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A quem muito lhe foi perdoado

PERSONAGENS
1. Padre Inácio (Sacerdote jesuíta)
2. Pedro Wi Guosheng (Catequista)
3. Le Tuy (O assassino)
4. Carlos Wang (O ancião)
5. Inês Wang (Sua esposa)
6. André Wang (Seu filho)
7. Águeda Wang (Esposa do anterior)
8. Luzia Wang (De quinze anos, Filha de André e Águeda)
9. Cecilia Wang (De dez anos, Filha de André e Águeda)
10. Soldado 1
11. Soldado 2
CENA 1: NA PRAÇA DA ALDEIA
(Inês, Águeda, Luzia e Cecilia Wang. As mulheres saíram que a Igreja e passeiam pela aldeia, os homens ainda
encontram-se dentro)
Inês: Que bela cerimônia! O Padre Inácio falou maravilhosamente.
Luzia: Entretanto avó, há algo que não compreendi do sermão.
Inês: O que foi minha filha?
Luzia: O missionário disse que nós, os cristãos temos um selo que nos distingue de outros homens: o perdão.
Inês: claro que sim. Olhe filhinha, ao longo da história, os homens foram formando povos e culturas e religiões
distintas, que acreditavam em um ou muitos deuses, em deuses bons, não tão bons, e até deuses perversos e
malvados aos quais se rendia culto mais por medo que por amor.
Cecília: Ter medo a Deus. Que horror!
Águeda: É que nós, os cristãos, sabemos que Deus é um Pai Bom, mas há muitas pessoas que não conhecem o
Deus verdadeiro.
Inês: Como te dizia: em meio dessa confusão toda, veio Cristo à terra, e trouxe o Evangelho, nele ensinou coisas
totalmente novas, que nunca antes tinham sido ensinadas.
Cecília: Como que?
Inês: Como o amor aos inimigos.
Cecília: Eu tenho um inimigo, esse menino da escola que sempre ri de mim. (Todas riem)
Águeda: Mas Jesus, minha filha, ensina que não devemos ter inimigos, que, devemos tratar a todos com amor e
paciência, como Ele nos trata.
Luzia: Claro, o missionário disse que nisso conhecerão outros homens que somos discípulos de Cristo.
Inês: antes da vinda do Redentor era impensável que alguém pudesse amar a um inimigo.
Cecília: Então, Devo perdoar a esse menino? Ontem ele riu do meu vestido. (Voltam rir)
Inês: De todo coração, querida Cecilia, assim Jesus fez com aquele que o vendeu por trinta moedas, com os que
o capturaram e condenaram injustamente, com os que o abandonaram na hora mais difícil, assim faz Deus com
cada um de nós.
Cecília: (Faz gesto de ter recebido uma iluminação) Eu vou oferecer meus sacrifícios para que ele também um
dia possa ser cristão.
Águeda: Esses são os discípulos que Jesus necessita para que um dia, China seja um país cristão.
Inês: (Abraça-a) Quanto me alegra que minhas netas realizem obras tão heroicas!
(As mulheres seguem conversando, mas agora a cena se centra nos homens, que saem da Igreja)
André: Então, os rumores de perseguição parecem cada vez mais certos…
Pe. Inácio: Assim é, irmãos, já em algumas aldeias os cristãos foram atacados, queimaram suas casas e as
Igrejas. Alguns deles entregaram suas vidas. Para que vejam a que ponto chegamos, nossa aldeia vizinha foi
invadida e não ficou pedra sobre pedra.
Pedro: Ditosos eles que já estão gozando da vida eterna.
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Carlos: Sim! Ditosos eles. Entretanto, os que ainda ficam… Aqueles que ainda estão entre nós, que perderam a
suas famílias, suas casas e Igrejas.
André: E o senhor, Padre O que diz? Podemos nós fazer algo?
Pe. Inácio: Eu diria não só que podemos senão que devemos: são nossos irmãos, e embora Mãe, Nossa Senhora,
Imperatriz da China.
Pedro: Então, já não há mais que pensar, devemos obrar logo, para logo poder aliviar a dor de nossos irmãos.
André: Meu pai e eu podemos levar provisões: mantas, casacos; pedirei a minha esposa e a minhas filhas que
preparem mantimentos.
Pedro: Eu posso fazer outro tanto entre meus alunos do catecismo.
Carlos: Se tudo ocorrer bem, acredito que podemos partir em dois dias.
Pe. Inácio: Entretanto, não só de pão vive o homem…
Pedro: O que quer dizer, Padre?
Pe. Inácio: Refiro-me a que morreu o missionário da aldeia vizinha, e acima de tudo, os cristãos necessitam o
auxílio dos sacramentos. Sei que o Senhor me está pedindo que vá socorrer a estes cristãos que estão como
ovelhas sem pastor.
André: Bem, já não temos mais tempo que perder, vamos preparar as provisões, o melhor seria poder partir
amanhã mesmo.
(Começam a caminhar em direção ao grupo de mulheres quando os surpreende um forte estrondo, soa um
gongo que anuncia a chegada de mensageiros imperiais)
(Ao escutar o som, Carlos e André correram para o lugar onde se encontram as mulheres para as proteger, o
Padre Inácio e Pedro, o catequista os seguiram)
Soldado 1: Olhe (com ar depreciativo ao grupo e fala a seu companheiro) Exatamente o que procuramos, uma
aldeia de cristãos
Soldado 2: Com sacerdote e tudo…
Pe. Inácio: O que procuram aqui?
Soldado 1: Aos que desobedecem ao imperador, para lhes ensinar a obedecer.
Pe. Inácio: Esta gente não cometeu nenhum delito, somente praticam a sua fé! Do que você fala?
Soldado 1: A vontade do imperador é que em cada parte de nossa legendária China, renda-se culto aos deuses
de nossos ancestrais.
Pe. Inácio: E senão for assim?
(Os dois soldados se dirigem com um sorriso malicioso)
Soldado 2: (Tira um papiro e começa a ler)
“É vontade do imperador que em cada região, província, e até nas menores aldeias, o povo chinês permaneça fiel
aos deuses de nossos antepassados. Quem desobedecer a esta ordem, deverá abandonar o império ou será
condenado a morte”
Soldado 1: (Ironicamente) Que tenham um bom dia, amáveis aldeãos. (Os soldados retiram-se)
A família se olha com cara de desconcerto e começa a comentar entre si enquanto vai fechando o telão
CENA 2: EM CASA DA FAMÍLIA WANG
(Estão as mulheres em casa costurando. Entram André e Carlos)
André: (Pensativo) Ainda não vejo claramente.
Inês: O que filho?
André: Que devemos tomar uma decisão! Não posso entender o que é o correto em nossa condição de cristãos:
abandonar o império para conservar a vida ou permanecer aqui e…
Inês: Possivelmente entregar a vida pelo Senhor. (Faz-se um grande silêncio na sala)
Carlos: Deus não só nos deu uma fé, mas também uma nação a qual devemos honrar.
Águeda: e que melhor que honrá-la com o testemunho de nossa fé em Jesus Cristo.
Inês: meu filho, lembre que o sangue dos mártires são sementes para novos cristãos. Possivelmente Deus espera
nossa entrega generosa para abençoar a China para que um dia também seja cristã.
André: Terá que preparar às meninas.

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(Águeda e Inês cruzam um olhar)
Águeda: As meninas estão mais preparadas do que você.
(Entram Luzia e Cecilia trazendo umas cestas)
Cecília: Avô, esta é nossa oferenda para os meninos cristãos da aldeia vizinha.
Luzia: Certamente ficarão muito felizes ao receber nossos obséquios.
Cecília: O Padre Inácio nos contou que uma menina de doze anos foi tomada pelos soldados e ameaçada para
renegar da fé em Cristo. Ao ver que se negava a fazê-lo, torturaram-na cruelmente.
Luzia: Mas ela foi valente e suportou tudo por amor a Jesus.
Cecília: Finalmente morreu decapitada na praça. Nós dissemos ao Padre que queremos ser como ela.
(Os pais se olham agradados)
Águeda: Certamente Deus ouvirá seus desejos, minhas filhas.
(Entra o Padre Inácio)
Pe. Inácio: Boa tarde.
Todos: Boa tarde, Padre.
Pe. Inácio: Já estou preparado para partir.
Inês: Então, vamos procurar as coisas. (Sai Inês, seguida de Águeda e as meninas)
Pe. Inácio: Pedro, o catequista tomará conta da Igreja durante minha ausência.
André: Nós também estamos preparados, Padre.
Pe. Inácio: Não acredito que seja prudente deixar sua família desprotegida.
Carlos: O que quer dizer?
Pe. Inácio: A perseguição se desatou com mais fúria que nunca, em qualquer momento podem entrar na aldeia.
André: Tampouco podemos deixar de socorrer nossos irmãos. Afinal se Deus está conosco quem será contra
nós ?
Carlos: É verdade, mas de todas formas, devemos ser prudentes, a família não pode ficar desamparada.
André: Então, vocês vão, eu fico cuidando delas.
Carlos: Obrigado, filho, assim viajarei em paz.
(Despedem-se com um abraço.)
CENA 3: NOVAMENTE, EM CASA DA FAMÍLIA WANG
(André passeia nervoso enquanto as mulheres realizam seus trabalhos)
Inês: É estranho que não retornem, já se passaram três dias
Águeda: Certamente encontraram com muito trabalho.
André: Era o que esperávamos: curar feridos, sepultar mortos, repartir provisões; inclusive tratar de reconstruir a
Igreja. Muito trabalho para duas pessoas.
Cecília: Não se preocupe, vovó, nosso avô está bem, pedi ao anjo da guarda que o protegesse.
André: Penso que se a tarefa estiver muito árdua, pedirão reforços.
(Abre-se estrepitosamente a porta, entra Pedro, catequista).
Pedro: Os soldados entraram na aldeia.
André: Calma. O que aconteceu?
Pedro: Faz uma meia hora entraram na Igreja, estavam procurando o Padre Inácio, comentavam entre si que
eliminar ao missionário era a melhor forma de vencer aos cristãos. Eu me escondi no coro e dali pude ver tudo.
André: O que aconteceu depois?
Pedro: um deles então disse que o padre poderia estar escondido na casa de algum cristão. Disseram que se não o
encontravam, de todas as formas exterminariam aos cristãos.
André: Isso quer dizer que à Igreja não retornarão. Vai lá e prepara um lugar para refugiar a nossos irmãos, eu
avisarei aos que puder. (Saem)
Inês: Meninas, peçamos a Nossa Senhora que nos proteja.

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(As quatro se ajoelham ante a imagem da Imperatriz da China e oram em silêncio. Logo depois de uns
momentos de profunda oração, entra André, e comovido pela piedade delas, também se ajoelha para unir-se em
oração).
(Entram os dois Soldados, acompanhados por Le Tuy)
Le Tuy: Assim queria encontrá-los. (Os membros da família se levantam o escutar a voz de Le Tuy)
Le Tuy: (Assinalando o quadro de Nossa Senhora) Não precisamos de mais provas de que esta gente honra a
deuses estrangeiros!
Cecília: Maria não é estrangeira, é a Imperatriz da China.
Soldado 1: Silêncio!!!
André: E embora não existisse prova alguma, nós não ocultaríamos que somos cristãos. É nossa maior honra.
Soldado 2: Então, compartilhem sua honra com o grupo de cristãos que espera a ser decapitado na praça.
Inês: Bendito seja Deus.
Águeda: E sua Santa Mãe.
Luzia: Benditos sejam os Santos mártires.
(Os soldados lhes atam as mãos e os fazem sair, eles partem serenamente)
CENA 4: EM CASA DA FAMÍLIA WANG, AGORA EM RUINAS APÓS DO INCÊNDIO
Voz em off de Pedro o catequista: Eu presencie tudo do sino da Igreja, tinha subido ali para inspecionar logo
depois de receber a algumas pessoas que tinham vindo a pedir refúgio. Primeiro decapitaram a André,
acreditando que assim fariam fraquejar ao resto da família. Ao ver que não o conseguiam se enfureceram com a
avó Inês. Ela não pronunciou palavras, só os olhava com um gesto de compaixão. Águeda a seguiu, suas últimas
palavras foram dirigidas a suas filhas, e qual outra mãe dos macabeus as exortava a não desfalecer no combate
final “minhas Filhas, não traiam Jesus, espero-as no céu”. Finalmente tomaram às meninas que se dirigiram
decididamente ao lugar da execução. Foram tiradas da mão e não separavam seu olhar do céu. Todos
morreram perdoando.
(Aparecem o Padre Inácio, Carlos e Pedro, que continua o relato que começou com a voz no off.)
Pedro: Por um momento, tive o impulso de baixar ao lugar para compartilhar com eles a glória do martírio. Mas
ouvi a voz de Deus que me dizia “Detenha, ainda não chegou sua hora” Então entendi que o martírio era uma
graça que Deus concedia a alguns, por um mistério de sua providência e que Deus me pedia que cuidasse dos
cristãos que, estavam refugiados na Igreja.
Pe. Inácio: Eu não estive aqui para assisti-los.
Pedro: Deus assim o dispôs, de ter estado, Padre, hoje não teríamos sacerdote.
Carlos: Quem se encarregou da execução?
Pedro: Le Tuy.
Carlos: Ele mesmo?
Pe. Inácio: Conhece-o?
Carlos: Foi meu aluno na escola. Quando terminou seus estudos partiu ao Pekín para alistar-se no exército.
(Senta-se pensativo, põe a cabeça entre as mãos)
Pe. Inácio: (dando-lhe umas batidinhas nas costas) Querido amigo, sei que isto é muito doloroso, mas deve
saber que Deus te abençoou grandemente. Escolheu a sua esposa e a seus filhos para serem suas testemunhas.
Eles já estão céu, no coro dos mártires.
CENA 5: (CASA PAROQUIAL)
(Padre Inácio caminha pela sala rezando o rosário, logo depois de uns instantes entra Carlos Wang)
Carlos: Boa tarde, Padre.
Pe. Inácio: Boa tarde, Carlos Muito trabalho hoje?
Carlos: Muito. Mas, está bem, o trabalho é saudável ao corpo, e quando se trabalha para os pobres, também à
alma.
Pe. Inácio: Carlos, sente-se. (Ambos se sentam). Tenho algo a lhe dizer. Mas antes me responda: O que faria se
encontrasse com o assassino de sua família?
Carlos: pularia no pescoço dele!

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Pe. Inácio: Escuta, Carlos, Le Tuy está a ponto de entrar na aldeia e você deve refletir como verdadeiro cristão.
Somos cristãos ou não o somos. (Pausa) Tem mártires em sua família e não só por ter entregue suas vidas por
Cristo, mas também porque morreram perdoando a seus verdugos.
Carlos: (Baixa a cabeça) Então O que devo fazer?
Pe. Inácio: O mesmo que eles fizeram, o mesmo que fez Cristo com você e com cada homem.
Carlos: (Reflete uma momento) Tem razão, Padre. Estou disposto a perdoá-lo.
Pe. Inácio: Isso te fará mais digno do nome de cristão.
(Batem a porta)
Pe. Inácio: Deve ser algum pobre: Adiante!
(Entra Le Tuy, tímido e cabisbaixo. Nesse momento chega Pedro.)
Le Tuy: Com sua permissão, disseram-me que aqui poderia encontrar ao Carlos Wang.
Carlos: (fica em pé) Sou eu sou.
Le Tuy: Reconhece-me?
Carlos: claro que sim.
Le Tuy: Eu assassinei a sua família, tem você direito a me tratar como desejo.
(Carlos logo depois de um momento o abraça, Le Tuy põe-se a chorar.)
Carlos: Deus te perdoou, minha família também, como eu não te perdoaria?
Le Tuy: Senhor, eu não compreendo sua atitude, mas lhe estou profundamente agradecido.
Carlos: Certamente o dia em que executou a minha família, desconhecia que tipo de homens eram os cristãos.
Espero que agora possa nos conhecer de verdade. Que tenha um bom dia.
(Carlos retira-se em companhia de Pedro.)
Pe. Inácio: E não o compreenderá até que conheça o Jesus Cristo.
Le Tuy: Padre, ainda não entendo que força interior há a este homem seja capaz de perdoar a atrocidade que
cometi com sua família, mas penso que se um cristão for capaz de tanta bondade… Quanto melhor será o Deus
dos cristãos!
Pe. Inácio: meu filho, Deus é a própria bondade, toda a bondade e misericórdia que possa encontrar em um
homem é um pequeno brilho da bondade e misericórdia de Deus.
Le Tuy: Padre, queria conhecer o Deus dos cristãos, e se me permitissem isso, um dia poder ser eu também um
de vocês.
Pe. Inácio: claro que sim, comecemos agora mesmo. (Saem, conversando)
CENA 5: NA IGREJA
(Na Igreja, o Padre Inácio revestido para celebrar o batismo. Le Tuy vestido de branco)
Pe. Inácio: Hoje é um dia muito importante, desde hoje será filho de Deus. Mas escolheu já seu padrinho?
Le Tuy: Em um excesso de sua bondade, o velho Wang me aceitou como seu filho espiritual, será meu padrinho
de batismo.
Pe. Inácio: Isso me enche de alegria. Olha Le Tuy, Deus pode tirar bens ainda dos maiores males. O que
aconteceu com a família Wang, Ele o permitiu para mostrar de que modo sua misericórdia triunfa sobre os piores
pecados.
Le Tuy: Com o tempo, Padre, escutando suas lições de catecismo compreendi algo muito valioso: meu pecado
foi tremendo, mas de não ter sido assim, não teria conhecido a Jesus Cristo.
Pe. Inácio: A quem muito lhe foi perdoado demonstra muito amor.
Le Tuy: Aí vem o velho Wang.
(Entra Carlos acompanhado por Pedro)
Pe. Inácio: Bem, já estamos todos pressentes, podemos começar com a cerimônia.
Carlos: Logo, Padre, já desejo que este homem possa ser filho de Deus, e filho espiritual deste pobre ancião.
(Carlos se coloca junto a seu afilhado e Pedro faz a função de coroinha)
(Continuando, enquanto soa uma música apropriada à representação, realiza-se com mímicas, o rito do
batismo, logo do qual, o novo cristão se prostra ante o Sacrário em profunda oração, junto a ele ora seu
padrinho)

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