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NOTAS E OOMENTARIOS

ATOS ADMINISTRATIVOS; CONCEITO E


CLASSIFICAÇAO
MANUEL RIBEIRO

SUMÁRIO: 1. Atos administrativos e seus conceitos - 2. Atos ad-


ministrativo8 e ato jurídico de Direito Privado: - 3. Classifi-
cação dos atos administrativ08: a) Atos de autoridade e ato.
de gestão; b) Atos simples e complexos; c) Negócio jurídico
eLe Direito Público e meros atos administrativos; d) Classi-
ficação dos atos administrativos de acôrdo com o conteúdo;
e) Atos obrigatórios e atos discricionários; f) Outras distin-
ções.
1. A expressão Ato Administrativo é rela.tivamente recente. Tornou-se co-
nhecida após a revolução francesa de 1789. Foi empregada para proibir o conhe-
cimento pelos tribunais judiciais dos atos de tôda a espécie praticados pela
Administração. 1 Como expressão nova, o seu conceito foi a principio um tanto
vago ou genérico. Somente o desenvolvimento posterior é que se encarregou de
precisar a noção. Antes da revolução francesa de 1789, os atos que interessavam
à Administração denominavam-se at06 do rei., atos da Coroa ou atos do Fisco••
Foi a consagração do principio da legalidade da Administração, posterior à revo-
lução francesa, que concedeu a certos atos da Administração a significação pe-
culiar de atos administrativos. A noção de ato administrativo designa um ato
juridico de natureza especifica que determina o sentido em que a regra de direito
deve aplicar-se ao caso individual. O Ato administrativo é uma conseqtlência da
submissão da Adm.inistração ao direito, ainda que haja surgido para qualificar
aquelas atuações da Administração pública excluidas da fiscalização dos Tribu-
nais. 3 Outro autor declara que a submissão da Administração à lei se realiza em
virtude do principio da legalidade da Administração que constitui a regra funda-
mental do direito dos atos administrativos.. lD também, de se recomendar, com
o mesmo autor, que o poder discricionário da Administração deve ser reduzido
por lei ao dominio estritamente necessário e, em caso de sentido equivoco da lei,
deve ser admitida uma presunção contra a liberdade absoluta da Administraçâo. 5

1 Diez, Manuel Maria, op. cit., pág. 71.


2 Diez, Manuel Maria, op. cit., pág. 72.
3 Regimen de Impugnación de W8 Act08 AdmUMBtrutioo", Instituto de r.-
tudos Politicos, Madrid, 1956, págs. 98 e 99.
4 Stassinopoulos, Michel, Traité de8 Acte6 AiJmIIIWlfran/s, Athenea, 19M,
pág.19.
5 Stassinopoulos, Michel, ob. cit.; pág. 22.
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Caracteriza-se a função administrativa pela sua subordinação à lei. O ato
administrativo decorre da execução da lei. Assim, neste conceito amplo, inclui-se
o regulamento administrativo, como tivemos ocasião de demonstrar no capítulo
anterior. Garrido Falla ensina que não há inconveniente em que o conceito de
ato administrativo abarque tanto o ato administrativo geral como o concreto. 6
Para nós, não é questão de inconveniente. O direito constitucional brasileiro impõe
a inclusão do regulamento dentro da categoria dos atos administrativos. Élstes
são principalmente declarações unilaterais da vontade emitidas pelo poder público
e destinadas a produzir efeitos juridicos, quer sejam objetivos quer subjetivos,
em virtude da execução das leis. A declaração da vontade deve ser formal e
projetar-se externamente para que possa ser conhecida. A declaração da vontade
pode ser geral (regulamento) ou concreta e prática, para produzir efeito juridico
para casos individuais ou realizar efeito atributivo. Ao contrário do que fazem
alguns autores, não achamos que a declaração da vontade deva ser do poder
administrativo ou de um órgão do Executivo. A exigência é de que deva partir
do poder público, seja do Legislativo, do Judiciário ou do Executivo. Os caracte~
risticos diferenciadores do ato administrativo não devem estar em que haja partido
da Administração, ainda que seja o Executivo que tenha por finalidade maior a
sua prática.

Nem todos os atos praticados pela Administração são administrativos. Sê-l~


-ão apenas aquêles em que ela usa processos de poder público. Atos da Adminis-
tração não se identificam com atos administrativos. l!l expressão mais larga. A
jurisprudência francesa tem oscilado sôbre a matéria. Em dado momento tem
considerado que a Administração pratica atos de direito privado, ainda que a
distinção entre gestão pública e gestão privada dos serviços públicos tenha muito
mais importância para os contratos em que a Administração intervém do que
para os atos unilaterais que ela é conduzida a produzir. Outra tendência tem,
entretanto, sido acentuada. Os atos da Administração são normalmente atos admi-
nistrativos, ainda que se liguem a um serviço público de caráter industrial ou co-
mercial. Acontecerá o meosmo com os atos unilaterais praticados pela Adminis-
tração para a gestão do seu dooninio privado. Serão atos administrativos. Esta
última tendência ou jurisprudência parece explicar-se pelo fato de que as decisões
unilaterais da Administração, qualquer que seja o seu caráter unilateral a utili-
zação de prerrogativas que exorbitam do direito comum. Não é tranqüila, entre-
tanto, essa orientação Tem havido recuo na extensão do conceito do ato admi-
nistrativo. 7 Há, como estamos verificando, indecisão sôbre o assunto. Atos
administrativos são, às vêzes, todos os atos praticados pela Administração; outras
vêzes, apenas uma determinada categoria. Entendemos, contudo, que atos admi-
nistrativos são sõmente aquêles em que a Administração usa processos de poder
público. Quando ela se submete a regras de direito privado, não pratica atos
administrativos. 6 O direito positivo brasileiro parece não identificar atos da
Administração com atos administrativos. Quando a Constituição federal trata da

6 Ob. cit., pág. 112.


7 Dalloz, Répertoi!re de Druit Public et Administrati/, tomo I, Paris, Juns-
prodence Génerale Dalloz, 1958, págs. 10 e 11.
8 Vide Zanobini, Guido, ob. cit., pág. 289.
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competência do Tribunal de Contas da União declara que será sujeito a registro,
prévio, ou posterior, conforme a lei o estabelecer, qualquer ato da Admtnistração
pública de que resulte a obrigação de pagamento pelo Tesouro Nacional ou por
conta dêste (art. 77, § ~). A Lei n" 830, de 23 de setembro de 1929 (Reorganiza
o Tribunal de Contas da União), também se refere ao exame e regi9tro prévio
ou posterior de qualquer ato da Admmi8tTação pública, de que resulte obrigação
de pagamento pelo Tesouro Nacional, ou por conta dês te, conforme determinar a
lei (art. 42, XV, a).

A Administração pública pratica atos de direito privado e atos administrati-


vos. ÊStes englobam, como vimos no capitulo anterior, os regulamentos adminis-
trativos, além dos ates individuais e os atributivos de status (atos-condição indi-
Viduais).
Como ato administrativo, entendemcs também ato material, desde que seja
em função da execução das leis. A nossa concepção de ato administrativo executa
a lei, pratica atos para a sua execução; age em virtude da lei, pratica ato adrni-
nistrativo. Não importa que seja ato geral, material, ato-condição ou ato par-
ticular. Neste capitulo, entretanto, tratamos dos atos administrativos individuais,
no sentido empregado por Michel Stassinopoulos: declaração da vontade da Admi-
nistração, ao dispor soberanamente o que deve ser o direito num caso individual. 9
O ato administrativo destina-se a produzir efeitos juridicos para casos individuais.
Mas os atos materiais se incluem nêle. Como bem esclarece o autor que acabamos
de citar, a operação material está submetida ao ato juridico como êste ao Direito. 10
:t: a regra geral: o ato material é conseqüência da declaração da vontade, do ato
juridico. Algumas vêzes, porém, o ato material pode praticar-se sem ato juridico
prévio; quando, por exemplo, a lei dispuser que a policia deve impedir pela fôrça
material todo trabalho de construção contrário ao alinhamento, antes mesmo que
um ato administrativo executório haja comprovado a violação. Tais soluções entre-
tanto, são raras, e em caso de dúvida devem ser afastadas. 11
Os casos individuais regulados pelo ato administrativo ou a que o ato admi-
nistrativo atribui efeito juridico devem ser determinados ou determináveis. Pode
ser o ato administrativo singular, quando se refere a uma só pessoa, mas pode
também referir-se a várias pessoas, contanto que sejam individualizadas, deter-
minadas ou passiveis de ser determinadas.
A declaração de vontade, que deve ser concreta e individual, precisa provir
de um órgão público no exercicio de processos de poder público, que compreen-
dam prerrogativas e sujeições de poder público.
2. A diferença fundamental entre o ato administrativo e o ato juridico de
direito privado, adverte Stassinopoulos, consiste em que o ato administrativo é
exerci cio do poder público, o que lhe confere um elemento que falta ao ato de
direito privado. 12 Desta diferença fundamental, prossegue, resultam várias outras
que são as seguintes:

9 Ob. cit., pág. 31.


10 Ob. cit., pág. 24.
11 Stassinopoulos, Michel, ob. cit., pág. 24.
12 Ob. cit., pág. 32.
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a) O ato jurídico privado é regido pelo principio da autonomia da vontade,
por intermédio do qual o individuo pode formar livremente sua vontade sObre
qualquer relação que não contrarie a lei. O ato administrativo, ao contrário,
deve ser sempre baseado na lei e a autoridade administrativa não pode querer
senão o que a lei permite e na medida em que ela o permite.
b) A declaração da vontade privada comporta a autolimitação do individuo
(verba ligant 1wmirnes) e por exceção sômente a limitação da vontade de outras
pessoas, enquanto que o ato administrativo cria sobretudo uma ordem dirigida
ao cidadão, podendo a Administração, em princípio, ab-rogar sua própria limita-
ção pelo afastamento posterior de seus atos.
c) O conflito entre o ato e a lei não tem as mesmas conseqüências no
direito privado que no direito administrativo. Um ato privado contrário à lei é,
em principio, incapaz de criar as conseqüências juridicas que visava. Mas um
ato administrativo contrário à lei tem, todavia, a fôrça de produzir os efeitos
procurados até o momento em que a autoridade pública o declare nulo. Isao
significa que o ato admilÚstrativo, porque provém duma perscma potentior, bebe
no elemento do poder público uma presunção de legalidade e pode obrigar - até
o momento em que sua nulidade seja pronunciada - a execução e a obediência,
contanto que sua ilegalidade não ultrapasse um certo grau e não constitl!f'. uma
inexistência legal.
d) Uma outra diferença entre o ato privado e o ato adnúnistrativo é rela-
tiva à execução. O particular não pode proceder à execução de seu ato a não
ser munido do título necessário, isto é, de um julgamento que reconheça seu
direito; ao contrário, o ato administrativo tem, desde seu nascimento, uma fOrça
executória que dá à Administração a faculdade de proceder ao que se denomina
ação direta, isto é, o ato torna-se executório pela circunstância de haver sido
devidamente emitido. ~se privilégio da Administração justifica-se porque possui
o poder público que lhe dá a possibilidade de realizar suas deci,sões no mundo
material, se necessário, pela fôrça. O contrôle jurisdicional será a poste7iori.
Mas essa ação direta comporta uma decisão executória. O ato material sem de-
cisão prévia é via de fato, o que não é permitido à Administração num Estado
do direito. 13
Há quem procure distinguir ato administrativo de ato de direito privado
pelo critério de causa. No direito civil, a causa fundar-se-ia num fim ou num
objetivo econômico ou patrimonial; no direito administrativo assentaria num
fim politico-social ou de interêsse público. Acontece, entretanto, que o critério
não é exato, porque o direito administrativo também cogita de fins patrimoniais
e fins financeiros. Autores outros estabelecem critério entre o ato administra-
tivo e o ato de direito privado, tendo em vista a pessoa que pratica o ato. No
direito administrativo, o poder público; no direito privado, a pessoa natural ou
a pessoa jurldica de direito privado. Sabemos, entretanto, que a Administração,
pessoa pública, pratica também atos de direito privado. Há pessoas de direito
público, inclusive, que, no seu funcionamento, obedecem ao regime de direito
privado.

13 Ob. cit., pága. 3~. ~. e ~5.


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A distinção poderá ser estabelecida de acOrdo com um. critério simples.
Quando a Administração age ou tem sua atividade regulada por processos de
poder público, os atos que praticar serão atos administrativos, porque suas prer-
rogativas são de poder público e encontra-se submetida a sujeições que não são
conhecidas pelo particular ou a que êste não se submete. li: o critério que nos
parece mais cômodo para distinguir o ato administrativo do ato de direito privado.
S. l!lste Capitulo e os subseqüentes tratarão dos atos administrativos como
individuais e concretos. POderiamos dizer, nesse sentido, com Duguit, que o ato
administrativo é sempre um ato jurídico, isto é, uma declaração da vontade,
conforme a lei, e feita com o intuito de criar uma situação jurídica subjetiva.
O ato administrativo é sempre isto, é tudo isto, mas não é mais que isto. 1<1
)Ias é sempre praticado pela Administração. Há entre atos administrativos,
além dos característicos essenciais, aspectos secundárice pelos quais podemos
dIstingui-Ice em espécies de um mesmo gênero. li: a sua classificação que pode
ser estabelecida, de acôrdo com critérios diferentes:

a) Tomando-se em consideração quando a Administração age no exercício


do poder público ou fora daquele exerclcio, costuma-se dividir ce atos adminls-
trativos em: atos de autoridade e atos de gestão. Os primeiros, diz Rolland, são
os que se ligam ao exerci cio do poder público e excedem a êsse titulo às facul-
dades dos cidadãos. Os segundos definem-se como aquêles que os administradores
realizam, seja para a gestão do dominio privado de que têm a guarda, seja para
o funcionamento dos serviços públicos de que têm o encargo, usando faculdades
que não excedem às que pertencem aos cidadãos em virtude das regras do direito
privado. 15 A classificação que acaba de ser dada apareceu, na França, no
curso do século XIX, segundo refere André de Laubadere. A jurisdição admi-
nistrativa conheceria apenas os atos de autoridade. Como aos tribunais adminis-
trativos, ficava, assim, consideràvelmente restringida a sua juri'Sdição, procurou-
se enIarguecê-Ia com a teoria do Estado devedor. li: que, por essa teoria, ficava
interdito aos tribunais judiciários conhecer qualquer ação tendente a uma con-
denação pecuniária do Estado. Ao lado dessa teoria, ainda havia competência
da Justiça administrativa para conhecer atos de gestão, tôda a vez em que hou-
vesse detenninação de lei. A teoria ou doutrina dos atos de autoridade, de gestão
e do Estado devedor foi abandonada por ocasião do aT'T'ét B1mnc, em 1783, quando
surgia um nOvo critério da competência administrativa: o do serviço público. 1 •
Perdeu qualquer interêsse a classificação nos dias de hoje na própria França.
Entre nós, não há também interêsse, pois que tanto os atos de autoridade como
os de gestão são decididos ou julgados pela Justiça comum. Encontraria, apenas,
aplicação se a Justiça, a mesma Justiça, aplicasse aos atos de autoridade normas
de direito público e aos de gestão regras de direito privado. Não seria, entre-
tanto, critério aceitável no estado atual da evolução do direito administrativo.
Sabendo-se, como se sabe, que os serviços públicos se dividem hoje em serviços

14 Duguit, Léon, Drott Constitu.tioMtel, Paris, Fontemoing E Cie., Editeurs,


1914, volume I, p.
15 Rolland (Louis) , Préci.s de Droit Â~ratif, neuviême edition, Paris,
Librairie Dalloz, 1947, pág. 47.
16 Ob. cit., pág. 281.
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públicos de gestão pública e serviços públicos de gestão privada, fôrça é convir
que se aplicarão os atos de gestão regras de direito privado, quando a Adminis-
tração procurar tais processos. Mesmo os serviçO'S públicos de gestão pública
por vêzes preferem para atuação processos do direito privado, em virtude da
distinção entre serviços públicos e atividades privadas da Administração. A
distinção entre serviço público de gestão pública e serviço público de gestão
privada não implica, como adverte Laubadere, em gestão privada por oposição ao
serviço público, mas de gestão privada por ocasião do serviço público. 11

Propõe Waline como critério para se aplicar o direito administrativo ou o


direito privado a fórmula "atividade de uma coletividade pública semelhante ou
não às atividades privadas". 18 Depois da crise da noção de serviço público, o
critério sugerido por Waline é o mais aceitável, para que, entre nós, o juiz possa
optar pelo direito a aplicar, quando interessada uma pessoa jurídica de direito
público: se o administrativo ou o privado. Inteiramente superada, portanto, e
inservível está a famosa distinção de atos de autoridade e atos de gestão porque
existem atos de gestão que são efetuados por processos de poder público.

b) Sob o ponto-de-vista das vontades que intervêm na sua formação, os


atos administrativos podem ser, segundo Gabino Fraga, simples, complexos e
C'olegiados. 19 De acôrdo com Seabra Fagundes, podem ser simples, complexos e
contratuais. 2Q Na conceituação de Zanobini, serão simples e complexos, unila-
terais e bilaterais. 21

Ato simples será aquêle em que existe uma só vontade, no entendimento de


Gabino Fraga. 22 Zanobini, entretanto, sustenta ser aquêle em que existe a ma-
nifestação da vontade de UH1 só sujeito e de um só órgão do mesmo. Não tem,
para êle, importância que o órgão seja individual ou colegiado. 1t que entende
que a distinção entre ato simples e ato complexo não pode fundamentar-se no
número de pessoas físicas que participam da formação do ato, porque, no caso
dos cclégios, nem todos os componentes têm vontade idêntica. Se as diversas
vontades formam um ato único, isso ocorre pelo princípio juridico que considera
o colégio um órgão únicO. 23 No nosso entendimento, é pertinente a observação
de Zanobini e, dêsse modo, afasta-se o ato colegiado da conceituação de Gabino
Fraga.
Já o ato COIllplexo é de conceituação dificil. Cada autor traz, por assim
dizer, um conceito do que êle seja. Os atos complexos são os que resultam do
concurso de vontades de vários órgãos, de uma mesma entidade ou de entidades
pUblicas distintas, que se unem em uma só vontade. 24 Mas as várias vontades
devem procurar unidade de conteúdo e de fim e expressar-se num ato ou negócio

17 Ob. cit., pág. 294.


18 Waline, Marcel, Droit AdministraH!, 8' edição, Éditions Sirey, 1959.
19 Ob. cit., pág. 145.
20 Fagundes, Seabra, O Contrô16 dos Atos Administrativos pelo Poder Ju-
diciário, 2' edição, Konfino Editor, pág. 50.
21 Ob. cit., pág. 324.
22 Ob. cit., pág. 145.
23 Ob. cit., pág. 324.
24 Diez, Manoel Maria, ob. clt., pág. 88.
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jurídico único. 25 l!: elemento essencial do ato complexo a fusão de vãrias vonta-
des de órgãos da mesma entidade, ou de entes diferentes. A conceituação de
Gabino Fraga é mais restrita: o ato complexo forma-se pelo concurso de vontade
de vários órgãos da Administração. 211 Não o será, portanto, aquêle ato em que
houver fusão de vontades de entes diferentes. Não vemos os motivos por que a
fusão de várias vontades de um mesmo ente constitua um ato complexo e não o
seja a fusão de vontades de entes diferentes. Desde que haja unidade de conteúdo
e de fim e fusão de vontades de órgãos do mesmo ente ou de vontades de entes
diversos, existirá o ato complexo. A questão é de que as vontades se unifiquem
fundidas num ato único.
Os atos complexos podem ser de complexidade interna e de complexidade
externa, hipótese esta última que tem a denominação de acôrdo, conforme &8
vontades que se unem sejam de órgãos de um mesmo ente ou vontades de entes
diferentes. 27
Podem ser ainda os atos complexos iguais e desiguais, segundo tenham &8
vontades que nêles interferiram o mesmo valor jurldico ou haja proeminência de
uma vontade, como a hipótese de um decreto do Executivo, onde ao lado da
firma do Presidente da República, existe o referen4um de um ou mais MInistros. 28

O ato complexo não se confunde com o contrato e com o acôrdo coletivo.


Dêles se distingue, graças a seus reqUisitos essenciais de unidade do conteúdo e
do fim. Diversifica-se do ato coletivo, uma vez que êste resulta de várias vonta-
des de conteúdo e de finalidades iguais, que se unem, apenas, na manifestação
comum, permanecendo jurldicamente autônomas. 29 Não há fusão de vontades.
Estas continuam autônomas. Exemplifica Zanobini: quando vãrios municipios
contratam com um hospital particular para lhes prestar serviço, 80 ou dirlamos
nós, quando algumas autarquias contratam conjuntamente com um hospital para
dar assistência aos associados, tratar-se-ia de ato coletivo e não de ato complexo.
A distinção entre ato complexo e ato coletivo tem sentido prático. No ato com-
plexo, se uma vontade fôr viciada, o ato é nulo. No ato coletivo, não: se houver
vicio numa vontade, o ato não valerá para aquela vontade viciada, mas perma-
necerá válido para as demais entidades que não tiveram viciadas as suas res-
pectivas vontades.
Distingue-se, ainda, o ato complexo do contrato entre entidades públicas.
No contrato, há fusão de vontades, porém se dirigem elas a fins diversos. Os
interessados assumem a posição de partes, com interêsses contrapostos. No ato
complexo, não há partes; não há interêsses diversos. O ato complexo é uma
disposição unilateral, põsto que deliberado por vários sujeitos ou órgãos. 31 :&
verdade que, pelo direito brasileiro, pode haver contrato unilateral, de acôrdo com
o art. 1.057 do Código Civil. Nem, por isso, deixa de haver distinção entre o ato

25 Diez, Manoel Maria, ob. cit., pág. 88 e Zanobini, Guido, págs. 324 e 325.
26 Ob. cit., pág. 145.
27 Zanobini, Guido, ob. cit., 325 e Diez, Manuel Maria, ob. cit., pág. 89.
28 Zanobini, Guido, ob. cit., pág. 325.
29 Zanobini Guido, ob. cit., pág. 326 e Diez, Manoel Maria, pág. 90.
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complexo e o ato contratual: os fins no contrato são diversos para as vontades
que pactuam, o que não acontece no ato complexo, onde existe unidade de fim.
Não integra o ato complexo o ato de contrôle da entidade autárquica, nem
a decisão de um Tribunal de Contas que julga da legalidade de um contrato
ou de uma aposentadoria. Ainda que, segundo Zanobini, e de acôrdo com o nosso
direito positivo, o ato praticado pela entidade autárquica possa precisar da
aprovação do Executivo, ou o ato reaIiza.do por êste (aposentadoria, contrato,
reforma, etc.) precise da aprovação do Tribunal de Contas para que possa valer,
trata-se de atos distint09. Os fins são distintos: o ato da entidade autárquica
ou o ato do Executivo procuram uma finalidade administrativa. A aprovação
de um ato de uma entidade autárquica pelo Executivo ou o julgamento da lega-
lidade pelo Tribunal de Contas de um ato do Executivo são atos separados que
têm por objetivo certificar que, com a deliberação, não se violou nenhuma norma
e que nenhum dano se originou da atuação da entidade autárquica ou do Executivo
para os interêsses respectivos. A deliberação da entidade, di-lo com propriedade
Zanobini, é um ato juridicamente perfeito, a respeito do qual a aprovação
atua como uma condição suspensiva de eficácia. 32 O ato do Tribunal de Contas
que julga da legalidade da deliberação do Executivo é condição de eficácia da
mesma deliberação: condição suspensiva. O ato do Executivo é jur'ldicamente
perfeito, antes de pronunciamento do Tribunal de Contas. A sua eficácia é que
depende dêsse pronunciamento ou julgamento.
Como adverte Gabino Fraga e Seabra Fagundes, convém não confundir o ato
complexo com o procedimento administrativo. 33 As diversas vontades, diz Ga-
bino Fraga, não se fundem num só ato, senão que dão nascimento cada uma
delas a atos que, sucessivamente, se condicionam. 34 A doutrina moderna, e es-
pecialmente Gianni, pôs enl relêvo que a Administração pública não atua normal-
mente mediante atos isolados, senão através de constelações de atos. 35
c) Com fundamento no elemento volitivo, podem ser os atos administra-
tivos divididos em negócios juridic08 de direito público e atos meramemte admU-
ttistratWos, segundo a doutrina italiana. 3~ N0'9 negócios juridicos de direito pú-
blico, a Administração quer o ato e os efeitos dêle decorl"Emtes. Nos atos mera-
mente administrativos, a Administração pratica o ato, não importando os efeitos
que decorrerão dêle.
Os negócios juridicos de direito público podem ser divididas em duas grandes
categorias: as destinadas a aumentar o poder juridico dos cidadãos e as desti-
nadas a restringir-lhes os podêres juridicos ou prerrogativas e regalias. Na
primeira categoria, será a nomeação de um cidadão para funcionário público.

31 Zanobini, Guido, ob. cit., pág. 326.


32 Ob. cit., pág. 327.
33 Ob. cit., págs. 145 e 51, nota.
34 Ob. cit., pág. 145.
35 Garrido Falla, Fernando, Regimen de ImpugtWJCión de los fatos Adm4-
tri8tTativos, Instituto de Estudos PoUticos, Madrid, 1956, pág. 190.
36 Vide Zanobini, Guido, ob. cit., pág. 328 e segts. e Diez, Manoel Maria,
ob. cit., págs. 92 e segts.
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Será a filiação de um profissional a uma entidade de assistência social. Com a
nomeação de um profissional a uma entidade de assistência social. Com a no-
meação, o cidadão ficará de posse de um status: aumenta seu poder juridico.
Com o ingresso num instituto de previdência, adquirirá determinadas vantagens
de que não poderia desfrutar antes de sua filiação.

Como negócio juridico de direito público, temas também a concessão de


aerviço público, que é o ato pelo qual a Administração pública investe um par-
ticular, pessoa natural ou pessoa juridica de direito privado, numa delegação do
poder público. A pessoa do particular substitui o poder público. Age em nome
do poder público, podendo praticar atos administrativos, inclusive alguns muito
sérios, como a desapropriação por utilidade pública ou interêsse sociaI. Na con-
cessão ou pela concessão, há aumento de podêres juridicos.
Negócio juridico de direito público que aumenta os podêres do particular é
também a autorização. Esta pressupõe uma relação juridica preexistente que,
para ser exercitada, necessita ter removido um obstáculo. A autorização coll9is-
tirá, pois, na remoção do obstáculo. lD a hipótese, por exemplo, do motorista.
Qualquer cidadão poderá guiar um automóvel, desde que preencha determinados
requisitos. A autorização removerá os obstáculos para o exercicio daquele direito.
A renúncia ou dispensa aumenta igualmente os podêres do individuo. O
poder público dispensa ou pode dispensar sõmente quando autorizado por lei. A
dispensa será o ato que libera o cidadão de uma obrigação positiva: de pagar
um impôsto, de isentar-se do serviço militar, etc.
Como negócios juridicos de direito público que restringem os podêres de
cidadãos, temos as penas disciplinares, a desapropriação e as ordens. Estas se
dividem em mandados e proibições, segundo tenham caráter positivo ou negativo.
Entre as ordens positivas, teremos algumas limitações do direito de propriedade,
como uma ordem de demolição de edificio que ameace a segurança pública. As
ordens negativas ou proibições são, geralmente, de policia e de saúde.

Os meros atos administrativos são aquêles produzidos pela Administração,


eem lhe importar os efeitos. São êles: os pareceres técnicos ou juridicos, as
decisões dos recursos administrativos ou hierárquicos e 8.9 inscrições no registro
civil. Nos meros atos administrativos, ora existe manifestação de opinião, de
apreciação, ora a resolução de um recurso hierárquico, de um concurso e outras
vêzes a comprovação de um fato, condições, relações juridicas.

d) A classificação dos atos administrativos segundo o seu conteúdo é iden-


tificada por Gabino Fraga com os negócios juridicos de direito público e atos
meramente administrativos. Sômente que o tratadista mexicano não usa aquelas
expressões, fazendo, entretanto, referência aos atos destinados a ampliar a
esfera juridica dos particulares, aquêles destinados a limitar aquela e'Siera juri-
dica e aos que comprovam a existência de um estado de fato ou de direito. a1
Manoel Maria Diez reporta-se à doutrina de Jeze sôbre os atos juridicos. as

37 Ob. cit., pág. 150.


38 Ob. cit., pág. 105 e segts.
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o assunto já foi tratado no capítulo V, quando nos referimos a situações jurídicas
gerais e situações jurídicas individuais, ato-condição com seus efeitos atributivos
e ato jurisdicional. O ato administrativo seria o que confere situações jurídicas
individuais e o ato-condição que tem efeito atributivo ou confere status.
e) Conforme o grau de liberdade que a autoridade tenha ante a lei, os
atos administrativos serão obrigatórios ou vinculados e discricionários. Os; pri-
meiros serão aquêles em que, preenclúdos determinados requisitos, a Admini8-
tração terá que os realizar pela forma e nas condições em que a lei o estabelcer.
Não é livre a Administração. 11:: obrigada. li: vinculada.

o ato discricionário não é ato arbitrário. li: o ato em que a Administração


tem um campo de escolha, onde possa exercer opções. Tem um campo em branco,
onde ela poderá mover-se ou que pode preencher. Mas o ato discricionário 6
autorizado por lei, é disciplinado por lei, apenas com uma margem de escolha
p~ra a Administração. Feita essa distinção esquemática entre o ato vinculado
ou obrigatório e o ato discricionário, veremos que não existem atos discricioná-
rios e atos vinculados puros. Os casos de competência vinculada, diz Waline, são
a execução no direito administrativo. Mas, se há poucos atos em que a Admi-
nistração é completamente vinculada por lei, também não há dêles em que sua
liberdade seja ilimitada. Assim, ela (a Administração) dispõe em cada caso de
uma certa margem de apreciação, mas está sempre encerrada, mais ou menos
estreitamente, por certas prescrições legais. 39

Doutrina ainda Waline, o administrador, antes de tomar uma decisão, deve


perguntar-se: 19 ) tenho eu a faculdade de tomar tal decisão? ~) sou obrigado
a tomá-la? 3?) quando se responde afirmativamente à primeira questão e nega-
tivamente à segunda, colocar-se-á uma terceira questão: servirei melhor ao in-
terêsse público se tomo tal decisão? Esta última apreciação é a da oportunidade
de decisão que se opõe geralmente (mas não necessàriamente) à legalidade.
As duas primeiras questões são de direito; a terceira é uma questão puramente
administrativa, na qual o juiz não deve imiscuir-se. li: aí que aparece o poder
discricionário. A antiga noção de ato discricionário foi substituída pela de um
certo poder discricionário que existe em cada caso, salvo no de competência vin-
culada, em doses que variam de um caso a outro, segundo os limites mais ou
menos estreitos estabelecidos por lei à liberdade de opção do administrador.•o
Nessa orientação de substituir a noção do ato discricionário e ato vinculado pela
de poder está também Laubadêre. Examinando a matéria, declara que as noções
de poderes discricionário e vinculado se referem à apreciação da oportunidade
da medida a tomar; no primeiro caso, o administrador tem a escolher a solução
que lhe parece mais oportuna. li: juiz des'9a oportunidade. No segundo caso,
qualquer que seja a opinião pessoal do administrador sôbre a oportunidade da
decisão a tomar, deve determinar-se no sentido do que lhe é ditado de antemão .• 1
Na realidade, precisa VedeI, não existe jamais situações de poder discricionário
puro ou de competência vinculada pura. Não há jamais competência vinculada

39 Waline, Marcel, ob. cit., 8' edição, 1958, pág. 145.


40 Waline, Marcel, ob. cit., 8' edição; 1959, págs. 415 e 416.
41 Laubadêre, André, ob. cit., pâg. 217.
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pura: me'SIllO quando a Administração é obrigada a praticar um ato, dispõe ela
em uma certa medida do que Hauriou chamava a eacolho. do momento. Sobre-
tudo, porém, não há poder discricionário puro. A idéia, segundo a qual existi-
riam ato8 discricionário8 que escapariam a qualquer contrOle de legalidade, de-
sapareceu há mais de cinqüenta anos de jurisprudência. E acrescenta que existem,
pelo menos, três pontos em que a competência da Administração é vinculada:
lO) antes de tudo, a competência do órgão administrativo é sempre matéria de
competência vinculada; a lei fixa, com efeito, de maneira imperativa as atribui-
ções de cada agente administrativo; 29) os motivos, isto é, as considerações
relativas à situação de fato e de direito que fundamentem uma deci9ão devem
ser materialmente exatas, ainda que a Administração possua, disponha de um
poder discricionário para apreciar o significado e as conseqüências dessa situação
e, 3~) o fim deve ser sempre um fim do interêsse público. ~
l!l necessário, portanto, usar as expressões atos discricionários e atos vin-
culados ou, como se prefere hodiernamente, poder vinculado e poder discricioná-
rio, com as devidas reservas, no sentido que os tratadistas expõem e a prática
indica. Em estado de pureza, não há atos e podêres vinculados e discricionários.
O que existe é maior ou menor redução da liberdade do Administrador. l!l pela
dose de liberdade que se classifica o ato ou o poder discricionário ou vinculado.
A base para a classificação dos atos administrativos em discricionários ou vin-
culados ou da divisão da competência ou poder em discricionário e vinculado está
nos pontos extremos concebidos teõricamente de um poder livre e de um poder
todo amarrado pela lei. l!lsses estados assim p\ll"()l9 todavia não existem. O comum
é que o poder seja em parte discricionário e em parte vinculado.

Há quem divida os atos discricionários em atos discricionários puros e atos


discricionários técnicos. Seria ato discricionário puro aquêle em que a margem
de opções é vasta ou larga. Seria ato discricionário técnico aquêle em que a
Administração, para atuar, precisa verificar se existem as condições técnicas
necessárias. Existindo estas, praticará ou não o ato, conforme achar ou não
conveniente. 43 Há necessidade de cautela para que não se pense que o denomi-
nado ato discricionário puro seja livre de qualquer vinculação, o que não seria
exato, porque, pelo menos, a competência para o realizar deve estar na lei.
j) Tomando-se em consideração as pessoas a respeito das quais os atos
produzem efeito, podem ser êles externos e internos. 44 O ato interno é aquêle
que interessa simplesmente à Administração, no seu interior. l!l a ordem do su-
perior hierárquico para o inferior. O ato administrativo externo é o que trata
das relações da Administração com os administrados.
Segundo a importância ou a finalidade que procuram cumprir, os atos podem
ser principais e instrumentais. Êstes, os instrumentais são atos de procedimen-
tos; constituem-se de meios, para atingir um propósito ou objetivo. Serão atos
preparatórios. O ato administrativo principal é a decisão. l!l o terminativo de
um procedimento. l!l o que concede uma situação jurídica subjetiva, ou aquêle

42 VedeI, Georges, ob. cit., I volume, pág. 180.


43 Vide Diez, Manoel Maria, ob. cit., pág. 114.
44 Zanobini, GUido, ob. cit., voI. I, pág. 343.
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de que resulta um ato material, mas como conclusA.o de um procedimento. :!lste
engloba até a decisão uma série de atos, uma complexidade de atos, inassimilável
ao ato complexo.45 Nem sempre é fácil decidir ou julgar quando um ato é instru-
mental ou de tramitação ou principal. Garrido Falla indica um critério que nos
parece acertado. Procurar-se-á ver se o ato administrativo decide ou não de
direit0'9 do particula.r ou impede a continuação do procedimento onde tal direito
está se realizando. 44

A enumeração das várias espécies de atos administrativos dêste estudo não


é exaustiva. Talvez sejam, apenas, as principais categorias.

45 Vide Fraga, Gabino, ob. cit., pág. 149.


46 Ob. cit., pág. 192.

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