito Santo, p. 17,18.
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1.11). Payne e Ferguson chamam-nos a atenção para o episódio da rainha de Sabá


que, maravilhada com a sabedoria prática de Salomão, “não tinha mais rüah” (1Rs
12 13
10.5); ou seja: ficou com a “respiração suspensa”. Quando ahUr é empregado pa-
14
ra Deus, denota o Seu poder incorruptível e preservador. Portanto, a idéia de ven-
to aponta para o poder soberano de Deus que se manifesta algumas vezes como ju-
15
iz, outras vezes como consolador e, também, que se movimenta livremente, figu-
radamente, como uma tempestade, um tufão incontrolável, daí a impossibilidade de
prender, domesticar ou dominar o Espírito de Deus.
16
Das 389 ocorrências do substantivo no Antigo Testamento, 136 se referem ao
Espírito, O qual é chamado de “Espírito de Deus” (Gn 1.2) e, principalmente, “Espíri-
17
to do Senhor” (hawhy) (Cf. Jz 6.34; 1Sm 16.13; Is 11.2). Estas designações não su-
gerem nenhum tipo de subordinação, antes são apenas nomes que expressam o
18
Deus que executa o Seu querer; são portanto, nomes “executivos” de Deus.

Algumas vezes também, ahUr indica os maus espíritos enviados da parte de Deus
(Jz 9.23; 1Sm 16.14-16,23; 18.10; 19.9; 1Rs 22.21-23/Jó 1.6-12; Is 19.14; 29.10) e
aos anjos (1Rs 19.11,12/Sl 104.4; Ez 1.12,20).

ahUr em diversos textos refere-se ao “espírito humano”, sempre evidenciando a


19
sua dependência de Deus, visto ser o Espírito de Deus o poder vitalizador e gera-

12
ARA: “ficou como fora de si”; BJ e ACR: “ficou fora de si”; ARC (1911): “não houve mais espírito ne-
la”.
13
J. Barton Payne, ahUr: In: R. Laird Harris, ed. Theological Wordbook of the Old Testament, Vol. 2, p.
836; Sinclair B. Ferguson, O Espírito Santo, p. 17.
14
F. Baumgärtel, Pneu=ma: In: G. Friedrich & G. Kittel, eds. Theological Dictionary of the New Testa-
ment, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982, Vol. VI, p. 364. (Doravante citado como TDNT).
15
Ver: Alister E. McGrath, Teologia Sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cris-
tã, São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 362.
16
378 vezes em hebraico e 11 em aramaico (Cf. Hans W. Wolff, Antropologia do Antigo Testamento,
2ª ed. São Paulo: Loyola, 1983, p. 51). Vejam-se também: J. Barton Payne, hUr: In: R. Laird Harris,
ed. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1407
e Wilf Hildebrandt, Teologia do Espírito de Deus no Antigo Testamento, São Paulo: Editora Academia
Cristã, 2004, p. 17.
17
Como sabemos, o tetragrama YHWH é o nome pessoal de Deus, considerado pelos judeus como
o nome por excelência de Deus; ele é usado 5321vezes no Antigo Testamento. “É especialmente
no nome Yhwh que o Senhor se revela como o Deus de Graça” (Herman Bavinck, The Doctrine
of God, 2ª ed., Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1955, p. 103). (Sobre este assunto, vejam-se
mais detalhes em Hermisten M.P. Costa, Eu Creio, no Pai, no Filho e no Espírito Santo, São Paulo:
Edições Parakletos, 2002 e Idem, Os Nomes do Verbo Encarnado, São Paulo: 1988, p. 22-28.
18
Vd. B.B. Warfield, A Doutrina Bíblica da Trindade, Leiria: Edições Vida Nova, (s.d.), p. 165.
19
Wolff acentua que: “A maioria dos textos que tratam da rûach de Deus ou dos homens mos-
tra Deus e o homem em relação dinâmica. O fato de que um homem como rûach é vivo,
quer o bem e age com autorização não vem dele mesmo.” (H.W. Wolff, Antropologia do Anti-
go Testamento, p. 60).
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dor de toda criação (Gn 1.2; 6.3; Jz 3.10; 13.15/14.6; 1Sm 10.6; Jó 26.13; 33.4;
34.14-15; Sl 104.29-30; 146.4; Ec 12.7; Is 40.7), inclusive dos animais (Gn 6.17;
7.15,22; Ec 3.19-21). Considerando a variedade de emprego da palavra, torna-se,
em determinados casos, necessário um exame cuidadoso do contexto no qual o
termo ocorre.

O Antigo Testamento dá mais ênfase à atividade do Espírito do que à Sua nature-


za; no entanto, nem por isso deixa de evidenciar a Sua personalidade e divindade
21 22 23
(Sl 51.11; Is 48.16; 63.10,11; Zc 3.9/Zc 4.6,10; Mq 2.7), bem como a Sua dis-
tinção de Deus (Nm 11.17; Ez 37.9), temas que serão melhor desenvolvidos no No-
vo Testamento. Abrindo um parêntese, podemos usar a figura do eminente teólogo
de Princeton, B.B. Warfield (1851-1921), que, referindo-se à doutrina da Trindade,
disse:

“Podemos comparar o Velho Testamento com um salão ricamente mo-


bilado, mas muito mal iluminado; a introdução de luz nada lhe traz que
nele não estivesse antes; mas apresenta mais, põe em relevo com maior
nitidez muito do que mal se via anteriormente, ou mesmo não tivesse sido
apercebido. O mistério da Trindade não é revelado no Velho Testamento;
mas o mistério da Trindade está subentendido na revelação do Velho Tes-
24
tamento, e aqui e acolá é quase possível vê-lo”.

Do mesmo modo, Ferguson conclui:

“.... a história do Espírito permanece incompleta quando limitada às


páginas do Antigo Testamento. O Evangelho de João torna isso bem claro:
‘pois o Espírito até esse momento não fora dado, porque Jesus não havia
sido ainda glorificado’ (Jo 7.39). Toda a revelação veterotestamentária
25
tem um ‘ainda não’ escrito como a olhar para seu alvo em Cristo”.

Esta constatação serve-nos de alerta para que consideremos a Bíblia como um


26
todo harmonioso e orgânico; toda ela procede de Deus (2Tm 3.16; 2Pe 1.20-21); e

20
Vd. Walther Eichrodt, Teologia Del Antiguo Testamento, Madrid: Ediciones Cristiandad, 1975, Vol. I,
p. 196; Vd. também, Vol. II, p. 56ss; Sinclair B. Ferguson, O Espírito Santo, p. 20-24; Alister E. Mc-
Grath, Teologia Sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã, p. 363.
21
O profeta aqui alude a si mesmo e ao Espírito, indicando a sua inspiração profética (Cf. Is 61.1; Ez
2.2; 11.5; 37.1; Zc 7.12). (Vd. A.R. Crabtree, A Profecia de Isaías, Rio de Janeiro: Casa Publicadora
Batista, 1967, Vol. 1, p. 166; C.F. Keil & F. Delitzsch, Commentary on the Old Testament, Grand Ra-
pids, Michigan: Eerdmans, Vol. VII/2, 1969, p. 252-253).
22
Aqui, Zacarias fala de forma poética do Espírito de Deus como sendo os “sete olhos”. Figura
análoga é empregada em Ap 4.5. (Vd. J. Barton Payne, The Theology of the Older Testament, Grand
Rapids, Michigan: Zondervan, © 1961, p. 174).
23
Um contraste relevante é feito, quando é dito que os ídolos não têm hUr (Jr 10.14; Hc 2.19).
24
B.B. Warfield, A Doutrina Bíblica da Trindade, p. 130-131.
25
Sinclair B. Ferguson, O Espírito Santo, p. 40.
26
Vd. Hermisten M.P. Costa, A Inspiração e Inerrância das Escrituras, São Paulo: Editora Cultura
Cristã, 1998; Idem, A Harmonia dos Evangelhos, São Paulo: 1995, 10p; Idem, Unidade e Coesão das
Escrituras, São Paulo: 1995, 7p.
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também para o fato de que não podemos nos esquecer que, muitos dos textos vete-
rotestamentários ganham um sentido mais eloqüente para nós, justamente por dis-
pormos das “luzes” do Novo Testamento, direcionadas pelo Espírito Santo.

A atividade do Espírito é demonstrada mais amplamente no homem, ainda que


não exclusivamente, visto ser Ele o agente e sustentador da criação (Gn 1.2; Jó 4.9;
27
26.13; 33.4; 34.14,15; Sl 33.6; 104.30; Is 40.7; 42.5). Há em todas as criaturas a
28
sustentação de Deus; nada existe sem a manutenção constante de Deus.

O Antigo Testamento mostra o Espírito como onisciente (Is 40.13), onipresente (Sl
139.7) e onipotente (Is 34.16), evidenciando assim, a impotência e inércia dos ído-
los, visto que estes não têm espírito, não têm vida (Hc 2.19/Jr 10.14). Somente Deus
pode conceder vitalidade, já que a vida pertence a Deus (Ez 37.14/Hc 3.2) (hfyfx)
29
(hãyãh).

Apresentando a questão de forma didática, podemos dizer que o Antigo Testa-


mento descreve Deus por meio do Espírito agindo no homem em três níveis, a sa-
ber:

30
1) NÍVEL FÍSICO E INTELECTUAL:

O Espírito concede ao homem conhecimento e habilidade para tarefas especí-


ficas. Esta concessão, não implica necessariamente, na transformação espiritual,
como bem observou Hodge, “Todas essas operações são independentes das in-
31
fluências santificadoras do Espírito.” Esta presença pode ser tão marcante, que
não passa despercebida, mesmo de um pagão, como no caso de Faraó em relação
32
a José (Gn 40.8/41.16,38,39; Ex 28.3; 31.1-5; 35.30-36.2; Nm 11.17,25;
22.38/24.2; Jó 32.8; Dn 4.8-9; 5.11-14).

Neste mesmo aspecto, encontramos o Espírito agindo de modo capacitante nos


Seus servos, concedendo-lhes autoridade (para comandar, julgar) e vitória sobre to-
dos os desafios (Nm 11. 17,25-29; 27.18-21/Dt 34.9; Jz 3.10; 6.34;11.29;13.25; 14.6;
15.14; 1Sm 10.6/11.6; 1Cr 12.18).

27
Vd. Hermisten M.P. Costa, Teologia do Espírito Santo, São Paulo: 1986, p. 1-5.
28
Cf. Abraham Kuyper, The Work of the Holy Spirit, p. 27.
29
Este verbo e os seus derivados ocorrem no Antigo Testamento cerca de 800 vezes, sendo traduzi-
do normalmente por “viver” e “vida”. A sua origem etimológica ainda não foi explicada satisfatoriamen-
te. Biblicamente, hfyfx tem o sentido de: a) Chamar à existência o que não existia: [Gn 2.7 (adjetivo:
yfx “vivente”); Jó 33.4/2Rs 5.7], e b) Preservar vivo: (Gn 7.3; 19.32; Sl 33.19; 41.2). (Vd. mais deta-
lhes In: Hermisten M.P. Costa, Avivamento Bíblico, São Paulo: 1994, 3p).
30
McGrath chama esta ação do Espírito de “carisma” (Ver: Alister E. McGrath, Teologia Sistemática,
histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã, p. 363).
31
“Quando o Espírito veio sobre Sansão ou sobre Saul, não foi com o intuito de torná-los san-
tos, mas para dotá-los com extraordinário poder físico e intelectual; e, quando lemos que o
Espírito se afastou deles, isso significa que eles foram privados dos dons extraordinários”
(Charles Hodge, Teologia Sistemática, São Paulo: Hagnos Editora, 2001, p. 395).
32
Vd. Sinclair B. Ferguson, O Espírito Santo, p. 26.
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2) NÍVEL RELIGIOSO-MORAL:

Aqui vemos o Espírito de Santidade, Aquele que produz no homem o caráter


moral de Deus, esquadrinhando o coração humano, entristecendo-se com o seu pe-
cado, testificando contra, conduzindo-o por meio da regeneração (Ez 11.19;
36.26,27), ao arrependimento, à fé e à santidade (Ne 9.20,30; Sl 32.2; 51.11;
143.10; Is 59.21; 63.10,11; Ez 39.29; Ag 2.5), que se revelam num fervor religioso (Is
26.9; Zc 12.10). O Antigo Testamento ensina claramente, que as operações do Espí-
33
rito Santo envolviam uma renovação moral e espiritual de Seu povo.

Lembremo-nos de que a salvação no Antigo Testamento não difere da salvação


no Novo Testamento: todos dependem da obra redentora de Cristo, sendo aplicada
34
a nós pelo Espírito Santo. Ou seja: quer no Antigo quer no Novo Testamento, a
salvação é pela graça proveniente de Cristo. Calvino resume: “.... tudo o que o
Senhor tinha feito e sofrido para adquirir salvação para o gênero humano
pertencia tanto aos crentes do Antigo Testamento quanto a nós. E, de fato,
eles tinham um mesmo espírito que nós temos, pelo qual Deus regenera os
Seus para a vida eterna. Portanto, como vemos que o Espírito de Deus, que
é como uma semente de imortalidade em nós (pelo que é chamado penhor
da nossa herança), habitava neles, como ousaríamos vetar a eles a herança
35
da vida?” À frente, acrescenta: “Foi isso que desejei sustentar, isto é, que to-
dos os santos a respeito dos quais lemos na Escritura que foram escolhidos
por Deus, desde o princípio do mundo, têm sido participantes conosco das
36
mesmas bênçãos que nos são dadas com a salvação eterna.”

Após o cativeiro babilônico, Deus encoraja o povo, dizendo que o Seu Espírito
permanecia no meio dele; aqui vemos a manifestação do Deus do Pacto (Ag 2.4,5),
cuja presença por Si só é altamente estimulante (Vd. Ex 29.45,46; 33.14; Dt 31.6-8;
Js 1.9; Is 41.10,13; 43.2/2Tm 1.7; Hb 13.5). “A certeza da promessa de Deus e o
fato do Espírito sempre presente seriam suficientes para acalmar os temores
37
da comunidade.” O particípio ativo do verbo hebraico “habitar” (damf()(ãmadh) (Ag
2.5) indica a idéia de que Deus sempre esteve presente no meio do Seu povo, mes-
mo durante o cativeiro (Ed 9.9; Ne 9.17,18,20,28); a presença de Deus não é algo
pontilhado, durante determinados eventos da história, antes, é contínua, ininterrup-

33
Vd. Sinclair B. Ferguson, O Espírito Santo, p. 26-31.
34
“No tempo do Antigo Testamento, ele estava incessantemente ativo – na criação e na
preservação do universo, na providência e na revelação, na regeneração de crentes, e na
capacitação de pessoas especiais para tarefas especiais” (John Stott, John Stott. Batismo e
Plenitude do Espírito Santo, 2ª. Ampli., São Paulo: Vida Nova, 1986, p. 17).
35
João Calvino, As Institutas, (1541), II.7.
36
João Calvino, As Institutas, (1541), II.7.
37
Gerard Van Groningen, Revelação Messiânica no Velho Testamento, Campinas, SP.: Luz para o
Caminho, 1995, p. 784.
O Espírito Santo é Deus – Rev. Hermisten – 16/07/09 – 8/22

38
ta. “Se o exílio aparentemente tinha anulado a aliança, agora o povo era
certificado de que Deus ainda estava entre eles em Espírito, como estivera
39
durante todo o êxodo (Ex 29.45).” O fundamento do Pacto está na “palavra da
aliança” e no “Espírito” presente. Aliás, a Aliança sempre está ligada à Palavra mise-
ricordiosa de Deus e ao Seu Espírito (Is 54.10; 55.3; 59.21; Ag 2.5/Dt 7.9; 1Rs 8.23;
40
Dn 9.4). O Espírito dirige a história de forma poderosa, “transpondo os obstáculos”,
fazendo com que – de uma forma misteriosa para nós –, Deus sempre cumpra a
“palavra da aliança”.

3) NÍVEL PROFÉTICO-REVELACIONAL:

O Espírito é o agente de Deus na revelação da Sua vontade, colocando-a nos


lábios dos profetas. O Espírito é apresentado como “o veículo comunicador de
41
toda a criativa plenitude dos poderes divinos”. O Espírito revela, inspira e ilu-
mina os profetas (Nm 11.25,26; 1Sm 10.6; 2Rs 2.9,15; 1Cr 12.19; 2Cr 15.1; 20.14; Is
11.2; 42.1; 48.16; 59.21; Ez 2.2; 3.24; 8.3; 11.24; Zc 7.12/Am 3.7; Mq 3.8/2Sm 23.2).
Por isso, a sua mensagem consiste no anúncio fiel da revelação de Deus. Os profe-
tas, conscientes disso, insistentemente traziam como preâmbulo à sua mensagem,
os dizeres: “Assim diz o Senhor...”, “Ouvi a Palavra do Senhor...”, “Veio a Palavra do
Senhor...” (Cf. Jr 27.1; 30.1,4; Ez 31.1; Os 1.1; Jl 1.1; Am 1.3; 2.1; Ob 1.1; Mq 1.1).
Por sua vez, os profetas “especulativos” eram qualificados de “falsos”, por proferirem
as suas próprias palavras, fruto de seus desejos, e não a Palavra de Deus (Vd. Jr
42
14.14; 23.16; 29.9; Ez 13.2,3,6).

Tanto neste nível como no anterior, podemos dizer que, “O Espírito, um poder
capacitador, reveste aquele sobre o qual repousa com as qualidades que o
43
próprio Espírito possui”.

Do que foi visto até aqui, depreende-se, que a experiência do profeta com o Espí-
rito não era comum a todos em Israel (Nm 11.29). Todavia, o Antigo Testamento a-

38
Davidson orienta-nos que “o particípio representa uma ação ou condição em sua coesão
contínua....” (A.B. Davidson, An Introductory Hebrew Grammar, 24ª ed. Edinburgh, T.& T. Clark, (re-
printed), 1936, § 46, p. 159). O autor continua mostrando que, enquanto o imperfeito sugere suces-
são, uma multiplicidade de ação e de pontos, o particípio indica uma linha que se prolonga sem que-
bra em sua continuidade. (Ibidem., p. 159). Isto indica, que a “história não saiu das mãos de Deus"
(D. Martyn Lloyd-Jones, As Insondáveis Riquezas de Cristo, São Paulo: Publicações Evangélicas Se-
lecionadas, 1992, p. 64. (Sobre os variados conceitos de História e a perspectiva cristã, Vd. Hermis-
ten M.P. Costa, Escatologia: O Sentido da História à Luz da Sua Consumação, São Paulo: 2004).
39
Joyce G. Baldwin, Ageu, Zacarias e Malaquias, São Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão, © america-
na, 1972, p. 37. Mesmo no exílio, Israel continuava sendo o povo eleito de Deus (Is 41.8-14; 43.1-7).
40
Vd. Francis Turretin, Institutes of Elenctic Theology, Phillipsburg, New Jersey: P & R Publishing,
1994, Vol. II, XV.xvi.10-11.
41
C.F. Keil & F. Delitzsch, Commentary on the Old Testament, VII/1, p. 282.
42
Vd. Hermisten M.P. Costa, A Inspiração e Inerrância das Escrituras, passim. Stott resume bem a
tarefa do profeta: “A característica essencial do profeta não era prever o futuro nem interpre-
tar a atividade presente de Deus, mas falar as palavras de Deus.” (J.R.W. Stott, O Perfil do
Pregador, São Paulo: SEPAL., 1989, p. 12).
43
Gerard Van Groningen, Revelação Messiânica no Velho Testamento, p. 508.
O Espírito Santo é Deus – Rev. Hermisten – 16/07/09 – 9/22

ponta para o futuro, quando o Espírito seria derramado sobre todos em Israel – ho-
mens e mulheres, jovens e velhos –, e também, sobre todos os homens indistinta-
44
mente (Ez 36.27;37.14; Jl 2.28-32; Zc 12.10). O cumprimento desta promessa es-
tava relacionado com a Obra do Messias, que viria – como de fato veio –, na pleni-
45
tude do tempo e do Espírito Santo (Is 11.2; 42.1; 48.16; 61.1-11 /Lc 4.16-21; Jo
3.34; 14.16,17,26; 15.26). “Deus fez repousar plenamente o Seu Espírito sobre
Jesus para que Ele fosse uma fonte para nós, a fim de recebermos por meio
dele da Sua plenitude e, associados a Ele, pudéssemos, nessa comunhão,
46
participar das graças do Espírito Santo”, conclui Calvino.

O profeta Isaías descreve o Messias como aquele que “pode cumprir todos os
47
seus deveres porque é ungido por Yahwéh por meio da dádiva do Espírito”.
Foi o próprio Senhor quem “designou, equipou e autorizou seu escolhido” para mi-
48
nistrar a tarefa que lhe competia como profeta, sacerdote e rei.

2. O Espírito Santo no Judaísmo Posterior:

“A fé do crente veterotestamentário era completamente escatológica.


Ele aguardava a intervenção de Deus na história, tanto no futuro próximo
como no distante. Foi, na verdade, esta fé-esperança que concedeu ao
santo do Velho Testamento a coragem necessária para percorrer o caminho
49
posto perante ele”. Desse modo, o viver pela fé assumiu um caráter extrema-
mente concreto.

No período após o Antigo Testamento, esta fé foi fortemente provada. No juda-


ísmo interbíblico, predominava a idéia, com algumas poucas exceções, de que o Es-
50
pírito Santo se apagara devido ao pecado do povo. Esta concepção trazia consigo
sérias conseqüências, visto que para a Sinagoga, “a posse do Espírito Santo, isto
é, o Espírito de Deus, era a marca por excelência da profecia. Possuir o Espíri-
51
to de Deus significava ser profeta”; logo, a asserção de que o Espírito se apa-
52
gara, implicava na inexistência de um autêntico profeta e, também, na “convic-
ção de que o tempo presente está alienado de Deus. Tempo sem Espírito é

44
A. A. Hoekema, A Bíblia e o Futuro, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1989, p. 15-16; Wayne
A. Grudem, Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 640.
45
Vd. G. Van Groningen, Revelação Messiânica no Velho Testamento, p. 602-603.
46
João Calvino, As Institutas, (1541), II.4.
47
G. Van Groningen, Revelação Messiânica no Velho Testamento, p. 604.
48
Cf. G. Van Groningen, Revelação Messiânica no Velho Testamento, p. 602-603.
49
Anthony Hoekema. A Bíblia e o Futuro, p. 20.
50
Vd. Hermisten M.P. Costa, A Literatura Apocalíptico-Judaica, São Paulo: Casa Editora Presbiteria-
na, 1992, p. 27ss.
51
J. Jeremias, Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Paulinas, 1977, p. 124-125
52
O livro de Macabeus reflete esta idéia: “Levantou-se uma tão grande tribulação em Israel,
que não se tinha visto outra assim desde o tempo do desaparecimento dos profetas de Isra-
el” (1Mac 9.27. Vejam-se, também: 1Mac 4.46; 14.41).
O Espírito Santo é Deus – Rev. Hermisten – 16/07/09 – 10/22

53
tempo sob o julgamento de Deus. Deus se cala”.

Segundo J. Jeremias, os rabinos explicavam da seguinte forma o fato do Espírito


ter se apagado:

“Ao tempo dos patriarcas, todos os piedosos e justos possuíam o Espírito


de Deus. Quando Israel prevaricou com o bezerro de ouro, Deus limitou o
Espírito a homens escolhidos, aos profetas, sumo sacerdotes e reis. Com a
morte dos últimos profetas escritores, Ageu, Zacarias e Malaquias, o Espírito
se apagou, por causa do pecado de Israel. Desde então, acreditava-se,
54
Deus continuava falando apenas pelo ‘eco da sua voz’ (bat qol = eco ),
55
um pobre substituto.”

Apesar dessa desolação, admitia-se a esperança de que no tempo Messiânico, o


Espírito Santo traria de novo o profetismo e a renovação dos corações: esta era a
56
aspiração do povo, a vinda do Espírito.

É a partir do Novo Testamento que a obra do Espírito – quase que totalmente res-
trita à nação de Israel no Antigo Testamento – se tornará mais abrangente, por meio
da nova aliança que, pela instrumentalidade da Igreja, unirá judeus e gentios (Ef
2.22/1Pe 2.5).

53
J. Jeremias, Teologia do Novo Testamento, p. 129.
54
lOq taB (Bath qôl). Literalmente, “Filha da voz” ou “Filha de uma voz”. O conceito é derivado de Dn
4.31. O Novo Testamento menciona algumas vezes uma voz que veio do céu (Vd. Mt 3.17; 17.5; Jo
12.28; At 9.4/ 22.7/26.14; 10.13,15). Unterman, assim define: “Voz celestial que continuou a
transmitir a mensagem de Deus ao homem depois que a PROFECIA bíblica chegou ao fim. O
sumo sacerdote podia ouvir a bat kol enquanto oficiava no Santo dos Santos, e, após a des-
truição do Templo, os que visitavam suas ruínas podiam ouvir a voz celestial expressando a
tristeza de Deus.” (Bat kol: In: Alan Unterman, Dicionário Judaico de Lendas e Tradições, Rio de Ja-
neiro: Jorge Zahar Editor, 1992, p. 43). Uma outra definição, como a de Van Pelt, com pequenas vari-
ações, é geralmente usada: “Um termo rabínico significando a divina voz, audível ao homem e
desacompanhada de uma visível manifestação da divindade.” (J.R. Van Pelt, Bath Kol: In:
Geoffrey W. Bromiley, (General Editor), The International Standard Bible Encyclopedia, 2ª ed. Grand
Rapids, Michigan: William B. Eerdmans Publishing Company, 1980, Vol. I, p. 438-439) (Doravante ci-
tado como ISBE). Ao que parece este “eco” tendeu a ser explorado como um meio de se decidir em
questões de difícil interpretação da Lei; daí a insistência do Rabino Josué (c. 100 AD) em enfatizar a
supremacia da Lei escrita, sendo esta questão debatida entre as escolas de Shammai e Hillel. (Vd.
Otto Betz, Fwnh/: In: TDNT., IX, p. 288-290; J.R. Van Pelt, Bath Kol: In: ISBE., I, p. 439a; A.K. Helm-
bold, Bath Kol: In: Merril C. Tenney, gen. ed. The Zondervan Pictorial Encyclopaedia of the Bible, 5ª
ed. Grand Rapids, Michigan: Zondervan Publishing House, 1982, Vol. I, p. 492. (Doravante citado
como ZPEB). No Talmude as referências à “Bath Kol” são inúmeras.
55
J. Jeremias, Teologia do Novo Testamento, p. 128. Esta voz vinda do céu, geralmente consistia na
declaração do juízo de Deus dirigido a indivíduos, grupos, governos, cidades ou todas as nações.
(Vd. Otto Betz, Fwnh/: In: TDNT., IX, p. 288 e A.K. Helmbold, Bath Kol: In: ZPEB., I, p. 492). (Vejam-
se, também: A.C. Schultz, Voz: In: E.F. Harrison, ed. Diccionario de Teologia, Grand Rapids, Michi-
gan: TELL., 1985, p. 556 (Doravante citado como DT); Bath Kol: In: EBTF., I, p. 456; . A.K. Helmbold,
Bath Kol: In: ZPEB., I. p. 492; Otto Betz, Fwnh/: In: TDNT., IX, especialmente, p. 285ss; J.R. Van Pelt,
Bath Kol: In: ISBE., I, p. 438-439).
56
Cf. J. Jeremias, Teologia do Novo Testamento, p. 130 e P. Van Imschoot, Espírito: In: A. Van Den
Born, redator, Dicionário Enciclopédico da Bíblia, 2ª ed. Petrópolis, RJ.: Vozes, 1977, p. 485.
O Espírito Santo é Deus – Rev. Hermisten – 16/07/09 – 11/22

3. A Divindade do Espírito Santo nas Escrituras:

No Antigo Testamento não encontramos a afirmação explícita de que Deus seja


um Espírito ou Ser espiritual ou imaterial; todavia, sugere a idéia de que o Espírito
57
é uma Pessoa distinta na Trindade. Também, as oposições feitas entre homem-
carne e Deus-espírito, evidenciam que Deus é Espírito e que o Seu Espírito é Deus
(Is 31.3). Assim, temos:

Ö O homem/carne representa tudo o que é frágil, perecível e transitório: Jó


10.4-5; Sl 78.39; Is 40.6.
58
Ö Deus/Espírito representa o Poder, a Eternidade e a imperecibilidade: Gn 6.3;
Jó 10.4-5; Jr 17.5-8.

O pensamento judeu está mais voltado à mobilidade do que à essencialidade. Ou


seja, a ênfase maior não é à essência do Espírito mas ao fato dele ser a fonte da vi-
59
da e do movimento. O Espírito é poderoso, eterno, imperecível.

Estas sugestões veterotestamentárias recebem maior força e clareza no Novo


Testamento, quando a divindade do Espírito é apresentada de forma mais límpida e
60 61
enfática (Cf. Jo 4.24; 2Co 3.17-18; Ef 2.22).

No Catecismo Maior de Westminster (1648), pergunta 11, lemos:

“Como podemos saber se o Filho e o Espírito Santo são Deus, iguais ao Pai?”

“As Escrituras revelam que o Filho e o Espírito são Deus iguais ao Pai, atri-
buindo-lhes os mesmos nomes, atributos, obras e culto, os quais só a Deus
62
pertencem.” (grifos meus).

57
Cf. J. Barton Payne, The Theology of the Older Testament, p. 173.
58
Vd. Geerhardus Vos, Biblical Theology: Old and New Testaments, p. 238; Sinclair B. Ferguson, O
Espírito Santo, p. 18.
59
Ver: Yves M.J. Congar, El Espíritu Santo, 2ª ed. Barcelona: Herder, 1991, p. 30.
60
Quanto às possíveis interpretações desse texto, Vd. Sinclair B. Ferguson, O Espírito Santo, p. 72.
Vd. também H. Bavinck, Our Reasonable Faith, 4ª ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House,
1984, p. 387-388.
61
Peço licença aqui, para recordar a analogia feita por B.B. Warfield (1851-1921), já aludida nestas
anotações: “Podemos comparar o Velho Testamento com um salão ricamente mobilado,
mas muito mal iluminado; a introdução de luz nada lhe traz que nele não estivesse antes;
mas apresenta mais, põe em relevo com maior nitidez muito do que mal se via anteriormen-
te, ou mesmo não tivesse sido apercebido. O mistério da Trindade não é revelado no Velho
Testamento; mas o mistério da Trindade está subentendido na revelação do Velho Testa-
mento, e aqui e acolá é quase possível vê-lo” (B.B. Warfield, A Doutrina Bíblica da Trindade, p.
130-131).
62
Francis Turretini (1623-1687), o campeão da ortodoxia calvinista no século XVII, mesmo sem indi-
car o Catecismo Maior de Westminster, segue esta mesma ordem na sua exposição a respeito da Di-
vindade do Espírito (Vd. F. Turretin, Institutes of Elenctic Theology, Vol. I, III.30.12. p. 305ss.).
O Espírito Santo é Deus – Rev. Hermisten – 16/07/09 – 12/22

A nossa abordagem será circunstancialmente diferente, embora envolva os ele-


mentos mencionados no Catecismo.

A. O ESPÍRITO É CHAMADO DEUS: AT 5.3-4.

“3Então, disse Pedro: Ananias, por que encheu Satanás teu coração, para que
mentisses ao Espírito Santo, reservando parte do valor do campo? 4 Conservando-o,
porventura, não seria teu? E, vendido, não estaria em teu poder? Como, pois, as-
sentaste no coração este desígnio? Não mentiste aos homens, mas a Deus” (At 5.3-
4).

B. RECEBE NOMES DIVINOS:

Podemos observar que as expressões “Palavra de Deus” e “Palavra do Espíri-


to” são normalmente usadas de forma intercambiável (Ex 17.7/Hb 3.7-9; Nm
12.6/2Pe 1.21; Sl 95.7-11/Hb 3.7-11; Is 6.3,8-10/At 28.25; Sl 78.17,21/At 7.51; Jr
31.31-34/Hb 10.15-17). (Vd. Também: Nm 20.2-13/Sl 106.32-33).

C. PERFEIÇÕES DIVINAS SÃO-LHE ATRIBUÍDAS:

1) Santidade: Jo 14.26/Is 63.10.


2) Onipresença e Imensidão: Sl 139.7-10/Jr 23.24.
3) Onipotência: Lc 1.35; Rm 15.19.
63
4) Onisciência: Is 40.13-14/Rm 11.34; 1Co 2.10-11 /Jo 16.13; 2Pe 1.21.
64
5) Liberdade Soberana: Is 40.13; 1Co 12.11; Hb 2.4.
65
6) Eternidade: Hb 9.14/Gn 1.2.
7) Glória: 1Pe 4.14.
8) Graça: Hb 10.29.
9) Vida: 1Co 15.45/Rm 8.11.

D. REALIZA OBRAS DIVINAS:

O Espírito Santo como Ser Pessoal, é o agente executivo da Trindade: “Tudo

63
“O Espírito, aqui, aparece como substrato da autoconsciência divina, o princípio do co-
nhecimento de Deus acerca de Si mesmo. Em resumo, Ele é, simplesmente, o próprio Deus,
na essência do mais recôndito do Seu Ser. Tal como o espírito do homem é o centro da vida
humana, assim também o Espírito de Deus é o Seu próprio elemento vital. Como se pode,
pois, pensar que está subordinado a Deus, ou que recebe o Seu Ser de Deus?” (B.B. Warfield,
A Doutrina Bíblica da Trindade, p. 166).
64
Calvino comenta: “A não ser que o Espírito fosse algo subsistente em Deus, de modo ne-
nhum outorgar-se-Lhe-iam arbítrio e vontade” (As Institutas, I.13.14).
65
O fato do Espírito preceder à criação de todas as coisas, aponta para a Sua eternidade. (Cf. F.
Turretin, Institutes of Elenctic Theology, Vol. I, III.30.12. p. 306.
O Espírito Santo é Deus – Rev. Hermisten – 16/07/09 – 13/22

66
quanto Deus faz, ele o faz por meio do Espírito”. Todavia, deve ser ressaltado
67
que Ele é O agente, não uma agência.

1) Criação: Gn 1.2-3; Jó 33.4; Sl 33.6


2) Preservação e Governo: Jó 26.13; 33.4; Sl 104.30.
3) Inspiração das Escrituras: 2Pe 1.20,21/2Tm 3.16.
4) Regeneração: Jo 3.5-6/Tt 3.5.
5) Revela os eventos futuros: Lc 2.26; Jo 16.13; At 11.28; 1Tm 4.1.
6) Ressurreição: Rm 8.11; 1Pe 3.18.
7) Confere dons: 1Co 12.4-11.
8) Governa a Igreja:
a) Decisões: At 15.28.
b) Vocação de Seus servos: At 13.2; 20.28.
68
9) Iluminação: Ef 1.17,18.
10) Santificação: 2Ts 2.13; 1Pe 1.2.
11) Milagres: Mt 12.28.

E. É ADORADO:

Lc 2.25-29; At 4.23-25/At 1.16,20/Ef 2.18. Nos textos de Atos, fica claro que o
Deus adorado é identificado com o Espírito Santo que proferiu as Escrituras. Há o
reconhecimento de que o Senhor é o Espírito. “O culto religioso deve ser presta-
69
do a Deus o Pai, o Filho e o Espírito Santo – e só a Ele....”.

F. É COLOCADO EM IGUALDADE COM O PAI E O FILHO:

Mt 28.19; 2Co 13.13. O fato das Escrituras relacionarem as Três Pessoas da


Trindade no Batismo e na Bênção Apostólica, atesta a igualdade substancial da
70
Trindade em poder e glória. Ser batizado no nome do Pai, do Filho e do Espírito,
eqüivale a ser entregue a Eles, para a remissão dos pecados. “Quando o nome
de Deus se junta com o do Filho e do Espírito Santo, assume o caráter de per-
feição e plenitude (Mt 28.19); trata-se de pensamento trinitariano, ainda que
71
falte aqui uma formulação trinitariana precisa”.

66
Charles Hodge, Teologia Sistemática, p. 394.
67
C. Hodge, Systematic Theology, Vol. I, p. 447.
68
A palavra “espírito” aqui, tem sido entendida por diversos comentaristas, como referindo-se ao Es-
pírito Santo, ou à Sua influência (Vd. Vincent, Alford, Wuest, Foulkes, Russel Shedd, Champlin, Sal-
mond, Hendriksen, entre outros).
69
Confissão de Westminster, XXI.2.
70
Vd. Catecismo Menor de Westminster, Pergunta 6; Catecismo Maior de Westminster, Perg. 9
71
H. Bietenhard, Nome: In: NDITNT., III, p. 281
O Espírito Santo é Deus – Rev. Hermisten – 16/07/09 – 14/22

72
G. PECA-SE CONTRA O ESPÍRITO: MT 12.31-32.

72
O substantivo que aparece neste texto (duas vezes), Blasfhmi/a, ocorre também em: Mt 15.19;
26.65; Mc 2.7; 3.28; 7.22; 14.64; Lc 5.21; Jo 10.33; Ef 4.31; Cl 3.8; 1Tm 6.4; Jd 9; Ap 2.9; 13.1,5,6;
17.3. O verbo, Blasfhme/w, é empregado mais vezes no Novo Testamento (35 vezes) e, aquele que
blasfema, Bla/sfhmoj, é utilizado 5 vezes (At 6.11,13; 1Tm 1.13 (aqui de forma substantivada); 2Tm
3.2; 2Pe 2.11).
O verbo Blasfhme/w, que tem o sentido de “injuriar”, “difamar”, ”insultar”, “caluniar”, “maldizer”,
“falar mal”, “falar para danificar”, etc., é formado de duas palavras, Bla/yij derivada de Bla/ptw =
“injuriar”, “prejudicar” (* Mc 16.18; Lc 4.35) e Fhmi/ = “falar”, “afirmar”, “anunciar”, “contar”, “dar a en-
tender”. A Blasfêmia tem sempre uma conotação negativa, de “maldizer”, “caluniar”, “causar má repu-
tação”, etc., contrastando com Eu)fhmi/a (“boa fama” * 2Co 6.8) e Eu)/fhmoj (“boa fama” * Fp 4.8) (Eu)/
& fh/mh). No Fragmento 177 de Demócrito, lemos: “Nem a nobre palavra encobre a má ação,
nem é a boa ação prejudicada pela má palavra (Blasfhmi/a)”.
O pecado da blasfêmia surge no coração do homem (Mt 15.19/Mc 7.21,22); ele consiste entre ou-
tras coisas, em presumir-se com prerrogativas divinas ou ser o próprio Filho de Deus (Mt 9.1-3; Mc
2.7/Lc 5.21/Jo 10.33, 36; Mc 14.60-64). A blasfêmia entristece o Espírito, por isso a sua prática deve
estar distante de nós (Ef 4.25-32/Cl 3.8; Tt 3.2; 1Pe 4.1-4). A falsa doutrina propicia a prática da blas-
fêmia (1Tm 6.3,4), bem como os falsos mestres (2Pe 2.1-2,10-12). Esta será uma das características
dos homens nos últimos tempos (2Tm 3.1-2). Paulo diz que a sua perseguição aos cristãos houvera
sido tão pesada, que estes foram obrigados a blasfemar (At 26.11); sendo ele mesmo um blasfemo
(1Tm 1.13). O mal testemunho dos judeus contribuía para que os gentios blasfemassem o nome de
Deus (Rm 2.24, citando Is 52.5; compare com a orientação de Paulo, 1Tm 6.1; Tt 2.5). No entanto,
não devemos nos entristecer se somos blasfemados por causa de nossa fidelidade a Deus; esta é
uma evidência de que o Espírito glorioso de Deus repousa sobre nós (1Pe 4.14). A blasfêmia é uma
prática própria da “besta”, que blasfema contra o nome de Deus (Ap 13.1,5,6/17.3). Parece que os
efésios estavam combatendo Paulo, sob a insinuação de que ele havia blasfemado contra a deusa
Diana (At 19.32,37). Alguns homens foram subornados para dizer que ouviram Estevão blasfemar
contra Deus e Moisés (At 6.11-13). Bla/sfhmoj “expressa o ‘caluniar’ de uma pessoa; é a ex-
pressão mais forte da difamação pessoal.” (H. Währisch & C. Brown, Blasfêmia: In: NDITNT., I, p.
312). Xerxes quando convoca seus soldados a marcharem contra Atenas, diz que os atenienses
“blasfemaram” (injuriaram, insultaram) contra o seu pai e o seu povo (Heródoto, História, VII.8).
Em Platão (427-347 a.C.), é considerada blasfêmia atribuir aos deuses determinadas formas hu-
manas, conforme fizeram primariamente os poetas e, as mães, que assim aprendiam e transmitiam
aos seus filhos estas estórias (A República, 7ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, (1993), II,
381e).
No Novo Testamento este grupo de palavras é usado predominantemente no sentido religioso:
“caluniar”, “difamar”. O verbo Blasfhme/w empregado de forma absoluta, indica uma blasfêmia con-
tra Deus (Cf. Mt 26.65a; Mc 2.7; Jo 10.36); do mesmo modo ocorre com o substantivo Blasfhmi/a
(Cf. Mt 26.65b; Mc 14.64; Lc 5.21; Jo 10.33, etc.). “No NT o conceito de blasfêmia é controlado
completamente pelo pensamento de violação do poder e majestade de Deus. Blasfêmia
pode ser dirigida imediatamente contra Deus (Ap 13.6; 16.11,21; At 6.11), contra o nome de
Deus (Rm 2.24; 1Tm 6.1; Ap 16.9), contra a Palavra de Deus (Tt 2.5), contra Moisés e Deus e
conseqüentemente contra o fundamento da revelação na Lei (At 6.11).” (H.W. Beyer, Blas-
fhmi/a: In: TDNT., I, p. 622-623). Na LXX, este pensamento é predominante: a blasfêmia é contra a
majestade e glória de Deus. Para o judeu, falar de forma ímpia contra Moisés ou a Lei, significa blas-
femar (Vd. At 6.11). Para o judaísmo do período anterior ao Cristianismo — conforme interpretação
que faziam de Dt 21.22-23 —, morrer numa cruz significava uma blasfêmia, sendo este tipo de morte
uma maldição divina (Vd. Gl 3.13) (Cf. O. Hofius, Blasfhmi/a: In: Horst Balz & Gerhard Schneider,
eds. Exegetical Dictionary of New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1978-1980, Vol. I,
p. 221. (Doravante citado como EDNT).
Hendriksen que traduz “blasfêmia” como sendo uma “irreverência desafiante”, comentando Mt
12.31,32, diz: “A blasfêmia contra o Espírito Santo é o resultado de gradual progresso no pe-
cado. Entristecer o Espírito (Ef 4.30), se não há arrependimento, leva à resistência ao Espírito
(At 7.51), a qual, se persistida, se desenvolve até que o Espírito é apagado (1Ts 5.19)” (William
O Espírito Santo é Deus – Rev. Hermisten – 16/07/09 – 15/22

A Imperdoabilidade deste pecado, envolve o fato dEle ser Deus. Se o Espírito


fosse apenas uma força, não se pecaria contra Ele; se por outro lado fosse apenas
um ser pessoal finito, o pecado contra Ele não seria imperdoável... “Se não fosse
Deus, o pecado cometido contra Ele seria considerado menos odioso do
73
que quando cometido contra o Pai ou o Filho”. (Vd. Is 63.10; At 5.3).

Bavinck comenta enfaticamente, apresentando também, um tom pastoral:

“O pecado do endurecimento alcança sua expressão máxima na blas-


fêmia contra o Espírito Santo. Jesus fala sobre isso em um contexto de séria
desavença com os fariseus. Quando Ele curou um homem que era cego e
mudo e que estava possuído por um demônio, as multidões ficaram tão
maravilhadas que clamaram: ‘Esse não é o Filho de Davi, o Messias, pro-
metido por Deus aos nossos pais?’.
“Mas essa honra dada a Cristo levantou ódio e inimizade entre os fari-
seus e eles declararam o contrário, disseram que Cristo expulsava demô-
nios por Belzebu, o príncipe dos demônios. Dessa forma eles assumiram
uma posição diametralmente oposta a Cristo. Em vez de reconhecê-lo
como o Filho de Deus, o Messias, que expulsa os demônios pelo Espírito de
Deus e que estabelece o reino de Deus na terra, eles disseram que Cristo é
um cúmplice de Satanás e que Sua obra é diabólica. Contra essa terrível
blasfêmia Jesus preserva sua dignidade refutando a afirmação dos fariseus
e mostrando sua insensatez e ao final de Sua réplica Ele acrescenta essa
grave admoestação: ‘Todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos
homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada. Se alguém

Hendriksen, Comentário do Novo Testamento: Mateus, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, Vol.
2, p. 39).
Seja qual for as nuanças interpretativas, este pecado, segundo nos parece, é resultado de uma re-
jeição consciente, deliberada, arrogante e despreocupada da obra do Espírito em Cristo, atribuindo-a
de forma provocativa e, por isso blasfema, à Satanás. Este pecado é imperdoável porque quem o
comete, não está disposto a arrepender-se e, portanto, não deseja ser salvo. Rejeitar o Espírito de
Cristo significa rejeitar os atos salvadores da Trindade: do Pai, do Filho e do Espírito Santo. O Espírito
procede do Pai e do Filho; a Sua obra consiste em dar testemunho do Pai e do Filho; rejeitá-lo signifi-
ca repudiar o Seu Ofício. (Sugestões para leitura: H.W. Beyer, Blasfhmi/a: In: TDNT., I, 621-625;
William Hendriksen, Comentário do Novo Testamento: Mateus, p. 36-39; O. Hofius, Blasfhmi/a: In:
EDNT., I, p. 219-221; W. Währisch & C. Brown, Blasfemar: In: NDITNT., I, p. 312-316; P.H. Davis,
Blasfêmia e Blasfêmia contra o Espírito Santo: In: EHTIC., I, p. 196-198; R.P. Martin, Blasfêmia: In:
J.D. Douglas, ed. org. O Novo Dicionário da Bíblia, São Paulo: Junta Cristã Editorial, 1966, Vol., I, p.
221-222; Frank Stagg, Mateus: In: Clifton J. Allen, ed. ger. Comentário Bíblico Broadman, Rio de Ja-
neiro: JUERP., 1983, Vol. VIII, p. 190 (Doravante citado como CBB); Russel N. Champlin, O Novo
Testamento Interpretado, Guaratinguetá, SP.: A Voz Bíblica, (s.d.), Vol. I, p. 391-392(Doravante cita-
do como NTI); J.A. Broadus, Comentário do Evangelho de Mateus, 3ª ed. Rio de Janeiro: Casa Publi-
cadora Batista, 1966, Vol. I, p. 356-358; Alexander B. Bruce, The Synoptic Gospels: In: W. Robertson,
Nicoll, ed. The Expositor’s Greek Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted),
Vol. I, p. 188-190; William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, Buenos Aires: La Aurora,
1973, Vol. II, p. 48-53; J.I. Packer, Teologia Concisa, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1999, p.
225-226; Sinclair B. Ferguson, O Espírito Santo, p. 65-66; Herman Bavinck, Our Reasonable Faith, p.
252-254; Edwin H. Palmer, El Espiritu Santo, Edinburgh: El Estandarte de la Verdad, (s.d.), Edição
Revista, p. 226-238).
73
John L. Dagg, Manual de Teologia, São Paulo: FIEL., 1989, p. 192.
O Espírito Santo é Deus – Rev. Hermisten – 16/07/09 – 16/22

proferir alguma palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á isso perdoado;


mas se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será isso perdoado,
nem neste mundo nem no porvir’ (Mt 12.31,32).
“As próprias palavras e o contexto no qual elas aparecem claramente
indicam que a blasfêmia contra o Espírito Santo não acontece no come-
ço nem no meio do caminho do pecado, mas no fim. Ela não consiste de
uma dúvida ou de incredulidade a respeito do que Deus revelou, nem de
uma resistência ou de uma murmuração contra o Espírito Santo, pois esses
pecados podem ser cometidos também pelos crentes. Mas a blasfêmia
contra o Espírito Santo acontece somente quando Ele se apresenta à
consciência humana com uma rica revelação de Deus e com uma pode-
rosa iluminação espiritual que o homem fica completamente convencido
em seu coração e em sua consciência da verdade da divina revelação.
(Hb 6.4-8; 10.25-29; 12.15-17).
“O pecado consiste em que essa pessoa, apesar de toda a revelação
objetiva e da iluminação subjetiva, a despeito do fato de que ela tem co-
nhecido e provado a verdade como verdade, de forma consciente e
com intento deliberado diz que a verdade é mentira e castiga Cristo co-
mo instrumento de Satanás. Nesse pecado o humano se torna diabólico.
Não, isso não consiste de dúvida e incredulidade, mas de um rompimento
total da possibilidade de arrependimento (1Jo 5.16). Esse pecado vai mui-
to além da dúvida, da incredulidade e do arrependimento. Apesar do fa-
to de que o Espírito Santo é reconhecido como sendo o Espírito do Pai e
do Filho, Ele é, em um testemunho diabólico, blasfemado. Nesse ápice o
pecado se torna tão descaradamente demoníaco que lança fora todo
vestígio de vergonha, desfaz-se de toda vestimenta e se apresenta nu e
cru, despreza todas as aparentes razões, manifesta todo o seu prazer no
mal e se levanta contra a vontade e a Graça de Deus. É, portanto, uma
grave admoestação essa que Jesus dá em Seu ensino sobre a blasfêmia
contra o Espírito Santo. Mas nós não devemos nos esquecer do conforto
que está contido nesse ensino, pois se esse pecado é o único pecado im-
perdoável, até mesmo os maiores e os mais severos podem ser perdoados.
Eles podem ser perdoados não através de exercícios penitenciais huma-
74
nos, mas pelas riquezas da Graça de Deus”.

Calvino resume este pecado com a palavra “apostasia”, um abandono consciente


e deliberado da fé cristã. Como ele mesmo define: “A pessoa apóstata é alguém
que renuncia a Palavra de Deus, que extingue sua luz, que se nega a provar
o dom celestial e que desiste de participar do Espírito. Ora, isso significa uma
75
total renúncia de Deus.” Em outro lugar: “O pecado contra o Espírito Santo
só é cometido quando os homens mortais deflagram deliberadamente guer-
ra contra Deus, de tal sorte que extingue-se a luz que o Espírito lhe oferecera.
76
Essa é uma espantosa perversidade e uma monstruosa temeridade” No en-

74
Herman Bavinck, Our Reasonable Faith, p. 253-254.
75
João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 6.4), p. 151.
76
João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 1.13), p. 41.
O Espírito Santo é Deus – Rev. Hermisten – 16/07/09 – 17/22

tanto, acrescenta: “Mas se alguém se ergueu novamente de sua queda, po-


demos concluir que, por mais gravemente tenha ele pecado, o mesmo não
77
é culpado de apostasia.” Por outro lado, “Se foi devido à ignorância que
Deus perdoara a Paulo suas blasfêmias, os que blasfemam consciente e de-
78
liberadamente não devem esperar o perdão.” Logo, aquele que sinceramen-
te se arrepende de seus pecados, por mais graves que sejam, não cometeu o pe-
cado descrito como imperdoável. Portanto, “os eleitos se acham fora do perigo
da apostasia final, porquanto o Pai que lhes deu Cristo, seu Filho, para que
sejam por Ele preservados, é maior do que todos, e Cristo promete [Jo 17.12]
79
que cuidará de todos eles, a fim de que nenhum deles venha a perecer.”

Ao concluir seu comentário de 1 Timóteo, Calvino apresenta o remédio preventivo


contra a apostasia: “Caso não queiramos ser terrificados pela idéia de aposta-
sia da fé, então que nos apeguemos à Palavra de Deus em sua integridade
e detestemos a sofística e com ela todas as sutilezas que são odiosas corrup-
80
ções da piedade.”

H. O TEMPLO DO ESPÍRITO É O TEMPLO DE DEUS: (RM 8.9-10; 1CO 3.16;


6.19)

O que nos qualifica como “templos de Deus”, é a habitação do Espírito Santo


em nós. Logo, somos “Templo do Espírito”, porque Deus habita em nós.

4. A Procedência do Espírito Santo:

O Espírito Santo é chamado de Espírito do Pai (Mt 10.20; Lc 11.13; 1Co 6.19; 1Ts
4.8) e Espírito do Filho (Gl 4.6; Fp 1.19; 1Pe 1.11), sendo ENVIADO POR DEUS (At
5.32): Pai (Jo 14.26; Gl 4.6) e Filho (Jo 15.26).

Segundo me parece, o texto que mais especificamente trata desta relação Trinitá-
ria é o de Romanos, quando Paulo diz: “Vós porém, não estais na carne, mas no
Espírito, se de fato o Espírito de Deus habita em vós. E se alguém não tem o Espíri-
to de Cristo, esse tal não é dele” (Rm 8.9).

Paulo estabelece uma relação de identificação entre o Espírito de Deus e o Espíri-


to de Cristo, que é um e o mesmo Espírito que habita em nós e nos identifica como
propriedade de Deus e de Cristo. (Vd. também: 2Co 1.21,22; 5.5; Ef 1.13,14; 4.4,30).
“O mesmo Espírito é comum ao Pai e ao Filho, o qual é com eles de uma só
81
essência e possui a mesma Deidade eterna.”

77
João Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 6.6), p. 155.
78
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 1.13), p. 41.
79
João Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 6.4), p. 153.
80
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 6.21), p. 187.
81
João Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 8.9), p. 271.
O Espírito Santo é Deus – Rev. Hermisten – 16/07/09 – 18/22

A relação Trinitária foi compreendida pela Igreja da seguinte forma: Quando fala-
mos do Filho em relação ao Pai, dizemos que aquele é gerado (gennhqe/nta) do Pai
e quando nos referimos ao Espírito, declaramos que Ele é procedente
82 83
(e)kporeuo/menon) do Pai e do Filho. Esta relação ocorre eternamente, sem prin-
cípio nem fim, jamais havendo qualquer tipo de mudança na essência (ou)si/a) divi-
84
na, nem qualquer tipo de subordinação ontológica; “a subordinação pretendida
consiste apenas naquilo que concerne ao modo de subsistência e opera-
ção, implícito nos fatos bíblicos de que o Filho procede do Pai, e o Espírito
procede do Pai e do Filho, e de que o Pai opera através do Filho, e o Pai e o
85
Filho operam através do Espírito”. Portanto, a subordinação não é ontológica
mas sim existencial (econômica). Deste modo, a nomenclatura Pai, Filho e Espírito
Santo, é apenas um designativo que implica uma correlação intertrinitária que é ne-
cessária e eterna, não uma primazia de essência, no que resultaria em diferenças de
86
honra e glória.

Como vimos, o Quarto Concílio Ecumênico, realizado em Calcedônia (8-


31/10/451) ratificou o Credo de Nicéia (325) e o de Constantinopla (381). O seu ob-
jetivo era estabelecer uma unidade teológica na Igreja. Apesar de sua preocupação
dominante ser concernente às questões referentes ao Filho, encontramos na sua
declaração termos que se tornaram padrão dentro da teologia para se referirem à
Trindade.

Retornando à nossa linha mestra, devemos enfatizar que a relação Trinitária tem
sido compreendida pela Igreja como uma procedência eterna e necessária, do Espí-
rito da parte do Pai e do Filho. As palavras de Agostinho (354-430) tornaram-se basi-

82
gennhqe/nta e e)kporeuo/menon são expressões usadas no Credo Niceno-Constantinopolitano
(381). Quanto à distinção das expressões, e o significado da “procedência”, confesso minha ignorân-
cia, juntamente com Agostinho (354-430) e João Damasceno (c. 675-749) (Vd. F. Turretin, Institutes
of Elenctic Theology, Vol. I, III.31.3; J. Oliver Buswell, A Systematic Theology of the Christian Religion,
Grand Rapids, Michigan: Zondervan, © 1962, I, p. 119-120).
83
Como já mencionamos supra, a expressão “e do Filho” em latim “Filioque”, foi acrescentada no
Concílio local de Toledo (589).
84
“O Pai é entendido como o primeiro princípio (archê) da Trindade e, por conseguinte,
como o princípio unificador da hypostases [u/po/stasij]. O Filho é gerado do Pai, e o Espírito
procedente do Pai através do Filho” (Trinitas: In: Richard A. Muller, Dictionary of Latin and Greek
Theological Terms, 4ª ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1993, p. 308). No entanto, a
expressão do autor, “o Espírito procedente do Pai através do Filho” não corresponde à compre-
ensão de Nicéia e Constantinopla, visto que esta fórmula, de certo modo, inspirada em Gregório de
Nissa (c. 335-c.394) – que modelou a teologia oriental –, foi rejeitada por Agostinho (354-430), para
evitar qualquer tipo de subordinação (Agostinho, A Trindade, São Paulo: Paulus, 1994, V.14.15. p.
208-210).(Vd. J.N.D. Kelly, Doutrinas Centrais da Fé Cristã: origem e desenvolvimento, São Paulo:
Vida Nova, 1993, p. 198).
85
Charles Hodge, Teologia Sistemática, p. 346.
86
“A propriedade peculiar e pessoal da terceira pessoa é expressa pelo título Espírito. Esse tí-
tulo não pode expressar sua essência, visto que sua essência é também a essência do Pai e
do Filho. Ele deve expressar sua eterna relação pessoal com as outras pessoas divinas, visto
ser ele uma pessoa constantemente designada como o Espírito do Pai e o Espírito do Filho.”
(Archibald A. Hodge, Confissão de Fé Westminster Comentada por A.A. Hodge, São Paulo: Editora
os Puritanos, 1999, Capítulo II, p. 91). (Vd. também, A.A. Hodge, Esboços de Theologia, Lisboa: Ba-
rata & Sanches, 1895, p. 151-152).
O Espírito Santo é Deus – Rev. Hermisten – 16/07/09 – 19/22

lares na compreensão Ocidental: “O Espírito Santo, conforme as Escrituras, não é


87
somente Espírito do Pai, nem somente o Espírito do Filho, mas de ambos”.
Daí que, a Confissão de Westminster (1647), refletindo esta compreensão bíblica
conforme a tradição teológica ocidental, dizer: “O Espírito Santo é eternamente
procedente do Pai e do Filho” (II.3) (Jo 15.26; Gl 4.6).

Edwin H. Palmer, coloca a questão da “procedência” do Espírito nos seguintes


termos:

“Sua procedência não quer dizer que seja inferior ao Pai e ao Filho, do
mesmo modo que pelo fato do Filho ser gerado tampouco significa que
não esteja num plano de igualdade com o Pai. O segredo está no fato de
que o Espírito foi ETERNAMENTE espirado, do mesmo modo que o Filho foi
eternamente gerado. Nunca houve um tempo em que o Espírito não fosse
espirado. Tem coexistido eternamente com o Pai e o Filho. Dizer que pro-
cedeu de, ou foi espirado do Pai e do Filho não implica que seja menos
Deus; só fala da relação que sustenta eternamente com as outras duas
88
Pessoas da Trindade”.

Os nossos termos serão sempre limitados, meras alusões à complexidade do Ser


89
divino, por isso, podemos no máximo, trabalhando dentro dos limites da Revela-
ção, ter uma compreensão pálida deste mistério, que certamente ultrapassa em mui-
to a nossa percepção e mais ainda, à nossa linguagem, no esforço de expressar o
90
que percebemos; no entanto, se a doutrina da Trindade foi-nos revelada nas Escri-
turas, fazendo parte do desígnio de Deus, tem por certo “utilidade” para a vida da I-

87
Agostinho, ATrindade, São Paulo: Paulus, 1994, XV.17.27. p. 522. Vd. também: IV.20.29; V.14.15;
XV.17.29; 26.47; 27.50.
88
Edwin H. Palmer, El Espiritu Santo, p. 15. Berkhof coloca desta forma: “O eterno e necessário
ato da primeira e da segunda pessoas da Trindade pelo qual elas, dentro do Ser Divino, vêm
a ser a base da subsistência pessoal dO Espírito Santo, e propiciam à terceira pessoa a posse
da substância total da essência divina, sem nenhuma divisão, alienação ou mudança” (L.
Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 98). [Vd. também, A.H.
Strong, Systematic Theology, 35ª ed. Valley Forge, Pa.: Judson Press, 1993, p. 340-343; F. Turretin,
Institutes of Elenctic Theology, Vol. I, III.31.3ss. p. 308-310; A.A. Hodge, Esboços de Theologia, p.
151-152; Charles Hodge, Teologia Sistemática, p. 394; Loraine Boettner, Studies in Theology, p. 122-
124; Herman Bavinck, The Doctrine of God, p. 310ss; L. Berkhof, Teologia Sistemática, p. 97-98; R.L.
Dabney, Lectures in Systematic Theology, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1985 (Re-
printed), XIX, p. 210-211; Heber Carlos de Campos, O Ser de Deus e os Seus Atributos, São Paulo:
Cultura Cristã, 1999, p. 127ss.].
89
Este tipo de comentário poderia induzir o leitor à compreensão de que desvalorizamos os termos
teológicos; o que estaria extremamente distante de nossa convicção e perspectiva. Os termos teoló-
gicos, em grande parte, são expressões humanas na elaboração da fé conforme revelada nas Escri-
turas; portanto, limitados; no entanto, servem de referências para expressar a compreensão bíblica
formulada ao longo da história. Desprestigiar gratuitamente as expressões teológicas, tem, em geral,
contribuído para o empobrecimento da doutrina bíblica e, consequentemente o enfraquecimento da
vida cristã.
90
“A linguagem é a primeira tentativa do homem para articular o mundo de suas percep-
ções sensoriais. Esta tendência é uma das características fundamentais da linguagem hu-
mana” (Ernst Cassirer, Antropologia Filosófica, 2ª ed. São Paulo: Mestre Jou, 1977, p. 328).
O Espírito Santo é Deus – Rev. Hermisten – 16/07/09 – 20/22

91 92
greja; nada na Escritura é ocioso (At 20.27/2Tm 3.16); ocioso e ingrato, é deixar
93
de considerar “todo o desígnio de Deus” ou tentar ultrapassá-lo. Quanto a este úl-
timo perigo, talvez mais tentador para nós teólogos, cabe a advertência de Calvino
(1509-1564), ao encerrar o capítulo sobre a Trindade:

“Espero que pelo que temos dito, todos os que temem a Deus verão
que ficam refutadas todas as calúnias com que Satanás tem pretendido
até o dia de hoje perverter e obscurecer nossa verdadeira fé e religião. Fi-
nalmente confio em que toda esta matéria haja sido tratada fielmente,
para que os leitores refreiem sua curiosidade e não suscitem, mais do que
é lícito, molestas e intrincadas disputas, pois não é minha intenção satisfa-
zer aos que colocam seu prazer em suscitar sem medida algumas novas
especulações.
“Certamente, nem conscientemente nem por malícia omiti o que pode-
ria ser contrário a mim. Mas como meu desejo é servir à Igreja, me pare-
ceu que seria melhor não tocar nem revolver outras muitas questões de
pouco proveito e que resultariam enfadonhas aos leitores. Porque, de que
serve discutir se o Pai gera sempre? Tendo como indubitável que desde a
eternidade há três Pessoas em Deus, este ato contínuo de gerar não é
94
mais que uma fantasia supérflua e frívola”.

Por outro lado, se os termos são imperfeitos e imprecisos, devemos sempre lem-
brar que somente a Escritura é inspirada e infalível, não os nossos termos e interpre-
tações. O ponto, portanto, que deve ser priorizado, é a realidade por trás dos termos.
Procede esta compreensão?, deve ser sempre a pergunta do estudante sincero, de-
sejoso de conhecer mais a Palavra de Deus. Bavinck mais uma vez é-nos impres-
cindível em suas observações a respeito da elaboração doutrinária da Igreja:

“Para satisfazer a essa exigência [tratar da diversidade e unidade] a I-


greja Cristã e a teologia cristã primitiva fizeram uso de várias palavras e
expressões que não podem ser encontradas literalmente nas sagradas Es-
crituras. A Igreja começou a falar da essência de Deus e de três pessoas
nessa essência do Ser divino. Ela falava de características triúnas e trinitá-
rias, ou essenciais e pessoais, da eterna geração do Filho e da procedên-
cia do Espírito Santo do Pai e do filho, e outros termos semelhantes.
“Não há razão pela qual a Igreja Cristã e a teologia cristã não devam
91
“O artigo sobre a santa Trindade é o coração e o núcleo de nossa confissão, a marca re-
gistrada de nossa religião, e o prazer e o conforto de todos aqueles que verdadeiramente
crêem em Cristo.
“Essa confissão foi a âncora na guerra de tendências através dos séculos. A confissão da
santa Trindade é a pérola preciosa que foi confiada à custódia da Igreja Cristã” (Herman Ba-
vinck, Our Reasonable Faith, p. 145).
92
Vd. J. Calvino, As Institutas, III.21.4.
93
Calvino também aqui tem algo dizer: “A Escritura é a escola dO Espírito Santo, na qual, como
nada é omitido não só necessário, mas também proveitoso de conhecer-se, assim também
nada é ensinado senão o que convenha saber.” (J. Calvino, As Institutas, III.21.3).
94
Juan Calvino, Institución de la Religión Cristiana, Rijswijk, Países Bajos: Fundación Editorial de Li-
teratura Reformada, 1967 (Nueva Edición Revisada), I.13.29.
O Espírito Santo é Deus – Rev. Hermisten – 16/07/09 – 21/22

usar esses termos e expressões, pois as Sagradas Escrituras não foram da-
das por Deus à Igreja para ser desconsideradamente repetida, mas para
ser entendida em toda a sua plenitude e riqueza, e para ser reafirmada
em sua própria linguagem para que dessa forma possa proclamar os po-
derosos feitos de Deus. Além disso, tais termos e expressões são necessários
para manter a verdade da Escritura contra seus oponentes e colocá-la
em segurança contra equívocos e erros humanos. E a história tem mostra-
do através dos séculos que a despreocupação com esses nomes e a re-
jeição deles conduz a vários afastamentos da confissão.
“Ao mesmo tempo nós devemos, no uso desses termos, nos lembrar que
eles são de origem humana e, portanto, limitados, sujeitos a erro e falíveis.
Os Pais da Igreja sempre reconheceram isso. Por exemplo, eles afirmavam
que o termo pessoas, que foi usado para designar as três formas de exis-
tência no Ser divino não fazem justiça à verdade, mas servem de ajuda
para manter a verdade e eliminar o erro. A palavra foi escolhida, não por-
que fosse a mais precisa, mas porque nenhuma outra melhor foi encon-
trada. Nesse caso a palavra está atrás da idéia, e a idéia está atrás da re-
alidade. Apesar de não poder preservar a realidade a não ser dessa for-
ma, nós nunca devemos nos esquecer de que é a realidade que conta, e
não a palavra. Certamente na glória outras e melhores palavras e expres-
95
sões serão colocadas em nossos lábios”.

Na procedência do Espírito da parte do Pai e do Filho temos uma relação trinitária


ontológica e econômica; em outros termos, partindo do princípio de que a revelação
de Deus alude à essência de Deus; por intermédio da manifestação da Trindade,
vemos, limitadamente, aspectos da relação essencial da Trindade. Privar-nos desta
compreensão (procedência do Pai e do Filho) eqüivale a empobrecer a nossa com-
preensão de Deus conforme nos foi dado conhecer na Palavra e definitivamente em
96
Jesus Cristo. Corremos o risco de cair parcialmente num agnosticismo teológico.

Considerações Finais:

“O Espírito é a Terceira Pessoa da Trindade, procedente do Pai e do Filho,


da mesma substância e igual em poder e glória, e deve-se crer nele, amá-lo,
obedecê-lo e adorá-lo, juntamente com o Pai e o Filho, por todos os sécu-
97
los”.

A presença do Espírito é real na direção da História, nos rumos da Igreja e, na


nossa vida cotidiana; Ele opera eficazmente em nós, preservando-nos para o Dia de
Cristo, conduzindo-nos à toda verdade, testificando em nós a nossa filiação divina,
auxiliando-nos em nossas fraquezas, fortalecendo-nos e nos conduzindo à oração
segundo a vontade de Deus.

95
Herman Bavinck, Our Reasonable Faith, p. 157-158.
96
Vd. Sinclair B. Ferguson, O Espírito Santo, p. 102.
97
Confissão de Westminster, 34.1.
O Espírito Santo é Deus – Rev. Hermisten – 16/07/09 – 22/22

A nossa profissão de fé e conseqüente progresso espiritual em submissão a


Deus, têm implicações em todas as áreas de nossa existência. Deste modo, à luz de
Efésios 5 e 6, podemos falar que o crente cheio do Espírito é aquele que esforça-se
por ser um marido amoroso, cuidadoso e preservador; uma esposa submissa e res-
peitosa; ambos são pais zelosos na educação de seus filhos; os filhos são obedien-
tes e honram aos seus pais, os empregados cumprem as suas obrigações com dig-
nidade, os patrões valorizam os seus empregados. Ao mesmo tempo, segundo nos
parece, este percurso de comportamento do crente, é um guia seguro para o nosso
aperfeiçoamento espiritual, para a plenitude do Espírito. Em Efésios, de modo espe-
cial, temos a rota, o itinerário fornecido pelo próprio Espírito para enchermo-nos con-
tinuamente dEle. Contudo, devemos estar sempre alerta ao fato de que o Evangelho
é de nosso Senhor Jesus Cristo; ele é completo em si. O Espírito aponta nessa dire-
ção; quando o Evangelho de Cristo é crido; de fato o Espírito atuou de forma decisó-
98 99
ria; O Evangelho de Jesus Cristo é levado a efeito pelo Espírito Santo.

O Espírito é o próprio Deus em nós! Portanto, “não apagueis o Espírito” (1Ts


5.19), “não entristeçais o Espírito de Deus” (Ef 4.30) mas, orai no Espírito (Ef 6.18;
Jd 20), vivei, andai, sede guiados e enchei-vos do Espírito (Gl 5.16,18,25; Ef 5.18).
“Se andarmos continuamente no Espírito, estaremos continuamente abun-
100
dando no fruto do Espírito”. Que o Espírito do Trino Deus nos ilumine e nos
guie! Amém.

Maringá, 16 de julho de 2009.


Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

98
Vd. Frederick D. Bruner, Teologia do Espírito Santo, p. 238.
99
Vd. Frederick D. Bruner, Teologia do Espírito Santo, p. 125, 228.
100
A.A. Hoekema, O Cristão Toma Consciência do Seu Valor, Campinas, SP.: Luz para o Caminho,
1987, p. 53.

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