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Internacional / The New York Times Life/Style

Modern Love: Um futuro preparado e


nunca usado
Minha mãe me disse que se eu não me casasse até os 25 anos, acabaria "ficando para titia". Aos 36
anos e ainda solteira, estou aprendendo a apreciar a vida sob uma perspectiva diferente

Shubnum Khanm, The New York Times - Life/Style, O Estado de S.Paulo


25 de outubro de 2021 | 05h00

Na parte de cima do meu guarda-roupa está uma caixa empoeirada, cheia de lingeries coloridas de
renda que ainda estão com as etiquetas vermelhas de liquidação. Ela fica entre uma coleção de
excelentes panelas e uma pilha de tupperwares.

Minha mãe começou a acumular esses itens quando eu tinha 18 anos, em preparação para o meu
casamento. Uma vez por ano, na liquidação do supermercado Woolworths em Durban, África do Sul,
onde moramos, ela entrava no meio do caos da seção de roupas íntimas e procurava entre as pilhas de
babados as peças que formavam um conjunto e iriam para a caixa da prateleira de cima do guarda-
roupa.

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Ilustração de Brian Rea/The New York Times.

Todos que eu conhecia na minha comunidade indiana muçulmana faziam isso; uma tia guardava
panelas de qualidade em seu sótão para as filhas desde que elas eram crianças, outra acumulava
garrafas velhas para vasos de mesa de casamento. Uma terceira armazenava utensílios de cozinha em
sua garagem. Nossas casas estavam abarrotadas com as promessas de casamento.

Empolgada, comecei a colocar coisas na prateleira: um conjunto de xícaras com estampas chinesas, um
perfume caro para meu futuro marido, um chapéu quentinho para a cabeça dele no inverno.

Estava à espera do momento em que me apaixonaria desde os 12 anos, quando vi os atores indianos
Shah Rukh Khan e Madhuri Dixit em Dil To Pagal Hai, com ele sussurrando para ela se aproximar
cada vez mais. Voltei para casa com o coração disparado e escrevi em meu diário com as mãos trêmulas:
“espero me apaixonar assim”.

O amor, no entanto, não chegou fácil para mim. Uma a uma, minhas três irmãs mais velhas
encontraram maridos, pegaram suas caixas e foram embora. Conheci muitos pretendentes por meio da
família, mas frequentemente me sentia relutante, até mesmo revoltada, em relação a todo o processo.

Alguns homens foram rudes, dizendo coisas como: “Ainda bem que sou alto ou nossos filhos seriam
baixinhos.” Outros eram interessantes e até gentis. Mas eu não sentia paixão e, para mim, era apenas
amor apaixonado ou nada.

Meus pais ficavam cada vez mais preocupados. “Você precisa levar isso a sério”, disse minha mãe.
"Nenhum homem vai se casar com você depois dos 25 anos. Você vai acabar ficando para titia."

Parentes me incentivavam a não ser exigente, a aceitar o que eu arranjasse enquanto fosse possível. Eles
me davam versos sagrados para recitar e pediam aos sacerdotes para verificar se alguém tinha posto
mau-olhado em mim. Nas festas de família, as pessoas diziam que estavam rezando por mim. (“Bem”,
eu pensava, “você não está orando com força suficiente”.) A pressão tornou-se tão forte que comecei a
considerar um homem de quem não gostava, mas pensei que talvez pudesse ser um bom marido.

Meu pai dizia: “Se você juntar duas pessoas por tempo suficiente, elas acabarão se apaixonando”.

Eu me perguntava se isso era verdade até que, durante uma viagem de férias com a família para uma
reserva de caça, ouvi nosso guia falar de um guepardo-macho e um guepardo-fêmea que se recusavam a
interagir, apesar de estarem na mesma jaula há anos.

E então, aos 24 anos, aconteceu: conheci um homem na pós-graduação que era experiente, confiante e
falava de forma corajosa sobre justiça social, e me senti atraída por tudo em relação a ele. Essa era a
sensação pela qual eu ansiava há tanto tempo, era como se um raio tivesse me atingido.

Escrevi cartas para ele, cozinhei e imaginei um futuro em que pudesse pegar a caixa azul da parte de
cima do guarda-roupa, tirar o jogo de chá e colocar o chapéu quentinho na cabeça dele. Mas com o
passar dos anos, ele continuava sem dar sinais de que queria algo comigo. O homem a quem tentei dar
meu coração não parecia querê-lo, até que, um dia, casou-se com outra.

E, de repente, eu tinha 30 anos e estava sozinha.

Essa realidade me chocou tanto que por muito tempo não conseguia sair de casa. Tinha vergonha de ter
tanta esperança. Tentei manter meus sonhos pequenos depois disso; guardei apenas o que cabia em
minhas mãos.

Meus pais estavam profundamente decepcionados, mas não tentaram me coagir a casar. Eles não
sabiam o que fazer comigo e eu mal sabia o que fazer comigo mesma. A caixa na parte de cima do
guarda-roupa continuava intacta. Minha mãe há muito parou de comprar coisas para preenchê-la. E o
amor, a ideia dele, a grande centelha dele, esmaeceu.

Meus pais se conformaram em me ter dentro de casa. Em minha cultura, é normal, embora raro, que
uma mulher solteira continue morando com os pais. Não seria comum para alguém como eu alugar um
apartamento ou uma casa apenas para mim, apesar do sucesso profissional que consegui como
escritora, da independência e do espírito aventureiro que conquistei por ter viajado internacionalmente
para participar de conferências e residências.

Estou atualmente com 36 anos e esta não é a vida que esperava. Achei que estaria casada e
empurrando crianças em balanços de parques cheios de árvores. Achei que saberia como é segurar a
mão de alguém que se ama enquanto caminhamos pela rua ou acordar ao lado de outro corpo todos os
dias.

Em vez disso, eu me retraio se alguém me segura do nada ou me toca acidentalmente; fico muito atenta
para não esbarrar sem querer em estranhos. Eu anseio pelo toque, mas não sei mais o que fazer com
ele.

Às vezes sou dominada por tamanho desejo de sentir amor e toque que deixo o trabalho de lado, saio da
minha mesa e corro para minha mãe ou meu pai, ou para quem estiver mais perto, e o abraço o mais
forte possível e fico assim até que minha necessidade seja atenuada.

Depois de tanto tempo juntos - sobretudo durante a pandemia, quando nós três fomos nossas únicas
companhias por tanto tempo - meus pais e eu passamos a nos entender de um jeito completamente
novo. Mudamos muito. Não sou mais a garota impulsiva cheia de perguntas e eles não são mais os pais
rígidos com todas as respostas.

Antes, minha mãe colocava um pano úmido em minha testa quando eu tinha febre ou esfregava algo em
minhas costas quando eu estava doente, mas agora, aos poucos, estou me transformando na cuidadora
deles. Verifico a pressão arterial e o açúcar no sangue deles e abasteço o porta-comprimidos. Quando as
costas do meu pai doem, pesquiso sobre pedras nos rins. Quando minha mãe cai, checo se houve uma
concussão.

Quando eu era criança e meus joelhos doíam, minha mãe os esfregava e dizia que era porque eu estava
ficando mais velha. Agora, quando os joelhos dela doem, eu os esfrego e digo a ela a mesma coisa.
Antes, eu dizia “meu pai pode consertar qualquer coisa”. Agora, quando encontro seus óculos ou chaves
perdidas, ele diz: “minha filha pode encontrar qualquer coisa”.
Às vezes, eles me colocam no meio de uma de suas discussões, embora eu tente não tomar partido.
Quando meu pai quis cortar a árvore de acácia-branca da minha mãe porque as folhas se acumulavam
na piscina, e ela queria mantê-la, disse para encontrarem um meio-termo, então eles cortaram apenas a
metade que estava sobre a água. Às vezes sou sua consultora de WhatsApp, identificadora de notícias
falsas e explicadora de memes.

Mas, na maioria das vezes, sou uma observadora, aprendendo como é envelhecer com alguém que você
ama há quase 50 anos. Meus pais ficaram mais relaxados, não perdem a paciência ou gritam como
antes. Quando fazem palavras cruzadas juntos, discutem quando não conseguem encontrar a borracha
e, depois, passam os próximos 10 minutos rindo porque um deles estava sentado em cima dela.

Meu pai canta canções indianas antigas para minha mãe, a ajuda a pendurar as roupas no varal e a lixar
os calcanhares dela. Minha mãe cozinha as comidas favoritas do meu pai, corta o cabelo e as unhas dos
pés dele. Embora haja rotina em seu relacionamento, eles ainda me surpreendem. Aos 72 anos, meu pai
está tentando ensinar minha mãe a nadar. Ele a segura pela barriga e diz para ela mexer as pernas ou
vai afundar. Ela grita para ele deixar de apressá-la.

E eu me tornei parte de sua história, de seu casamento, de seu amor. Temos nosso próprio idioma,
olhares silenciosos que só nós entendemos. Minha mãe movimenta levemente a cabeça quando não
quer que eu dê bronca em meu pai por esquecer algo; e meu pai e eu temos caras de alerta um para o
outro se minha mãe estiver mal-humorada. Ambos ouvem com absoluta atenção enquanto lhes conto
sobre o livro que estou lendo durante o jantar.

Não é bem o tipo de amor que eu ansiava, mas estou aprendendo que a vida é maior que minhas
expectativas.

Um dia desses, minha mãe fez biscoitos e ficamos sem recipientes para armazená-los.

“Posso pegar um tupperware da prateleira de cima do guarda-roupa”, eu disse.

“Não”, ela respondeu. “Vamos encontrar outra coisa.”

Não insisti. Porque usar um tupperware meu, tirá-lo da minha caixa, significaria desistir do amor, de
um futuro com alguém novo, de uma vida ainda maior que esta. E ainda não estamos prontos para isso.
/TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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