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BIOLOGIA

Falar “à bebé” é uma linguagem universal


As conversas com os bebés são sempre momentos de carinho e até adaptamos a nossa voz para
falarmos com eles. Uma equipa de cientistas que estudou essas mudanças na voz concluiu que
isso acontece com pessoas de diferentes culturas e em várias línguas.

Teresa Sofia Serafim


16 de Outubro de 2017, 8:30

Mãe a conversar com o seu filho YURIKO NAKAO / REUTERS

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Imagine que está a falar com um adulto e depois aparece outra pessoa com um bebé.
Quando se dirige ao bebé, o seu discurso muda logo. O tom da voz torna-se exagerado,
utiliza palavras mais pequenas e prolongadas e diz frases repetitivas que todos conhecemos.
Está a falar “à bebé”. Foram estas conversas com os mais pequenos que cientistas dos
Estados Unidos observaram em diferentes mães e em várias línguas. Concluíram que o
timbre da voz muda sempre de forma muito específica, independentemente do tipo de voz
da pessoa ou da língua que fala, segundo um artigo científico (http://www.cell.com/current-
biology/abstract/S0960-9822(17)31114-4) publicado na edição desta semana da revista
Current Biology.

O grande objectivo de Elise Piazza e da sua equipa do Laboratório do Bebé (Baby Lab), da
Universidade de Princeton (Estados Unidos), é perceber como as crianças aprendem a falar
e adquirem a linguagem verbal logo desde muito novas. Agora, dentro desse grande
trabalho, estudaram a forma como as mães ajustam a sua voz quando falam com o seu
bebé.

Falar “à bebé” é algo que já tem vindo a ser estudado em várias línguas e culturas.
“Sabemos há muito tempo que os adultos mudam a forma como falam quando se dirigem
aos bebés”, refere Jenny Saffran, psicóloga da Universidade de Wisconsin-Madison (Estados
Unidos) e que não está envolvida no trabalho, num comunicado da Universidade de
Princeton.

Tendo isso em conta, no recente trabalho os cientistas norte-americanos usaram um


computador para diferenciar o discurso quando um adulto fala com outro adulto e quando
fala com um bebé. Este computador tinha um sistema de aprendizagem computacional
(machine learning, em inglês), que diferenciava o falar “à bebé” do falar dos adultos em
apenas um segundo de gravação de voz.

Foi sobretudo utilizado como indicador o timbre. E porquê? O timbre é a característica do


som que permite distinguir uma voz (ou instrumento), mesmo quando as notas têm a
mesma altura (frequência dos sons). Ou seja, deve-se à forma como o som é produzido. E é
através dele que conseguimos diferenciar vozes aveludadas como a do cantor norte-
americano Barry White (1944-2003) ou a mais arranhada do também cantor norte-
americano Tom Waits. Os dois têm timbres diferentes, mesmo quando cantam na mesma
nota, indica o comunicado. “O timbre é definido como a qualidade única do som”, classifica
Elise Piazza.

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Bebé e a sua mãe no Baby Lab SAMEER A.
KHAN/FOTOBUDDY

Para perceberem as diferenças do timbre, os cientistas começaram por gravar o discurso de


12 mães que falavam em inglês com os seus filhos entre os sete e 12 meses. Gravaram
também essas mães a conversarem com outro adulto. Aí o computador detectou logo a
diferença entre o discurso para os bebés e o discurso para os adultos.

Depois, utilizaram gravações de outras 12 mães que falavam nove línguas diferentes:
espanhol, russo, polaco, húngaro, alemão, francês, hebraico, mandarim e cantonês. A
equipa concluiu que a mudança de timbre observada nas mães que falavam inglês era
“altamente consistente” com a das mães que conversavam noutras línguas. Ou seja, falar “à
bebé” é uma linguagem universal. “É tão consistente entre todas as mães”, diz Elise Piazza
no comunicado. “Elas usam o mesmo tipo de mudança [na voz] para passaram de um modo
[de falar] para o outro.”

E os pais?
“Este é o primeiro estudo que questiona se [as mães] também mudam o timbre da sua voz,
utilizando o tipo de características que diferencia os instrumentos musicais uns dos outros
[como o timbre]”, realça por sua vez Jenny Saffran. “Isto é fascinante porque, claramente,
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os falantes não estão conscientes da mudança do timbre. Este novo estudo mostra que isso
é uma característica altamente sólida na fala com os bebés.”

No futuro, a equipa vai continuar a estudar a forma como a mudança do timbre ajuda as
crianças na sua aprendizagem, bem como o timbre noutros tipos de fala como a política ou
a romântica. E se este trabalho só contemplou as mães, os homens também não estão
esquecidos e o próximo passo será analisar o seu timbre e de outras pessoas que cuidam
dos bebés. “Imagine uma orquestra inteira simultaneamente a tocar no mesmo tom e
afinação”, exemplifica Elise Piazza sobre o falar “à bebé”. Essa orquestra da aprendizagem
do bebé está agora a ser investigada.

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