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A "querela nullitatis insanabilis" e

suas hipóteses de cabimento


Para encontrarmos a gênese do instituto da Querela Nullitatis Insanabilis
devemos recorrer ao Direito Medieval. No antigo sistema processual
europeu, a expressão latina que dá nome à ação em estudo era utilizada
para indicar a ação hábil a impugnar sentença de mérito,
independentemente da interposição de recurso latu sensu, sendo, assim,
apontada como a grande precursora das atuais modalidades de ações de
impugnação.

Com a evolução do direito adjetivo, entendemos hoje a Querela Nullitatis


Insanabilis como instrumento processual que se presta a atacar sentença
eivada de vício insanável, mormente relacionado ao ato citatório, em
casos onde a decisão objurgada jamais deveria ter existido, por ser
precedida de uma concatenação de atos contaminados.

No escol do ilustre processualista DIDIER, a validade da citação constitui


condição de eficácia do processo em relação à parte demandada e aos
atos processuais seguintes. Sob esta ótica, a decisão que, a despeito de
ter sido prolatada em processo cujo ato citatório se deu de forma viciada,
vem a transitar em julgado, não deve atingir o réu prejudicado – razão pela
qual pode o requerido valer-se da Querela Nullitatis para aventar a
nulidade da citação.

Hodiernamente, duas correntes doutrinárias sobrevivem no ordenamento


jurídico pátrio, que classificam a natureza jurídica do instituto em comento
sob dois aspectos: a primeira o vê como ação de nulidade da sentença
e a segunda o entende como sendo ação declaratória de inexistência.

Importante saber que o Superior Tribunal de Justiça, além de compactuar


com a ideia central da segunda corrente, reconhecendo que a sentença
viciada é inexistente, traz à baila definições importantes sobre o prazo
decadencial e a competência para julgamento da ação.
Quanto ao prazo, entende o Tribunal da Cidadania que a Querela Nullitatis
Insanabilis, quando tem por objeto o reconhecimento da nulidade do ato
citatório, pode ser proposta a qualquer tempo, porquanto o vício em
questão é classificado como transrescisório. Já em relação à competência
para processar e julgar, o entendimento do STJ é no sentido de ser da
alçada do juízo que decidiu a causa em primeiro grau.

A matéria está assim estampada no Informativo 478/STJ:

Informativo 478 – STJ – Terceira Seção COMPETÊNCIA. QUERELA


NULLITATIS. JUÍZO. DECISÃO VICIADA. Trata-se de definir a
competência para processar e julgar a ação ajuizada pelo INSS, que
alegava não ter sido citado para a demanda que determinou a revisão
do benefício acidentário do segurado. Logo, versa sobre a
competência para processar e julgar a querela nullitatis. A Seção
entendeu competir ao juízo que proferiu a decisão supostamente
viciada processar e julgar a ação declaratória de nulidade. Precedente
citado: AgRg no REsp 1.199.335-RJ, DJe 22/3/2011. CC 114.593-SP,
Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 22/6/2011.

Nota: Para a falta e a nulidade da citação (vícios transrescisórios), o


STJ tem admitido o cabimento da querela nullitatis insanabilis (ação
declaratória de inexistência), em qualquer tempo (ao contrário da ação
rescisória, cujo prazo decadencial é de dois anos, contados a partir do
trânsito em julgado). A competência para o julgamento da querela
nullitatis insanabilis é do juízo que decidiu a causa em primeira
instância, porque não se trata de desconstituição da coisa julgada
(que, a rigor, não se formou), mas de declaração da inexistência da
relação jurídica processual ou do processo (ou de ineficácia da
decisão para o litisconsorte unitário e necessário que não foi citado,
segundo alguns).

Da análise das últimas decisões do STJ sobre o tema, pode-se concluir


que o cabimento da Querela Nullitatis Insanabilis é insofismável para os
casos em que se discute a nulidade absoluta da citação, mormente
quando o processo correu à revelia, uma vez que, neste caso, sequer há
que se falar em convalidação do ato pelo comparecimento voluntário do
réu ao processo.

É evidente que o instituto em estudo pode ser aplicado, ainda, a outras


situações. O rol de cabimento da ação em comento vem sendo ampliado
pela doutrina e pela jurisprudência, com a ressalva de ser imprescindível
que o provimento jurisdicional atacado esteja maculado por nulidade que,
por ser insanável, tenha o condão de torna-lo inexistente.

Neste sentido, admite-se a propositura da Querela Nullitatis Insanabilis


quando:

a) O julgador tenha fundamentado sua decisão em lei posteriormente


declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de
controle abstrato com efeito erga omnes; (ver nota de atualização ao
final)

b) O julgador decida sem antes notar a ausência de condição essencial à


ação;

c) For proferida sentença de mérito incompatível com coisa julgada


anterior.

Ex positis, pode-se rematar que, no atual estado de evolução do estudo


do direito processual, temos no instituto da Querela Nullitatis Insanabilis
um grande aliado no combate às injustiças cometidas no bojo de
demandas judiciais que caminharam à revelia da lei, impondo a uma das
partes ônus que a mesma não deveria suportar caso o procedimento
observasse as formalidades essenciais – é o caso, por exemplo, da
nulidade do ato citatório. No mais, é oportuno homenagear o
desenvolvimento do tema em nossos tribunais, que, ao alargar as
hipóteses de cabimento da ação em estudo, aumentam,
consequentemente, as chances de afastamento de erros judiciais que
maculam a hígida aplicação da justiça.

Atualização (08/02/2017):
Recentemente o STJ decidiu, via Corte Especial, na linha do raciocínio
exposto pelo STF no julgamento do RE 730462, que a coisa julgada
decidida com base em lei posteriormente declarada inconstitucional não
pode ser desconstituída pela Querela Nullitatis, mas sim por Ação
Rescisória:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM EMBARGOS DE


DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
SUPERVENIÊNCIA DE DECISÃO EM CONTROLE CONCENTRADO PELO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INADMISSIBILIDADE DE AÇÃO DE
QUERELA NULLITATIS PARA DESCONSTITUIR COISA JULGADA.
APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO RE N. 730.462/SP.
AGRAVO DESPROVIDO. I - A coisa julgada não poderá ser
desconstituída através de querela nulitatis, mesmo após julgamento do
Supremo Tribunal Federal que reconhece a inconstitucionalidade da lei
que fundamentou a sentença que se pretende desconstituir, conforme
entendimento exposto no RE 730.462/SP, com repercussão geral, que
concluiu ser cabível apenas ação rescisória. II - A decisão se
harmoniza perfeitamente com o disposto no artigo 525, § 15, do Novo
Código de Processo Civil, que permite tão somente o ajuizamento de
ação rescisória. Agravo interno desprovido. (AgInt nos EAREsp 44901 /
PR AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2014/0146701-3. Relator: Ministro
FELIX FISCHER. Data do Julgamento: 07/12/2016. Data da publicação:
DJe 15/12/2016).

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