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Fotos: reprodução

ra brasileira através da literatura.


Entre eles destacam-se a autora, bi- História e Arte
óloga e escritora brasiliense Nurit
Bensusan com a obra Labirintos –
Parques Nacionais, premiada neste
A São Paulo
ano com o selo “O Melhor para a do cinema:
Criança”, na categoria informati-
vo, pela Fundação Nacional do Li- moderna e pós
vro Infantil e Juvenil (FNLIJ) e o
médico, entomólogo e escritor de “São Paulo não pode parar”. A 24 fo-
livros infantis Ângelo Machado, togramas ou 30 frames por segundo,
comprometido e preocupado com a maior cidade brasileira emergiu e se
a fauna e a divulgação dos conheci- consolidou, ao longo do século XX,
mentos científicos. como a face mais genuína da mo-
dernidade nacional. Diferente do
emoção, encantamento e, principal- Graziele Scalfi Rio de Janeiro – destacado por suas
mente, diversão para os pequenos belezas naturais, sua Belle Époque e
leitores. O lado científico fica por sua associação ao Ancién Regime – e
conta das informações que entram embora destituída do modernismo
no conceito de criação dos livros”. Mercado literário “nato” de Brasília – a capital nacio-
Laurabeatriz e Lalau são otimistas infanto-juvenil nal projetada –, São Paulo é, até
em relação à mudança de compor- hoje, identificada como expressão
tamento de jovens. As visitas que re- A expansão da classe média máxima da modernidade do país.
alizam em escolas têm mostrado que brasileira proporcionou um Modernidade, porém, conservado-
a fauna está muito mais conhecida momento favorável para a ra e ambígua em diversos aspectos.
agora do que quando foi lançado o indústria editorial. O número de Arte urbana por excelência, o cine-
primeiro volume de Brasileirinhos livrarias aumentou cerca de 8% ma ganha seus primeiros impulsos
no ano 2000. Os livros não são, no desde 2009 e os espaços voltados no Rio e em São Paulo. Particular-
entanto, o único esforço empregado para as crianças estão mais
mente em São Paulo, a prosperidade
na mudança deste quadro. “É im- econômica – baseada na exportação
sofisticados e aconchegantes.
portante levar o assunto não só nos do café, expansão das ferrovias e in-
A venda de livros infantis ocupa
livros, mas também na sala de aula, dustrialização da cidade – demanda
em casa, na televisão, aplicativos, in- o segundo lugar no ranking com registros cinematográficos cada vez
ternet. Depois de incontáveis visitas 74% entre os tipos de livros mais frequentes, conforme se veri-
a escolas, descobrimos que existe um comercializados pelas livrarias, de fica na afluência do “cinema de ca-
ponto muito positivo nisso tudo: as acordo com dados da Associação vação” (cineastas pagos para realizar
crianças gostam de discutir, ouvir, Nacional de livrarias (ANL). Os filmes sob encomenda) a partir de
descobrir coisas novas a respeito, e livros tradicionais competem com
1916, dos primeiros cinejornais re-
elas se envolvem, se emocionam, se gulares e das primeiras companhias
os livros-brinquedo interativos
mobilizam. Motivar, ainda mais, es- produtoras do país. Segundo Ismail
(popups, áudio etc), todos
se sentimento, onde for possível, é Xavier em História e Documentário,
fundamental, produtivo e dá certo”. importados, em uma competição (livro organizado por Eduardo Mo-
desleal que afeta, diretamente, o rettin, Marcos Napolitano e Môni-
Outras iniciativas Outrosautores espaço dedicado aos nacionais. ca Kornis. São Paulo: FGV, 2012),
vêm popularizando a fauna e a flo- filmes como Eletrificação da Com-

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panhia Paulista de Estradas de Ferro ce mais humana e familiar de “uma revela suas facetas mais fascinantes,
(perdido, 1923), Ipiranga (título cidade que cresce diante dos olhos, assustadoras e controversas. O ho-
atribuído, 1922) e, principalmente, mas é vista a partir do bairro, que mem que virou suco (1981), de Joa-
A Sociedade Anonyma Fabrica Voto- ainda se permite acolhedor e oti- quim Batista de Andrade, reconstrói
rantim (1922), abordavam motivos mista”. Quase dez anos depois, uma a trajetória de inúmeros migrantes
da modernidade paulista sob uma inversão: São Paulo S.A. (1965), de nordestinos anônimos, aos quais se
estética essencialmente descritiva. Luiz Sérgio Person, retrata, por meio atribui a construção da maior me-
Nesse filme, Xavier destaca o uso da magnífica fotografia de Ricardo trópole da América do Sul. Trabalho
da panorâmica como recurso de lin- Aronovich, uma utopia ruidosa (e e migração sao temas de outros fil-
guagem que “(...) descortina quanti- ruinosa), o colapso existencial de mes como Lilian M: relatório confi-
dades – de gente, de máquinas, mer- um personagem da classe média dencial (1975), de Carlos Reichen-
cadorias (...)”, uma forma de acen- brasileira no seio da metrópole solar, bach, e A hora da estrela (1985), de
tuar que “(...) o moderno-industrial vertical e opressiva – mas ao mesmo Suzana Amaral.
tem relação direta com a sociedade tempo lucrativa. A cena em que Car- Nos anos 1980, São Paulo recobra o
de massas e suas demandas”. los (Walmor Chagas) perambula de- status de paisagem privilegiada num
Com o cinema brasileiro povoado sorientado pelo centro de São Paulo, cinema notadamente urbano em seu
por profissionais europeus, não sur- intercalada a imagens de máquinas estilo e temática. É nesse contexto
preende que algumas das mais no- em atividade sob voz off do mesmo que emerge o “Novo Cinema Pau-
táveis imagens do país tenham sido personagem, é claramente evocativa lista”, bem ilustrado pela “trilogia
organizadas por olhos estrangeiros. de filmes de vanguarda e do monta- paulistana da noite”: os filmes Cida-
É assim que São Paulo sinfonia da gismo soviético dos anos 1920. de oculta (1986), de Chico Botelho,
metrópole (1929), de Alberto Ke- Nos anos 1960 e 70, São Paulo ges- Anjos da noite (1987), de Wilson
meny e Rodolfo Lustig (originários ta parte significativa do Cinema Barros, e A dama do Cine Shangai
da Hungria), surge, imbuído do es- Marginal, movimento de viva con- (1988), de Guilherme de Almeida
pírito de filmes como Berlim: sinfo- testação e experimentalismo, na Prado. Para Andréa Barbosa, antro-
nia da metrópole (Berlin: die sinfonie esteira do cinema moderno brasi- póloga do Departamento de Ciên-
der großstadt, 1927), de Walter Rut- leiro (Cinema Novo). Em seguida, cias Sociais da Universidade Federal
tmann, ou ainda o pioneiro Somente um cinema genuinamente popular de São Paulo (Unifesp) e autora do
as horas (Rien que les heures, 1926), emerge a partir dos filmes da cha- livro São Paulo: cidade azul, no ci-
de Alberto Cavalcanti. mada Boca do Lixo, região do cen- nema paulista dos anos 1980 “ima-
Nos anos 1950, São Paulo continua tro paulistano onde pequenas pro- gens de skylines dos altos dos prédios
a atrair atenção nacional como ex- dutoras realizavam uma variedade do centro e da Avenida Paulista são
pressão da modernidade com o sur- de filmes de baixo orçamento – e fartamente utilizadas e também nos
gimento da Vera Cruz, estúdio de grande apelo popular. remetem à questão da ambivalên-
pretensões internacionais financia- O motivo de São Paulo como uma cia e da ambiguidade da cidade”.
do pela burguesia paulista. No en- harsh mistress, guardiã de tesouros e Trata-se do cinema pós-moderno
tanto, as imagens mais marcantes da desgraças para aqueles que sonham brasileiro gestado em São Paulo –
metrópole talvez não tenham sido com a utopia da metrópole, repete- ainda que Andréa Barbosa discorde
obra do maior projeto cinematográ- -se numa série de filmes que giram do rótulo pós-moderno atribuído
fico industrial que o país já teve. Se- em torno do tema da migração, do a esses filmes –, com influências da
gundo Andréa Barbosa no livro São trabalhador interiorano que busca obra de diretores estrangeiros como
Paulo: cidade azul (Alameda, 2012, melhores condições de vida na cida- Ridley Scott, Alan Parker, Lawrence
p.68), é o cinema independente de de grande. É geralmente nesse con- Kasdan ou Luc Besson, entre outros.
Roberto Santos, em O grande mo- traste do homem arcaico com a mo- Esse cinema pós-moderno brasileiro
mento (1957), que vai registrar a fa- dernidade urbana que a metrópole é marcado pela fotografia de artistas

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Fotos: reprodução
intermináveis” (São Paulo: de Eric Eason, sobre pai e filho ame-
cidade azul, p. 102). Acen- ricanos proprietários de uma casa de
tua-se, portanto, o caráter prostituição, ou em Cidade de plásti-
labiríntico da mais moderna co (2008), de Nelson Yu Lik-wai, so-
metrópole brasileira. bre a máfia chinesa. Incógnita, São
Com a extinção definitiva Paulo também contribuiu com par-
da Embrafilme, em 1990, o tes de sua “pele” de concreto para a
cinema nacional chegava ao criação da cidade imaginária de En-
estágio mais agudo de uma saio sobre a cegueira (2008), de Fer-
crise originária da década nando Meirelles. A Ponte Octávio
anterior, para dar seus pri- Frias de Oliveira (a popular “Ponte
meiros sinais de retomada Estaiada”, na zona sul), monumento
de produção por volta de controverso, bastante criticado pela
1993-4. No período que se opinião pública, conferiu à fantasia
convencionou chamar de de Meirelles um caráter futurista in-
Retomada (1994/5-2002), confundível, típico dos bem conhe-
com a relativa descentraliza- cidos disaster movies.
ção da produção e o surgi- Uma variedade de outros espaços ca-
mento de novas gerações de racterísticos de São Paulo marcaram
cineastas, a maior metrópo- filmes com o “selo” da metrópole.
le brasileira ganhou retratos A skyline da cidade, com a presença
diferenciados. do edifício do Banespa, no centro
A modernidade arquitetu- de São Paulo, aparece por diversas
ral e a verticalidade da “selva vezes como espécie de “imagem-re-
de pedra” dá lugar a olha- frão” no filme Cidade oculta (1986),
res mais “subterrâneos” e de Chico Botelho. A Avenida Paulis-
“fragmentados”. As ruas de ta, coração financeiro e símbolo da
São Paulo reemergem como modernidade do país, já hospedou
palco de investigações sobre uma variedade de sequências cine-
as mais agudas contradições matográficas, dentre elas o delírio
De cima para baixo: cena de O invasor (2001);
Esta Rua tão Augusta (1969), curta de Carlos do país. Nesse contexto, formal do curta Palíndromo (2001),
Reichenbach; e Ensaio sobre a cegueira (2008) O invasor (2001), de Beto de Phillipe Barcinski, metáfora da
Brant, se apresenta como fil- vertigem modernizadora que vitima
como Chico Botelho e José Rober- me acentuadamente crítico da cor- o homem comum.
to Eliezer – este último responsável, rupção transclassista e da violência Em todos esses filmes, pode-se ob-
segundo Machado pela “paulistani- social brasileira. Um dos filmes mais servar a sobreposição caleidoscópica
zação” de um filme rodado no Rio contundentes e engenhosos em sua de tempos na metrópole, arcaísmo e
de Janeiro: A grande arte (1991), de problematização da metrópole no modernidade amalgamados ou em
Walter Salles Jr. Brasil, pelo menos desde São Paulo conflito – assim como a contribui-
Para Andréa Barbosa, o cinema S.A., de Luís Sérgio Person. ção dramática da cidade por meio de
paulista dos anos 1980 reinscreve Cosmopolita e provinciana a um só seu “organismo” multiforme de aço,
São Paulo como “uma cidade notur- tempo, a São Paulo dos anos 2000 asfalto, vidro, plástico e concreto.
na, azul, úmida, povoada de anjos e continua atraindo o olhar de cine- São Paulo como labirinto do país.
marginais (ou anjos marginais) que astas estrangeiros, como no filme
perambulam entre becos e muros Journey to the end of the night (2006), Alfredo Suppia

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