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Gênero, Sexualidade e Direitos: Construindo

Políticas de Enfrentamento ao Sexismo e a


Homofobia

Palmas, Tocantins
2012

Organizadoras:
Bruna Andrade Irineu
Cecilia Nunes Froemming
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Biblioteca da Universidade Federal do Tocantins
Campus Universitário de Palmas

I68g

Gênero, Sexualidade e Direitos: construindo políticas de


enfrentamento ao sexismo e a homofobia / Bruna Andrade Irineu, Cecilia
Nunes Froemming. - Palmas, 2012.
257 p.

ISBN: 978-85-64216-07-5
Tiragem: 1ª edição: 900 exemplares.

1. Gênero. 2. Sexualidade. 3. Direitos. 4. Educação. 5. Sexismo.


6. Homofobia. I. Froemming, Cecilia Nunes. III. Título.

CDD 305.3

Índice para catálogo sistemático:

1. Sexismo 305.3
2. Homossexualidade 306.766

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A violação dos direitos do autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo
184 do Código Penal.
“O que importa é a não ilusão, a manhã nasce”
Frida Kahlo
Sumário

Apresentação
Bruna Andrade Irineu e Cecilia Nunes Froemming ............... 9

Parte I - Politicas de Enfrentamento ao Sexismo e a


Homofobia no Ambiente Escolar ...................................... 17

Gênero e Sexualidade na Escola: desafios para a educação


como prática reflexiva de liberdade
Fernando Pocahy ................................................................... 19

Gênero, Diversidade Sexual e Currículo: um diálogo possível


e necessário
Rubenilson Pereira de Araújo e Flávio Pereira Camargo ..... 39

Homofobia e Sexismo no Ambiente Escolar: desafios e


possibilidades político-pedagógicos da extensão universitária
para o Serviço Social
Bruna Andrade Irineu e Cecilia Nunes Froemming ............... 57

Educação, Gênero e Diversidade Sexual: reflexões a partir


do Projeto “Políticas de Enfrentamento ao Sexismo e a
Homofobia no Ambiente Escolar: Re-significando as Práticas
Educativas no estado do Tocantins”
Bruna Andrade Irineu e Cecilia Nunes Froemming ............... 81
Parte II - Cenas e Contextos da Diversidade Sexual no
Tocantins .............................................................................. 101

GIAMA – Grupo Ipê Amarelo pela Livre Orientação Sexual:


nove anos na luta contra a homofobia
Silvânio Motta e Renilson Cruz .............................................. 103

“Políticas, Direitos e Homofobia”: uma análise do perfil sócio-


econômico e político-cultural de participantes da VII Parada
do Orgulho LGBT de Palmas
Bruna Andrade Irineu e Cecilia Nunes Froemming ............... 109

Mapeamento dos padrões de violência, discriminação e


violações de direitos contra a população LGBT no Tocantins
Bruna Andrade Irineu e Cecilia Nunes Froemming ............... 125

O protagonismo das/os estagiárias/os frente aos desafios das


questões de gênero e sexualidade no universo acadêmico:
a experiência no Núcleo de Pesquisas, Estudos e Extensão
em Sexualidade, Corporalidades e Direitos da Universidade
Federal do Tocantins
Jean Bezerra da Silva, Luciene Gama. Andrade, Marcela Novais
Santos, Milena Carlos de Lacerda e Rosana Benício ............ 145

Juventude LGBT e bullying homofóbico nas instituições


educacionais: relatos e debates de experiências no Tocantins.
José Damião T. Rocha ............................................................ 167
Parte III - Refletindo sobre Gênero, Sexualidade e Politicas
Públicas ................................................................................. 197

Gestão das políticas públicas para população LGBT no Brasil:


um relato de experiência
Mitchelle Benevides Meira ..................................................... 199

Políticas de Saúde voltada ás Lésbicas: sobre as possibilidades


de reverter um quadro histórico de invisibilidade
Fernanda Calderaro da Silva ................................................. 211

Políticas de Sexualidade, Conectividade e Educação


Jandira Queiroz ...................................................................... 237

Considerações Finais
Bruna Andrade Irineu e Cecilia Nunes Froemming ............... 253
Apresentação

Bruna Andrade Irineu1


Cecilia Nunes Froemming2

Nesta publicação intitulada Gênero, Sexualidade


e Direitos: construindo políticas de enfrentamento ao
sexismo e a homofobia, reunimos textos de sujeitos políticos
que contribuíram com o projeto de extensão “Políticas
de enfrentamento ao sexismo e a homofobia no ambiente
escolar: re-significando as práticas educativas no estado do
Tocantins3” em momentos distintos das seis edições realizadas
em municípios do Tocantins. E também, artigos acadêmicos
com a socialização de resultados de pesquisas desenvolvidas
na VII Parada do Orgulho LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis e Transexuais) do Tocantins e com participantes do
projeto extensão supracitado. Para tanto, subdividimos os doze
artigos que conformam os capítulos do livro em três partes.
Na primeira parte, intitulada “Políticas de
enfrentamento ao sexismo e a homofobia no ambiente
escolar”, contendo quatro textos, estes trazem relevantes
discussões sobre gênero, diversidade sexual e educação.

1 Assistente Social. Doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal do


Rio de Janeiro (UFRJ). Mestra em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG).
Professora do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Tocantins. Coordenadora
do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão “Sexualidade, Corporalidades e Direitos”.
2 Assistente Social. Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás
(UFG). Mestra em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS). Professora do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Tocantins.
Coordenadora do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão “Sexualidade, Corporalidades e
Direitos”.
3 Este projeto fora financiado pela Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (SECADI/MEC).

9
Acompanhando preocupação presente desde a elaboração
do projeto de extensão, que leva o mesmo título desta parte
inicial, objetivou-se elencar referenciais teóricos e políticos
que consubstanciam o debate sobre gênero, sexualidade e
educação na contemporaneidade.
Inicia-se este livro com o artigo “Gênero e sexualidade
na escola: desafios para a educação como prática de liberdade”,
onde Fernando Pocahy explora a discussão sobre os
dispositivos das relações de gênero e a sexualidade no campo
escolar, a partir da compreensão destes enquanto aspectos
que proporcionam inteligibilidade humana produzidos a
partir jogos “biopolíticos”, nos termos de Michel Foucault. O
autor parte do reconhecimento da abjeção no espaço escolar,
que relegam os sujeitos que escapam à heterossexualidade
ao silêncio e a homofobia, problematizando ainda as marcas
de (hetero)normalização no corpos e vidas resultantes de
uma educação conformada ao (hetero)terrorismo de gênero
e sexualidade. Para tanto, propõe que reflitamos sobre o que
estamos fazendo das “nossas vidas” e da “vida dos outros”,
como uma ferramenta para pensar/elaborar uma educação
pautada numa prática reflexiva de liberdade.
Em “Gênero, Diversidade Sexual e Currículo: um
diálogo possível e necessário”, Flávio Camargo e Rubenilson
Araújo problematizam o acesso e a permanência na escola a
partir do atual e pretenso dilema da “aceitação do diferente”.
Amparam-se no contexto de implementação das políticas
educacionais inclusivas para, a partir da contribuição dos
estudos de gênero e do aporte foucaultiano, posicionar-se
acerca da necessidade de inserção da discussão de sexualidade

10
e gênero nos currículos para além do que os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN’s) vêm referenciando sobre
“orientação sexual”, ampliando-o para o debate da diversidade
sexual.
Bruna Irineu e Cecilia Froemming apresentam resultado
da pesquisa e experiência de extensão em gênero e diversidade
sexual ocorrida entre os anos de 2009 e 2011, tendo em vista as
perspectivas que permeiam o Projeto Ético-Político do Serviço
Social (área disciplinar a que se vinculam as ações que ambas
tem desenvolvido na Universidade Federal do Tocantins).
Em “Homofobia e Sexismo no ambiente escolar: desafios e
possibilidades político-pedagógicos da extensão universitária
para o Serviço Social” traçam o perfil das/os participantes do
curso preocupando em sistematizar as principais violações
de direitos as LGBT na política de educação. Já no artigo
intitulado “Educação, Gênero e Diversidade Sexual: reflexões
a partir do projeto ‘Políticas de Enfrentamento ao Sexismo e
a Homofobia no ambiente escolar: re-significando as práticas
educativas no estado do Tocantins’”, analisam os projetos de
intervenção produzidos e falas das/dos participantes no mesmo
curso de extensão durante os módulos realizados. O ineditismo
de um diagnóstico acerca da homofobia e do sexismo nas
escolas, que abrangesse a capital e cidades do interior do
estado do Tocantins são determinantes no valor destes textos.
Na segunda parte, intitulada “Cenas e contextos da
diversidade sexual no Tocantins”, reuniu-se cinco artigos
que delineiam o cenário tocantinense da (in)visibilidade de
lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT)
e a proeminência da homofobia e do heterossexismo como

11
resposta às manifestações que não escapam ao “imperativo
heterossexual”.
Ao discutir a questão da homofobia, Sedgwick4 (2007,
p. 26) considera a “epistemologia do armário” como dispositivo
regulador da vida de gays e lésbicas no século XX, a “estrutura
definidora da opressão”. Esta opressão se dá tanto na dimensão
subjetiva, quanto na ausência de direitos, de proteção
jurídica e políticas que reconheçam as homossexualidades,
travestilidades e transexualidades como práticas sexuais e
identidades de gênero legítimas é uma manifestação desta
segregação social.
No relato de experiência intutlado “Grupo Ipê Amarelo
pela Livre Orientação Sexual: nove anos de luta”, Renilson
Cruz e Silvânio Motta abordam a atuação da única organização
não-governamental que atua na defesa e promoção dos
direitos humanos LGBT em Tocantins, especialmente no
que se refere à prevenção de DST/AIDS. A lógica simbólica
que mencionávamos só pode ser questionada, a partir de
mobilizações de grupos como o GIAMA, que romperam o
silêncio e foram às ruas para construir uma política sexual
a partir do reconhecimento de direitos sexuais das pessoas
LGBT.
A partir de análises acerca dos dados coletados na VII
Parada do Orgulho LGBT de Palmas, Bruna Irineu e Cecilia
Froemming traçam em “Políticas, Direitos e Homofobia:
uma análise do perfil sócio-econômico e político-cultural de
participantes da VII Parada do Orgulho LGBT de Palmas”

4 SEDWICK, Eve. A Epistemologia do Armário. Cadernos Pagu, nº 28. Campinas:


2007.

12
indicadores sociais inéditos acerca da população LGBT
tocantinense. Os índices são problematizados e agregados a
discussão acerca dos padrões de violência e discriminação
homofóbica em “Mapeamento dos padrões de violência,
discriminação e violações de direitos contra a população
LGBT no Tocantins”, que demonstram comprometimento
entre o “fazer” ciência e o “fazer” política. A possibilidade
de diálogo entre universidade e movimentos sociais na
construção de uma sociedade democrática torna-se perceptível
nos esforços apresentados nestes dois artigos.
Jean Bezerra, Luciene Gama, Marcela Novais, Milena
Lacerda e Rosana Benício explicitam no relato intitulado: “O
protagonismo das/os estagiárias/os frente aos desafios das
questões de gênero e sexualidade no universo acadêmico: a
experiência no Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em
Sexualidade, Corporalidades e Direitos”, a profunda relevância
oportunizada por projetos de pesquisa e extensão para a vida
acadêmica de jovens estudantes. O amadurecimento teórico e o
desenvolvimento de uma capacidade crítica frente a temas que
antes eram vistos como “tabus pessoais” podem ser verificados
por outro prisma a partir destas valiosas experiências.
Damião Rocha reúne, em “Juventude LGBT e Bullying
Homofóbico nas instituições educacionais: relatos e debates
de experiências no Tocantins”, profícuas reflexões teóricas
acerca de vivências cotidianas e relatos de investigações
no espaço universitário tocantinense. Embora partilhemos
do entendimento de Diniz e Lionço5 (2009) sobre o efeito

5 Ver DINIZ, Débora; LIONÇO, Tatiana. Homofobia e Educação – um desafio para


o silencia. ANIS: Brasília, 2009.

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linguístico e ideológico acerca da adoção do termo bullying,
quando este tende a encobrir a homofobia nas escolas.
Reconhecemos que a discussão é recente e que o autor traz,
em seu próprio texto, elementos que podem servir para
desnaturalizar o uso pouco reflexivo que a academia e o
movimento LGBT tem feito do termo bullying.
Na terceira parte, intitulada “Refletindo sobre
gênero, sexualidade e políticas públicas”, pode-se encontrar
três capítulos que interpretam e problematizam a inserção
das demandas da população LGBT nas políticas sociais
brasileiras e a recente relação entre Estado e sociedade civil no
reconhecimento deste segmento enquanto sujeito de direitos.
Em “Gestão e políticas públicas para a população
LGBT no Brasil: um relato de experiência” é apresentado por
Mitchelle Meira valioso relato acerca das possibilidades e limites
da gestão das políticas públicas LGBT através de sua inserção
em âmbito municipal e federal em órgãos institucionalizados
de promoção da cidadania LGBT. Os entraves institucionais
imbricados na homofobia institucional são apontados pela
mesma como “ponto crucial” para efetivação de ações para
esta população. A possível institucionalização de um órgão
em níveis federal, estaduais e municipais com destinação
orçamentária é percebida pela autora como um caminho para o
qual as demandas do movimento LGBT devem percorrer.
No artigo “Políticas de saúde voltada às lésbicas:
sobre as possibilidades de reverter um quadro histórico
de invisibilidade”, se verifica contribuições significativas
acerca das vivências políticas de lésbicas elaboradas por
Fernanda Calderaro. A autora promove profunda reflexão

14
acerca da constituição das políticas públicas, destacando
a centralidade da atuação dos movimentos sociais para o
outorgamento das mesmas. Tendo nas políticas de saúde o
seu foco, a mesma retoma o percurso histórico da formulação
das demandas no campo da saúde pelo movimento de lésbicas
no Brasil salientando os riscos da normalização dos padrões
comportamentos presentes nestas políticas e as possibilidades
de resistência a norma.
Jandira Queiroz aborda em, “Políticas de Sexualidade,
Conectividade e Educação”, a relação entre a laicidade e direitos
humanos a partir de situações exibidas na internet. Ressalta
preocupantes índices acerca da circulação da informação,
como processo educativo indispensável para politização dos
sujeitos. Cabe afirmar que, quando há ausência de cidadania, o
espaço da política passa ser co-habitado pelo poder de polícia. A
moral sexual reiterada, e hoje, legitimada no Senado e Câmara
Federal, pelos discursos de grupos religiosos conservadores,
se coloca como grande opositor a justiça erótica, entendida
aqui como possibilidade de estruturação e agenciamentos dos
sujeitos que transcenda as convenções sociais de gênero e
sexualidade (RUBIN, 19846), e a democracia efetiva no Brasil.
Resta-nos o desejo de que estes trabalhos reunidos nesta
publicação, que exprimem o esforço de legitimar um campo
teórico permeado por discursos em uma arena de constantes
disputas, possam facilitar investigações acadêmicas e subsidiar
práticas de enfrentamento ao sexismo e a homofobia, capazes
de romper com as hierarquias sexuais, de gênero e de direitos.

6 Ver RUBIN, Gayle. Thinking Sex: Notes for a Radical Theory of the Politics of
Sexuality. In: VANCE, Carol. (ed.) Pleasure and Danger: Exploring Female Sexuality. New
York: Routledge, 1984.

15
Parte I
Politicas de Enfrentamento ao Sexismo e a
Homofobia no Ambiente Escolar
Gênero e Sexualidade na Escola: desafios para a educação
como prática reflexiva de liberdade

Fernando Pocahy1

Estilhaça a tua própria medida.


Hilda Hilst
[extraído do poema Alcoólicas]

A Educação Escolar é um campo em disputa e sua


agonística pode ser traduzida para além do pragmatismo das
demandas e mazelas de nosso tempo, como a dita crise da
“autoridade professoral”, a desprovida situação de educadoras e
educadores e a precariedade das políticas públicas de um Brasil
ufanista e ainda muito miserável e desigual. A escola é uma
arena onde nos vemos dentro-fora de relações ora re-criadoras
da capacidade de aprender-ensinar e de experimentações
políticas, ora objetificadora das subjetividades que vão sendo
produzidas e negociadas ao mesmo tempo. Mas, estamos
andando e a educação escolar segue seu passo, desafiada
cotidianamente pelas tensões produzidas nas transformações
sociais de um Brasil que ainda não é para todas e para todos,
mas é um país que deseja que outras vozes e outros corpos
definam o que é democracia, o que é educação, o que é política...
É por isso, eu arrisco dizer, um dos maiores desafios
da educação tem a ver com a democracia. E eu traduzo isso

1 Pós-Doutorando em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa


Catarina (UFSC), Doutor em Educação e Mestre em Psicologia Social pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Email: pocahy@uol.com.br

19
afirmando que nossos problemas na Educação têm a ver
com ética, no sentindo da relação com a liberdade; estética,
na relação dos modos de vida em suas formas, expressões e
contornos existenciais, que muito pouco corresponderia às
garantias do que aprendemos a pensar como o sujeito escolar.
E, sobretudo, na experiência política, no dramático plano
relacional das disputas pelas formas de governar e viver em
sociedade.
Afinal, é na disputa sobre o que se deve conhecer,
como se deve conhecer, quem pode e está autorizado a
ensinar que a educação escolar se constitui como campo
agonístico - um jogo/disputa que envolve “incitação recíproca
e de luta; tratando-se, menos de uma oposição de termos
que se bloqueiam mutuamente do que de uma provocação
permanente” (FOUCAULT, 1995, p.245).
Cabe lembrar que nessa agonística ético-estético-
política da/na/para educação contemporânea as figuras e
relações que a desestabilizam nem sempre têm forma precisa:
são mutantes, estranhas, estrangeiras e, ao mesmo tempo
familiares, próximas, circunvizinhas - fazendo parte de nossas
vidas – mas infelizmente não as enxergamos. Ao nosso alcance
ou em nós mesmos estão questões de identidade – étnicas,
raciais, de gênero, sexuais -, processos de subjetivação,
corpo, instituições, pobreza, desigualdades de todas as ordens,
políticas de gestão da vida que desestabilizam as epistemologias
e produzem fissuras nas pedagogias canônicas.
Sabemos que um jogo de poder pode ser revertido,
através de uma possibilidade de distensão, mas não deixa de
existir jamais como uma sorte de continuum de disputa política

20
de significados. Bem entendido, estes jogos normativos em
suas distensões não ocorrem sem deixar rastros ou produzir
regulações e medidas – de inteligibilidade e elegibilidade.
Por isto, eles não deixam de ser “produtivos”. Esta pode ser
inclusive uma questão de inteligibilidade para a norma: ela
somente pode ser compreendida no instante de sua disputa e/ou
de seu esgotamento/estiramento, ou seja, no exato instante em
que ela discursivamente produz uma materialidade discursiva
– quando um discurso toma corpo.
De outra parte, cabe sublinhar, não se trata de dizer
que uma norma é boa ou ruim. Ela é de outra forma mais
ou menos restritiva no que tange às possibilidades éticas de
existir. Portanto, uma norma é em si mesma um arranjo de
forças que conferem inteligibilidades – que permitem que
um sujeito ou uma prática possam ler lidos, interpretados e
veiculados socialmente. O que significa arriscar dizer que
pode ser objetificante e/ ou operar no sentido de abrir novas
possibilidades de ressignificação da experiência humana,
re/instaurando mundos, novas identidades, oferecendo
assim renovadas possibilidades em termos de processos de
subjetivação, produzindo a possibilidade que alguém possa se
(re)pensar a partir do confronto de si com determinados jogos
de verdade. Ou não.
É possível imaginar e viver subversões a uma norma.
Não faltam evidências disto. Mas estas somente podem ser
concebidas como um instante particular e provisório. Mesmo
que uma norma porte em si a ideia de perenidade, sendo
elaborada para manter-se estável, esta constante nunca é
alcançada. Em algum momento a norma falha. Sempre falha. E

21
novos jogos de poder se instauram e certa margem de liberdade
pode ser aberta.
Uma ordem normativa, como aponta François Ewald
(1993), caracteriza a modernidade das relações saber-poder
– isto é, o arranjo político-cultural que segue no rastro da
Modernidade. Ela se faz em jogos que produzem verdades ao
mesmo instante em que estas verdades estão constantemente
sendo desestabilizadas através de novos arranjos e desarranjos
de poder; torno a dizer: na agonística das relações sociais e
subjetivas. E é por isso que estamos aqui – por isso falamos
em Educação em um sentido para além da escola - porque
a educação contemporânea, a educação de nosso tempo,
essa mesma educação que viaja no tempo, nos desafia
constantemente e vertiginosamente, produzindo fissuras,
acidentes e/ou acimentamento das subjetividades – as
possibilidades são muitas, é importante frisar.
Minhas reflexões e provocações para a Educação – e
a educação escolar –, nesse sentindo, se dirigem às formas
que instituem, inventam, modulam e regulam as nossas vidas,
considerando-se a especificidade das relações de gênero e a
sexualidade como dispositivos de excelência na inteligibilidade
humana produzida nos jogos biopolíticos (FOUCAULT, 1975).
Eu considero nessa perspectiva a hipótese de que educação
escolar tenta se reconstruir e se ressignificar desde as ruínas do
projeto político da modernidade – projeto esse alicerçado na
regulação das formas de vida.
Considerando que epistemologias generificadas e
sexualizadas de forma normativa funcionam como dispositivos
nesses jogos de poder-saber na constituição do social, cabe

22
perguntar: de que forma essas figuras engendradas nos
processos de materialização do corpo são representadas?; e
como estas formas são veiculadas e atravessam o campo da
educação escolar? Como as instituições educativas manejam,
produzem, regulam, (re)articulam o trabalho sobre o corpo,
interseccionado2 pelo gênero, pela sexualidade e pela raça?
(POCAHY & DORNELLES, 2010)
Seguindo algumas pistas a partir de estudos em Michel
Foucault e Judith Butler, nós podemos dizer que as estratégias
biopolíticas e as políticas discursivas normativas colocam
em vigilância e controle a vida. E é a partir da instauração
de identidades em torno da raça, classe e origem social,
fisionomia do corpo e sobre as posições que cada um ocupa
nas relações ‘generadas’, sexualizadas, etnicizadas, etarizadas,
que certa coerência vai trabalhar no sentido de constituir um
sujeito que importa e uma figura de humano que é reconhecida
socialmente (BUTLER, 2006) – aqui, um sujeito que conta
para a educação, notadamente.
Ao nos aproximarmos da idéia de processos de
subjetivação, no sentido atribuído por Foucault como as
relações que cada sujeito pode estabelecer e suas reações diante
de determinados jogos de verdade, entendemos a importância
de compreender de forma crítica as políticas de gestão da vida
nos engajamentos educativos, articuladas constantemente nos/
desde/sobre os jogos de produção de pedagogias de gênero e
de sexualidade (LOURO, 2000). Nestes, acentuo o trabalho

2 Segundo Silma Bilge (2009), a ideia de interseccionalidade vai além de um


simples reconhecimento da multiplicidade de sistemas de opressão. Isso significa dizer
pensar interseccionalidade como análise sobre as interações na produção e reprodução das
desigualdades sociais, analisando-as a partir dos regimes discursivos que produzem identidade
e diferença (SILVA, 2007).

23
de recitação e repetição das normas de inteligibilidade,
especialmente aquelas que trabalham no sentido de “limpar”
as representações que conferem reconhecimento sobre o que
é e pode entrar em consideração na definição de uma “vida
humana” – viável, elegível e inteligível (segundo determinadas
normas).
Mas a escola, diferente de muitos críticos, eu não a tomo
como algoz de nosso tempo. Educadoras e educadores lutam
cotidianamente para transformar as instituições de educação
escolar produzindo micromovimentos transformadores. Logo,
minha posição sobre a educação não é aquela de demonizar
a escola, educadoras e educadores, mas de pensar junto
com elas e eles – com vocês - o que estamos fazendo de nós
mesmos nesse campo de relação social, que é também plano de
produção de territórios existenciais – espaço de subjetivação.
Meu objetivo é pensar uma educação democrática e um mundo
sensível e menos desigual para todas e todos.
Agora, é quase certo para mim, e é preciso não
ser ingênuo, que o regime discursivo que segue no rastro
da modernidade, do qual a instituição escolar é herdeira,
ele maquina mecanismos que não param de se reinventar,
reatualizando e ritualizando (performatividade) estratégias de
normalização para a produção de indivíduos dóceis e uteis.
Essas engrenagens mortificadoras atuam através da reificação e
na cristalização de uma representação de um ideal de ‘humano’
– uma ficção inabalável e ao mesmo tempo inalcançável. Logo,
não demoramos a nos perguntar: mas de que figura de humano
estamos tratando? O que estamos produzindo em nossas
práticas educativas? Qual o status ontológico (a investigação

24
teórica do ser) dessas figuras de humanos que estamos tentando
definir como vidas que importam?
No rastro dessa reflexão rápida gostaria de compartilhar
mais algumas inquietações: como nós nos posicionamos,
enquanto intelectuais e/ou educadores/as, diante das formas
de governo dos indivíduos que passam pela educação escolar?
Que papel a escola desempenha nesse projeto de gestão da
vida e quais são as possibilidades de resistência que somos
capazes de produzir em nossas praticas educativas. Qual é a
margem de liberdade que podemos abrir nos jogos de exclusão
e de reificação de figuras normativas com nossas pedagogias?
O que pretendemos quando dizemos que algo ou alguém é
normal? Como ensinamos-aprendemos a conhecer o mundo
e a viver diante das formas de regulação da vida diante de
posições de gênero, raça/etnia, sexualidade, classe social?
Essas são interrogações difíceis e duras, mas podemos
encontrar na sua profusão algumas pistas que colocam em
evidência os modos como se engendram e como se materializam
os regimes discursivos em torno da coerência corpo/sexo-
gênero-sexualidade, uma das linhas de inteligibilidade
modernas. Quais são as marcas obrigatórias que devemos
portar para acedermos ao status de humanos, o que é necessário
aparentar, ser, dizer, para que alguém ou alguma relação seja
considerada como socialmente reconhecida nessa perspectiva
do sujeito dito normal?

Abjetos para a/da educação

Para começar, podemos focar o olhar na produção

25
de um sujeito ignóbil para a educação - aquele tido como
sujeito abjeto da sexualidade, o reverso e o embaraço do
gênero. Aquelas e aqueles sobre quem o corpo é tomado como
superfície de inteligibilidade e disciplinamento, aqueles e
aquelas cujas vidas são vigiadas e punidas através de praticas
e condutas excludentes, violentas, microfascismos que por
vezes denominadas praticas educativas, pedagogias e para os
quais produzimos currículos para perpetuar esse instituído.
 Aescola desponta como um dos espaços onde se acentuam
muitas das situações de violência envolvendo a diversidade
sexual. Na escola, a sexualidade homossexual é refutada,
restando àqueles que confrontam a heteronormatividade
poucas alternativas que não “o silêncio, a dissimulação ou a
segregação. A produção da heterossexualidade é acompanhada
pela rejeição da homossexualidade. Uma rejeição que se
expressa, muitas vezes, por declarada homofobia” (LOURO,
2000, p.27). O que significa dizer que a escola e os espaços de
aprendizagem, de forma geral, constituem-se enquanto arena
onde se reproduzem importantes desigualdades e injustiças,
colocando pessoas muito jovens e ainda em condições muito
frágeis para responder a situações de constrangimento e
humilhação, sem qualquer suporte social.
Estamos aqui, neste instante, diante daquilo que
se denomina como da ordem da constituição da abjeção.
Precisamente aquelas zonas “inóspitas” e “inabitáveis” da
vida social, que são, não obstante, densamente povoadas por
aqueles que não gozam do status de sujeito, mas cujo habitar
sob o signo do “inabitável” é necessário para que o domínio do
sujeito seja circunscrito (BUTLER, 2000). E em se habitando

26
estas zonas, não gozando do status de sujeito, muitas vezes
as reações da homofobia se expressam nos atos de vigilância
e eliminação: atea-se fogo, corta-se, perfura-se, apedreja-se,
mata-se. Suplício e exposição deste abjeto como objeto que
explicita a punição àquelas e aqueles que cruzam as fronteiras
da norma (FOUCAULT, 1973).
É preciso ainda dizer que muitas são as marcas deste
processo de (hetero)normalização expresso na desqualificação
dos corpos, das vidas3. E isto não é uma posição vitimista ou
"miserabilista", é uma perspectiva de contestação que se refere
também ao âmbito discente no universo escolar, em razão das
situações de violação, violência verbal e física manejadas
aos que constroem seus corpos com sentidos diferentes de
uma norma de gênero e sexualidade. Muitas são as vidas
de trabalhadoras e trabalhadores marcadas pelo ódio, pela
intolerância e pelo desprezo.
Muitas destas pessoas são interpeladas cotidianamente

3 Estas reflexões são baseadas nos dados reunidos a partir de meu trabalho  na
coordenação do Centro de Referência na Prevenção e Combate à Homofobia de Porto
Alegre, realizado pelo ONG nuances – grupo pela livre expressão sexual e em convênio com
a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Este serviço de
atenção às vítimas de violações heterossexistas e homofóbicas, acolheu casos paradigmáticos
envolvendo discriminações impetradas a educadores das redes de ensino público na Capital e
região metropolitana. Outros indicadores de expressão de violência vêm de estudos realizados
durante as paradas do orgulho LGBT: a partir de uma amostra de 416 informantes participantes
da 8ª Parada Gay do Rio de Janeiro, (CARRARA, SÉRGIO; RAMOS, SILVIA; CAETANO,
MARCIO., 2003), cerca de 60% dos entrevistados denunciaram já ter sido alguma vez vitima
de violência ou de algum tipo de agressão motivada por orientação sexual. E, para 46,3%
dos informantes, jovens de 14 a 21 anos, há indicação de terem sido vítimas de agressões na
escola, por motivo de orientação sexual. Do mesmo estudo, este realizado em Porto Alegre,
em parceria com a UERJ/RJ, a Universidade Cândido Mendes/RJ, a Universidade Federal
do Rio Grande do Sul e o nuances, durante a 8ª Parada Livre de Porto Alegre – 2004 - temos
a referência de que a escola figura em primeiro lugar, entre sete situações indicadas, em
espaço de discriminação, sobretudo envolvendo jovens entre 15 e 21 anos. 40% dos jovens
entrevistados, nesta faixa etária, indicaram a discriminação por parte de professores e colegas
na escola, onde a forma mais comum de discriminação, indicada por 67,6% deles foi a
agressão verbal e a ameaça de agressão física.

27
e, na maioria das vezes, em seu fazer por um único e emblemático
motivo: a ‘orientação sexual’ ou a identidade de gênero. O
(hetero)terrorismo de gênero (BENTO, 2006) e de sexualidade
– ou as prática sexogenerocidas –-, sublinho, é ainda mais
acirrado quando estas educadoras e educadores passam a
ser protagonistas de uma educação para a sexualidade, pois
seguidamente são tomadas/dos por militantes, exibicionistas
e mesmo incapazes. Discurso este de ódio que encontra
sustentação no fantasma (‘cuidado com essa gente!’) de que
um educador gay ou uma educadora travesti, transexual ou
lésbica poderiam moldar ou ‘incentivar’ o desejo de alunas e
alunos, determinando a sua orientação sexual. Diante dessa
sugestão, Deborah Britzman (1996), ao afirmar que todo
conhecimento contém suas próprias ignorâncias, aponta para
como a educação escolar, cotidiana e historicamente, opera,
conforma e constitui uma (hetero)sexualidade. 
Por outro lado, nós podemos dizer sim, que em tudo e
em nada, sempre estamos disputando significados e, de certo
modo, tentando modificar a vontade das outras e dos outros. E há
até certo sentido nesse medo, pois uma ameaça a instituição da
heteronormatividade (LOURO, 2009) e da heterossexualidade
compulsória (RICH, 1980) despontam em pânico. O certo é
que estamos todas e todos “no poder” e esta é a agonística
das relações sociais. Mas os significados em disputa, tão
receados, não são tanto o de “transformarmos” alguém em
‘homossexual’(embora as expressões mais recorrentes nos
enunciados de desqualificação sejam claramente: ‘sapatão’,
‘machorra’, ‘traveco’, ‘veado’ e ‘bicha’, dentre outras).
A agonia está em que se está disputando os significados

28
produzidos na manutenção das instituições que cotidianamente
trabalham para moldar os desejos e administrar ‘a vida’.
Assim, diante da improdutiva questão de que um educador
“LGBT” corromperia o desejo, a priori, heterossexual ou “a
natureza” de uma aluna ou de um aluno, nossa aposta segue
outra direção. Apontamos que o nosso empenho deve situar-se
num combate ético, estético e político anti-heteroterror4, nada
além.
Sabemos que muitas educadoras e educadores
reafirmam ‘naturalmente’ em seus cotidianos e práticas o
discurso da sexualidade dita normal e natural; e que dessa forma
tolhem as possibilidades de experimentação e as consequentes
margens de liberdade que poderiam ser alargadas no campo
da educação escolar. No entanto, preferimos outra forma de
pensar. Optamos por desviar o olhar, por olhar de outro jeito.
Acredito que seja profícuo estranhar os instituídos, a
norma, o normal (LOURO, 2004) e de percebermos este outro
dito “bizarro”, “estranho”, não como um problema, mas como
nosso companheiro de vida e de trabalho, que em sua história
de luta é emblemático das forças que instituem em nossas
sociedades ocidentais as vidas que valem a pena serem vividas.
O avesso da norma pode ter a potência de ser revelador das
vidas encoleiradas pela normalidade5.

4 Expressão que pego de empréstimo em Berenice Bento (2006).


5 Ideia derivada do pensamento de Didier Eribon (1999), ao apontar sobre a coleiras
da normalidade que “asfixiam” também a muitos sujeitos heterossexuais (notadamente nesta
perspectiva de identidades construídas discursivamente e desde regimes normativos).

29
LGBT-fobia: uma forma de fascismo etnosexogenerocida

Uma das expressões de reação normativa no âmbito das


relações de gênero e sexualdiade é a homofobia. Este conceito
carrega consigo algo que diz respeito ao ódio e a aversão a
lésbicas, gays, travestis, transexuais e travestis e a todas aquelas
e aqueles que estão posicionados enquanto manifestações
das sexualidades ditas minoritárias e não hegemônicas.
Alargando seu sentido todas as formas de desqualificação e
violência dirigidas a todas e todos que não correspondem ao
ideal normalizado de sexualidade, a homofobia consiste na
desqualificação e outras formas de violências sobre todas as
outras expressões da sexualidade não heterossexual. Podemos
fazer referências as suas variações, que demonstram diferentes
formas de discriminação e outras violências contra prostitutas,
transexuais, lésbicas e bissexuais. No rol das “especificidades”,
então: a putafobia, a transfobia, a lesbofobia, a homofobia e a
bissexualfobia. Essas são expressões do ódio e não do medo
psicológico6.
A transfobia, lesbofobia ou homofobia além de
ferir e, de não raras vezes, levar à morte (assassinatos
brutais e “exemplares” da objetificação e do ódio), é um

6 Podemos distinguir as categorias lesbofobia, transfobia, travestifobia, homofobia,


intersexfobia, putafobia, entre outras formas de marcação dos efeitos e hierarquias do
heterossexismo e do binarismo de gênero. Estas distinções referem-se às particularidades
presentes nas formas e expressão de violência de gênero e sexualidade. De uma forma
abrangente, podemos usar o termo homofobia, mas compreendo este como uma categoria
que não contempla a ampla trama discursiva envolvendo as hierarquias de gênero e que ainda
é tributaria da psicologização que definiu o conceito inicialmente, ido anos 1970 (conceito
elaborado pelo psicólogo George Weinberg, EUA), como uma manifestação de medo e
hostilidade aos homossexuais. Logo, a questão de uma norma social fica secundarizada aos
efeitos sobre o individuo psicológico.

30
regime discursivo que transcorre sorrateiramente em nossos
cotidianos. Os seus efeitos determinam lugares e posições
para uma vida, reafirmando, no campo da norma (do normal),
o lugar dos sujeitos na posição de impensáveis, psicóticos, na
ordem do precário e do desprezível. Trata-se, sobretudo, em
um ato de homofobia, da desumanização do outro, através de
palavras, gestos e condutas (BORILLO, 2000). Essa atitude de
hostilidade e ódio aos ditos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais,
travestis e transexuais) é, do mesmo modo que a xenofobia,
o racismo ou o anti-semitismo, uma manifestação arbitrária
que consiste em designar o outro como o contrário, inferior
ou anormal. A LGBT-fobia refere-se a um prejulgamento
e ignorância que consistem em acreditar na supremacia,
evidência e naturalidade da heterossexualidade (BORILLO,
2000); e, assim como o sexismo (que trata de hierarquizar as
relações entre homens e mulheres), a homofobia, como indica
o autor (op. cit.), aparece como componente necessário ao
regime binário da sexualidade, uma vez que com as diferenças
homo/ heterossexualidade cria-se um regime de ordenamento
da sexualidade, onde os comportamentos (hetero)sexuais são
qualificados como modelo social e referência sobre todas as
outras sexualidades.
A homofobia, como toda forma de exclusão, aponta o
autor, não se limita a constatar uma diferença: ela interpreta
e tira suas conclusões materiais. E é através da injúria que
temos uma das expressões mais presentes do ato homofóbico.
A injúria, a ofensa, segundo Althusser (apud ERIBON, 1999)
é uma das formas mais notáveis daquilo que denomina por
interpelação. Ela ocupa a função de uma injunção que assinala

31
a alguém um lugar dentro de um espaço social sexualizado e
que se constrói como já indicado na desqualificação do sujeito,
naquilo que ela ou ele são, dizem e se reconhecem. Ato que
tem sua materialidade afirmada em uma reiteração da norma,
que se expressa no cotidiano de nossas vidas desde as menores
coisas de nossos cotidianos.
A LGBT-fobia, assim como todas as outras formas de
intolerância e desrespeito, indica Borillo (2000), se articula ainda
em torno das emoções crenças, prejulgamentos, convicções
e fantasmas -, assim como de condutas, em atos, práticas,
procedimentos e leis, de dispositivos ideológicos, através de
teorias, mitos, doutrinas e argumentos de autoridade. E não se
tratando somente de uma violência contra os homossexuais,
lésbicas, travestis, transexuais, a homofobia constitui-se uma
ameaça aos valores democráticos de compreensão e de respeito
à outra e ao outro (BORILLO, 2000).
Judith Butler (2005), uma teórica feminista
estadounidense, denuncia a fragilidade constitutiva da
heterossexualidade, pelo seu próprio avesso, pois as práticas
sexuais ditas não normais colocam em questão a estabilidade
do gênero como questão de análise na definição do que é ou
não “normal” e por isso possível, em termos da sexualidade e
de uma vida inteligível. Ao nos propor a desnaturalização do
gênero, como estratégia para conter a violência das normas
que o governam, Butler (2005) nos oferece a possibilidade de
refutarmos e denunciarmos os pressupostos impetrados pelas
interpelações cotidianas - populares ou acadêmicas - sobre a
sexualidade, as quais atribuem à heterossexualidade um caráter
natural e evidente.

32
Nesta arena, por fim, cabe ressaltar, não está somente
em jogo a desqualificação do Outro, mas de tudo que ousa
contradizer os instituídos, promovendo a ampliação da liberdade
humana. Isto é, o que poderíamos de forma contundente
chamar de crise ética e de uma sociedade antidemocrática e
seus (micro)fascimos cotidianos. Urge, portanto, pensarmos
na afirmação de um direito democrático da sexualidade que
rompa com o tratamento subalterno reservado a mulheres,
homossexuais, soropositivos, idosos, crianças ou adolescentes,
percebidos numa visão tradicional, mais como objetos de
regulação do que portadores de direitos, como apontado por
Rios (2005).

Educação como prática reflexiva da liberdade

Apenas dúvidas e algumas idéias ardidas para concluir


(ou para começar outra conversa): talvez possamos pensar
agora naquelas perturbadas idéias de movimentos que nos
conduzam a um compromisso ético na educação e nos espaços
de produção de conhecimentos e saberes. Algo que exige de nós
– educadoras e educadores/ pesquisadoras e pesquisadores -
enfrentar também, entre todas as outras formas de desigualdade
social e dominação, a ação da norma que determina que vidas
podem ser vividas e que vidas não importam ou que dizem não
valem ser vividas (BUTLER, 2005).
Penso que nós precisamos refletir muito e
constantemente sobre o papel que exercemos como
educadoras/pesquisadoras/ educadores/pesquisadores e que
tipo de epistemologia do mundo estamos construindo ou

33
reproduzindo, enquanto signatárias/ros de campos de saber
produzido nas injunções modernas - acionadas para o controle
da vida e das formas de aprender. Por isso, proponho pensar
sobre nossas práticas cotidianas, conhecer com ganas as
nossas ferramentas conceituais e usá-las como posicionamento
crítico-investigativos da ordem das coisas, a começar por
nós mesmos, enquanto sujeitos interpeladas/interpelados em
posições de gênero e sexualidade, “raça”/etnia, classe social
e idade, entre outros marcadores de produção de diferença (e
de quando a diferença se torna desigualdade social). Ainda:
interrogarmo-nos sobre o que estamos fazendo de nós mesmos
e tentando fazer dos outros, significa pensar ferramentas
para pensar a Educação como prática reflexiva da liberdade
(FOUCAULT, 1984).
Talvez, e sei o quanto isto é difícil, mas bem perto de
ser possível: poderíamos pensar em um trabalho de “criação de
lugares que resistem, minam e removem as formas de opressão
institucionalizadas” (ROFFES, 2007; p.110), problematizando
(e isto já pode significar intervir) os efeitos de normalização.
E pensar/ interrogarmo-nos sobre o que estamos fazendo
de nós mesmos e tentando fazer dos outros já nos ajuda no
exercício de políticas democráticas em Educação. Daí pra
frente: experimentar. (Re)inventar práticas que nos permitam
ter prazer em aprender e estar com a outra e com o outro,
em aprender com os modos de vida das outras e dos outros,
inventando uma sorte de educação “transtornada”7, sacudida
pela ética reflexiva da liberdade, abusando de pedagogias “que
permitam transgressões, como movimento de oposição e para

7 Outra expressão cunhada por Berenice Bento (op. cit.)

34
além das fronteiras. É este movimento que faz da educação
uma prática de liberdade (bell hook apud ROFFES, 2007).
O que resulta dessa forma de pensar a Educação é
a ampliação dos espaços onde os processos de ensino-
aprendizagem se re/produzem e da forma como podemos
pensar tensionamentos para a educação escolar – em um
processo reflexivo sobre as teorias que cercam os modos
de compreensão dos processos que definem sujeitos e
subjetividades. A diáspora dos sujeitos “objetificados” ocupa
a cena da educação, oferecendo possibilidades de re-visitar
paradigmas e epistemologias. Currículo, cultura e sociedade
se tornam, assim, expressões indissociáveis.

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37
Gênero, Diversidade Sexual e Currículo: um diálogo
possível e necessário

Rubenilson Pereira de Araújo1


Flávio Pereira Camargo2

A(s) sexualidade(s) e o gênero estão, mais do que nunca,


no centro dos discursos; estão a deixar o silêncio e o
segredo e, por bem ou por mal, estão a provocar ruído, a
fazer barulho e a fazer falar (LOURO, 2000, p. 38).

Na contemporaneidade, a escola pública brasileira está


vencendo o desafio de ofertar o acesso a uma educação para todos
por meio de políticas públicas educacionais que possibilitam,
“pela primeira vez na história brasileira, vagas para todas as
crianças em idade de cursar as séries do Ensino Fundamental”
(SEFFNER, 2009, p. 126). Entretanto, é importante perceber
que “a diferença entre acesso e inclusão é enorme”, pois entre
as estratégias de inclusão torna-se necessário programar “ações
de acolhida e verdadeiro interesse em conhecer quem são os
novos públicos de alunos que passaram a ter acesso à escola”
(SEFFNER, 2009, p. 134).

1 É professor efetivo da rede pública estadual de ensino do Estado do Tocantins


e do Instituto Tocantinense Presidente Antônio Carlos (ITPAC/Campus de Porto Nacional).
Atualmente, desenvolve pesquisa sobre as práticas discursivas e de (não) subjetivação no
ambiente escolar no Mestrado em Ensino de Língua e Literatura da Universidade Federal do
Tocantins, sob orientação do Prof. Dr. Flávio Camargo. E-mail: rubenilsonpereira@gmail.
com
2 É professor Adjunto da Universidade Federal do Tocantins, atuando na graduação
em Letras e no curso de Pós-Graduação em Ensino de Língua e Literatura. Desenvolve e
orienta pesquisas sobre questões relacionadas à narrativa brasileira contemporânea, aos
estudos de gênero e sexualidades e suas interfaces com a educação. E-mail: camargolitera@
uft.edu.br

39
O que verificamos é o ingresso de um público bastante
heterogêneo na escola, justamente por se tratar de crianças
e de jovens pertencentes a classes socioeconomicamente
desfavorecidas, geralmente excluídas dos benefícios que a
educação formal pode promover e, principalmente, tolhidas de
exercerem plenamente sua cidadania. Este fato gera um forte
desafio em todas as estruturas escolares: “Em particular, esse
impacto é percebido quando da definição de temas e conteúdos
a serem ensinados, de regras de conduta e convívio escolar
a serem obedecidas […]. [de tal modo que] [...] a escola
pública brasileira vive hoje o desafio de aceitar os ‘diferentes’”
(SEFFNER, 2009, p. 126-128).
É justamente a possibilidade de aceitar o outro, o
“diferente”, um dos dilemas de nosso sistema educacional na
atualidade. Para Tomaz Tadeu da Silva, “a diferença não é uma
característica natural: ela é discursivamente produzida” (2000,
p. 89), ou seja, ela é construída. É justamente por isso que é por
meio e através dos discursos que produzimos e realimentamos
certas diferenças de identidades de gênero, sexuais, e étnico-
raciais, entre outras, que podem gerar conflitos e desestabilizar
certos paradigmas tradicionais cristalizados, pois “são os
próprios valores da civilização ocidental [...] que estão em
risco quando o estilo de vida dos homossexuais, por exemplo,
se torna matéria curricular” (SILVA, 2000, p. 92).
Em relação aos estudos de gênero, devemos muito aos
estudos feministas que durante muitos anos lutou bravamente
para conseguir espaço e reconhecimento junto à academia
e à sociedade: “a crescente visibilidade do movimento e da
teorização feminista [...] forçou as perspectivas críticas da

40
educação a concederem importância crescente ao papel do
gênero na produção da desigualdade” (SILVA, 2000, p. 94).
De acordo com Louro (2010) foi este movimento que deu
voz e espaço àquelas que eram silenciosas e silenciadas,
focalizando áreas, temas e problemas que não existiam
no espaço acadêmico, falando do cotidiano, da família, da
sexualidade, do doméstico, dos sentimentos femininos. Enfim,
uma tentativa e uma possibilidade de apreensão e compreensão
de um universo feminino que antes havia sido relegado ao
segundo plano ou visto somente pela perspectiva masculina,
marcada principalmente por um paradigma patriarcal e
heteronormativo.
A inclusão de discussões sobre questões de gênero,
diversidade sexual e identidade no ambiente escolar pode
possibilitar às nossas alunas e alunos uma sensibilização sobre
a necessidade em respeitarmos o outro, sobretudo o que diz
respeito à sexualidade, algo que é inerente ao ser humano.
Para Louro (2007), a sexualidade não é uma questão apenas
pessoal, mas social e política e nos remete ao que, de fato,
somos enquanto ser subjetivo e social. Afinal, “o sexo sempre
foi o núcleo onde se aloja, juntamente com o devir de nossa
espécie, nossa “verdade” de sujeito humano” e é no “seu sexo
[que] está o segredo de sua verdade” (FOUCAULT, 1993, p.
127; 152).
Ademais, também gostaríamos de ressaltar que

[a sexualidade] nos remete a nossa origem (quem


somos, de onde viemos, como fomos concebidos) e,
consequentemente, a origem do próprio conhecimento,
da curiosidade e da disposição para aprender. Sexualidade
tem a ver com identidade e com as infinitas maneiras de

41
ser homem ou de ser mulher na sociedade e na cultura e
com o caminho pessoal da construção de cada um [...].
Uma questão tão importante como é da sexualidade
não poderia deixar de ser trabalhada na educação e se
constitui política pública (EGYPTO, 2009, p. 341).

Há mais de uma década, o governo federal publicou os


PCN’s, em 1998, que propunham os temas transversais, com o
objetivo de que tais temáticas transversalizassem os conteúdos
das disciplinas e contribuíssem significativamente na e para a
formação de alunas e alunos, no que se refere ao preparo para
o exercício cônscio da cidadania:

Por serem questões sociais, os Temas Transversais têm


natureza diferente das áreas convencionais. Tratam de
processos que estão sendo intensamente vividos pela
sociedade, pelas comunidades, pelas famílias, pelos
alunos e educadores em seu cotidiano. São debatidos
em diferentes espaços sociais, em busca de soluções e
de alternativas, confrontando posicionamentos diversos
tanto em relação à intervenção no âmbito social mais
amplo quanto à atuação pessoal. São questões urgentes
que interrogam sobre a vida humana, sobre a realidade que
está sendo construída e que demandam transformações
macrossociais e também de atitudes pessoais, exigindo,
portanto, ensino e aprendizagem de conteúdos relativos a
essas duas dimensões (BRASIL, 1998, p.26).

Percebemos nas proposições introdutórias dos temas


transversais que há um consenso de que a sociedade mudou e
seria necessário interligar dimensões sociais e individuais na
formação de nossos/as alunos/as.
De acordo com Antônio Carlos Egypto (2009), um
dos colaboradores da equipe de elaboração dos Parâmetros

42
Curriculares Nacionais do MEC no tocante aos temas
transversais de Orientação Sexual, trata-se de “uma
discussão franca e aberta da sexualidade, tão absolutamente
indispensável na contemporaneidade” no processo pedagógico
de forma sistematizada. Para o autor, o tripé constituído pela
intencionalidade, planejamento e sistematização é basilar
no contexto escolar para uma “reflexão sobre a sexualidade,
problematizando os temas polêmicos favorecendo ampla
liberdade de expressão em ambiente acolhedor que visa
promover o bem-estar sexual e vínculos mais significativos,
ampliando a cidadania”. Percebemos que a proposta dos PCN’s
é interessante e extremamente significativa para os estudos de
gênero ao propor ações em uma perspectiva transdisciplinar,
um trabalho contínuo que “deve começar na Educação Infantil
e se estender até o final do Ensino Médio” (EGYPTO, 2009,
p. 342-343), afinal “a sexualidade é um elemento determinante
na constituição dos sujeitos, tão necessário quanto o ar que
respiramos” (PRADO; MACHADO, 2008, p. 15). No entanto,
gostaríamos de ressaltar que o próprio Antônio Carlos Egypto
considera como “temas polêmicos” o que diz respeito a uma
discussão sobre gênero, identidade e sexualidade.
Esta ressalva por parte do autor nos remete ao percurso
da história da sexualidade traçado por Foucault em seus
estudos, nos quais verifica que, na

Antiguidade grega e romana, na qual a sexualidade era


livre, se expressava sem dificuldades e efetivamente se
desenvolvia, sustentava em todo caso um discurso na
forma de arte erótica. Depois o cristianismo interveio,
o cristianismo teria, pela primeira vez na história do
Ocidente, colocando uma grande interdição à sexualidade,

43
que teria dito não ao prazer e por aí mesmo ao sexo. Esse
não, essa proibição teria levado a um silêncio sobre a
sexualidade – baseado essencialmente em proibições
morais (2006, p. 62-63).

Trata-se, pois, de uma “interdição à sexualidade”


e, consequentemente, aos seus discursos que têm como
motor certos valores morais, sociais, culturais e históricos
praticamente impostos por um fundamentalismo religioso.
Neste sentido, a temática de gênero e sexualidade é
considerada polêmica justamente porque em nossa sociedade
ainda prevalecem valores socioculturais e morais que
preconizam única e exclusivamente a união entre pessoas de
sexo oposto, preferencialmente no matrimônio, discriminando
aqueles que não se encaixam em determinadas regras morais
e sociais convencionadas por uma cultura marcadamente
heteronormativa, patriarcal e falocêntrica.
O que há, de fato, na sociedade, é uma produção de
discursos e saberes sobre a sexualidade que “se constitui a partir
de múltiplos discursos sobre o sexo: discursos que regulam, que
normalizam, que instauram saberes, que produzem ‘verdades’”
(LOURO, 2010, p. 26). E estas “verdades” produzidas social
e culturalmente podem mudar, pois elas são cambiantes,
relativas, transitórias e efêmeras.
Insistimos que questões diversas relacionadas ao
gênero, à sexualidade e à identidade são basilares na formação
de nossos alunos, pois “a sexualidade está na escola porque ela
faz parte dos sujeitos, ela não é algo que possa ser desligado ou
algo do qual alguém possa se “despir” (LOURO, 2010, p. 81)
e “o gênero é uma dimensão central na vida das pessoas e está

44
incessantemente sendo construído e reconstruído nas relações
sociais e interações com outros indivíduos” (BORGES;
MEYER, 2008, p. 62). Daí a necessidade de se discutir,
problematizar e questionar os discursos sobre as sexualidades
e os gêneros na escola “porque esse é um campo político, ou
seja, porque na instituição das diferenças estão implicadas
relações de poder” (LOURO, 2010, p. 84, grifos da autora).
Outra estudiosa que endossa esta perspectiva de inserção
de um debate público e em diversas esferas da sociedade acerca
das questões de gênero, sexualidade e identidade é Maria Luiza
Heilborn, para quem a

[sexualidade] tornou-se nas últimas décadas um assunto


cada vez mais importante no debate público. Ela se
transformou, por intermédio, de um longo processo de
mudanças históricas uma área da vida à qual se atribui
muito significado, exprimindo um lugar de realização,
de definição de identidade pessoal. Disseminou-se a
ideia de que a sexualidade deriva de um impulso vital,
presente em toda a humanidade, que brota do íntimo e
do profundamente subjetivo de cada pessoa (2010, p.01).

Luiz Paulo da Moita Lopes, em relação a esta


problemática, afirma:

[igualmente] quem iria pensar que as novelas na TV,


assistidas pelas famílias na hora do jantar, mostrariam
casais constituídos por dois homens ou por duas
mulheres ou até mesmo por dois homens e uma mulher
[...]. De repente, o amor entre pessoas do mesmo sexo
deixa a privacidade das quatro paredes, ocupa a sala de
jantar e pode ser pensado como uma forma de exercício
do discurso amoroso como qualquer outro (2008, p. 13).

45
Entretanto, o que verificarmos é certo distanciamento
expressivo entre a teoria presente nos documentos oficiais e
a prática pedagógica em nossas escolas. Aliás, esta ausência
de discussão já foi apontada por Foucault em seu percurso
sobre a história da sexualidade ao constatar que “[o] sexo
foi aquilo que, nas sociedades cristãs, era preciso examinar,
vigiar, confessar, transformar em discurso” (1993, p. 230) e
consequentemente tais construtos socioculturais fizeram a
escola “funcionar como uma máquina de ensinar, mas também
de vigiar, de hierarquizar, de recompensar” (2009, p. 142), de
modo que houve uma produção de discursos sobre o sexo e a
sexualidade humana, mas com o objetivo de vigiar, de punir,
de levar os indivíduos a confessarem suas práticas sexuais não
permitidas pela Igreja.
Dito isto, “a sexualidade foi o foco para onde se voltaram
os olhares mais vigilantes. Para ela, e por ela, foram inventadas
as mais diversas formas de controle e governo” (LOURO,
2000, p. 38). O que podemos concluir destas considerações
de Michel Foucault e de Guacira Lopes Louro é que sempre
houve e ainda há em nossa sociedade mecanismos de poder
que tentam controlar, vigiar, punir e governar os corpos e os
desejos mais recônditos em uma tentativa vã de uniformização
dos corpos e das identidades de gênero e sexuais.
A história oficial está permeada por “verdades” que são
impostas como “absolutas” e “acabadas”, contribuindo para a
manutenção de alguns tabus acerca da sexualidade humana,
mas cabe ao educador contemporâneo, partindo de uma visão
holística, crítica e questionadora, “duvidar dessas verdades
e certezas sobre os corpos e a sexualidade, que vale a pena

46
colocar em questão as formas como costumam ser pensados
e as formas como identidades e práticas têm sido consagradas
ou marginalizadas” (LOURO, 2000, p. 86). Somente assim
podemos tentar romper com uma neutralidade que é imposta
por um paradigma científico tradicional e também por um
currículo escolar que funciona como um mecanismo de poder
e de discriminação, de modo que “ao fazer a história ou as
histórias dessa pedagogia talvez nos tornemos mais capazes de
desarranjá-la, reinventá-la e torná-la plural” (LOURO, 2000,
p. 86).
Paradoxalmente, pensando na necessidade de efetivar
a inclusão escolar e educar para a diversidade, levando em
consideração as diferenças de gênero e sexuais, percebemos que
“a escola está intrinsicamente comprometida com a manutenção
de uma sociedade dividida e que faz isso cotidianamente, com
nossa participação ou omissão” (LOURO, 2010, p. 85). Dessa
maneira, “a escola pública brasileira foi, e ainda é, largamente
utilizada como instrumento de exclusão da cidadania”, o que
nos remete a uma contradição levando-nos a empreender
esforços no sentido de tentar reverter esta situação e fazer com
que a escola pública brasileira liberte-se “da sina de ser um
local de exclusão” (SEFFNER, 2009, p. 128).
Neste sentido, julgamos pertinente a relação entre
as questões de gênero, identidade e diversidade sexual com
a lógica do terceiro incluído, que propõe a inclusão de uma
terceira possibilidade além do antagonismo estabelecido pelo
paradigma tradicional. De acordo com Lúcia Facco, “a questão
ultrapassa a discussão sobre sexualidade. Trata-se, antes, da
discussão sobre as várias possibilidades de relacionamentos

47
afetivo-amorosos” (2009, p. 50). A partir dessa lógica, torna-
se possível repensar o binarismo de gênero (masculino-
feminino), questionando-o enquanto construção social
humana, altamente marcada pela presença heterossexual,
incluindo a possibilidade de uma sexualidade alternativa, no
caso, a(s) homossexualidade(s).
Esse rompimento de paradigmas e a desconstrução
sociocultural de determinados valores é uma luta histórica,
pois não se trata de algo relativamente simples, afinal “não é
tarefa fácil, pois ela está marcada fortemente por este sinal” e
“as proibições existem, são numerosas e fortes” (SEFFNER,
2009, p. 128). Estas regulações estão arraigadas em nosso
meio social e “fazem parte de uma economia complexa em
que existem ao lado de incitações, de manifestações, de
valorizações. São sempre interditos que são enfatizados”
(FOUCAULT, 1993, p. 128), o que nos leva a empreender
uma ampla discussão, densa, polêmica, mas principalmente
necessária. Para tanto, devemos compreender o espaço escolar
também como um ambiente político de defesa por igualdade
de direitos, sobretudo o que se refere ao acesso à educação
para todas e todos, uma vez que

[a]s instituições escolares são lugares de luta, e a


pedagogia pode e tem que ser uma forma de luta político-
cultural. As escolas como instituições de socialização
têm como missão expandir as capacidades humanas,
favorecer análises e processos de reflexão em comum
da realidade, desenvolver nas alunas e alunos os
procedimentos e destrezas imprescindíveis para sua
atuação responsável, crítica, democrática e solidária na
sociedade (SANTOMÉ, 2011, p. 175).

48
Apesar de haver discussões teóricas e críticas sobre a
necessidade de revermos questões diversas relacionadas ao
currículo e à formação de professores, ainda nos deparamos
com uma escola presa ao paradigma tradicional que tende
fortemente a desconsiderar e a ignorar as sexualidades
plurais3 e alternativas, como é o caso da homossexualidade,
o que contribui para reforçar “as visões hegemônicas a
respeito da masculinidade e feminilidade. Os meninos são
estimulados a serem agressivos, enquanto as meninas devem
ser mais delicadas. Aceitam-se como “naturais”, o que torna
incompreensíveis aqueles que não corresponderem a tais
expectativas” (FACCO, 2009, p. 119), rompendo com aquela
falsa neutralidade da escola em relação à sexualidade e às
questões de gênero e de identidade, pois estas formas sucintas
de controle do corpo, dos gestos, dos movimentos, das práticas
corporais como um todo, são, na verdade, mecanismos de
poder que advém das práticas discursivas de subjetivação
no ambiente escolar, que iremos discutir com mais vagar
posteriormente.
Além disso, ainda é possível observarmos certo
apagamento e silenciamento por parte da escola em não
considerar a diversidade sexual presente em nossa sociedade,
contrariando o que preconiza o Plano Nacional de Educação
em Direitos Humanos ao afirmar que “o processo formativo
pressupõe o reconhecimento da pluralidade e alteridade,
condições básicas da liberdade para o exercício da crítica,
da criatividade, do debate de ideias e para o reconhecimento,

3 Entendemos aqui por sexualidades plurais, as diversas manifestações que


extrapolam o binarismo dos gêneros masculino e feminino.

49
respeito, promoção e valorização da diversidade” (BRASIL,
2008, p. 31). Nesta perspectiva, consideramos que no processo
educacional esse silêncio por parte dos educadores parece
significar e pode ser considerado como uma forma de exclusão
do outro justamente porque lhe é negado o direito à voz.
Trata-se, na verdade, de uma prática de silenciamento sobre
determinadas questões que geram certos incômodos, uma vez
que desestabilizam nossos alicerces socioculturais, pois mais
importante do que escutar o que é dito sobre os sujeitos, é
importante perceber o não dito, os interditos ou aquilo que é
silenciado. Na verdade, trata-se de uma prática de silenciamento
que “é uma forma de consolidação do preconceito estruturada
em bases mais difíceis de serem enfrentadas” (FONTES, 2008,
p. 371), pois o currículo, nesta perspectiva, funciona como
instrumento de dominação e de exclusão de determinados
grupos marginalizados na e pela sociedade.
Se considerarmos ainda que é através do currículo que a
instituição escolar revela a sua forma de ver e pensar o mundo,
e também uma das formas pelas quais o governo pode exercer
o que Foucault denomina por biopoder e governamentalidade,
uma vez que demonstra as concepções de mundo, de sociedade,
de educação, de ser humano, de comportamentos, e de relações
inter e intrapessoais, verificamos que ainda permanece um
paradigma tradicional que precisa ser contestado, pois

o currículo da escola está baseado na cultura dominante:


ele se expressa na linguagem dominante, ele é transmitido
através do código cultural dominante. As crianças das
classes dominantes podem facilmente compreender
esse código, pois durante toda sua vida elas estiveram
imersas, o tempo todo nesse código. […]. Em contraste,

50
para as crianças e jovens das classes dominadas, esse
código é simplesmente indecifrável. Eles não sabem do
que se trata. Esse código funciona como uma linguagem
estrangeira: é incompreensível. […]. O resultado é que
as crianças e jovens das classes dominantes são bem-
sucedidos na escola, o que lhes permite o acesso aos graus
superiores do sistema educacional. As crianças e jovens
das classes dominadas, em troca, só podem encarar o
fracasso, ficando pelo caminho (SILVA, 2011, p. 35).

Ainda prevalece o currículo escolar tradicional que


não proporciona, de fato, condições plenas para a formação
de cidadãos críticos e reflexivos, valorizando as diversidades
socioculturais, o que repercute e/ou interfere na formação dos
estudantes inseridos na instituição educacional que, na maioria
das vezes, apresenta configurações fragmentadas, conteudista,
não levando em consideração as possibilidades de leitura das
dimensões do todo, o que poderia ser realizado por meio de
uma perspectiva inter ou transdisciplinar. Precisaríamos,
portanto, valorizar as diversidades, evitando “reduzir o
multiculturalismo a uma questão de informação” (SILVA,
2000, p. 106), incluindo nessa proposta as identidades de
gênero e sexuais, uma vez que

[d]iferentes currículos produzem diferentes pessoas, mas


naturalmente essas diferenças não são meras diferenças
individuais, mas diferenças sociais, ligadas à classe, à
raça, ao gênero. Dessa forma, uma história do currículo
não deve ser focalizada apenas no currículo em si, mas
também no currículo como fator de produção de sujeitos
dotados de classe, raça, gênero. Nessa perspectiva, o
currículo deve ser visto não apenas como a expressão
ou a representação ou o reflexo de interesses sociais
determinados, mas também como produzindo identidades
e subjetividades sociais determinadas. O currículo não

51
apenas representa, ele faz. É preciso reconhecer que a
inclusão ou a exclusão no currículo tem conexões com a
inclusão ou exclusão na sociedade (SILVA, 2011, p.10).

Ao discutir a problemática que envolve currículo


e identidades sociais, Tomaz Tadeu da Silva aponta
acertadamente a questão da representação e da produção de
identidades e subjetividades no contexto escolar argumentando
que “não existe identidade sexual que não seja já, de alguma
forma, discursiva e socialmente construída” (2000, p. 94).
Tal prerrogativa nos leva novamente a uma reflexão sobre as
práticas discursivas de subjetivação no ambiente escolar e ao
processo de disciplinarização dos corpos, uma vez que tanto
as nossas identidades quanto os nossos corpos são fabricados,
são produtos resultantes de discursos e/ou de mecanismos de
poder que tentam controlar e domar as nossas subjetividades.
E o discurso é, para Foucault, um mecanismo eficaz de poder.

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Petrópolis: Vozes, 2011.

55
Homofobia e Sexismo no Ambiente Escolar: desafios
e possibilidades político-pedagógicos da extensão
universitária para o Serviço Social

Bruna Andrade Irineu1


Cecilia Nunes Froemming2

Iniciamos este trabalho destacando que, conforme


Chauí (1999), a universidade brasileira, tem sido submetida
a um processo de banalização enquanto espaço de reflexão
e instrumento de intervenção histórica e, nesse sentido, sua
contribuição para superação do sexismo e homofobia ainda é
incipiente. Os avanços nos debates sobre diversidade sexual e
gênero estão cotidianamente sendo interpeladas por posturas
conservadoras, que anseiam reduzir às práticas sociais à ordem
do biológico ou a justificar a partir de argumentos religiosos
falaciosos se pensarmos a laicidade do Estado.
Assim, explicitaremos aqui, discussões que corroboram
com uma universidade cujo papel centra-se em sua capacidade
transformadora, a partir de ações que visam instrumentalizar
para a cidadania e especialmente refletiremos sobre o
compromisso ético-político do Serviço Social com o debate de

1 Assistente Social. Doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal do


Rio de Janeiro (UFRJ). Mestra em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG).
Professora do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Tocantins. Coordenadora
do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão “Sexualidade, Corporalidades e Direitos”.
2 Assistente Social. Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás
(UFG). Mestra em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS). Professora do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Tocantins.
Coordenadora do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão “Sexualidade, Corporalidades e
Direitos”.

57
gênero e sexualidade. Iremos problematizar os resultados da
pesquisa intitulada “Homofobia e sexismo no ambiente escolar
tocantinense3” desenvolvida conjuntamente a execução do
projeto de extensão “Políticas de enfrentamento ao sexismo e
a homofobia no ambiente escolar: re-significando as práticas
educativas no estado do Tocantins4”.
Os dados que iremos refletir foram coletados através dos
questionários aplicados junto as/aos participantes do projeto
de extensão nos primeiros dias de curso das edições realizadas
nos municípios de Palmas, Miracema, Gurupi e Araguaína.
Vincular estas ações com o “tripé ensino-pesquisa-
extensão” permeiam o empenho pela construção uma
educação universitária que possibilite vivências democráticas
e transformadoras.
As ações desenvolvidas neste projeto foram motivas por
algumas indagações que nos acompanham desde a trajetória
de estudantes de graduação em Serviço Social: Como têm sido
construídas as políticas sociais públicas para a diversidade
sexual no Brasil? Qual a preocupação com a articulação teórica
dos temas “gênero e sexualidade” na formação profissional em
Serviço Social? Em que medida, a universidade se constitui
um lócus profícuo para atuar na instrumentalização de sujeitos
diversos (militantes, agentes e servidores públicos – a sociedade
civil) para o enfrentamento ao sexismo e a homofobia?
Refletir sobre essas questões é trabalho das/os assistentes

3 Esta pesquisa foi financiada pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência


da República – SDH/PR através do projeto integrado “Hierarquias sexuais, de gênero e
direitos no Tocantins” durante maio de 2010 e junho de 2011.
4 Este projeto configura-se em curso de capacitação financiado pela Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação –
SECADI/MEC através do Edital de Gênero e Diversidade Sexual de 2009.

58
sociais, que devem intencionar suas ações a partir de princípios
fundamentais do Código de Ética de 1993, cujo valor ético
central é a liberdade, como podemos citar abaixo alguns: a)
Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio
e do autoritarismo; b) Empenho na eliminação de todas as
formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade,
à participação de grupos socialmente discriminados e à
discussão das diferenças; c) Exercício do Serviço Social sem
ser discriminado, nem discriminar, por questões de inserção
de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção
sexual5, idade e condição física.
O conceito de preconceito e discriminação que por
vezes utilizou-se é apoiado na definição de Rios (1995),
que o circunscreve no âmbito das expressões negativas e as
representações sociais para grupos e indivíduos considerados
socialmente inferiores. Discriminação significa materialização
de preconceitos a partir da violação de direitos destes sujeitos
sociais. Ao pensarmos sobre estes conceitos atribuídos à
população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e
transexuais), utilizamos os conceitos: heteronormatividade,
homofobia e sexismo. Buscamos destacá-los, especialmente
no campo das políticas de educação, enquanto ausência de
direitos, e no espaço escolar, enquanto forma de hierarquização
dos sujeitos.
Através do entendimento de uma matriz heterossexual,
o conceito de heterormatividade indica a problemática do

5 Cabe ressaltar que este código vigora desde 1993, momento histórico onde
o próprio movimento LGBT utilizava o termo “opção sexual”. Hoje se privilegia o termo
“orientação sexual”, que expressa condição menos biológica e determinista da sexualidade,
vinculando o desejo a um campo mais subjetivo e social.

59
estabelecimento de uma seqüência humana inteligível a partir
da coerência entre sexo – gênero – sexualidade. Consideramos
que este é o topo da escala de preconceitos e discriminações
dirigidos as pessoas, incluindo as pessoas heterossexuais. É o
que Butler (2003), denomina de a “inteligibilidade cultural por
meio da qual os corpos, gêneros e desejos são naturalizados”.
Assim, problematiza o processo de construção dos sujeitos
a partir do “imperativo heterossexual”, que possibilita
identificações sexuadas e impede/nega outras identificações.
Esta se torna uma “matriz excludente pela qual os sujeitos são
formados” (BUTLER, 2003), e produz seres abjetos, “aqueles
que ainda não são sujeitos”. Para Louro (1999), a construção
de sujeitos heterossexuais é feita a partir da rejeição da
homossexualidade, que podemos considerar ser expressa na
homofobia.
De acordo com Welzer-Lang (2001), a homofobia se
constitui na normalização e padronização da heterossexualidade
como manifestação superior e positiva em detrimento das
vivências homossexual e bissexual. Borrillo (2010) afirma
que assim como outras formas de violência e inferiorização,
a homofobia tem por objetivo "desumanizar o outro e torná-lo
inexoravelmente diferente".
Sobre as disputas imbricadas no uso de termos
correlatos, como: lesbofobia e transfobia, entende-se que o
preconceito e a discriminação que atingem LGBT possuem em
comum o fato de estes segmentos sociais questionarem a ordem
sexual e de gênero, de maneiras afins, porém diferenciadas.
Pretende-se, também, reconhecer que a intolerância social em
relação à homossexualidade masculina (idéia implícita à noção

60
de homofobia) não é da mesma ordem que a intolerância que
atinge as lésbicas, nem da intolerância que atinge travestis e
transexuais.
Como ilustração da existência desta prática em nosso
cotidiano citamos a pesquisa do Grupo Gay da Bahia (GGB)
que indica que a cada 2 dias, uma pessoa é morta em decorrência
da sua orientação afetivo-sexual. Pesquisas realizadas acerca
da homofobia e escola, como a pesquisa da Unesco (2004),
“Juventudes e Sexualidade” indica o espaço escolar como lócus
mais recorrente de violência sexista e homofóbica. E também,
a pesquisa da Faculdade de Educação e Arte da Universidade
de São Paulo -USP (2009), afirma que 87% da comunidade
escolar (alun@s, mães/pais, professor@s e servidor@s) têm
preconceito com homossexuais, bissexuais e travestis. Na
escola é comum e aceito que atitudes e comportamentos que
fogem da heterossexualidade sejam repreendidos.
Destaca-se que foram as lutas promovidas pelo
Movimento LGBT no Brasil, que oportunizaram a visibilidade
destas “outras sexualidades possíveis”, desde o período dos
anos de 1970. E posteriormente, nos anos 2000 do século XXI,
é que iram surgir ações governamentais, em articulação com o
Estado como: Programa Brasil sem Homofobia (2004), que hoje
se constitui na Coordenação Geral de Promoção dos Direitos
LGBT e no Conselho Nacional de Combate a Discriminação
- Conselho LGBT, que são responsáveis pela execução e
monitoramento do Plano Nacional de Promoção dos Direitos
e Cidadania LGBT (2009), produto da I Conferência Nacional
LGBT (2008). Além de ações instituídas em outras instâncias
ministeriais, como os editais de Gênero e Diversidade Sexual

61
da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (SECADI/MEC) – para capacitação de
professores, por exemplo.
Desta forma, acreditamos que politizar o debate sobre
a homofobia a partir da relação comunidade-universidade,
oportunizada pelo papel da extensão universitária e da
pesquisa, se constitui necessário quando há compromisso com
a justiça social e a democracia.

Contextualizando as políticas de educação para diversidade


sexual no Brasil

A educação é um campo teórico, e em disputa, que para


Pocahy (2009, p. 02) se coloca "para além do tempo em que
nos ocupávamos com questões matizadas em expressões como
ensino, aprendizagem e didática". Historicamente constituído
como espaço disciplinador, normalizador e re/produtor das
desigualdades sociais, o que denota desafios em estabelecer
compromissos que transgridam a lógica tradicional da escola,
como exemplo, a inserção da diversidade sexual no ambiente
escolar.
De acordo com Junqueira (2009), a gestão pública
em educação vem sendo instigada a considerar aspectos que
circundam o “aprimoramento ético” dos sujeitos como relevante
ao desenvolvimento social. Neste sentido, o enfrentamento ao
sexismo, a homofobia e toda forma de preconceito se coloca
como necessário e ao mesmo tempo um dos grandes desafios à
escola, especialmente no âmbito de sua capacidade formadora.
Os movimentos sociais de mulheres, negros(as) e LGBT

62
tem provocado a gestão educacional, para a necessidade de
políticas de educação que promovam o respeito e alteridade
às diversidades (sexual, raça/etnia, gênero, geração e classe
social). Reiteramos estas provocações no sentido que possamos
efetivar nossas vivências com prazer e de maneira plural,
corroborando com o direito a uma educação que subverta os
valores hegemônicos e as relações de poder que permeiam a
sociedade.
As respostas da gestão pública educacional a estas
demandas são recentes no Brasil, como demonstram os dados
da pesquisa: “Políticas públicas para a população LGBT no
Brasil: um mapeamento crítico-preliminar”, realizada pelo
Ser-Tão/UFG6. Freitas, Pedrosa, Brito e Mello (2010) afirmam
que há dez documentos federais que referenciam a educação
para diversidade sexual no país.
Nos dois mandatos governamentais de Fernando
Henrique Cardoso (1995- 2002) foram encontrados: 1)
Diretrizes para uma Política Educacional em Sexualidade
(1994); 2) Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996); 3)
Parâmetros Curriculares Nacionais (1997); 4) Plano Nacional
de Educação (2001); 5) Programa Nacional de Direitos
Humanos I e II (1996 e 2002).
A pesquisa demonstra que dentre estes documentos,
destaca-se a ineficiência do debate dos direitos humanos
compilado nos PNDH I e II, posto que não houvesse
incorporação dos direitos sexuais da população fora da norma
heterossexual. Especialmente no que tange a pressão junto ao

6 Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero e Sexualidade da Universidade Federal


de Goiás – UFG.

63
Congresso Nacional acerca do reconhecimento dos casais do
mesmo sexo ou para promover o debate quanto à necessidade
de combate à homofobia nas políticas sociais (FREITAS,
PEDROSA, BRITO e MELLO, 2010).
Nos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-
2010) foram mapeados os seguintes documentos: 1) Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos (2003); 2)
Programa Brasil sem Homofobia (2004); 3) Plano Nacional de
Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT (2009);
4) Programa Nacional de Direitos Humanos III (2010).
De acordo com Freitas, Pedrosa, Brito e Mello (2010),
o Ministério da Educação é signatário dos três primeiros
documentos supracitados através da SECAD (Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade),
hoje redefinida como SECADI (acrescentando-se o termo
“Inclusão” representado pela letra “I”). Esta é responsável
pelos programas: Saúde e Prevenção nas Escolas; Escola
que protege; Gênero e Diversidade nas Escolas; e também
do Gênero e Diversidade Sexual. Este último foi iniciado em
2005, onde a SECADI através de edital público tem financiado
cursos de capacitação para a promoção da diversidade sexual
e o enfrentamento ao sexismo e a homofobia, tendo como
público as/os profissionais de educação.
A homossexualidade se coloca como uma problemática
para o poder público no Brasil desde antes da década de 1950,
como menciona Green (2007). Mesmo período onde o Estado
brasileiro inicia seu projeto de modernização conservadora, e
a partir de medidas ideológicas, utiliza-se da educação para
reprodução da tecnocracia capitalista e do “conhecimento

64
bancário” incapaz de instrumentalizar os sujeitos a emancipação
humana (FRIGOTTO, 1999). A perspectiva higienista, também
proliferada nesta época, foi responsável pelo extermínio de
muitos homossexuais, e única resposta do poder público à
problemática da visibilidade dos homossexuais na época. Ou
seja, a perspectiva de inclusão destes grupos como público de
políticas educacionais é referência deste século 21, portanto
em processo de implementação. Onde há estratégias pontuais
protagonizadas por sujeitos específicos dentro do MEC, do que
por uma gestão homogênea no âmbito da proposta do combate
a homofobia (FREITAS, PEDROSA, BRITO e MELLO,
2010).
Junqueira (2009), ao tecer considerações sobre a
escolar como lugar dos direitos, afirma a importância de ações
de formação continuada nos temas de diversidade sexual,
principalmente pela ausência de nitidez e articulação entre
as diretrizes do sistema de ensino. Como exemplo, o autor
aborda os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) para o
ensino fundamental, cuja “orientação sexual” está como tema
transversal, e alerta para o fato de que embora tenha sido o
primeiro documento a tratar sobre “prazer”, isoladamente os
PCN’s não deram/darão conta da discussão da diversidade
sexual, porque o debate específico ali instituído não foi
acompanhado de políticas educacionais (JUNQUEIRA, 2009).
A formação continuada deveria ter espaço contínuo
e permanente na escola, onde os conteúdos curriculares
absorvessem a realidade cotidiana e as formas de ensinar
e aprender fosse também acompanhado. A construção de
uma escola democrática deve envolver todos os processos

65
concernentes ao ambiente escolar.
A ausência de uma política social de promoção do direito
à educação que permeie a diversidade sexual consolidada,
em âmbito federal, favoreceu legislações e programais
pontuais e descontínuas nos municípios e estados, onde há
maior expressão do movimento LGBT. O que favorece a
“interiorização geográfica” da homofobia, ou seja, em estados
da região norte e municípios do interior (mesmo de grandes
estados) são ainda mais incipientes as ações educativas para a
diversidade sexual.
Neste sentido, acrescentamos as ponderações de
Freitas, Pedrosa, Brito e Mello (2010), que encerram suas
considerações, na pesquisa citada anteriormente, sinalizando
da seguinte forma:

Além da efetivação de leis, decretos, portarias que


garantam o respeito e a não discriminação no âmbito
escolar (e em todos os espaços) de alunas TLBG,
só podemos desejar e exigir que existam cada vez
mais editais de fomento a pesquisas sobre relações
de gênero e sexualidades, mais cursos de capacitação
para profissionais de educação, saúde, segurança etc.,
maior produção de materiais didáticos que tenham a
inclusão das diversidades (e a visibilidade das diversas
conjugalidades, parentalidades, afetos, desejos, carinhos)
como pautas [...] (FREITAS, PEDROSA, BRITO e
MELLO, 2010, p.50).

Acrescentamos, que o empenho político-pedagógico,


que implica abertura para o diálogo e reconhecimento e auto-
reconhecimento podem conformar a unidade na diversidade
(JUNQUEIRA, 2009). Estes processos de reconhecimento e
auto-reconhecimento, que envolvem também o acolhimento e
66
entendimento da diferença como legítima devem propiciar a
rediscussão dos mecanismos de hierarquização e distinção entre
os sujeitos, podendo assim promover práticas pedagógicas re-
significadas a partir de “redistribuição material e simbólica”.

O curso “Políticas de enfrentamento ao sexismo e a


homofobia no ambiente escolar”: analisando o perfil das/
os participantes

O projeto “Políticas de enfrentamento ao sexismo e


homofobia no ambiente escolar: re-significando as práticas
educativas no estado do Tocantins” foi aprovado pelo Edital
“Gênero e Diversidade Sexual” de 2009 da SECAD/MEC, e
desde sua elaboração teve a parceria do movimento LGBT
local (Grupo Ipê Amarelo pela livre orientação sexual -
GIAMA) e, com alguns entraves institucionais, das secretarias
de educação (estadual e municipais). E tem sua realização
vinculada ao Núcleo de Pesquisas, Estudos e Extensão em
Sexualidade, Corporalidades e Direitos, criado também em
2009 com a participação de docentes do curso de Serviço
Social e discentes dos cursos de Pedagogia e Serviço Social.
O curso “Políticas de enfrentamento ao sexismo
e a homofobia no ambiente escolar” é realizado a partir de
metodologia participativa, priorizando a fala dos sujeitos
envolvidos no processo educativo. As palestras ocupam 40%
do tempo dos módulos e 60% restante é dedicado a oficinas,
onde não há palestrantes e sim facilitadores/as que iram
conduzir as discussões de forma a democratizar o tempo das
falas e incentivar a participação. Os temas discutidos nos

67
módulos perpassam o debate sobre a construção do corpo; os
conceitos de gênero e sexualidade; a história do Movimento
LGBT; as políticas públicas para a população LGBT no Brasil;
Estado Laico; direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes
e jovens; os planos de continuidade na escola; a homofobia
e sexismo no cotidiano escolar; e formulação de projetos de
intervenção. Iniciamos a primeira turma em abril de 2010,
na cidade de Palmas, com seminário aberto ao público geral,
a comunidade acadêmica e as/os participantes do projeto. E
posteriormente, nos municípios de Araguaína, Miracema e
Gurupi.
Partilhamos do construtivismo, enquanto perspectiva
teórica, que critica o essencialismo das identidades, onde a
sexualidade está entendida como categoria analítica, percebida
como produto social e cultural que modela desejos, corpos,
prazeres e vivências sociais (WEEKS, 1995). Quanto à
categoria gênero, referendamos as abordagens feministas,
que também criticam as essencializações e problematizam os
dualismos embasados no modelo binário (masculino/feminino)
e no processo de inteligibilidade contido na seqüência sexo-
gênero-desejo (BUTLER, 2003). O que nos possibilita pensar
o gênero não atrelado ao corpo, mas a performance que os
sujeitam exercem, numa perspectiva plural que compreende
travestis e transexuais como sujeitos de pertença ao gênero que
se identificam socialmente e não reféns de uma ordem biológica
e “aparentemente” natural do sexo. Assim, destaca-se que o
projeto de extensão fundamentou-se na compreensão de que
as hierarquias sexuais e de gênero tem invisibilizado direitos
sociais de pessoas que vivenciam sexualidades desviantes e

68
dissidentes do “imperativo heterossexual”.
Neste sentido, na pesquisa buscou-se através dos
questionários aplicados com 100 participantes do projeto de
extensão já mencionado: a) refletir sobre as violações a equidade
de gênero e ao respeito à diversidade sexual no espaço escolar;
b) verificar se o contexto escolar tem se constituído um espaço
de defesa dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos
de jovens e adolescentes; c) conhecer quais ações sobre
“orientação sexual” e/ou “educação sexual” são desenvolvidas
em consonância com os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN’s) no Tocantins.
Dentre as/os participantes do curso de extensão 38%
correspondem à edição realizada na cidade de Palmas, 32% na
de Gurupi, 17% em Araguaína e 13% de Miracema. Quanto
a caracterização das/os participantes do curso, nota-se que
85% das/os participantes são do sexo feminino e 14% do sexo
masculino, sendo que 95% declararam-se heterossexuais e 5%
como homossexuais. E em sua maioria consideram-se étnico-
racialmente pardos (48%). Sobre o local de nascimento das/os
cursistas, tem-se, 50% que nasceram em outros estados; 50%
nasceram em municípios tocantinenses.

Fonte: Pesquisa Direta

69
Fonte: Pesquisa Direta

Desta forma, podemos inferir que a ausência de sujeitos


do masculino notifica-nos da rigidez do gênero, apontando para
o fato de que estes não buscam o curso especialmente pelo “fardo
histórico” que o tema carrega e pode rotulá-los como “gays”.
A presença proeminente de pessoas afro-descentes (68%) não
constitui uma facilidade quando discutimos o conteúdo acerca
das vulnerabilidades de raça-etnia e classe social. Percebemos
dificuldade na constituição de uma “consciência negra” e na
percepção desta identidade enquanto “positiva”. Para tanto,
provocamos as/os participantes com vídeos, como “A boneca
boa e boneca má”, que promove um debate sobre infância e
pertencimento étnico-racial motivando no sentido de eliminar
expressões de racismo no espaço escolar.
Quanto à Instituição a qual as/os participantes
trabalham 34% estão vinculadas/os às Escolas Estaduais;
15% às Prefeituras Municipais; 12% à Diretoria Regional de
Ensino, 9% às Escolas Municipais, 9% à Secretaria de Estado
de Educação, 7% à Universidade Federal do Tocantins, 7% às
Secretarias Municipais de Educação, 7% vinculadas a outras
instituições de educação. No que se refere à questão de cargo/
função, nota-se que uma maioria considerável de 45% atuam
como professores/as em sala de aula, 26% são coordenadores/

70
as ou diretores/as, 8% são Assessores de Currículo; 5%
Orientadores Educacionais; 4% são Supervisores; 4% são
Estudantes, 3% são funcionários da Assessoria Regional de
Planejamento e Avaliação; 1% são Secretárias/os; 1% são
Assistentes Sociais; 1% são Advogadas/os; 1% são Psicólogas/
os; 1% são Educadores Sociais.
Outro fator que buscamos verificar refere-se à área de
formação das/os participantes, a área de ciências humanas
foi majoritária, somando 82%, 14% formaram em áreas das
ciências biológicas e 4% em Ciências Exatas.

Fonte: Pesquisa Direta

Historicamente, tem se convencionado a área de


biologia como a disciplina que “pode falar” sobre sexualidade.
Foucault (1989) já apontava para a problemática desses
saberes. Neste sentido, o perfil do curso aponta possibilidades
já que constituiu-se na sua maioria por profissionais das
ciências humanas.
Em relação à participação em curso de capacitação,
77% afirma já ter participado de algum curso. Porém, quando
questionamos sobre a participação em cursos que lidaram
com os temas de gênero, sexualidade e diversidade sexual,
77% nunca participaram, enquanto 23% afirmam já terem
71
participado de discussões acerca da temática.

Fonte: Pesquisa Direta

Buscamos identificar as motivações em fazer o curso,


desta forma a justificativa da participação no projeto de
extensão, 74% atribuíram o interesse em adquirir conhecimento
em gênero, sexualidade, sexismo e homofobia, 18% pela
relevância destes temas, 5% para discutir a homofobia junto às
escolas e 3% porque trabalham com a temática em pesquisas
científicas.
De acordo com Junqueira (2009), a homofobia na escola
tem se visibilizado de tal forma, que se coloca como improvável
a não percepção da mesma. Ou seja, buscar conhecimento sobre
a discussão, tem se colocado como essencial a professoras/es
que visam um ambiente escolar democrático.
Outra situação que verificamos, trata-se da existência de
ação ou material didático nas escolas que abordem a temática
de diversidade sexual, sexismo e homofobia, onde 61% das/
os participantes afirmam que nas escolas em que atuam não
existem atividades ou ação que aborde a temática de gênero,
sexualidade e/ou diversidade sexual; sendo que 28% afirmam
que as escolas desenvolvem alguma atividade referente à

72
temática. Acerca da existência de material pedagógico didático
ou para-didático na escola que atua apenas 16% afirmaram
ter algum suporte para “Promoção do respeito à diversidade
sexual” na escola, enquanto os temas acerca “Promoção dos
direitos das pessoas com deficiência” e da “Promoção da
Igualdade Racial” apresentam 43% e 37% consecutivamente
de respostas indicando ter algum material.
Podemos inferir que a ausência de materiais que
possibilitem as/aos docentes instrumento de apoio para estas
discussões não só reiteram que o tema não é legítimo junto
ao Estado, mas também nos faz relembrar da discussão da
não impressão do “Kit Escola sem Homofobia” que obteve
expressiva publicidade neste ano de 2011 tanto pela contra-
resposta preventiva dos neoconservadores evangélicos
quanto da presidência da república, na figura de Dilma
Rousseff. O cenário de dificuldades na escola para trabalhar
no enfrentamento a homofobia só se agrava com situações
como esta que envolveram a reprovação do material produzido
pelo Ministério da Educação e impedido de ser impresso pela
Presidência. Cabe refletir, qual projeto de sociedade estamos
reiterando quando nos isentamos de apoio explícito a uma
questão que tem inviabilizado direitos e a existência dos
sujeitos?

73
Fonte: Pesquisa Direta

Outro índice a se destacar, refere ao conhecimento de


legislação, resolução e/ou normativa que trate dos direitos
LGBT, do respeito à diversidade sexual e/ou combate ao
sexismo e a homofobia no âmbito municipal, estadual e federal,
onde 82% disseram não conhecer, enquanto 18% afirmam
conhecer e destacam: a Resolução 01/99 do Conselho Federal
de Psicologia, o Projeto de Lei 122/2006 – que criminaliza a
homofobia, a Resolução acerca do Nome Social (do Conselho
Estadual de Educação do Tocantins) e a Resolução do Conselho
Federal de Serviço Social de 2006.

Fonte: Pesquisa Direta

Ao iniciar o curso, as pessoas foram indagadas por


nós sobre suas motivações para fazer o mesmo. Dentre os
mais ditos: pessoas que queriam aprender mais e pessoas que

74
gostariam de entender e “ajudar” alunas e alunos LGBT. Estas
citavam freqüentemente frases do tipo: passavam por “muitos
problemas desta natureza”– referindo-se a alunos LGBT.
Quase nenhuma das pessoas que foi motivada a buscar o curso
por esta razão entendia que alguma orientação sexual diferente
da homossexualidade é “normal”, colocando estas no campo
do ”problema a ser resolvido”.
Outra curiosidade refere-se aos questionamentos que
estes/as professores/as recebiam em suas escolas: as demais
pessoas das escolas indagavam a quem freqüentava o curso se
era freqüentado só por pessoas LGBT, sendo constantemente
interpeladas/os sobre o porquê de realizar um curso que trata
deste tema. Nos casos relatados em que os participantes queriam
retornar como multiplicadores do tema, em unanimidade não
houve interesse por parte das direções escolares e nem das/os
colegas professores/as.

Considerações Finais

Resgatar a profícua relação entre extensão e pesquisa


envolvendo a comunidade acadêmica e geral, é compromisso de
uma docência que entende e reverbera a capacidade e potencial
político-pedagógico que a informação e o conhecimento têm
na formação e transformação dos sujeitos sociais.
A matriz epistemológica do Serviço Social brasileiro
está centrada no método do materialismo histórico, com
orientação marxista, e se orienta por categorias centrais ao
método que são a contradição, historicidade e a totalidade,
considerando esta última em todos os seus campos de análise.

75
A influência do macro social e de sua orientação para o modo
de produção influência todos os espaços da vida cotidiana.
Neste sentido, considerar questões como diversidade
sexual, raça/etnia e a tensão entre reconhecimento e redistribuição
de direitos como questões “menores”, desconsidera que a
noção de sujeito está vinculada a normas materiais e sociais de
um projeto de sociabilidade, e que pertencer identitariamente
a uma orientação sexual que difere da heterossexualidade é
um interdito cotidiano em vários âmbitos na vida dos sujeitos.
Estes são expressos como a impossibilidade de união civil, de
direitos reprodutivos, bem como de adoção. Essas privações
de direitos civis atentam para o fato de que os direitos legais e
econômicos também dizem da forma de distribuição sexual e
de gênero sob a qual a organização social está baseada.
Projetos societários que não salientam como categorias
correlatas classe, gênero e orientação sexual individualizam as
lutas da classe que vive do trabalho. A avaliação de que estas
lutas são pormenorizadas frente a mudança paradigmática
desqualifica as reivindicações de movimentos sociais, como
também o sofrimento humano, dadas as interdições sociais
das práticas afetivas homossexuais, pois a dimensão pública
da sexualidade só é aceita socialmente quando a mesma é
heterossexual.
Na medida em que o direito a liberdade de orientação
sexual se constitui numa forma de direito a igualdade social,
respeitar a diversidade sexual é necessário para o respeito à
autonomia, para a democracia, para a superação da inferiorização
do outro. Em uma perspectiva que teleologicamente
pretende a transformação da sociedade, é condição para esta

76
desnaturalizar a imposição da heteronormatividade, oposta a
luta dos patamares de sociabilidade onde a diversidade seja
efetivamente reconhecida. Entendemos as interesecções
de raça/etnia, geração, gênero e orientação sexual como
marcadores que se interconectam no campo das desigualdades,
unindo-se a classe social.
Atentar para as causas das desigualdades reais é
fundamental para dar materialidade ao projeto político do
Serviço Social que, entre os seus princípios, contrapõe a
quaisquer formas de discriminação e compromete-se com a
luta pela superação da violação de direitos.

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79
Educação, Gênero e Diversidade Sexual: reflexões a partir
do projeto “Políticas de Enfrentamento ao Sexismo e
a Homofobia no Ambiente Escolar: Re-significando as
Práticas Educativas no estado do Tocantins”

Bruna Andrade Irineu7


Cecilia Nunes Froemming8

Problematizaremos as vivências possibilitadas na


execução do projeto de extensão “Políticas de enfrentamento
ao sexismo e a homofobia no ambiente escolar: re-significando
as práticas educativas no estado do Tocantins9” da seguinte
maneira: a) a partir da análise dos instrumentos de avaliação
dos módulos realizados durante o curso de extensão; b) por
meio da análise das falas das/os educadores/as cursistas; c)
a partir da análise dos projetos de intervenção apresentados
como produto final do curso.
Um dos vídeos discutido com os professores relatava
experiências de educação não sexista. Em uma das cenas,
meninas brincam de bola. Ao debater esta com o grupo, uma

7 Assistente Social. Doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal do


Rio de Janeiro (UFRJ). Mestra em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG).
Professora do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Tocantins. Coordenadora
do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão “Sexualidade, Corporalidades e Direitos”.
8 Assistente Social. Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás
(UFG). Mestra em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS). Professora do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Tocantins.
Coordenadora do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão “Sexualidade, Corporalidades e
Direitos”.
9 Este projeto configura-se em curso de capacitação financiado pela Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação –
SECADI/MEC através do Edital de Gênero e Diversidade Sexual de 2009.

81
das professoras disse: “Ela vai ser mãe, né? Precisa aprender a
cuidar de crianças, e não a jogar bola”.
Nas dinâmicas utilizadas para identificar e reconhecer
de que forma as instituições contribuem para a homofobia
e o sexismo; vemos que é rapidamente identificado pelas
pessoas que a sociedade é machista e patriarcal. Porém, não
reconhecem a escola como agente público do sistema político -
educacional que valida isto. E muito menos se discute que uma
sociedade machista é violenta com a maioria das pessoas, além
de ser homofóbica.
Ao discutir o tema do aborto no módulo sobre “direitos
sexuais e reprodutivos”; a posição contra o aborto e contra a
descriminalização do mesmo foi unânime entre todas as pessoas
que participaram do curso. Dentre as justificativas, a mais
utilizada era sobre o momento da concepção, considerando
que uma vida se inicia no momento da fertilização; fazendo
uso de palavras como “crime” e recorrentes dizeres religiosos:
“se Deus enviou um bebê, a mãe deve criá-lo”.
Outro tema sempre polêmico nos cursos: filhas e/
ou filhos de casais homoparentais. Desta vez, a justificativa
recorrente era que pessoas homossexuais criam filhos
homossexuais. Além disso, havia constante indagação em todos
os módulos do curso de que homossexuais são promíscuos e
não mantém relações estáveis. Podemos pensar em muitas
inferências: a primeira delas é a invisibilidade de casais
formados por demais orientações e identidades de gênero para
além da homossexualidade masculina.
Ao discutir sobre bases legais relativas a gênero e
sexualidade, quase todas as pessoas participantes do curso

82
concordam que a criação de uma lei que obrigue os professores
a trabalhar o tema. Ao mesmo tempo em que sugerem a
aprovação destas leis, desconhecem o conteúdo da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação que desde 1997 sugere que a
diversidade sexual seja um tema transversal a ser trabalhado
na escola.
Obtivemos também, expressivos comentários e
inferências dos/as participantes sobre os temas do curso nas
avaliações dos módulos e nas vivências destes módulos, como
iremos abordar a seguir.

Promovendo políticas de respeito a diversidade sexual e da


equidade de gênero

A partir dos instrumentos de avaliação dos módulos


do curso, pudemos verificou-se que as formações continuadas
oferecidas as/aos educadores/as se aproximam do modelo
de palestras, que evidencia uma hierarquia do lugar de fala.
Neste sentido, um/a das/os cursistas avalia a metodologia
participativa, dizendo que: “As oficinas são muito boas, pois
nos deixa mais a vontade para falarmos sobre os temas de uma
maneira lúdica e dinâmica”. As/os cursistas anunciam que a
metodologia facilita a discussão deste tema marginal na escola:
“[...] acredito que fluiu e desconstruiu alguns mitos”.
Há também uma preocupação com a indução do
tema, um/a dos/as cursistas aponta esta metodologia como
forma positiva de não indução ao tema: “[...] não são do
tipo que induzem, mas conduzem”. Durante o curso, houve
questionamentos sobre a perspectiva de condução dos

83
conteúdos e acerca da “ausência de neutralidade” na condução
dos temas. Em momento de discussão acerca do Estado laico
e Políticas públicas no Brasil, destacamos o seguinte trecho da
avaliação sobre as facilitadoras e palestrantes: “[...] Deve-se
ver as “coisas” por todos os ângulos. O q vocês pretendem?
Militantes? Ou Educadoras? [...]” (Professor/a).
Neste sentido, cabe destacar as contribuições de
Sedgwick (2007), sobre a questão da homofobia, onde esta
considera a “epistemologia do armário” como dispositivo
regulador da vida de gays e lésbicas no século XX, sendo esta,
uma “estrutura definidora da opressão” (p. 26). Esta opressão
não se dá somente na dimensão subjetiva, já que a ausência
de direitos, de proteção jurídica e políticas que reconheçam
as sexualidades desviantes da “matriz heterossexual”,
enquanto práticas legítimas também é uma manifestação desta
segregação social.
Portanto, para além do debate sobre a neutralidade
das ciências, cujo qual se considera superado pelo marxismo
e outras correntes teóricas, acreditamos que há um incômodo
entre alguns cursistas com uma perspectiva posicionada no
enfrentamento a homofobia e ao sexismo. Especialmente,
porque naquele espaço o/a facilitador/a exerce uma relação
de maior poder, e tendo em vista o lugar de onde este/a
localiza sua fala, no caso a Universidade – lócus legítimo
da produção do conhecimento. Muitos são os subterfúgios
utilizados pelas/os cursistas (gestores e educadores de sala
de aula) para se esquivar de um maior compromisso com o
combate a homofobia. Ora se agregam a argumentos acerca
da “neutralidade científica”, ora junto a reflexões religiosas

84
do que é pecado ou não e também a argumentações fatalistas
sobre o papel conteudista da escola.
Em consonância, acrescentamos as considerações de
Junqueira (2009, p. 174-175), sobre as estratégias adotadas por
gestoras/es e educadoras/es para desviar-nos (ou se desviarem)
da abordagem da questão da diversidade sexual na educação,
destacamos: a “concordância infrutífera”, que “não desdobra
nenhuma medida efetiva”; a “hierarquização”, que coloca
em primeiro plano outras demandas, como: analfabetismo,
evasão escolar, racismo; e também a estratégia da “negação”,
que invisibiliza a presença de pessoas gays/lésbicas/travestis/
transexuais no ambiente escolar.
Segundo Prado (2010, p. 09) a homofobia se demonstra
como um sistema de “humilhação, exclusão e violência que
adquire requintes a partir de cada cultura e formas de organização
das sociedades locais, já que essa forma de preconceito exige
ser pensada a partir de sua intersecção com outras formas de
inferiorização como o racismo e o classismo". Assim, as tramas
da invisibilidade da homofobia, da heteronormatividade e das
demais formas de não reconhecimento das amplas formas de
diversidade vivenciadas cotidianamente contribuem para que as
formas de gestão da vida sejam cada vez menos democráticas.
Contudo, esta lógica simbólica e hierarquizante
começou a ser questionada a partir de mobilizações de grupos
que ousaram romper o silêncio e ir às ruas para construir
uma política sexual a partir do reconhecimento de direitos
sexuais, como os movimentos feministas e LGBT (lésbicas,
gays, bissexuais, travestis e transexuais). Acreditamos que
dado atual cenário de visibilidade política adquirida por estes

85
movimentos e grupos sociais, alcançou-se um patamar onde
não há como retroceder na existência do que muitos de nossos/
as cursistas nomeiam ao iniciar-se no projeto de “problema”
e “polêmica”, a expressão pública das sexualidades fora da
heterossexualidade.
A partir da iniciativa de reconhecimento da escola
como espaço profícuo para discutir a diversidade sexual e
da educação como processo onde todos os sujeitos devem
acessar enquanto direito, outro entrave se localiza na inserção
no projeto para buscar metodologias próximas de “receitas
de auto-ajuda para inclusão”. É recorrente que as/os cursistas
buscam no projeto respostas sobre: “como lidar com um/a
colega professor/a LGBT?” ou “o que fazer seu meu filho disser
que é gay?”. Encontramos nas avaliações algumas solicitações
das/os cursistas que ilustram neste sentido: “Gostaria que
fundamentasse o homossexualismo. O porquê de ser, como
era tratado nos fatos históricos, o que faz (atualmente) uma
pessoa ser homossexual (?)” (Professor/a). Em outra situação
um/a cursista avalia que: “[...] faltou apenas algumas oficinas
voltada para a prática de sala de aula, ou seja, como o professor
irá realizar em sala ao se deparar com um travesti [...]”. Os
sujeitos LGBT são percebidos como “anormais” e/ou como
“exóticos” e como desafio posto a escola. Sendo que o que
deveria ser compreendido como desafiante seria o combate a
homofobia e o sexismo, e a implementação de uma pedagogia
centrada na alteridade as diferenças.
Diante disso, cabe destacar as questões levantadas
por Pocahy (2009): “como se configuraria uma pedagogia e
um currículo que ´estejam´ centrados não na diversidade,

86
mas na diferença, concebida como processo, uma pedagogia
e um currículo que não se limitam a celebrar a identidade e
a diferença, mas que buscassem problematizá-las?”( SILVA,
2007; p. 74 apud POCAHY, 2009, p.03). O autor utiliza-se
do pensamento de Tomaz Tadeu da Silva, quando este critica
a intenção de tomar a diversidade simplesmente como um
“espaço de destino em que a identidade é compreendida de
forma essencializada e cristalizada”, ele alerta para o fato de
que assim, a diferença tende a neutralizar-se, o que não nos
permitiria “compreender os regimes de poder envolvidos na
construção da ‘diversidade de identidades’”.
A escola não é um espaço que se diferencie dos outros
constituintes da vida social, o que a distingue é sua capacidade
de se diferenciar da igreja, da rua e da casa (família), por sua
capacidade de promover a transformação social a partir da
informação e do conhecimento atrelado a sua vinculação com
a gestão da vida pública.
A possibilidade de promover discussão para ampliação
de conceitos que tangenciam a vida dos sujeitos, como o
conceito de família, por exemplo, deve estar contido no
ambiente escolar. Se não for a escola a promotora deste debate,
dificilmente será a igreja, a promotora do entendimento de
que família se dá pelo estabelecimento de vínculos afetivos
e não meramente sanguíneos e parentais. E de que a própria
lógica do parentesco está imbricada na heteronormatividade,
dificultando assim o reconhecimento de casais do mesmo sexo
ou mesmo casais heterossexuais sem filhos, famílias gestadas
por mulheres, entre outras configurações com o mesmo valor
social da “velha” família nuclear.

87
O referencial judaico-cristão também se coloca como
dificultador a inserção da diversidade sexual no ambiente
escolar. Destacamos a exposição de um/a cursista, quando
esta expõe suas percepções acerca do vídeo “Porque a Bíblia
me diz assim”, exibido durante um dos módulos do curso:
“eu saí daqui com minha cabeça transloucada [...]. Eu peço
a Deus, que realmente me prepare, porque eu posso não
concordar, mas eu tenho que aceitar. Se Deus me diz que eu
tenho que amar, como é que eu vou excluir” (Professora).
Desde a emergência dos movimentos feministas e LGBT, a
violação de direitos humanos e sociais, a invisibilidade nas
políticas públicas e a intolerância vivenciada nas relações
sociais impõem a necessidade da efetivação do Estado laico,
já garantido constitucionalmente no Brasil. E mais que isso,
que o Estado assuma o compromisso de equiparar os direitos
entre heterossexuais e homossexuais. A centralidade do debate
da diversidade sexual travado sob a laicidade do Estado é
constantemente interrompido no curso por questões matizadas
nas apreensões religiosas, mesmo quando adotamos estratégias
de convite a reflexão enquanto gestores/as de uma política
pública.
O uso de suportes audiovisuais, especialmente para
esta discussão tem favorecido reflexões que se movimentam
desde a apreensão de questões subjetivas, como na fala da
cursista que inferiu sobre gênero e religião refletindo sobre sua
condição enquanto mulher dizendo: “eu me casei certamente
por conta da religião e porque uma boa mulher assim deveria
fazer”. Contudo, quando inserimos o debate sobre o direito a
ter ou não filhos, a criminalização do aborto passa como central

88
nas participações das/os cursistas, alocada em argumentações
religiosas ou na “irresponsabilidade da mulher” em não utilizar
métodos contraceptivos.
Promovemos dinâmicas com objetivo de refletir
sobre os direitos reprodutivos de jovens e adolescentes, em
uma destas pudemos verificar o diálogo entre duas cursistas
que discordavam sobre determinada situação que envolvia
uma gravidez não programada. A cursista alerta sua colega:
“você gosta que te imponham alguma coisa?”. Esta colega
responde: “são nove meses, é tempo suficiente a se acostumar
com a idéia e aprender a gostar. É uma vida, meu Deus!”.
Outra cursista interfere: “tem outros métodos, a camisinha e
o anticoncepcional, porque não usou um método. Já que eles
não queriam ter filhos, porque não tomaram as providências
[...]”. Há uma linha tênue que divide o entendimento do que
se configura direito ao corpo e as religiosidades. Em grande
medida, a homofobia consegue reunir maior número de
cursistas dispostas/os a escutar e entender a necessidade de
enfrentá-la, do que a questão da legalização do aborto.
Um/a das/os cursistas destaca em uma das dinâmicas
que: “[...] se a pessoa é sapatão ou bicha, e daí? Ela está
fazendo com o corpo dela, o que ela quer. Assim como eu
também tenho direito [...]”, e acrescenta ainda: “se meu filho
for homossexual, eu vou ficar triste só pela questão dos genes
não se multiplicar”. O familismo é bastante recorrente nas
falas das/os cursistas, como um subterfúgio higienista de
aceitação da (homos)sexualidade “boa”, identificada por Rubin
(1989) como àquela vivenciada em par, monogamicamente e
com objetivo de constituição familiar. Buscamos provocar o

89
sentido do termo “descriminalização do aborto”, o direito a
escolha por ter ou não filhos e a possibilidade do exercício da
sexualidade para o prazer, para que as discussões pudessem
fluir, e esta alternativa foi eficiente para que o grupo pudesse
se abrir para o debate.
O direito da mulher em decidir por seu corpo e a
garantia desta decisão através dos mecanismos do Estado se
vincula ao sexismo inerente a constituição e formação sócio-
histórica brasileira. Welzer-Lang (2001) aproxima a questão
da dominação (masculina) coletiva e individual das mulheres,
tanto no espaço privado quanto no público, da questão da
homofobia. A postura de oposição rígida às sexualidades
não-hegemônicas seria indissociável da composição do
sujeito do masculino, como se a idéia de “ser homem” fosse
complementar à idéia de “ser homofóbico”. Portanto, o sujeito
do masculino, para ser legitimado como tal, precisa além
de dominar as mulheres, retalhar as vivências homo, trans e
bissexuais, recusando-as como possíveis e prazerosas.
A utilização de termo como “respeito ao próximo” cuja
origem se vincula a linguagem cristã, é trazida constantemente
pelas/os cursistas. E agrega sentido dicotômico no que tange
ao enfrentamento a homofobia. Em determinados momentos é
utilizada para reprovar uma atitude homofóbica em sala de aula,
onde alguém fora injuriado e orientar o promotor da injúria nas
suas próximas ações. E em outro momento é utilizada contra
o exercício da homossexualidade, como destacamos na fala de
um/a cursista que se posiciona sobre uma situação envolvendo
a troca de um beijo entre dois garotos: “[...] nós não temos só
direitos também temos deveres, é preciso respeito ao próximo”.

90
Não é através do mero reconhecimento de consideradas
“minorias” que se faz justiça social, mas através do
desdobramento de direitos como liberdade e igualdade, ou
seja, não são necessárias exceções. Porém, o privilégio de
certos grupos revela a impossibilidade de neutralidade sexual,
e devemos reconhecer que há grupos privilegiados e grupos
oprimidos. O risco de classificações rígidas, fundadas em
distinções monolíticas pode reforçar a heteronormatividade.
A percepção de sujeitos cujas práticas e vivencias afetivo–
sexuais se dão fora da heterossexualidade não serve para
atentar as diferenças, mas para o reconhecimento destes como
sujeitos políticos da mesma forma que os demais.
Assim, é necessário denunciar através de teorias e de
políticas as hierarquias das invisibilidades que não reconhecem
a multiplicidade da sexualidade, dos gêneros e dos corpos.
As experiências vivenciadas em sala durante a execução do
projeto foram conduzidas com propósito de trazer elementos
para transformação da maneira de pensar, de aprender, de
conhecer e de estar no mundo tornando estes processos mais
prazerosos, sobretudo, a partir da promoção dos direitos
sexuais e o combate ao sexismo e a homofobia.

Formulando espaços para a discussão sobre gênero e


sexualidade nas escolas através de projetos de intervenção

O curso tinha como objetivo final a produção de


projetos de intervenção relacionados a algum dos temas
trabalhados nos módulos do curso. A execução dos mesmos
é facultativa para os professores e as escolas, bem como não

91
houve correção por parte das professoras que ministraram o
curso; apenas sugestões discutidas com os grupos. A análise
aqui descrita foi feita a partir das seguintes categorias: Grupo/
Cidade – Tema – Metodologia – Público-Alvo – Bibliografia –
Abordagem Teórica.
Os trabalhos de proposta de intervenção apresentados
comprovam que a norma às vezes cede espaço para a subversão.
A imensa maioria dos trabalhos propõe uma abordagem teórica
crítica e assume a escola como agente homofóbico, sexista e
heteronormativo; mas também agente educacional que pode
propor processos de estímulo a relações sociais equânimes e
igualitárias.
Todos os projetos se propõem a utilizar o material do
curso, principalmente os filmes e as dinâmicas de reflexão.
Apenas um grupo de professoras que optou por realizar
projeto cuja metodologia previa trabalho com os professores
para combater a homofobia na escola estava preocupado em
resguardar os jovens LGBT daquela escola de violências
homofóbicas por parte dos professores, que segundo elas, era
uma situação freqüente.
Outro grupo que pretende trabalhar o tema “sexualidade
e autocuidado” juntamente aos adolescentes da escola
pretendia através de seu projeto homogeneizar o que eles
descrevem como “práticas transgressoras”; e divulgar entre os
adolescentes uma “sexualidade normal”.
Outras duas escolas propuseram projetos de
intervenção cujos objetivos eram de “auxiliar” pessoas que se
declaram com uma orientação sexual LGBT. Em um destes
projetos, o objetivo era: “construção de uma postura para não

92
agredir os demais com exageros” (Projeto de Intervenção,
Grupo C, 2010). Este retrata a preocupação do grupo com uma
aluna travesti que se vestia condizente com o gênero ao qual
pertence: como uma mulher. As professoras diziam durante
o curso que as agressões verbais que ela sofre; assim como
todas as travestis, segundo elas; são motivadas pela forma
como se vestem e pelo seu comportamento. Portanto, para este
grupo de pessoas, a motivação para a agressão por parte das
pessoas heterossexuais da escola era plenamente justificada.
Este grupo também pretendia realizar um levantamento de
quantas pessoas LGBT tinham na escola, e qual os impactos
da homofobia na vida do individuo.
As reações aos sujeitos que ousam dizer seu nome ficam
entre tolerância e revolta. Os debates morais surgidos podem
ser transformados em estratégias políticas, no sentido em que
temos que exercitar as convivências democráticas.

(...) novas identidades culturais e políticas vem


proliferando, em raças e etnias, gênero e sexualidade,
HIV e AIDS, dentre outras identidades coletivas, que
vêm emergindo para confirmar e promover interesses
humanos comuns, para desafiar hierarquias congeladas
de poder e, implícita ou explicitamente, para brigar por
autonomia, diversidade e escolha. Mas estas, por sua vez,
geram novos tipos de controvérsia, acerca da “política
de identidade”, “correção política”, a ameaça da “ordem
natural” da sexualidade e similares. Nem todas as
identidades são inofensivas e capacitantes. Identidades
podem ser campos de batalha (WEEKS, 1995, p.04-05).

É preciso discutir acerca da busca pela uniformidade


numa sociedade tão diversa. A heterogeneidade não pode ser
considerada positiva? As identidades – inclusive as identidades
93
sexuais têm que ser imutáveis?
Concordamos que as características identitárias
dos sujeitos nos levam a pertencimentos sociais diversos e
múltiplos. A minha identidade étnico–racial, por exemplo, pode
ter me levado a experimentar diversas situações de opressão
ou ao contrário, de ter oprimido. “O corpo é visto como um
juízo final de um julgamento sobre o que somos ou o que
podemos nos tornar” (WEEKS, 1995, p.07). Corresponder a
certos atributos físicos (atualmente, um corpo magro e esbelto)
e a corresponder a um comportamento generificado com base
no meu sexo biológico é uma obrigação societária.
Para Eribon (2008), a interpelação heterossexual leva
os homossexuais a viver em um mundo de injúrias. Todas as
instituições da vida cotidiana atribuem as homossexualidades
um lugar inferior: a psiquiatria, o político, o jurídico.

Não criamos o mundo a que chegamos; nele encontramos


gestos, papéis sociais, crenças, ofícios, hábitos mentais,
etc... que nos precederam. E na materialidade que nele
encontramos, há a linguagem. Mas essa linguagem é
portadora de representações, de hierarquias sociais, de
“caracteres” e de “identidades” fabricados pela história e
que preexistem aos indivíduos. (...) O mundo é insultante
por ser estruturado conforme hierarquias que trazem
consigo a possibilidade das injúrias (ERIBON, 2008, p.
80).

A institucionalização estatal de políticas LGBT


atravessa um perigoso desafio: se por um lado há pressão
constante dos movimentos identitários e de direitos humanos
por um combate a homofobia; por outro vemos um retrocesso
fundamentalista no combate as mesmas. Podemos citar o

94
projeto de lei (PLC) 122 que institucionaliza a criminalização
da homofobia; que é chamada de “mordaça gay” pela bancada
evangélica.
Alguns projetos propuseram que em suas escolas
fosse criado de forma permanente um “fórum de formação de
professores” sobre diversidade sexual e combate a homofobia. A
preocupação era atentar para a necessidade do questionamento
de atitudes na prática docente, pois é no espaço cotidiano que
este grupo identificou uma constante reafirmação de violências
homofóbicas e sexistas, a partir das suas próprias reflexões
durante o curso. Estes dois grupos, de escolas de municípios
diferentes, salientou que as – os professoras (es) evangélicos
não iam gostar dessa proposta. Mais uma vez, as intenções
religiosas pessoais interferem na laicidade do Estado. As
integrantes destes projetos, mesmo idetificando a necessidade
de discutir as violências praticadas cotidianamente pelos
professores; demostraram muito medo de sugerir trabalhar
com o tema, pois estariam sujeitas a questionamentos inclusive
de sua própria orientação sexual.
Três dos grupos citaram que fariam as intervenções
previstas na metodologia dos projetos durante os “grupos de
oração” – momento de oração religiosa que ocorre com todos
as/os professores/as da escola uma vez por semana. Atentamos
para que destes três grupos, dois são as Diretorias Regionais
das Escolas de duas regiões do Estado.
Um grupo formado por integrantes de Delegacia
Regional de Ensino - DRE de um dos pólos onde se realizou
o curso propôs a criação de um projeto de intervenção a
partir de um grupo de professores que realizasse um estudo

95
para o enfrentamento da homofobia a partir da realidade
dos municípios. O objetivo era realizar no próximo ano um
alinhamento dos conteúdos do ensino médio, tranversalizando
o tema para estes períodos.
A parte dos projetos que prevêem construção de grupos
de estudos, todos os projetos tem uma coisa em comum: seriam
realizados em no máximo, dois turnos (em dias alternados).
Outra questão que esse processo de organização do curso, desde
a sua concepção até esse processo atual de finalização, não
só explicita o menosprezo pelo tema de gênero e sexualidade;
como o despreparo das instituições e dos campos de saber em
lidar com o mesmo.
Apresenta-se atualmente, uma situação sem
precedentes cujas diferenças sócio-culturais não podem mais
ser silenciadas. As normatividades prevalentes estão em jogo:
grupos de sujeitos não aceitam mais ser subalternizados.

Considerações Finais

O binarismo que constitui o pensamento humano tem se


colocado como impeditivo a garantia de direitos de pessoas que
escapam a heterossexualidade, independente de sua orientação
sexual. A lógica do “isso ou aquilo” permeia o espaço escolar
em ritmo de “normatização” das relações sociais. A busca pela
normalização dos padrões de comportamento e a higienização
dos corpos se movimentam para um ocultamento da diferença
como constituinte da diversidade humana.
Os temas considerados “transversais” na educação,
bem como nas políticas públicas, são tratados de forma

96
pormenorizada. Nas escolas, costuma-se tratar destes assuntos
com um dia de atividades lúdicas que lembrem estes temas.
Então, o dia da “tal coisa” serve para demonstrar como a escola
lida com o diverso. A escola como um reflexo societário mostra
os lugares que alguns grupos sociais possuem: Dia da mulher,
Dia da consciência negra, Dia do índio, etc. Uma identidade
separatista e negadora da história cotidiana dos sujeitos sociais.
As experiências relatadas demonstram que não existe
laicidade no serviço público oferecido pelos profissionais
das escolas. A busca pela receita “como lidar” com situações
extremas relativos ao gênero e a sexualidade foi uma constante
durante os cursos ministrados. Mas ao mesmo tempo, no que
tange ao possível enfrentamento do sexismo e da homofobia,
há intencionalidade dos sujeitos ao final do curso, observada
a partir de falas como as seguintes: 1) “[...] desejo também
poder aplicar estes conteúdos em minha vida particular [...]”;
2) “[...] me inscrevi por curiosidade no tema. Hoje estou muito
diferente de quando iniciei o curso [...]”.
Propiciar espaços de formação continuada, onde
a disposição dos conteúdos não reiterem metodologias
hierarquizadas e seja possível tratar das discussões politizando
inclusive as experiências pessoas, pode ser uma alternativa
para abordagem de temas que incomodam a escola, visando
sensibilizar educadores não somente para o necessário
enfrentamento a homofobia, mas para sua própria função
enquanto educador/a.

97
Referências Bibliográficas

BORRILO, Daniel. Homofobia - história e crítica de um


preconceito. Autêntica, Belo Horizonte: 2010.

BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo


e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003.

ERIBON, Didier. Reflexões sobre a questão gay. Rio de


Janeiro: Companhia de Freud, 2008.

JUNQUEIRA, Rogério. Política de educação para diversidade


sexual: escola como lugar de direitos. In: LIONÇO, Tatiana;
DINIZ, Débora. Homofobia e Educação: um desafio ao
silêncio. Brasília: EdUnB, 2009.

LOURO, Guacira Lopes. O corpo Educado: Pedagogias da


Sexualidade. São Paulo: Autêntica, 1999.

POCAHY, Fernando. Educação como experiência - notas para


uma formação indisciplinar em sexualidade. (Comunicação
Oral - Semana Escola sem Homofobia - UFMG) Belo
Horizonte: 2009.

PRADO, Marco Aurélio M. Prefácio: Homofobia - muitos


fenômenos sob o mesmo nome. In: BORRILLO, Daniel.
Homofobia - história e crítica de um preconceito. Autêntica,
Belo Horizonte: 2010.

98
RUBIN, Gayle. “Reflexionando sobre el sexo: notas para una
teoría radical de la sexualidad”. In: VANCE, Carole (Org.).
Placer y peligro: explorando la sexualidad femenina. Madrid:
Revolución Madrid, 1989.

SEDWICK, Eve. A Epistemologia do Armário. Cadernos


Pagu, nº 28. Campinas: 2007.

WEEKS, Jeffrey. Moralidades Inventadas: Valores sexuales


en una época de inseguridad. Cambrigde: Polity, 1995.

WELZER-LANG, Daniel. A construção do masculino:


dominação das mulheres e homofobia. Revista Estudos
Feministas, ano 9, n. 2, 2001.

99
Parte II
Cenas e Contextos da Diversidade Sexual
no Tocantins
GIAMA – Grupo Ipê Amarelo pela Livre Orientação
Sexual: nove anos na luta contra a homofobia

Silvânio Motta1
Renilson Cruz2

A Associação Grupo Ipê Amarelo Pela Livre Orientação


Sexual - GIAMA foi fundada em Palmas no dia 15.06.2002
para lutar pela cidadania e direitos humanos da população
homossexual de Palmas e do Tocantins. Foi a primeira ONG
a trabalhar com essa população específica, na temática dos
direitos humanos, cidadania e prevenção em HIV/Aids. Atua
em parceria com os três níveis de governo e com agências
de cooperação internacional como UNESCO e UNODC.
É parceira do Departamento de DST/Aids e Hepatites do
Ministério da Saúde desde 2003, bem como as Coordenação
Estadual e Municipal de DST/AIDS.
A experiência do GIAMA como agente de mobilização
social pode ser exemplificada pela organização e execução
das Capacitações em Direitos Humanos e HIV/Aids para
ativistas e população GLBT, organização das Paradas do
Orgulho e a execução em 2005 e 2006 dos Projetos de

1 Licenciado em História pela UNITINS, 2001, graduado em Direito pela


Faculdade Católica do Tocantins (2011), Especialista em Metodologia do Ensino de História
(FACINTER) e Legislação Trabalhista (FORTIUM BRASILIA). Foi Presidente do GIAMA
na Gestão 2002-2011. Atualmente diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do
Estado do Tocantins e Coordenador do Centro de Referência em Direitos Humanos e Combate
a Homofobia na Coordenadoria da Mulher, Direitos Humanos e Equidade (COMUDHE) da
Prefeitura de Palmas. Email: coelhomota@yahoo.com.br
2 Licenciado em Letras pela Universidade Federal do Tocantins (UFT) e
Bacharelando em Jornalismo pela mesma universidade. Presidente do Grupo Ipê Amarelo
pela Livre Orientação Sexual na atual Gestão 2011-2013. Email: renilcruz@gmail.com

103
Assessoria Jurídica a Pessoas Vivendo com HIV/AIDS.
Outra experiência importante foi a organização e realização
do IV Encontro de ONG que trabalham com Aids no Norte
– ERONG/Norte. Especificamente ao tema UNGASS, desde
2004, acompanhamos e participamos dos diversos espaços
de discussão sobre a implementação das metas constantes da
Declaração sobre HIV e Aids das Nações Unidas.
Realizamos também o II Fórum Ungass Norte que
aconteceu nos dias 11 e 12 de setembro de 2009, financiado
pelo Departamento Nacional. Fomos também articuladores
locais para a realização da Oficina estadual sobre o Plano
de Enfrentamento às DST AIDS entre a população LGBT e
elaboração do Plano, que aconteceu em 2009.
A entidade também já capacitou em Direitos Humanos
policias militares, professores e operadores de Direito por
meio de diversas ações inseridas em projetos simultâneos de
prevenção e assistência. Em 2010 realizou importante evento
regional: O I seminário de Comunicação e Aids da Região
Norte – I COMUNICAIDS, que reuniu militantes e gestores
para elaborarem um plano regional de ação conjunta na área de
comunicação, como meio de luta pela prevenção.
A entidade foi reconhecida de utilidade pública
municipal de Palmas pela Lei 1.474 de 02.05.2007 e em
2010 conseguiu que o Conselho Estadual de Educação do
Tocantins – CEE/TO aprovasse resolução (13/2010 CES/
TO) autorizando o nome social para travestis nos documentos
escolares das unidades de ensino da rede estadual, tornando-
se a única lei estadual a reconhecer algum direito à população
LGBT. Em outra ação de advocacy na Câmara Municipal de

104
Palmas conseguimos que o vereador Bismarque do Movimento
apresentasse ainda em 2009 projeto de lei anti-discriminação,
que tramita lentamente naquela Casa de leis.
O GIAMA também desde 2002 monitora os
assassinatos praticados contra homossexuais no Estado. Pelos
casos noticiados na imprensa estadual foram assassinados
de 2002 a 2010, 27 homossexuais, todos com requintes de
crueldade, a maioria dos casos em Palmas e Araguaína. Os
casos são encaminhados ao Grupo Gay da Bahia, que cataloga
e anualmente divulga relatório dos assassinatos no Brasil.
Em 2007 o GIAMA realizou uma pesquisa na IV Parada
do Orgulho LGBT de Palmas, juntamente com o Centro de
Referência de Combate a Homofobia, que apontou que 86%
dos entrevistados já sofreram algum tipo de violência, seja
física ou verbal, apenas por sua orientação sexual, o que
demonstra um Estado extremamente homofóbico.
A Associação também se renova, com a formação de
novos militantes e eleição direta para escolha dos dirigentes.
Em junho de 2011 foi eleita a nova diretoria para o triênio
2011-2014. O maior desafio da entidade continua sendo a
busca por uma relação promissora com o poder legislativo nos
dois níveis de governo para que se aprove leis que beneficiem
a população LGBT. Para tanto o GIAMA já elaborou dois
planos de Adovacy para atuação junto ao Poder Executivo
(direitos humanos, cidadania, assistência, segurança pública e
saúde) e no Legislativo (leis anti-discriminação).
Em 2011 a VIII Parada do Orgulho LGBT de Palmas,
com o tema “Amai-vos unas ao outros: Tocantins sem
homofobia” reuniu cerca de 10 mil pessoas, o que já coloca o

105
evento como o de maior visibilidade na capital. Nessa edição
foram entregues cerca de 3 mil materiais de informação (IEC)
sobre direitos humanos e de prevenção às DST/HIV/AIDS,
brindes e cerca de 2.500 insumos de prevenção divididos
em preservativos masculinos e gel lubrificante nos diversos
eventos que antecederam a Parada.
Tudo isso credita ao GIAMA, ao longo desses 9 anos
de existência, um reconhecimento histórico e corajoso de
sua atuação, na medida que denuncia a violência latente em
nossa sociedade, a homofobia e articula políticas públicas
favoráveis aos homossexuais em diversas instâncias, como na I
Conferencia Estadual de Direitos Humanos LGBT (2008) e na I
Conferencia Municipal de Políticas Públicas LGBT de Palmas
(2011), e participando de diversas conferências, especialmente
as de Saúde, já que também a entidade tem assento permanente
no Conselho Estadual de Saúde – CES/TO.
Para os próximos anos, o Giama quer continuar com
o trabalho de controle social. Contudo, pretende-se voltar a
atenção mais para a base – a comunidade LGBT. Queremos
envolvê-los mais na militância, queremos que os jovens
participem mais da busca por seus direitos, se tornem cidadãos
conscientes e sobretudo que sejam multiplicadores naturais
dessa consciência.
Os jovens da atualidade têm um comportamento
diferente, eles têm mais liberdade, seus pais são mais flexíveis
e isto tem resultado em jovens vítimas de mais problemas
sociais – drogas, álcool e, por conseguinte, sexo sem proteção.
O Giama está de olho nesta nova roupagem da juventude e
tem buscado trabalhos que a influencie de verdade. Além

106
disso, o Giama pretende envolver mais mulheres lésbicas no
movimento, tentando despertar o protagonismo nas lésbicas
que sempre lideraram de alguma forma em seu grupo. Para
isso, pensamos no projeto Quinta Social, que deverá promover
conversas formativas em tom informal para todos os grupos
LGBT sobre saúde, direitos, educação e cidadania.
Pensando também na necessidade de se criar mais
instituições ou institucionalizar as já existentes, o Giama
planeja fazer uma capacitação com militantes ou dirigentes
de ONGs de todo o Estado, com o intuito de ajudar essas
entidades a elaborar seus documentos de fundação, tornar mais
atuantes e representativas localmente essas ONGs e formalizá-
las legalmente.
Além disso, para o ano de 2012, nossa Entidade
executará projetos importantes para população vulnerável
em HIV/Aids/Hepatites Virais, em prevenção, Prevenção
Posithiva e assistência jurídica e psicossocial para pessoas
vivendo com o HIV.
Não obstante, o Giama pretende tornar a Parada LGBT
de Palmas num evento maior do que tem sido e aumentar a
quantidade de eventos pré e pós Parada em prevenção de DST/
Aids e cidadania LGBT.

107
“Políticas, Direitos e Homofobia”: uma análise do perfil
sócio-econômico e político-cultural de participantes da
VII Parada do Orgulho LGBT de Palmas

Bruna Andrade Irineu1


Cecilia Nunes Froemming2

Este artigo visa debater os dados referentes ao perfil


sócio – econômico e as indagações acerca de políticas e
legislações para LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis
e transexuais); obtidos na pesquisa “Políticas, Direitos e
Homofobia”, realizada em 2010 pelo Núcleo de Estudos,
Pesquisas e Extensão em Corporalidades, Sexualidades e
Direitos.
Nesta pesquisa, foram aplicados 190 questionários
semi-estruturados. A identidade agregada (ou auto- atribuída)
destas pessoas, as/os entrevistadas/os se identificaram da
seguinte maneira: 16% como lésbicas, 26% como gays, 6%
se definiram bissexuais, 4% travestis, 16% se identifica como
homossexual, 35% como heterossexual e 2% apontaram outras
categorias. Portanto, o universo de pessoas que se identificam
como LGBT totaliza 68% das pessoas que responderam a este

1 Assistente Social. Doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal do


Rio de Janeiro (UFRJ). Mestra em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG).
Professora do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Tocantins. Coordenadora
do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão “Sexualidade, Corporalidades e Direitos”.
2 Assistente Social. Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás
(UFG). Mestra em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS). Professora do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Tocantins.
Coordenadora do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão “Sexualidade, Corporalidades e
Direitos”.

109
questionário.
Neste artigo, daremos visibilidade às questões
vinculadas nos blocos relativos ao perfil sócio-econômico e
político-cultural das/dos participantes da VII Parada, e ao bloco
que buscou identificar seu conhecimento e posicionamento em
relação às leis e órgãos que envolvem questões relacionadas à
população LGBT.

Perfil sócio-econômico e político-cultural dos participantes


da VII Parada LGBT de Palmas

O “perfil sócio-econômico e político cultural” dos


participantes da VII Parada LGBT de Palmas foi estruturado
no questionário em sete itens, a saber: faixa etária, raça/etnia,
religião, nível de escolaridade, fonte de renda individual
e ocupação profissional e localidade geográfica. Abaixo, a
leitura de alguns gráficos referentes aos itens.
O público da VII Parada LGBT de Palmas é formado
por pessoas jovens: 78% das pessoas está na faixa etária até
30 anos.

110
Em relação a raça/etnia, a questão no questionário foi
auto-atribuída. O Tocantis, segundo informações do Governo
do Estado3 tem uma população de pessoas indígenas de sete
etnias: Karajá, Xambioá, Javaé, Xerente, Krahô Canela,
Apinajè e Pankararú. Eles se distribuem em mais de 82
aldeias, em municípios de todas as regiões do Estado. Com
esse dado, atribuímos com uma intensidade baixa as pessoas
que indicaram pertencer a essa etnia (1%). A densidade
populacional dos participantes da VII Parada LGBT de Palmas
é de pessoas pardas e negras, sendo 46% do total. Estes dados
também dialogam com os dados da última “Pesquisa Nacional
por amostra de Domicílios” (PNAD, 2008), feita pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) afirma que a
maioria da população no Brasil, 50,6% dos participantes, se
considera negra ou parda.
Acerca do item que trata das matrizes religiosas,
procuramos situar se as pessoas foram educadas por suas
famílias de origem vinculadas a algum paradigma religioso,
e se atualmente estas pessoas ainda mantém vínculos com a
religião.
As religiões são socialmente construídas, na perspectiva
das ciências sociais. Portanto, elas representam os discursos
e as práticas da nossa sociedade. Nas especificidades das
doutrinas das religiões judaico – cristãs, podemos sugerir que
elas endossem a ideia da heteronornatividade principalmente a
partir das suas representações simbólicas de família nucleada
(composta por um poder do pai, a emotividade da mãe, em
torno das crianças). A organização das instituições religiosas

3 Disponível em: http://to.gov.br/m/povos-indigenas/72.

111
também é dada de forma masculina e hierárquica, organizadas
a partir da figura dos padres e pastores (homens que estão com
o poder atribuído da representação divina).

Sobre a influência da religiosidade da família com


a aceitação da orientação sexual, 19% dizem que a religião
interfere na aceitação de sua sexualidade, 38% afirma que não
há interferência.

Todos estes dados vinculados aos ritos religiosos nos


lembram que não existe nenhuma religião, enquanto doutrina,

112
que apóie a homossexualidade. Existem congregações
religiosas dentro das matrizes de raiz africana, de igrejas
anglicanas, que se manifestam a favor do respeito à diversidade
sexual. Porém, a maioria das religiões cristãs acredita que a
homossexualidade não é uma manifestação positiva. É pública
a existência de uma série de igrejas fundamentalistas que
pretendem “curar’ a homossexualidade, levando a indagação
central: de que existiria uma origem ou uma causa específica da
homossexualidade. Segundo Alípio de Sousa Filho (2009), as
conclusões das pesquisas que abordaram tentativas de explicar
a origem ou as causas se tratam de preconceito travestido
em forma de teoria e de ciência, pois se apóiam em dados
inexistentes ou questionáveis. As tentativas de compreensão
da sexualidade humana, portanto, sempre se pautaram na
classificação da homossexualidade como anormal, levando
essa “a ser condenada pela religião, pelo Estado e pela ciência
(ou pseudociência)” (FILHO, 2009, p.97).
Quanto ao nível de escolaridade das pessoas que
responderam a questionário, este é um dado significativo, onde
cerca de 31% possui ensino superior completo.

Fonte: Pesquisa Direta

113
Fonte: Pesquisa Direta

Sobre a fonte de renda individual, a grande maioria,


72% exercem atividade remunerada. No que tange à ocupação
profissional atual, os dados são extensos, mas a concentração é
entre pessoas que estão estudando (18%).
Dentre as/os entrevistadas/os, outro dado que é
pertinente destacar, trata do município de residência destas/
es participantes. Nota-se que 57% residem em Palmas e
39% no interior do Tocantins. Algumas cidades ditas foram:
Miracema, Miranorte, Araguaína, Gurupi, Paraíso, Colinas
e Guaraí. Houve 4% de participantes oriundos/as de outros
estados como: Goiás, Distrito Federal, Maranhão e Bahia.

Fonte: Pesquisa Direta

114
Neste sentido, podemos inferir que a inexistência de
outros espaços, que acentuem a possibilidade de vivência das
margens de liberdade nos municípios do interior, faz com que
a parada da capital do estado agregue este número significativo
de 39% de participantes advindos destes.

Política e Regulamentações Legais no âmbito dos direitos


da população LGBT

Em um dos blocos que constituiu a pesquisa, buscamos


questionar o entendimento das/os entrevistadas/os sobre
políticas e regulamentações legais acerca da sexualidade.
Considerar direitos sexuais como direitos humanos é um
fenômeno relativamente recente na nossa sociedade. Conforme
Rios (2010), o ordenamento jurídico (como conjunto de
instrumentos normativos estatais vigentes) foi produzido por
muito tempo como instrumento de reforço e de conservação
de padrões morais sexuais hegemônicos. Dada a emergência
de movimentos sociais reivindicatórios, a visibilidade social e
a busca por direitos negligenciados para os LGBT passa a ser
agenda pública a partir, principalmente, nos anos 1970.
No Brasil, a tendência a proibição de discriminação
por orientação sexual iniciou-se na década de 1990, por
demandas judiciais vinculadas as políticas de seguridade
social (em especial as políticas de saúde e previdência),
para posteriormente serem abarcadas através de legislações
municipais e estaduais (LEIVAS, 2003).
Abordamos a idéia de cidadania partindo de um
conjunto de direitos civis, sociais e políticos, conforme

115
Pinsky (2003). Nesse sentido, esses direitos são transversais,
nenhum se sobressai ao outro. Porem, nem sempre as pessoas
LGBT tem a mesma equidade na garantia de direitos civis e
sociais que as pessoas heterossexuais. O dilema igualdade
– diferença (Pereira, 2009), discussão de cunho feminista
que inicia a partir da tese de que a cidadania universal é
abstrata, pois é fundada na ideia do masculino como norma de
referência – masculino e heterossexual. Porém, o dilema entre
a busca por igualdade e afirmação por diferenças é um debate
profícuo da teoria política. Em seu contraponto, há a busca
pela valorização da cidadania democrática que reconheça a
diversidade e o pluralismo (PEREIRA, 2009). Bem como o
dilema entre reconhecimento e redistribuição (Fraser, 2001),
onde devemos debater as injustiças sociais do ponto de
vista econômico e também cultural, entendendo que padrões
sociais de representação, interpretação e comunicação de
diversos grupos sociais (raça/etnia, mulheres, LGBT) não são
reconhecidos da mesma forma que outros grupos hegemônicos
(homens, brancos, heterossexuais) (FRASER, 2001).
Estabelecer parâmetros legais para não- discriminação
por orientação sexual não significa reificar as diferentes
identidades, pois partimos do reconhecimento de identidades
plurais e fluidas. Trata-se de estabelecer patamares de igualdade
entre grupos sociais distintos, e o reconhecimento de que não
vivemos em uma sociedade que respeite a diversidade sexual.
A política é a arena de confrontos e explicita a correlação
de forças na nossa sociedade: invisibilizar os problemas
causados por uma legislação que negligencia LGBT é acatar
as diversas violências sofridas pelos mesmos como uma

116
violência sendo também exercida pelo Estado. Também não se
trata de institucionalizar diferenças ou de cotizar as políticas
universais. Mas se é crime preconceito de raça/etnia, porque
não é crime injúria ou difamação por orientação sexual?
Nesse contexto, questionamos sobre o conhecimento
de algum político no estado do Tocantins ou no Brasil, que
apóie as questões LGBT, obteve-se os índices de 50% dos/
as entrevistados/as que conhecem políticos no Tocantins ou
Brasil que apóiam as questões LGBT, 44% que desconhecem.

Fonte: Pesquisa Direta

Questionados sobre alguma lei, ou projeto de lei, no


Estado do Tocantins ou no Brasil que beneficie lésbicas, gays,
bissexuais, travestis e transexuais, somam mais de 65% os que
não conhecem.
Em relação ao conhecimento do projeto que prevê a
união civil de pessoas do mesmo sexo e o reconhecimento legal
das uniões afetivas entre pessoas do mesmo sexo, o número é
quase igual.

117
Fonte: Pesquisa Direta

Ao se questionar sobre se concordam ou discordam de


tal dispositivo legal, 76% dos/as entrevistados/as concordam
com o referido projeto, e dentre os comentários, destaca-se
que tem que “ser possível o reconhecimento civil”, “as pessoas
que se amam tem que ficar juntas”, “não existe somente o
casamento hetero, é normal”, “todo mundo tem o direito de ser
o que quer, de ter o companheiro que quer, as pessoas merecem
ser felizes”, “cada um vive da maneira que acha melhor”,
“liberdade de forma legal”, “direitos iguais”, enquanto 6% dos/
as entrevistados/as discordam, porque acham “estranho”, “vai
contra os princípios de Deus”, “vai escandalizar a sociedade”,
“não é certo desfazer as origens normais”.

Fonte: Pesquisa Direta

118
Ao questionarmos sobre o conhecimento sobre o projeto
de lei que criminaliza a homofobia, 45% dos/as entrevistados/
as disseram conhecem o projeto, 50% não conhecem e 5%
não responderam. Os/as entrevistados/as foram questionados/
as sobre se concordam ou não com o projeto de lei que
criminaliza a homofobia. Enquanto 68% dos/as entrevistados/
as concordam com este projeto, e dentre os comentários de
justificativa: “porque as pessoas são muito malvadas”, “cada
um vive da maneira que acha certo”, “é um instrumento de
defesa”, “enquanto a homofobia não for tratada como crime não
acabará”, “penalizar as pessoas que discriminam”, “diminui o
índice de assassinatos”, “seres humanos merecem respeito”.
Enquanto 8% dos/as entrevistados/as discordam do projeto
que criminaliza a homofobia, dentre os motivos, os seguintes
comentários ilustram: “estão por gerar muita confusão” e “a
lei sendo sancionada, o problema não vai ser resolvido”, 12%
dos/as entrevistados/as não conhecem o suficiente para opinar
e 12% não responderam.

Fonte: Pesquisa Direta

Questionamos também quanto à Resolução Estadual


32, aprovada em de 26 de Fevereiro de 2010, pelo Conselho

119
Estadual de Educação do Tocantins; que autoriza inclusão
do nome social das travestis e transexuais em registros
escolares nas Unidades de Ensino de Educação Básica do
Sistema Estadual de Ensino. A única ressalva é que as pessoas
devem ter mais de 18 anos. Das pessoas entrevistadas, 37%
disseram conhecer a resolução estadual, enquanto 60% dos/as
entrevistados/as não conhecem e 3% não responderam.
Quando questionados sobre a concordância ou não com
a Resolução Estadual 32; 64% dos entrevistados/as concordam,
e dentre os motivos mais explicitados, “porque a travesti tem
que ser chamada pelo que se vê”; “ela se considera uma mulher
e assim tem que ser reconhecida”; “direito de mudar o nome”;
“nome de acordo com a orientação sexual”; “para serem
felizes”; “conquista de direitos”, a pessoa vai se sentir bem.
Dentre os que discordam, (9%), foi dito que: “porque tem que
ser chamada pelo nome que está no registro”; ”para cada um
permanecer com sua identidade”; e porque “biologicamente é
homem”.
Ao perguntar se os entrevistados conhecem alguma
política pública que beneficie LGBT no estado do Tocantins
ou no Brasil, 13% dos participantes disseram conhecer alguma
política pública, 83% dos/as entrevistados/as não conhecem e
4% não responderam. Ao questionarmos sobre se as pessoas
concordam ou discordam que existam políticas públicas para
a população LGBT, 63% dos/as entrevistados/as concordam e
as consideram como um mecanismo de defesa de direitos, 8%
dos/as entrevistados/as discordam e dentre os motivos está o
fato de somente amenizar o problema da discriminação; 17%
não conhecem o suficiente para opinar e 12% não responderam.

120
Fonte: Pesquisa Direta

Quando questionamos junto aos entrevistados/as se


elas conhecem o Centro de Referência em Direitos Humanos
e Combate a Homofobia de Palmas, 33% dos/as entrevistados/
as disseram conhecer o CRDH de Palmas, 65% dos/as
entrevistados/as não e 2% não responderam.

Fonte: Pesquisa Direta

Desde o inicio da política de implantação de centros


de referência, análises como as desenvolvidas por Irineu,
Froemming e Navas (2007) apontava limites e possibilidades
a estes. Dentre os desafios, a dificuldade de divulgar o serviço
e torná-lo um espaço de utilização cotidiana e de referência as
situação de homofobia se colocavam. A busca por atendimento

121
em casos de homofobia exige em certa medida algum nível de
assunção pública da orientação sexual, e isso se coloca como
um complicador para o serviço dos centros de referência. Ao
mesmo tempo, a omissão da gestão municipal e estadual no
ato de dar grande visibilidade as ações que desenvolve para
população, quando assim a faz, é também uma forma que
reitera os obstáculos para efetividade dos centros de referência.
A ampliação do debate público é participe da democracia
radical. Pelos dados desta pesquisa, podemos ver que a imensa
maioria dos participantes da VII Parada LGBT de Palmas é
favorável a legislações que ampliem os direitos LGBT.

Assim, os gays vivem em um mundo de injúrias. A


linguagem que os cerca, os encerra, os designa. O mundo
os insulta, fala deles, do que dizem de si. As palavras da
vida cotidiana tanto quanto as do discurso psiquiátrico,
político, jurídico, atribuem a cada um deles e a todos
coletivamente um lugar – inferiorizado – na ordem
social. (ERIBON, 2008, p.75).

Conforme Didier Eribon (2008), dado esse mundo


de injúrias que precede a existência do homossexual – a
estrutura opressiva da ordem social já existe quando a pessoa
é injuriada; forma uma rede de constantes interpelações que
insultam direta ou indiretamente as pessoas homossexuais,
considerando não só as violências dirigidas a estas pessoas,
mas também as interpelações mais profundas que as estruturas
sociais, mentais e sexuais já operam desde sempre. Então,
a homossexualidade não define somente um conjunto de
pessoas que se sentem atraídos pelo mesmo sexo biológico,
mas também define um “conjunto de processos de sujeição que

122
são tanto coletivos quanto individuais, na medida em que uma
estrutura comum de inferiorização está em ação” (ERIBON,
2008, p.78). Num mundo que é “insultante por ser estruturado
conforme hierarquias que trazem consigo a possibilidade das
injúrias” (ERIBON, 2008, p.80), é um recurso para as pessoas
homossexuais o silêncio e a dissimulação para tentar escapar
da homofobia.
Dar visibilidade a processos que pautem na agenda
pública a questão dos direitos sexuais como direitos humanos
é contribuir para o aprofundamento da democracia e da
possibilidade de uma sociedade mais equânime para direitos
de cidadania. As Paradas são uma festa de celebração da
cidadania, possibilidade de visibilidade social e política para
que a democracia “saia do armário”.

Referências Bibliográficas

ERIBON, Didier. Reflexões sobre a questão gay. Rio de


Janeiro: Companhia de Freud, 2008.

FILHO, Alípio de Souza. Teorias sobre a gênese da


homossexualidade: ideologia, preconceito e fraude. In:
Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre
homofobia nas escolas. JUNQUEIRA, Rogério (Org). Brasília:
Unesco, 2009.

FRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento?


Dilemas da justiça na era pós-socialista. In: Democracia Hoje:

123
Novos desafios para a teoria democrática contemporânea.

IRINEU, Bruna A; FROEMMING, Cecília N; NAVAS,


Kleber M. A Atuação dos Assistentes Sociais nos Centros de
Referência em Direitos Humanos e Combate a Homofobia:
compromisso com o Projeto Ético-Político. In: Anais do XII
Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais: Foz do Iguaçu,
2007.

LEIVAS, Paulo. Os homossexuais diante da justiça: relato


de uma ação civil pública. In: A justiça e os direitos de gays
e lésbicas: jurisprudência comentada. POCAHY, Fernando
(Org). Porto Alegre: Nuances, 2003.

PEREIRA, Berengére Marques. Dicionário Crítico do


Feminismo. HIRATA, Helena (Org). São Paulo: Editora
Unesp, 2009.

PINSKY, Carla. Igualdade e Especificidade. In: A história da


Cidadania. PINSKY, Jaime (Org.). São Paulo: Contexto, 2003.

PNAD. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.


Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Brasília, 2008.

RIOS. Roger Raupp. Direitos Humanos, direitos sexuais


e homossexualidade. In: Políticas de enfrentamento ao
heterossexismo: Corpo e Prazer. POCAHY, Fernando (Org.).
Porto Alegre: Nuances, 2010.

124
Mapeamento dos padrões de violência, discriminação
e violações de direitos contra a população LGBT no
Tocantins

Bruna Andrade Irineu1


Cecilia Nunes Froemming2

Abordamos neste trabalho as principais formas de


violência, discriminação e violações de direitos que atingem a
população de Lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais
no estado do Tocantins, a partir dos dados coletados na pesquisa
intitulada: “Política e direitos e homofobia - VII Parada do
Orgulho LGBT de Palmas3”.
Esta pesquisa foi realizada em 25 de junho de 2010,
onde 190 questionários foram respondidos por participantes da
manifestação da VII Parada do Orgulho LGBT de Palmas. O
questionário era composto de 40 questões, que se direcionaram
a caracterizar os sujeitos político e sócio-economicamente e
compreender a dinâmica das violências e violações de direitos
recorrentes no estado do Tocantins.

1 Assistente Social. Doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal do


Rio de Janeiro (UFRJ). Mestra em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG).
Professora do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Tocantins. Coordenadora
do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão “Sexualidade, Corporalidades e Direitos”.
2 Assistente Social. Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás
(UFG). Mestra em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS). Professora do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Tocantins.
Coordenadora do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão “Sexualidade, Corporalidades e
Direitos”.
3 Esta pesquisa contou com o apoio da Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República – SDH/PR através do projeto integrado “Hierarquias sexuais, de
gênero e de direitos no Tocantins”.

125
O questionário se dividiu em sete blocos, objetivando
o levantamento do perfil sócio-econômico e político-cultural
das/os participantes e o mapeamento dos padrões de violência,
discriminação e violações de direitos da população LGBT no
Tocantins. Teremos como foco neste trabalho em seu segundo
objetivo, tendo em vista que a parada tem se consolidado um
espaço também freqüentado por pessoas que se identificam
enquanto heterossexuais, e assim, estas violações e violências
interferem de forma mais severa no cotidiano das pessoas
LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais).
O “pânico moral” marca a ausência de direitos LGBT
e as constantes discriminações e violências que interpelam o
cotidiano de sujeitos que escapam a rigidez do “imperativo
heterossexual” (BUTLER, 2003). Neste sentido, trataremos
de mapear estas violências e violações a partir de análises
sobre como determinadas concepções de gênero e sexualidade
interferem nas relações sociais e políticas.

Sexualidade e Política: sob os limites da norma sexual

Para refletirmos sobre a violação de direitos buscamos


informações sobre participação social na luta por direitos,
entendendo que esta pode ser um indicador no entendimento
acerca da leitura de realidade que envolve as situações
freqüentes de discriminação e violência, não somente física e
letal, mas simbólica4 (BOURDIEU, 1998).

4 Nos termos de Bourdieu (1998), todo campo vive o conflito entre os agentes que o
dominam pela via da violência simbólica (autoridade) os agentes com pretensão à dominação.
A dominação é, em geral, não-evidente, não-explícita, mas sutil e violenta. Destaca-se que a
violência simbólica, se exerce com a cumplicidade daquele que a sofre, das suas vítimas.

126
Os dados indicam que 11,5% dos disseram atuar junto à
associação de moradores, 16,5% participam ou participaram de
partidos políticos, 8,6% dos/as apontam alguma participação em
grupos sindicais, 35,4% dos entrevistados/as já participaram ou
participam do movimento estudantil e 1,5% dos entrevistados/
as disseram atuar em outros movimentos sociais. O que nos
permite inferir que há uma pequena participação em espaços
tradicionais de militância social.
Contudo, podemos observar que o índice de
envolvimento dos/as entrevistados/as em grupos religiosos
é de 26,5%, um quantitativo significativamente maior,
superando inclusive o índice de participação em organizações
não-governamentais, que representou 22,10%.

127
Fonte: Pesquisa “Políticas, Direitos e Homofobia”

Conforme Giacaglia (2009), vivemos numa época


de transição marcada pela crise do Estado e dos partidos
políticos, em que os limites da democracia representativa
impõe a necessidade de outras formas de organização, ou seja,
“nuevas experiencias de democracia participativa y plural,
que permitan el debate y la constitución de subjetividades e
instituciones capaces de avanzar hacia formas de sociabilidad
más equitativas” (p. 08).
Coutinho salienta que, de acordo com Gramsci, a
sociedade civil é formada pelo “conjunto das organizações
responsáveis pela elaboração e/ou difusão das ideologias,
compreendendo o sistema escolar, as igrejas, os partidos
políticos, os sindicatos, as organizações profissionais, a
organização material da cultura” (COUTINHO, 2006, p. 35).
Assim, concomitante a existência de coletivos e
associações de LGBT buscando mudanças sociais e jurídicas
no campo da sexualidade, há também grupos religiosos, que
segundo Machado e et. alli (2010) desenvolvem ativismo
religioso com intuito de que suas referências “restritas sobre
a moral sexual” embasem discussões legais e influenciem nas
políticas públicas.

128
Ao analisar a percepção de lideranças religiosas acerca
da homofobia, dos movimentos sociais e da epidemia de
AIDS, Machado e et. Alli (2010) sinalizam para o fato de que
os movimentos LGBT e feministas ampliaram o debate acerca
da democracia e da justiça social, mas também promoveram
discussões que ocasionaram organização e posicionamentos
religiosos de disputa em torno do significado do preconceito
e da discriminação.
Uma das marcas destas disputas refere-se à política
de higienização dos comportamentos, que quando se trata
de sujeitos LGBT, tendem a maior rigidez na assepsia e na
conformação heteronormativa (BUTLER, 2003). Pocahy
e Nardi (2007) problematizam que, apesar do “dispositivo
do biopoder em seu viés higienista” não abordar grupos
homogêneos de forma explícita, seus efeitos reforçam
marcadores de diferença quando demarcam “grupos exclusivos
– homens, mulheres, homossexuais, heterossexuais, etc. –,
ressaltando a lógica binária da sexualidade e do gênero nas
possibilidades de inteligibilidade da compreensão das relações
sociais” (POCAHY e NARDI, 2007, p. 45)
Podemos verificar a presença do binarismo de gênero nas
formas de inteligibilidade deste grupo quando questionamos
sobre a preferência acerca de seus/suas companheiras/os quanto
à masculinidade e a feminilidade. Entre as que se consideram
lésbicas5 57,1% preferem parceiras mais femininas, 7% mais
masculinas, 15,4% indicam que preferem que a namorada seja
assumida e 20,4% ser indiferente. Entre os que se afirmaram

5 Optamos, nesta questão, por não considerar os dados referentes às pessoas que
se identificaram como travestis por representarem somente 3% das/os entrevistadas/os. E por
entendermos que estas, se colocam no deslocamento deste binarismo de gênero.

129
gays, 72,9% dos gays preferem que seu parceiro seja mais
masculinos, 0% preferem que seja mais feminino, 18,74%
prefere que seu parceiro seja assumido e 8,34% afirmam ser
indiferente.

Fonte: Pesquisa “Políticas, Direitos e Homofobia”

Neste sentido, resgatamos o conceito de


homonormatividade a partir das contribuições de Pocahy e
Nardi (2007), quando a localizam marcada “muito nitidamente
pelo acesso aos fetiches das grifes e pela possibilidade de
ocupação da cidade dada pelo consumo no lucrativo “mercado
pink”. A partir de Butler, os autores afirmam que “a operação
da repulsa pode consolidar ‘identidades’ baseadas na instituição
do ‘Outro’, ou de um conjunto de Outros, por meio da exclusão
e da dominação”. Assim, a visibilidade “normalizada”, numa
perspectiva de tolerância, e vinculada a/pela “construção de
um “mercado pink” constrói um ideal identitário Gay e Lesbian
Chic e referenda expressões e estilos de vida exclusivos [...] de
classe média e média alta” (POCAHY e NARDI, 2007, p. 58).
O subterfúgio higienista de aceitação da (homos)
sexualidade “boa”, identificada por Rubin (1989) como
àquela vivenciada em par, monogamicamente e com objetivo
de constituição familiar constitui não apenas a vivência

130
heterossexual, mas especialmente as vivências de gays e
lésbicas, que com intuito de aceitação social rendem-se ao
discurso do familismo e da heteronormatividade, e o reiteram
em suas práticas cotidianas.

A ausência de reconhecimento nos serviços sociais como


expressão da violação dos direitos da população LGBT

A assunção da orientação sexual é indicador


determinante para o reconhecimento de si e para o deslocamento
deste sujeito para categoria “Outro”, que Butler (2003) definiu
no âmbito da abjeção. Assim, ao questionar participantes
que se identificaram como LGBT sobre para quem fez essa
assunção, 82% das/os participantes assumiram para familiares.
No mesmo questionamento, 64% dos/as entrevistados/as já
assumiram para colegas de escola/faculdade, 87,2% dos/as
entrevistados/as assumiram sua sexualidade para amigas/os e
63,5% dos/as entrevistados/as para colegas de trabalho. Em
relação a profissionais de saúde, 43% dos entrevistados/as
dizem ter assumido sua orientação sexual para médicos e/ou
psicólogos e 10,5% para outros profissionais.

131
Fonte: Pesquisa “Políticas, Direitos e Homofobia”

Embora o não-reconhecimento da população LGBT


enquanto sujeitos de direitos tenha se colocado como entrave
na garantia de atendimento humanizado, pode-se observar que
este grupo tem estado a frente de outros segmentos sociais
no que tange a utilização de preservativo/camisinha de vênus
nas relações sexuais e a realização do tese de HIV. Os índices
apontam que 60% dos/as entrevistados/as afirmam utilizá-la
em todas as suas relações sexuais, 19% não utilizam e 9%
às vezes usam. E acerca teste do HIV, os dados revelam que
29% dos participantes nunca fizeram o teste de HIV, 17%
fizeram uma vez, 23% fizeram algumas vezes e 30% fazem
periodicamente.

132
Fonte: Pesquisa “Políticas, Direitos e Homofobia”

Ao questionarmos sobre a saúde da mulher6 e


periodicidade junto ao médico ginecologista, 8% das
entrevistadas indicam que nunca foram ao médico ginecologista,
8% afirma ter ido uma vez, 10% já foram algumas vezes, 40%
vão anualmente, 20% vão com outra periodicidade e 12%
não responderam. Podemos inferir sobre o atendimento as
lésbicas na saúde, sabe-se que a invisibilidade dupla acarreta
em uma possível desatenção a saúde ginecológica destas. A
falta de conhecimento de médicos/as sobre especificidades dos
cuidados com a saúde lésbica e a ausência de mecanismos de
proteção sexual específicos também agravam este cenário.

Entre o “direito de expressão” e a incitação da violência:


para onde vão os direitos humanos LGBT?

Sabe-se que as pessoas que estão fora da norma, seja ela


sexual, de gênero, classe ou racial, são atingidas por injúrias
diversas. Entendendo esta como forma de discriminação e

6 Quanto à questão específica destinada às travestis, transgêneros e transexuais,


referente à utilização de hormônios ou silicone, não obtivemos dados para a construção de um
indicativo, pois as participantes não responderam.

133
violência, somam-se a ela outras manifestações de cunho
simbólico, como a constante publicização da heterossexualidade
como única sexualidade possível e sadia de ser exercida.
Bourdieu (1999) descreve a violência simbólica como
um ato sutil, que oculta relações de poder que alcançam não
apenas as relações entre os gêneros, mas, toda a estrutura
social. Segundo o autor a violência simbólica se tece através
de um poder que não se nomeia, que dissimula as relações de
força e se assume como conivente e autoritário. O conceito
de violência simbólica parte do princípio de que a cultura, ou
o sistema simbólico é arbitrário, uma vez que não se assenta
numa realidade dada como natural. O sistema simbólico de uma
determinada cultura é uma construção social e sua manutenção
é fundamental para a perpetuação de uma determinada
sociedade, através da interiorização da cultura por todos os
membros da mesma.
A violência simbólica se explicita no campo das
discriminações as quais os sujeitos estão submetidos. Desta
maneira, os dados indicam que 26,4% dos/as entrevistados/as
afirmam ter sofrido discriminação no trabalho, não tendo sido
selecionados/as ou terem sido demitidos/as do emprego. Acerca
da discriminação em locais públicos (lazer) e comerciais, cerca
de 30% dos/as entrevistados/as afirmam terem sido tratados de
forma diferenciada.

134
Fonte: Pesquisa “Políticas, Direitos e Homofobia”

A violência simbólica se expressa na imposição


"legítima" e dissimulada, com a interiorização da cultura
dominante, reproduzindo as relações do mundo do trabalho. O
dominado não se opõe ao seu opressor, já que não se percebe
como vítima deste processo: ao contrário, o oprimido considera
a situação natural e inevitável (BOURDIEU, 1998).
A discriminação perpetrada por policiais em delegacias
ou nas ruas revela que 6,2% dos/as pesquisados/as indicam
que foram maltratados. Nos serviços públicos de assistência
social/previdência social, o índice é de 3%, que afirmam ter
sido maltratadas/os e 69,2%, que não foram discriminadas/
os. É importante destacar que estes serviços nem sempre são
acessados por um contingente de sujeitos que necessariamente
precisam dizer de sua orientação sexual.

Fonte: Pesquisa “Políticas, Direitos e Homofobia”

135
Os serviços educacionais têm sido identificados como
lócus profícuo para discriminação e violência contra LGBT.
Quanto à discriminação e marginalização exercida por
professores/as ou colegas de escola/faculdade, verificou-se
que 23,2% dos/as entrevistados/as dizem já terem vivenciado
esta situação e 49% não vivenciaram. Ao questionarmos sobre
a discriminação exercida por seguranças ou vigias na escola/
faculdade às pessoas LGBT, 5% dos/as entrevistados/as já
passaram por tal situação, enquanto 67,2% disseram não terem
sofrido esta forma de discriminação.

Fonte: Pesquisa “Políticas, Direitos e Homofobia”

Quando nos reportamos à questão da discriminação


entre grupos de amigos ou vizinhos, 26% dos/as entrevistados/
as disseram já terem sido excluídos/as do grupo de amigos/
vizinhos e 46,2% não sofreram esta discriminação. A
discriminação sofrida pelas pessoas LGBT junto ao ambiente
familiar, revela que 14% dos/as entrevistados/as já sofreram e
58,2% disseram que não passaram por esta situação. Os dados
referentes à discriminação em ambiente religioso demonstram
que 15,7% dos/as entrevistados/as já sofreram discriminação,
enquanto 56,5% disseram que não sofreram.

136
Fonte: Pesquisa “Políticas, Direitos e Homofobia”

Recentemente tem-se presenciado retrocesso no âmbito


do debate sobre a punição jurídica às violências homofóbicas.
O projeto de lei constitucional apresentado em 2006 (PLC
122/2006), que fora aprovado na câmara federal, porém não
conseguiu ir a votação no senado, sofreu alterações em um
substitutivo apresentado por Marta Suplicy. A alteração retira a
punição para atos discriminatórios em cultos religiosos, o que
tem ocasionado discordâncias internas no movimento LGBT.
Paralelo a isto, vemos também um crescente índice de mortes
por homofobia e de violência física contra pessoas LGBT e
também a heterossexuais, como a situação que envolveu pai
e filho no interior de São Paulo (agredidos por troca de afeto
público).

137
A dificuldade de localizar a violência homofóbica e
as particularidades que esta detém em comparado a outras
explicitações de violência dificultam sua prevenção. Cabe
então, retomar o conceito de Michaud (1989) acerca da
categoria violência, para o autor:

Há violência quando, numa situação de interação, um ou


vários atores agem de maneira direita ou indireta, maciça
ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas
em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja
em integridade moral, em suas posses, ou em suas
participações simbólicas e culturais (p.10-11).

Os dados obtidos das pessoas LGBT entrevistadas, no


questionamento acerca das agressões sofridas devido à sua
sexualidade, revela que 46% dos/as entrevistados/as já sofreram
agressão verbal ou ameaça de agressão e 29% disseram que
não. Os dados indicativos de agressões físicas mostram que
9% dos/as entrevistados/as já sofreram este tipo de agressão
e 66% disseram que nunca foram agredidos fisicamente em
motivo de sua orientação sexual.
As agressões identificadas como violência sexual
mostram que 6% dos/as entrevistados/as já sofreram violência
sexual e 69% não foram violentadas/os sexualmente. Quanto a
ameaça de chantagem ou extorsão, 10% dos/as entrevistados/
as afirmam ter recebido chantagem ou extorsão, enquanto 65%
disseram que não sofreram.

138
Fonte: Pesquisa “Políticas, Direitos e Homofobia”

Outro ponto a ser verificado, refere-se à denúncia destes


casos. A investigação demonstra que cerca de 7% das vítimas
relataram os casos para a polícia/delegacia/190, 5% relataram
para o Centro de Referência em Direitos Humanos e Combate
a Homofobia, 3% para ONG’s e grupos de militância LGBT,
0,7% para o disque denúncia, 1,5% para a imprensa, 14,2%
para amigos, 15% familiares e 3% para outros, enquanto 16%
não relataram o fato.

139
Fonte: Pesquisa “Políticas, Direitos e Homofobia”

A inexistência de mecanismos nos documentos oficiais


de denúncia das delegacias que explicite a motivação do crime e
o atendimento discriminatório as pessoas LGBT, que dificultam
as denúncias e são comuns nos serviços sociais, como foi
apontado nos dados anteriores, culminam na sub-notificação
dos índices de homofobia no país. Soares (2004) indica que
“uma das formas mais eficientes de tornar alguém invisível
é projetar sobre ele ou ela um estigma, um preconceito. [...]
Tudo aquilo que distingue a pessoa, tornando-a um individuo,
tudo o que nela é singular desaparece” (p. 132-133).
Neste sentido, os grupos de militância, como coletivos
e organizações não-governamentais, acabam sendo uma entre
as poucas possibilidades de acolhimento as/aos que sofrem/
sofreram alguma forma de violência e/ou discriminação por
orientação sexual ou identidade de gênero.
É necessário refletir sobre a incitação a violência
sexista e homofóbica reiteradas, especialmente, no cotidiano
religioso e midiático, que promovem o não reconhecimento

140
das “sexualidades disparatadas”, nos termos de Foucault,
como humanas alocando-a no abjeto (BUTLER, 2003). O
ignóbil é provocador e imprime a hierarquização sexual e de
gênero presentes nas relações sociais, o que também acende a
rejeição deste “outro”, que é desprezível e inferior.
Trilhar caminhos para o enfrentamento da homofobia
requer maior aprofundamento dos padrões de violência
supracitados e questionamento acerca do compromisso
do Estado com a defesa dos direitos humanos, que estão
imbricados na complexa trama da heteronormatividade.

Considerações Finais

Propor uma discussão sobre mapeamento dos padrões


de violência e o combate a estas formas de violência, implica
reflexão articulada com as políticas de segurança pública.
O que se torna um desafio, ao passo que esta é constituída
por um complexo de instituições e não somente das polícias.
Entretanto, pensar a segurança pública sem dar devida atenção
às polícias (agentes que se encontram atuando e intervindo
diretamente com a população) pode vir a ser um equívoco.
Ao longo da história priorizou-se enquanto modelo de
policiamento, uma policia reativa, visto que o agente policial é
o interlocutor direto das políticas segurança com a população,
reflete-se hoje sobre a necessidade de pautar um novo modelo
de policiamento com um caráter pró-ativo que perpasse por
uma perspectiva político-pedagógica da ação policial e da
segurança pública enquanto um direito social e integrante do
aparato da proteção social.

141
Partindo do entendimento de que um direito não é
concedido, mas é algo que é conquistado e conservado, porque
ele é um poder como afirmou Chauí (1998) ao dizer que: “ter
direitos é também ter poder”. Ressalta-se que em nosso país, a
população está desprovida de direitos e de poderes.

[...] o processo político no Brasil, ao ser um processo


de criação de direitos, é um processo de constituição de
poderes, populares, sociais, culturais – que se exprimem
como poderes políticos. Nós estamos num processo de
constituição dos direitos-poderes, mas nós não os temos
ainda. O que temos é aquilo que ainda classicamente
se chama à democracia formal. Mas é preciso uma
democracia social e cultural (CHAUÍ, 1998, p. 32-41).

A realidade contraditória obstaculiza a luta pela
democratização das relações sociais, visto que não é
interessante para a manutenção da ordem vigente o acesso aos
direitos, este acesso só é concebido de maneira natural desde
que seja produtivo para esta ordem e que esteja contido nas
transformações do capitalismo.

Referências Bibliográficas

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Ed.


Bertrand Brasil, 1998.

BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e


subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2003.

142
CHAUI, Marilena. Ética e violência. Teoria & Debate, São
Paulo, Fundação Perseu Abramo, n. 39, p 32-41, out/nov/dez.
de 1998.

COUTINHO, Carlos. N. Intervenções: o marxismo na


batalha das idéias. São Paulo: Cortez, 2006.

GIACAGLIA, Mirta A. Ch. Mouffe y E. Laclau: una lectura


de los aportes de Ludwig Wittgenstein para pensar la idea de
democracia radical y plural. Tópicos, Santa Fé, no.12, p.125-
136, 2004. Disponível em: http://www.scielo.org.ar/scielo.
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MICHAUD, Y. A violência. São Paulo: Ática, 1989.

MOUFFE, Chantal. O regresso do político: trajectos. Lisboa:


Gradiva, 1996.

RUBIN, Gayle. “Reflexionando sobre el sexo: notas para una


teoría radical de la sexualidad”. In: VANCE, Carole (Org.).
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Revolución Madrid, 1989.

SOARES, L. E. Juventude e violência no Brasil contemporâneo.


In: NOVAES, R. & VANNUCHI, P. Juventude e Sociedade:
Trabalho, Educação, Cultura e Participação. São Paulo:
Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.

143
O protagonismo das/os estagiárias/os frente aos desafios
das questões de gênero e sexualidade no universo
acadêmico: a experiência no Núcleo de Estudos, Pesquisas
e Extensão em Sexualidade, Corporalidades e Direitos da
Universidade Federal do Tocantins

Jean Bezerra da Silva1


Luciene Gama. Andrade2
Marcela Novais Santos3
Milena Carlos de Lacerda4
Rosana Benício5

A discussão de gênero e sexualidade começa a ganhar


visibilidade no interior da Universidade Federal do Tocantins
através da constituição de um grupo de estudos sobre sexualidade
até a implementação do Núcleo de Estudos, Pesquisas
e Extensão em Sexualidade, Corporalidades e Direitos.
Pautados na perspectiva da garantia das liberdades individuais

1 Acadêmico do Curso de Serviço Social da UFT e Estagiário do Núcleo de Estudos,


Pesquisas e Extensão em Sexualidade, Corporalidades e Direitos - UFT (jean.seso@gmail.
com)
2 Acadêmica do Curso de Serviço Social da UFT e Estagiária do Núcleo de Estudos,
Pesquisas e Extensão em Sexualidade, Corporalidades e Direitos - UFT (luhire@hotmail.
com)
3 Acadêmica do Curso de Serviço Social da UFT e Estagiária do Núcleo de Estudos,
Pesquisas e Extensão em Sexualidade, Corporalidades e Direitos - UFT (novais.santos@
gmail.com)
4 Acadêmica do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Tocantins.
Estagiária do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Sexualidade, Corporalidades e
Direitos - UFT (millenalacerda@hotmail.com).
5 Acadêmica do Curso de Serviço Social da UFT e Estagiária do Núcleo de Estudos,
Pesquisas e Extensão em Sexualidade, Corporalidades e Direitos - UFT (rosanabenicio@
hotmail.com)

145
e na maximização dos direitos sociais frente a uma sociedade
plural, o presente artigo pretende enfatizar a experiência das/
os estagiárias/os neste núcleo. Inspiradas/os por uma tradição
de cunho marxista buscou-se através da realização das ações
e atividades, a proposição de alternativas de reflexão-critica
perante uma nova leitura de gênero, sexualidade, raça/etnia e
classe social, tendo o processo histórico do ser social a marca de
potencialização da possibilidade de diversas manifestações de
vivências. No âmbito da sexualidade, vista como campo político
por excelência, repercute na mais intrínseca subjetividade
dos atores sociais e estes ao não se enquadrarem dentro das
expectativas geradas pela sociedade e por sua superestrutura,
sofrem um processo de interpelações e assujeitamentos que
ficam a mercê de preconceitos e discriminações, passíveis da
restrição do exercício de sua sexualidade de forma satisfatória.
O relato de experiência que fazemos neste artigo tem
como finalidade retratar, explicitar e apontar algumas formas
de resistência em torno da questão da diversidade sexual, tais
como: a análise crítica de representações sexuais e de gênero
produzidas pela sociedade e a experimentação de novas formas
de linguagem que possam desconstruir estruturas identitárias,
binárias e excludentes, como homem-mulher e heterossexual-
homossexual (BUTLER, 2010), reproduzidas por um discurso
conservador e legitimada por preceitos morais, religioso e/ou
cultural.
Embora o mundo esteja cada vez mais diversificado,
o diferente, o novo, e o inusitado são vistos como algo
“patológico” e as vezes até subversivo, ocasionando demasiado
estranhamento entre as pessoas que se auto intitulam como

146
“normais”, desencadeando a discriminação e a intolerância.
Mediante a todas as formas de discriminação, sejam elas de
cunho sexual, religioso, étnico-racial e de classe devemos
nos posicionar em favor da pluralidade em um mundo de
diferenças, desmistificando a heteronormatividade como
imperativo sexual. E assim, compreender que, dentro dos
limites da ética e dos direitos humanos, as diferenças devem
ser respeitadas e promovidas, e não utilizadas como critérios
de desigualdade e segregação social e política.

Em busca da visibilidade de uma temática marginal.

Diante das percepções de se trabalhar em um Núcleo


que debate questões relativas à identidade de gênero e
diversidade sexual, pode-se apreender que mais que aceitar de
forma mascarada o “novo”, precisa-se respeitar a diversidade
e a existência do ser humano.
Discutir sexualidade no Estado do Tocantins, através
das atividades realizadas por nosso Núcleo almejou a ser uma
prática que viesse a contribuir uma vez que até então havia
poucos espaços de debates, e, especialmente no interior, sendo
que o número de pesquisas referentes a temática de gênero e
diversidade sexual no Estado ainda não expressa um quantitativo
para que possamos situá-lo diante do cenário nacional através
de índices que evidenciem a intolerância a um sujeito que não
se adequa às prerrogativas de uma heterossexualidade. Práticas
sexistas e homofóbicas são institucionalizadas e reiteradas em
diversos espaços de nossa sociabilidade, revelando o quanto
é recorrente tais interpelações na vida dos sujeitos que não se

147
adequam a norma heterossexual. Neste sentido,

a homofobia não atinge apenas a população LGBT, pelo


contrário, ela torna-se guardiã das fronteiras sexuais
(homo/hetero) e de gênero (masculino/feminino). É por
essa razão que os homossexuais não são as únicas vítimas
da violência homofóbica (BORRILO, 2009, p.18),

Isso é perceptível nas agressões que permeia pessoas


que, embora sejam heterossexuais, não se adequam a atitudes e
comportamentos que se espera de um homem e uma mulher. No
lócus universitário, situado numa região impregnada por uma
cultura machista e por um certo ranço de conservadorismo, esta
tarefa torna-se bastante árdua, visto que temos que transpor
barreiras até então indivisíveis da discriminação sexual e
social.
Diante dos dados alarmantes de preconceitos e
discriminação relacionados à pratica sexual que presenciamos
em nossos espaços de sociabilidade- seja em âmbito universitário
e outro qualquer-; na mídia e demais meios de comunicação,
colocamo-nos numa tarefa de contribuir em nosso espaço de
atuação propostas que visem o reconhecimento da diversidade
e o respeito ao tido como “diferente”. A experiência de
atuação e execução de atividades no Núcleo de Estudos,
Pesquisa e Extensão “Sexualidade, Corporalidades e Direito”
na Universidade Federal do Tocantins, abarcando as funções
administrativas e teóricas, constitui-se um desafio constante a
empreitada de se desbravar e desenvolver atividades balizadas
pela perspectiva de respeito à diversidade sexual e o combate à
homofobia, visto que as/os próprias/os componentes do Núcleo
são apontadas/os de forma investigativa pela curiosidade e em

148
formação polêmica acerca da orientação sexual de cada um/a.
Contudo, continuamos a estudar e pesquisar sobre
gênero e sexualidade, tendo a partir de situações como
estas a possibilidade de compreensão do enfrentamento a
homofobia. Embora tenham ocorrido suspeições danosas
às individualidades e subjetividades das/os estagiárias/os,
pretendemos construir uma sociedade mais democrática,
pautada no respeito à diversidade sexual, a intencionalidade
das/os componentes procurou ir muito além das “rejeições de
corredores” da universidade.
Há questões que ultrapassam o âmbito institucional,
como por exemplo, as indagações de familiares e amigos por
meio de questionamentos acerca do público-alvo do Núcleo e
as implicações do interesse de participação de tal atividade, já
que na UFT existem outros debates de assuntos interessantes
e grupos de estudos de outras áreas do conhecimento –
“Por que escolher logo esta temática?”. Por isso chega-se a
travar discussões com pessoas intolerantes, as quais regidas
por preceitos morais, culturais e/ou religiosos tendem a
deslegitimar e não compreender a dedicação aguçando o
desejo de mostrar o porquê as pessoas precisam de espaços
democráticos e respeito a relações sexuais e afetivas da vida
humana.
Essas práticas corriqueiras corroboram a importância
de continuar a trabalhar a perspectiva de igualdade de gênero
e do respeito à sexualidade no âmbito acadêmico, visto que
de forma gradual, o núcleo vai ganhando notoriedade na
Universidade, e instituindo uma possível transformação em
prol de um público fragilizado e invisibilizado pela sociedade

149
racista, sexista e homofóbica em que estamos inseridos.
Combater a homofobia ainda é um trabalho que requer
uma longa jornada, e a criação do Núcleo foi uma ferramenta
de total importância fundamental, pois de uma forma clara e
interessante o tema é colocado em debate aos seus participantes,
rompendo com os mitos e os equívocos na concepção da
homosexualidade.
A aproximação com a literatura dedicada aos estudos
de gênero e sexualidade foi gradual, introduzindo-a com textos
de Guacira Lopes Louro, Weeks, pensamento de Foucault,
Butler, Scott e questões presentes em nosso cotidiano e na
mídia, através de debates, filmes, documentários e palestras de
militantes de Diversidade Sexual.
As perguntas e as dúvidas se fundem, já que a cultura
perpassa o campo da não aceitação do que é considerado
dissidente da heterossexualidade, para tanto, sair das tramas
do preconceito em que a sociedade é submetida torna-se um
desafio constante. Por isso, Carrara argumenta que:

as sociedades fazem parte do fluxo mais geral da vida


e a vida só persevera, só se renova, só resiste às forças
que podem destruí-la através da produção contínua e
incansável de diferenças, de infinitas variações (2009,
p.15).

Nesse sentido, é provável que nós sejamos confrontados/


as com a própria sexualidade. Assim, parece que a dificuldade
em discutir a diversidade sexual também possa ser uma
dificuldade em lidar com a nossa própria sexualidade e com
as múltiplas possibilidades de obter prazer. Ou seja, pensar
a questão da homossexualidade pode ser uma oportunidade

150
para que se possa visualizar a própria subjetividade e pensar
a construção histórico-cultural de conceitos que legitimam a
normativa suprema da sexualidade branca, cristão, de classe
média me principalmente heterossexual.

Organização, execução e participação de eventos


promovidos pelo Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão
“Sexualidade, Corporalidades e Direitos”

Os eventos organizados e executados pelo Núcleo foram


permeados por atividades orçamentárias, administrativas e
burocráticas, que passavam desde o âmbito interno da UFT
até os trâmites que escapam à universidade como: inscrição
no Sigproj (Sistema de Informação e Gestão de Projetos) para
legitimar o evento e validar os certificados, no qual tivemos
muitas dificuldades; apresentação de eventos no Colegiado do
curso; divulgação do curso de extensão na esfera municipal; as
licitações de compras do qual perdemos uma verba considerável
pela falta de comunicação; a tabulação dos dados da Parada
(VII – parada do Orgulho LGBT de Palmas – TO, 2010), das
edições do curso de extensão e a leitura dos gráficos.
No entanto, pode-se ressaltar que estar atrelados a um
curso de Serviço Social pautados nas competências teórico
- metodológicas, ético - político e técnico-operativo, torna-
se fundamental fazermos associações críticas de nossas
experiências com um núcleo que discute a diversidade sexual
em sua totalidade, percebendo correlações de forças para a
execução de nossas atividades, principalmente pela ideologia
conservadora das pessoas em não darem mérito a temática,

151
associado-nos a libertinagem, subversão, preconceitos e
ilações que venham a dar visibilidade a uma experiência que
não seja a heterossexualidade.
Cada atividade teve a sua importância para execução
do que estava proposto, pois foi possível assimilar como esses
entraves parecem maiores quando estamos questionando
as relações de poder da sociedade, principalmente quando
atinge a seara da livre orientação sexual e da inferiorização do
feminino.

PESHAE: “Políticas de Enfrentamento ao Sexismo e


a Homofobia no Ambiente Escolar: re-significando as
práticas educativas no Estado do Tocantins”

O projeto objetivou capacitar os/as professores/as da


rede básica de ensino de quatro cidades tocantinenses – Palmas,
Gurupi, Araguaína e Miracema – com vistas a diminuir a
discriminação e o preconceito fundado nas hierarquias sexuais
e de gênero, fomentando uma sociedade que reconheça todas
as particularidades e singularidades e o respeito à diversidade
em todas as esferas de sociabilidade humana.
Esse produto historicamente construído legitima a
prática do sexismo e da homofobia, que se institucionaliza
por diversos âmbitos que permeiam a estrutura do individuo
(afetiva, social, profissional e demais aspectos que se refletem
na singularidade dos sujeitos), principalmente no espaço
escolar. Encontrou-se diversas resistências em todo o proceder
da execução do curso, as DREs (Diretória Regional de Ensino)
não divulgou em todas as escolas, nas escolas em que houve

152
a divulgação para os/as diretores/as, estes/as não tiveram
interesse em repassar para seus pares e/ou não possibilitaram
a liberação destes/as.
Os entraves impostos foram desestimuladores à
equipe do curso que detém um compromisso teórico-político
com o debate sobre a amplitude da diversidade sexual e do
enfrentamento ao sexismo. Essa análise corrobora com a
incipiência das ações do Estado para atuar junto a situações
de violência homofóbica e sexista que permeiam a educação, a
qual tende a ser silenciada pela ausência de preparo institucional
das categorias profissionais, resistentes em trabalhar sobre
o tema. A dificuldade em debater de forma democrática o
tema da diversidade sexual nas escolas também interfere no
entendimento das/dos estudantes de plena cidadania e aceitação
da sua sexualidade, que é interpelada pelas instituições sociais,
expressas pelos discursos de poder, seja da família, Estado,
religião, e de diversos outros âmbitos que influenciam a vida
do individuo.
Cada edição do curso foi ímpar nas suas particularidades.
E em cada lugar, pudemos ver a necessidade de execução do
curso, pois pode-se verificar como a homofobia e a violência
está imbricada nos currículos escolares. E embora, fomos
atacados por diversos professores que desconsideram a
validade do curso de capacitação, essa prática corrobora e
legitima a importância da sua execução.
A primeira edição do curso ocorreu na capital do
Estado do Tocantins – Palmas- e o curso se iniciou pela
abertura de um grande Seminário (I Seminário Políticas de
Enfrentamento ao Sexismo e a Homofobia – Abril, 2010)

153
que teve uma grande abrangência e repercussão no interior
da Universidade. O objetivo maior era apresentar a proposta
do curso, o público alvo, as ações a serem desenvolvidas e
despertar nas pessoas o interesse de problematizar as questões
relativas a gênero e diversidade sexual. Por conseguinte o
curso foi iniciado e executado entre os dias 30 de abril de 2010
e 12 de junho de 2010. A experiência inicial foi exitosa quanto
às parcerias conquistadas entre algumas instituições e pessoas
que realmente engajaram a causa conosco e que nas edições
posteriores demonstraram apoio e colaboração.
A segunda edição ocorreu na cidade de Miracema-TO,
entre os dias 27 de junho a 07 de Julho de 2010 e contou
com todas/os as/as estagiários/as do núcleo, pois já tinha sido
feita a seleção dos acadêmicos candidatos à bolsista. O ponto
de partida de cada curso se deu através do oficio enviado a
DRE, que abrangia cidades circunvizinhas como Miranorte e
Tocantínia. A DRE ficava responsável por divulgar o curso de
extensão em cada escola municipal, estadual e conveniada que
estivessem em sua diretoria, entre os gestores, coordenadores,
professores, secretários, assistente de currículo, orientador
educacional.
Coube às/aos estagiárias/os ainda, ir a cada escola do
município e apresentar o curso de extensão para cada diretor
da instituição. A divulgação em Miracema se deu através do
portal da UFT, da DRE, nas escolas, por material impresso e
pela rádio local. O cronograma do curso dependia do dialogo e
da disponibilidade das/os professores/as, para isso, era feito um
“contrato” no dia da abertura, a fim de facilitar a participação
de todas/os as/os inscritos.

154
Independente da construção cultural que estamos
inseridas, as pessoas não se propõem a pensar a existência da
homossexualidade nas escolas em que estavam vinculados/
as, porque não estão dispostas a discutir seus preceitos
morais. Tanto que alguns integrantes não reconheceram que
os currículos escolares das escolas em que estão vinculados
reproduzem um poder, principalmente no que tange questões
de representação de uma masculinidade hegemônica.
O gênero livre das amarras permite a fluidez das
possibilidades fora de apreensões normativas e reguladoras
dos corpos, se auto-identificar fora de prerrogativas coercitivas
é se constituir de forma mais livre tal fora de interpelações
impostas.

O gênero é a estilização repetida do corpo, um conjunto


de atos repetidos no interior de uma estrutura reguladora
altamente rígida, a qual se cristaliza no tempo para
produzir a aparência de uma substância, de uma classe
natural de ser. A genealogia política das ontologias
do gênero, em sendo bem-sucedida, desconstruiria a
aparência substantiva do gênero, desmembrando-a em
seus atos constitutivos, e explicaria e localizaria esses
atos no interior das estruturas compulsórias criadas pelas
várias forças que policiam a aparência social do gênero
(BUTLER, 2010, p. 59).

O entendimento da possibilidade do deslocamento


do gênero para além das categorias fundacionais permite a
autonomia de sua identidade superando a dualidade do sexo
e a linearidade entre práticas e desejos; corpo e gênero; sendo
o corpo um lugar de reconhecimento e pertencimento, lócus
de significações e espaço político de manifestações, estas para

155
o modelo de conceber o falo e a heterossexualidade como a
única vivência imaginável.
Ressalta-se a escola como lócus de construção do
conhecimento que está permeada por valores e atitudes
culturais que perpetua a discriminação em detrimento da
inferiorização do feminino. Entendemos ser a escola um espaço
de encontro, de posicionamentos, de construção de valores e
de visões sociais de mundo que agrupa perspectivas das mais
diferentes formas, sendo este espaço profícuo para a discussão
de temáticas que cerceiam a vida social.
A matriz cultural existente entre feminino e masculino
torna aceitável o que é característico de cada sexo e Foucault
(apud BUTLER, 2010) questiona ironicamente a coerência
“descabida” entre o gênero e a identidade. Não se torna
inteligível o que não é compactuado entre desejo/sexo/
prática sexual/gênero/sexualidade, sendo tais identidades
daí recorrentes consideradas como “meras falhas do
desenvolvimento ou impossibilidades lógicas”. Para Butler
(2010) oportunizar tais críticas permite-se disseminar campos
conceituais e opor-se as normas de inteligibilidade cultural que
cerceiam o campo da sexualidade.
A terceira edição do curso ocorreu na cidade de
Gurupi, entre os dias 25 de março a 09 de abril de 2011. Neste
curso, em especial, verificou-se como a prática da homofobia
está inerente ao discurso de alguns integrantes do curso de
capacitação, que questionaram a validade do referencial teórico
abordado. Isso legitima como as questões relacionadas à livre
expressão sexual tem sido assimiladas no âmbito escolar, tanto
que passaram a questionar a apresentação das facilitadoras.

156
Tendo em vista que os participantes passaram a não reconhecer
as possibilidades de vivências sexuais e afetivas, gerando
preconceito com as pessoas que não se comportam conforme o
padrão hegemônico de normalidade.
Além disso, podemos observar a suposta laicidade do
Estado, enquanto que, nas escolas estaduais e municipais em
que ocorreu o curso, identificou-se que os valores religiosos
imperavam na ornamentação, pois frequentemente era
encontrado algum objeto simbólico de cariz religioso. Isso
dificultava o dialogo com as/os participantes do projeto, que se
baseavam no discurso proferido pelas igrejas fundamentalistas
e não estavam dispostos a respeitar a liberdade religiosa
e de expressão em consonância com questões relativas à
sexualidade.
A quarta edição do curso ocorreu na cidade de
Araguaína, entre os dias 29 de Abril a 14 de Maio de 2011.
A articulação com a DRE ocorreu desde outubro de 2010, do
qual entramos em contato diversas vezes, enviando ofícios,
folder, cronograma do curso e cobrando a lista de inscritos da
SEMED ( Secretária Municipal de Educação) e da SEDUC
(Secretária Estadual de Educação), de escolas localizadas em
Araguaína (quem tem maior quantidade de escolas municipais
e estaduais do Tocantins) e de municípios circunvizinhos.
Até o dia 28 de Abril, recebemos o total de 42 inscritas/os,
advindos de ficha de inscrições diretamente enviados por e-mail
ou pela lista enviada pela DRE. Apesar de intensa divulgação, a
abertura do curso contou com 47% dos inscritos no primeiro dia.
Diversos fatores influenciaram no número reduzido
de participantes, apesar de termos tentando abarcar todas as

157
dificuldades encontradas e criar novas possibilidades para
participação do curso, na tentativa de rever os dias, emitir
declaração de participação para justificar as faltas, permitir a
permanência no curso.
A sexualidade, vista a partir de um viés orgânico
e biológico dificulta as possibilidades de relações sexuais
e afetivas, contribuindo para a ascensão e legitimação de
práticas homofóbicas que atingem todas as pessoas que não
se adequam as estereótipos de “Ser Homem” e “Ser mulher”.
Entretanto, entende-se o gênero enquanto categoria teórica, a
partir de uma perspectiva relacional, onde o jogo dos masculino
e feminino se entrelaça numa construção social pautadas por
regras que geram normas sobre os corpos e tais princípios
normativos interferem diretamente na vida dos indivíduos que
não reconhecem que o seu gênero esteja condizente com o seu
corpo e com o seu desejo.

A realização da “I Semana Universitária de Combate a


Homofobia”

A “I Semana Universitária de Combate a Homofobia”,


ocorrida nos dias de alusão à Batalha de Stonewall, nos EUA,

158
tinha como objetivo refletir em âmbito acadêmico e social
acerca das violações de direitos a lésbicas, gay, bissexuais,
travestis e transexuais, assim como pensar na construção de
um direito democrático da sexualidade humana.
Para o desenvolvimento das atividades deste evento
foram necessárias diversas reuniões que desencadearam em
um cronograma dinâmico, didático e em consonância com
a fundamentação teórica em que abordamos, contribuindo
tanto na reflexão, sensibilização e apreensão das pessoas que
participaram, quanto para a experiência da equipe organizadora.
Debateu-se o texto “A Homofobia” de Daniel Borrilo,
bem como cine-debate com os filmes “Desejo Proibido”
e o “Segredo de Brokeback Montain”. Instruiu-se as/os
participantes a confeccionar um material de cunho ilustrativo,
educativo e reivindicatório com frases, desenhos, cortes,
cartões, preservativos e gravuras que possibilitaram o uso
da criatividade para visibilizar o segmento LGBT, tentando
atrair atenção à mensagem dos cartazes que foram expostos
no hall da universidade, contendo acrósticos com as palavras
“homossexualidades” e “homofobia”.
Para evidenciar com mais precisão as tensões e
descontentamentos de vidas perpassadas pelo preconceito,
discriminação, interpelações, atitudes vexatórias e covardes
da sociedade, houve a apresentação de documentários
problematizando tais prerrogativas enviesadas pelas hierarquias
sexuais e de gênero.
Entende-se a homofobia como um ato de hostilidade
geral, advinda de características psicológicas e sociais às
pessoas que sentem desejo e se relacionam com o mesmo sexo

159
biológico. O homossexual sofre na sua profunda subjetividade
o peso que a sociedade heterossexista impregna nos corpos
e no comportamento humano. O ostracismo atrelado à sua
homossexualidade o leva a não ter apoio em ambiente familiar
e comunitário, ficando mais susceptível a “uma atitude de
aversão a si mesmo e a uma violência interiorizada que pode
levá-lo ao suicídio” (BORRILO, 2009, p. 33).
Por isso, pode-se entender que a homofobia se entrelaça
aos aspectos cognitivos e a uma superestrutura no plano de
nossas relações sociais, uma vez que a heterossexualidade é
o ideal do exercício da afetividade humana. A binaridade está
presente como uma construção social que modela a identidade
sexual e parte de princípios antagônicos: homem x mulher;
hetero x homo. A ideologia diferencialista radicaliza e polariza
o gênero e o sexo, sendo o constitutivo masculino portador de
uma negação de características femininas interligadas ao seu
sexo, daí a propulsão para uma das causas da homofobia.
Parafraseando Borrilo (2009), a homofobia detém
o papel de “policiamento da sexualidade”, ao passo que a
repressão a fluidez de comportamentos e dos corpos se mostra
inadmissível, sendo a diferença sexual imutável inerente a
natureza biológica dos seres humanos. Tais prerrogativas
se associam à funcionalidade do sexismo, que estabelece a
relação de subordinação das mulheres frente aos homens, no
postulado de uma lei fisiológica natural.
A exposição de cartazes no rol de entrada da Universidade
despertou a curiosidade de muitas pessoas que se questionavam
e indagavam sobre as imagens expostas de homens e mulheres
se relacionado afetivamente com pessoas de seu mesmo sexo

160
e algumas pessoas relacionavam nossas ideias à prática que
venha a fortalecer a pornografia e promiscuidade; no acróstico
também exposto palavras de respeito caracterizavam às
homossexualidades e demais informativos de atividades e
propagandas veiculadas pela mídia sobre a diversidade sexual.

Sobre a participação no 8° ENUDS – Encontro Universitário


de Diversidade Sexual “Assimilação x Transformação:
políticas da subversão e ciladas dos movimentos sociais”

O 8° ENUDS (Encontro Nacional Universitário da


Diversidade Sexual) ocorreu na cidade de Campinas – SP,
entre os dias 08 a 12 de outubro de 2010, e teve como objetivo
reunir no meio acadêmico, movimentos sociais, lideranças
governamentais e outros interessados em discutir Diversidade
Sexual.
A participação em um evento de caráter político-
acadêmico, que gira em torno da discussão sobre gênero e
sexualidades, possibilitou uma nova apreensão da realidade,
tendo em vista as vivências no interior do estado do
Tocantins, que ainda está pautado em práticas que reprimem
e coíbem qualquer orientação e desejo que não siga o modelo
heterocentrado.
A direção do ENUDS foi feita na tentativa de
aprofundar o debate nas questões especificas do cenário
nacional, interpeladas pelas igrejas fundamentalistas que
proferem e dinamizam um discurso conservador que justifica a
heterossexualidade compulsória, da mídia que tenta preservar
a noção nuclear de família, não reconhecendo qualquer outra

161
possibilidade de arranjo familiar, no ambiente escolar que
contribui para formar e ajustar corpos ao padrão hegemônico.
Assim, pode-se afirmar que foi uma experiência singular, uma
vez, que nos possibilitou o contato com grupos que reconhece
e discute a diversidade sexual na sua amplitude, pensando em
um exercendo o direito democrático da sexualidade.
Expomos uma comunicação oral no evento acerca
dos subprojetos que compõem o Núcleo e as atividades do
mesmo entre pesquisa e extensão, e o papel da Universidade
na difusão de conhecimento e no acesso à informações que
venham a abarcar à sexualidade como uma das dimensões da
vida humana.
Além da participação no ENUDS, fomos para II
Marcha Nacional de Combate à Homofobia em Brasília, no
dia 18 de maio de 2011. Esta vivência nos aproximou de que
a militância politica em torno da defesa dos direitos humanos
é uma prática a ser cada vez mais difundida, e quantas vidas
são interpeladas em sua mais singular intimidade por conta de
sua orientação sexual, lutar pela criminalização da homofobia
deve ser uma luta diária.
A participação nas Conferências LGBT como a do
município de Palmas, a II Conferência Estadual LGBT do
Tocantins garante espaços democráticos de participação
popular e de canais de discussão que venham a atender o
segmento LGBT na formulação de diretrizes e proposta que
minimalizem as desigualdades por conta da diversidade sexual
e estratégias para que instrumentos como as políticas públicas
sejam lócus de universalidades dentro dessa complexa rede
de sociabilidade em que uma minoria sexual é desprovida de

162
muitos direitos básicos em suas interações cotidianas.

Considerações Finais

Destacamos a importância do trabalho em gênero e


sexualidade dentro do espaço acadêmico ao passo que, ao
sermos vinculadas/os junto a um curso de Serviço Social
numa universidade pública, reconhecemos a falta de estudos
nesta área, tanto no que se refere à pesquisa, quanto à atuação
profissional, tendo em vista que no tocante dos direitos humanos
e da diversidade sexual, tal prática ocasiona o impedimento
de muitos profissionais em agir de forma competente e
comprometida.
“A investigação, quando comprometida em libertar
a verdade de seu confinamento ideológico, é certamente um
espaço de resistência e de luta” (IAMAMOTO, 2011, p. 452).
Para tanto, acredita-se ser o fortalecimento da democracia e das
conquistas dos direitos humanos que proporcione um “salto”
na compreensão da dinâmica social no limiar das questões
relativas à sexualidade e do considerado “diferente”, pois
torna-se muito difícil a visibilidade de um trato teórico em que
nos pautamos quando nos referimos a gênero e diversidade
sexual. Dessa forma, a/o assistente social deve agir em
consonância com os princípios fundamentais do Código de
Ética da profissão, que prevê o reconhecimento da liberdade,
defesa intransigente dos direitos humanos, ampliação e
consolidação da democracia, empenho em todas as formas de
preconceito e principalmente o exercício do Serviço Social
sem ser discriminado e nem discriminar.

163
Atingir a emancipação humana é construir as
possibilidades dos sujeitos se emanciparem com autonomia e
liberdade conjugada com a emancipação política na superação
das formas de exploração, na satisfação de grandes frações da
sociedade que não possuem os mínimos direitos sociais de se
realizarem enquanto seres humanos. Tais emancipações são
caminhos a serem percorridos para o advento de uma nova
sociedade que partilhe de valores não individualistas, e que
não esteja baseada em preceitos que incitem a diferenciação
dos sujeitos pela raça, classe, sexo, gênero.
Convidamos a todos os leitores a fazerem uma proposta
de reflexão: De quais formas interpelamos diretamente um
sujeito que não vive a heterossexualidade? No exercício da
paternidade/maternidade: que negativas impregnamos na
consciência e na subjetividade de nossos filhos/as? Como
encaramos os assassinatos dos homossexuais? Será se
há necessidade de uma política pública para este parcela
minoritária? Como nossa omissão ajuda a perpertuar o
preconceito e a discriminação fundada na orientação sexual?
Podemos exercer nossa sexualidade de forma responsável e
prazerosa? De que forma a Universidade pode contribuir
para o enfrentamento de estigmas e preconceitos fundados na
orientação sexual?
Para tanto, elevar o respeito entre os seres humanos deve
ser uma meta horizontal a todas às pessoas que compartilham
de uma forma de sociabilidade, embricar a singularidade dos
sujeitos à universalização da cidadania e da democracia não
limitando-o no exercício de suas práticas e no concernente à
diversidade sexual e a fluidez dos corpos e que o exercício

164
da sexualidade de forma prazerosa esteja fora de um sistema
de signos e de interdições que a sociedade procurou perpetuar
pela via polaridade entre o lícito e o ilícito.

Referências Bibliográficas

BORRILO, Daniel. A Homofobia. In: Homofobia e


Educação: um desafio ao silêncio. Tatiana Lionço; Debora
Diniz (Organizadoras).Brasília: LetrasLivres : EdUnB, 2009.

BRITZMAN, D. O que é essa coisa chamada amor:


identidade homossexual, educação e currículo. Educação &
Realidade, Porto Alegre,
v. 21, n. 1, p. 71-96, jan./jun. 1996.

BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo


e Subversão da Identidade. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003.

CARRARA, Sérgio. Educação, Diferença, Diversidade e


Desigualdade.In: Gênero e Diversidade na Escola: Formação
de professores em gênero, orientação sexual e diversidade
étnico- racial, versão 2009.Rio de Janeiro: CEPESC, Brasília,
SPN,2009.

CFESS. Código de Ética profissional dos Assistentes Sociais.


Disponível em:
<http: //www.cfess.org.br/arquivos/CEP_1993.pdf > Acesso

165
em 27/09/2011

FOUCAULT, M. Da amizade como modo de vida. Disponível


em:
<http://www.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/amitie.html>.
Acesso em 15 de Agosto. 2011.

IAMAMOTO, Marilda Villela. Serviço Social em tempo de


capital fetiche. Cortez: São Paulo, 2011.

166
Juventude LGBT e bullying homofóbico nas instituições
educacionais: relatos e debates de experiências no
Tocantins.

José Damião T. Rocha1

A ignorância e a falta de reconhecimento da diversidade


sexual: HSH, Homossexuais, Gays, Bissexuais, Lésbicas,
Transgêneros, Transexuais tem conduzido à violência física
e moral, às homossexualidades LGBT. A homofobia, a
lesbofobia, a transfobia e demais formas conexas de hostilidade
vai além de um “problema gay”, porque não resulta apenas
na ideia de rejeição ou de aceitação e tolerância. O ódio e
a discriminação contra a juventude LGBT é uma negação
de direitos humanos, e uma proibição da liberdade sexual,
dado que a homossexualidade, a homoafetividade pode ser
considerada expressão da sexualidade tão legítima quanto à
heterossexual.
O texto aborda aspectos da diversidade sexual nos
tempos de agora: modernidade líquida e sociedade de
hiperconsumo. Visa entender a aversão, o desprezo, o ódio e a
violência implícita e explicita das práticas homofóbicas contra
a juventude gay, em especial, nas instituições educacionais.
São relatos e debates do curso de extensão “Políticas de
Enfrentamento ao Sexismo e Homofobia no Ambiente Escolar”
da UFT desenvolvido para profissionais da rede básica de ensino

1 Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Professor


Adjunto da Universidade Federal do Tocantins (UFT). E-mail: damiao@uft.edu.br

167
do Estado do Tocantins, além da apresentação de alguns dados
preliminares da pesquisa sobre diversidade sexual. Inicio com
um diálogo sobre a presentividade, teço comentários sobre
práticas homofóbicas, a diversidade sexual na Universidade e
concluo com aspectos do bullying homofpobico.

O homo sexualis dionísico.

Como adjetivamos a era que vivemos? De muitos nomes


com certeza. Todavia, prefiro denomina-lá de “tempos”, “vida”
e “amor” líquidos (Bauman, 2004). A liquidez da atualidade
parece apontar que o compromisso com outra pessoa ou com
várias pessoas, aquele do tipo ato de fé repetido nas igrejas:
“até que a morte os separe, amando e respeitando todos os dias
de suas vidas”, se constitui numa amarração que se deve evitar
e fugir.
Lipovetsky (2007) nos fala que na “sociedade de
hiperconsumo”, a felicidade tornou-se um paradoxo. Na sua
análise sobre a felicidade sugere modelos paradigmáticos
para o entendimento da felicidade e do prazer. Vivemos
num shopping, no qual na condição de hiperconsumidores,
recebemos inúmeros torpedos de estimulação dos nossos
prazeres sensoriais. Porém na busca de satisfazer nossas
vontades individuais encontramos diversos obstáculos que se
contrapõem ao apelo à postura hedonista.
A partir da analogia de figuras mitológicas, a exemplo
de Dionísio, entende-se que o que nos move na atualidade são
os desejos, o prazer, o aqui e o agora, as sensações ilimitadas,
as sensibilidades coletivas. O homo sexualis dionisíaco é

168
a expressão do êxtase, da paixão, do júbilo e do prazer dos
tempos de agora.
Com base nessa narrativa Lipovetsky (2007), concebe
a mídia como espaço publicitário de criação de necessidades
supérfluas, vendendo assim, uma certa imagem de felicidade,
promessa de beleza, de desejos num continuum espetáculo
eufórico.
O contexto emblemático da felicidade forja uma
juventude outsider. Para esta, uma interação humana é boa
enquanto continuar cool, ser cool significa boa, conforme
Bauman (2004). Quando falamos de juventude outsider
nos referimos àqueles jovens que não se enquadram, não se
adequam a um grupamento convencional. Àquele que não é
aceito e, se considera diferente daquele aceito como membro de
um determinado grupo social. Diz-se outsider os personagens
adolescentes que nas representações cinematográficas
juvenis se sentem estrangeiros em relação às tribos ou grupos
dominantes nos quais circula, a exemplo do high school.
Situada à margem das padronizações convencionais
normais, a juventude outsider figura como dissonante da
dominação institucional imposta e apresentam uma plástica
punk. Jovem que não se enquadra, não pertence a nenhuma
turma.
A imersão cibercultural de download, upgrade, update,
upload da juventude outsider, também a configuram como
uma juventude cyborgue, pós-humana. Para Donna Haraway
(2000), essa cultura high-tech contesta, de forma intrigante,
os dualismos que atravessaram as tradições ocidentais:
macho/fêmea, primitivo/civilizado, natureza/cultura, homem/

169
máquina, agente/instrumento etc. Imersos na cibercultura, a
juventude líquida se maneja “soltando o freio, a franga”.
As características dos tempos de agora parecem encaixar
na caricatura midiatizada dos homoafetivos. Estes parecem
ser os protótipos das “parcerias frouxas e eminentemente
revogáveis” (Bauman, 2004: 112).
Neste sentido pode-se dizer que a fidelidade, a castidade
e a exclusividade para homoafetivos, desconfiam da confiança.
Por paradoxal que possa parecer, mas estejamos sós ou com
companhia, a confiança parece estar condenada à frustração.
Pessoas ou “[...] partidos, comunidades, grandes causas ou
padrões de vida investidos com a autoridade de guiar nossa
existência frequentemente deixam de compensar a devoção”
(Bauman, 2004: 113).
Nesse cenário qual o sentido do amar o próximo na
presentividade?. “Ainda que eu falasse a língua dos homens. E
falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria”. A música
Monte Castelo de Legião Urbana, retrata a exigência religiosa
do amor ao próximo. Como cumprir com esse ato de fé bíblico
e solene, de amar o próximo como a si mesmo, na sociedade de
hiperconsumo em que as relações são de bolso?.
Assumir o amor incondicional ao próximo nessa
dimensão, seria romper todos os interditos humanos, incluindo
nossos impulsos sexuais, ímpetos afetivos e predileções
amorosas que nos fazem tão naturais, como animais que somos.
A não ser pela credulidade na forma angelical, renegando nossa
condição humana e tornando-nos não-naturais.
Do preceito do amor ao próximo se baseia o cristianismo.
A transcendência do instinto gregário animal para a moralidade

170
é a base da humanidade no humano. Todavia,

O amor-próprio é uma questão de sobrevivência, e a


sobrevivência não precisa de mandamentos, já que outras
criaturas (não-humanas) passam muito bem sem eles,
obrigado. Amar o próximo como se ama a si mesmo torna
a sobrevivência humana diferente daquela de qualquer
outra criatura viva. Sem a extensão/transcendência do
amor-próprio, o prologamento da vida física, corpórea,
ainda não é, por si mesmo, uma sobrevivência humana –
não é o tipo de sobrevivência que separa os seres humanos
das feras (e, não se esqueçam, dos anjos). O preceito
do amor ao próximo desafia e interpela os instintos
estabelecidos pela natureza, mas também o significado
da sobrevivência por ela instituído, assim como o do
amor-próprio que o protege (Bauman, 2004: 99).

Amar o próximo é um imperativo para a cultura


ocidental. Na continuidade da música do Legião Urbana é
reafirmado. “É só o amor. É só o amor. Que conhece o que é
verdade. O amor é bom, não quer o mal. Não sente inveja ou
se envaidece”.
Por outro prisma, amar o próximo não significa
amor-próprio. “Nós, humanos, compartilhamos os instintos
de sobrevivência com nossos primos animais sejam eles
os próximos, os nem tão próximos ou os bem distantes”
(Bauman, 2004: 99). Todavia, o amor-próprio diverge de amar
o próximo. Pode ser considerado o preceito da vida civilizada,
mas é o que mais contraria a busca do interesse próprio. A
prática do “amar o próximo como a si mesmo” só faz sentido
pela concepção teológica: “credere quia absurdum – acredite
porque é absurdo” (Bauman, 2004: 97).
A sobrevivência física e corpórea independe de amor-

171
próprio. O instinto de sobrevivência não depende de amor-
próprio. O amor-próprio pode escolher em interromper a
vida ou lutar continuar a vivê-lá. Para termos amor-próprio
preferimos o amor dos outros.

Pois o que amamos em nosso amor-próprio são os eus


apropriados para serem amados. O que amamos é o
estado, ou a esperança, de sermos amados. De sermos
objetos dignos do amor, sermos reconhecidos como tais
e recebermos a prova desse reconhecimento.
Em suma: para termos amor-próprio, precisamos ser
amados. A recusa do amor – alimenta a auto-aversão.
O amor-próprio é construído a partir do amor que nos
é oferecido por outros. Se na sua construção forem
usados substitutos, eles devem parecer cópias, embora
fraudulentas, desse amor. Outros devem nos amar
primeiro para que comecemos a amar a nós mesmos
(Bauman, 2004: 100).

No século XXI amar o próximo é “relacionamento puro”


ou “relacionamento de bolso” Bauman (2004). A tendência
dos relacionamentos dos tempos de agora é uma convivência
“[...] na qual se entra “pelo que cada um pode ganhar” e se
“continua apenas enquanto ambas as partes imaginem que
estão proporcionando a cada uma satisfações suficientes para
permanecerem na relação” (Bauman, 2004: 111).
Os papeis sexuais sempre desempenharam forte
influencia sobre o comportamento e a cultura. É através da
relação dos sexos que natureza e cultura se entrechocam e
origina toda a cultura. Cada vez mais se forja uma cultura
de consumo de sexo, em que parece que a performance
sexual descartou a êxtase e instaurou leveza, velocidade,
novidade e variedade no consumidor de sexo. Na sociedade

172
de hiperconsumo, o homo sexualis, liberto da repressão
reconhece,

[…] a sua dificuldade em amar a mesma pessoa “para


toda a vida”. Relativamente a este aspecto, a situação
mais frequente não é o sexo pelo sexo e o aumento
relativo dos parceiros sexuais, mas a multiplicação das
próprias histórias amorosas. Por um lado, o ideal amoroso
constitui um obstáculo ao consumo-mundo; por outro, a
vida sentimental tende a acompanhar a temporalidade
efémera e acelerada do hiperconsumo (Lipovetsky, 2007:
12).

Neste intertexto pode dar a impressão que estamos


falando de uma nova cultura relacionada a sociabilidade
homoafetiva: a cultura gay. De forma estereotipada pode-
se dizer que a sociabilidade gay se caracteriza pelos termos
como: fechação, glitter, babado, fashion, cult. Ou boate, bar,
sauna, pegação, dança eletrônica frenética, ferveção, go-go
boys, go-go girl, affair, drag. Faz parte também a performance,
o encantamento pelo brilho, pelas divas, pela música. Uma
imagem alegre, divertida e bem humorada, assim como a
ousadia, a transgressão, subversão, ambiguidade e ironia.
Já o sentido do termo “homocultura” implica uma ação,
promove, energeticamente, uma atitude, uma intervenção, um
comportamento. Fomenta e realiza intercâmbios e pesquisas
sobre homossexualidade, homoerotismo, estudos gays e
lésbicos, bissexuais, transgêneros e teoria queer. Seus estudos
visam o necessário combate à homofobia, onde quer que ela
se manifeste..
No entanto, essa representação fashion week midiática
contrasta com as práticas homofóbicas e tantas outras

173
de violação e inferiorização contra a juventude LGBT:
“desumanizar o outro e torná-lo inexoravelmente diferente”
(Borrillo, 2010: 9).

Práticas homofóbicas no Tocantins.

Na atualidade já há certa visibilidade das minorias


homoafetivas, porém a luta pela liberdade sexual também se
tornou mais acirrada entre elas e os grupos religiosos, sexistas
e conservadores.
No cenário do Estado do Tocantins2, visualizamos
paulatinamente a expressão, ainda que tímida, de “identidades
fluídas e híbridas” (Britzman: 1996) de adolescentes e jovens
na escola, nos locais públicos e de convivência social. Uma
das formas de visibilidade ocorre com as Paradas LGBT do
Tocantins que anualmente vem sendo realizadas nas maiores
cidades do Estado.
Até 2011 foram realizadas oito paradas em Palmas. A
1ª Parada LGBT de Palmas, capital do Estado do Tocantins:
“Palmas para a Diversidade”, levou às ruas cerca de duzentas
pessoas no dia 26 de junho de 2004, após dezesseis anos de
emancipação política do Estado. O ineditismo do fato resultou
em um filme de curta metragem “Under the Rainbow” (Debaixo
do Arco-Íris) dirigido por André Araújo.

2 O Estado do Tocantins possui uma área de 278.420 Km2 demarcada a partir da


Constituição Federal de 1988, ao ser desmembrada de Goiás. Possui uma longa trajetória de
povoamento e de ocupação. Historicamente o poder político tem se concentrado primeiramente
nas mãos das oligarquias rurais (produtores de arroz, soja e pecuaristas); atualmente, nos
comerciantes e profissionais liberais localizados nos maiores centros urbanos, que coligados
àqueles, passaram a deter o poder político. Na atual conjuntura, a partir da consolidação da
capital, Palmas, criada em 1989, a característica social e política mais marcante é a dos grandes
projetos, os Projetos de Grande Escala (PGEs) como hidrelétricas, ferrovias, hidrovias etc.

174
O filme possui uma fotografia que dispõe imagens
variadas de trios elétricos a performances, além de entrevistas,
tendo como cenário a capital do Tocantins que completara 15
anos. Inicia com o discurso do deputado Ulysses Guimarães
no momento da promulgação da Constituição Federal de 1988
com destaque para a exaltação do documento da liberdade,
fraternidade, democracia, justiça social, seguida de imagens
dos trabalhadores construindo Palmas.
Este documentário histórico traz em sua trilha sonora
“I Will Survive”, numa regravação da banda Cake. Dentre as
tantas cenas, um outro destaque deve-se a cena de um beijo
gay entre participantes da I Parada LGBT alternada com o
punho erguido do governador Siqueira Campos discursando.
A expressão ativista do movimento gay no Tocantins
é representada pela sua associação: o Giama. O Grupo Ipê
Amarelo de Conscientização e Luta pela Livre Orientação
Sexual foi fundado em 15 de junho de 2002.
Apesar das paradas do orgulho gay do Tocantins
defenderem o slogan “é legal ser homossexual”, desde 2002
o Estado computou, conforme dados do Giama, 25 crimes na
sua grande maioria em Palmas e Araguaína com características
de homofobia.
Numa enquete durante a IV Parada LGBT em Palmas,
o Giama e o Centro de Referência de Combate a Homofobia
apuraram que 86% dos entrevistados responderam ter sofrido
algum tipo de violência por causa de orientação sexual.
O Estado do Tocantins possui poucos órgãos de apoio
LGBT. Desde 2005 funciona uma coordenadoria da Mulher
da Prefeitura de Palmas que oferece serviços psico-jurídico-

175
social. No âmbito estadual a Defensoria Pública criou em
2011 o núcleo de atendimento especializado LGBT: Núcleo
da Diversidade Sexual (Nudis), atendendo as regularizações
de uniões homoafetivas, adequação de sexo e nome social,
adoção e outras ações decorrentes.

A diversidade sexual na Universidade.

A pesquisa Fazendo Gênero: a diversidade na


Universidade, financiada pelo CNPq, iniciada no segundo
semestre do ano letivo de 2010, foi desenvolvida com o
apoio de alunos bolsistas de iniciação científica3 sob nossa
orientação. Em relação a “Diversidade Sexual nos cursos
semestrais de Pedagogia da UFT” seus objetivos foram:
compreender a diversidade sexual (HSH, Homossexuais,
Gays, Bissexuais, Lésbicas, Transgêneros, Transexuais) nos
cursos de Pedagogia da UFT dos campi de Arraias, Palmas,
Miracema, Tocantinópolis.
Nessa perspectiva visamos entender se a temática
da diversidade articula-se à diversidade das diferenças
como mecanismo abrangente das intenções formativas. Os
objetivos foram delimitados em metas formuladas na forma
de perguntas de pesquisa no intuito de busca de respostas ao
problema investigado da diversidade sexual nos cursos da
área de licenciaturas na UFT: a) quais disciplinas dos PPC
possuem ementas que abordam a diversidade sexual? b)
quais as disciplinas (obrigatórias, optativas) possuem autores/

3 Francisco Damiana do curso de Pedagogia da UFT e Marina Galvão do curso de


Direito da UFT.

176
referencias bibliográficas no PCC que abordam a diversidade
sexual? c) quais tipos de diversidade são abordadas pelo PPC
do curso?.
Sobre a representação da diversidade sexual nos
cursos de Pedagogia da UFT investigou-se a concepção de
diversidade sexual e os sentidos que a diversidade sexual
assumem no currículo dos cursos pesquisados de Pedagogia
da UFT. Podemos interpretar a partir da amostra dos cursos
de licenciaturas que os PPC destes cursos, apresentam
um currículo centrado nas matérias e organizado na grade
curricular. Todavia os textos sugerem em seus argumentos
apenas aspectos da diversidade cultural.
O curso de Palmas ao abordar o respeito à “liberdade”
e defender “acolher na diversidade”, reforça o reconhecimento
do outro, inclusive em sua orientação sexual e de gênero. Já
no curso de Miracema ao retratar o contexto da sociedade
atual deixa transparecer a preocupação da “formação
solidária” questionando dentre outros aspectos a questão da
indiferença, apatia em relação ao outro, ao advertir sobre os
fundamentalismos de religião, raça, sexual.
O curso de Arraias ao tratar do perfil do egresso
reforça a preocupação com a consciência da diversidade,
respeitando as diferenças de natureza ambiental-ecológica,
étnico-racial, de gêneros, faixas geracionais, classes sociais,
religiões, necessidades especiais, escolhas sexuais, entre
outras. Neste PPC estão evidenciadas as diversas abordagens
da “diversidade” inclusive da “diversidade sexual”.
Em relação à carga-horária e a quantidade de disciplinas
obrigatórias e optativas podemos interpretar que, mesmo que

177
a “diversidade sexual” estivesse contemplada nas disciplinas
de todos os cursos, não significaria que o debate sobre
diversidade sexual fosse feito pelos alunos do curso. Os alunos
deverão cumprir a carga horária total do curso (obrigatórias e
optativas), mas não as disciplinas, pois estes poderão optar em
cumpri-la em outros cursos, sobre outras abordagens. E são
nas disciplinas optativas que mais aparecem a abordagem das
diversidades.
O diferencial em relação aos cursos de Pedagogia
da UFT está nas atividades integrantes. Elas diferem das
disciplinas optativas e obrigatórias pelo seu caráter de atividade
que comporta estudo de uma temática ou evento especifico de
uma temática, a exemplo do curso de Palmas, que já ofertou
em atividade integrante “Corpo e Juventude” e “Minorias e
Homocultura”. A temática da “diversidade sexual” apareceu de
forma clara nos eventos nos cursos de Palmas e Tocantinópolis.
No curso de Arraias a “diversidade étnico-racial”, e no curso
de Miracema a “diversidade rural e ambiental”.
No geral a diversidade sexual: HSH, Homossexuais,
Gays, Bissexuais, Lésbicas, Transgêneros, Transexuais, ainda
possuem pouca ou quase nenhuma incidência na amostra dos
cursos de licenciaturas da UFT da área de educação.
Em relação a pesquisa “A diversidade sexual nos
cursos de Direito, Serviço Social e Ciências Sociais da UFT,
os estudos e a pesquisa oportunizaram a compreensão do
debate no entorno da diversidade no meio acadêmico. Sobre
a representação da diversidade sexual nos cursos da UFT
investigou-se a concepção de diversidade sexual e os sentidos
que a diversidade sexual assumem no currículo dos cursos

178
pesquisados. Podemos interpretar a partir da amostra dos
cursos de bacharelado, que os PPC destes cursos, apresentam
um currículo centrado nas matérias e organizado na grade
curricular, o que dificulta a penetrabilidade das diversidades,
em especial, da diversidade sexual.
Na pesquisa sobre a diversidade sexual no curso
de Direito não foi encontrada nenhuma ementa que faça
referência a questão de gênero e diversidade sexual. Há, no
entanto, nas referências bibliográficas do curso, a disciplina
de Direito Civil - Famílias, a abordagem de bibliografia que
discute os novos direitos para casais homoafetivos. Na ementa
da disciplina Direito Civil – Famílias, entretanto, não há
nenhuma referência a diversidade sexual.
Não foi encontrado no PPC do curso de direito nenhuma
menção ao termo “diversidade sexual”, embora apareçam
várias referencias ao termo “diversidade” no sentido geral, com
destaque para a diversidade cultural, diversidade ambiental e
menores incidências diversidade étnico-racial.
Sobre a diversidade sexual nos cursos pesquisados, o
PPC de Serviço Social aborda vários tipos de “diversidade”.
Dos cursos pesquisados é o curso que mais possui citações ao
termo diversidade. No início do PPC a “diversidade” aparece
na perspectiva regional e local, figurando como um dos eixos
de trabalho para o ensino no curso.
Nas disciplinas optativas do curso identificamos
referência ao termo “diversidade”, não apenas a questão de
diversidade no sentido amplo, mas à diversidade sexual. Na
disciplina “Sexualidades, Corporalidades e Direitos”, a ementa
aborda os temas referentes às sexualidades.

179
No currículo do curso de Ciências Sociais,
especificamente nas ementas do curso e bibliografias não
encontramos nenhuma referência ao termo “diversidade
sexual”. Apesar de tratar da diversidade cultural e ambiental,
faz abordagem a “diversidades” no plural.
Dentre os currículos pesquisados o PPC de Ciências
Sociais é um dos cursos novos da Universidade. Os demais cursos
são mais antigos, porém já tiveram seus PPC reestruturados.
Apesar da quantidade de disciplinas obrigatórias e optativas
ou eletivas, quando há abordagem da diversidade sexual, ela
está proposta para ser escolhida ou não, o que não garante a
todos os alunos a discussão sobre a diversidade sexual.
Apesar do curso de Serviço Social ser o único que
expressamente debate sobre a diversidade sexual, não há
garantia que o tema da diversidade sexual seja estudado. Em
relação a carga-horária entre as disciplinas obrigatórias e
optativas, podemos interpretar que, mesmo que a diversidade
sexual estivesse contemplada nas disciplinas de todos os
cursos, não significa que o debate sobre diversidade sexual
seja realizado pelos alunos daquele curso. Os alunos deverão
cumprir a carga horária total do curso (obrigatórias e optativas),
mas não as disciplinas, pois estes poderão optar em cumpri-la
em outros cursos, sobre outras abordagens.
Analisando a freqüência da palavra “diversidade”
nos PPC dos cursos pesquisados, identifica-se que a maior
freqüência é do termo diversidade cultural. A diversidade
sexual apareceu apenas uma única vez no PPC de Serviço
Social.
No geral a diversidade sexual: HSH, Homossexuais,

180
Gays, Bissexuais, Lésbicas, Transgêneros, Transexuais, ainda
possuem pouca ou quase nenhuma incidência na amostra dos
cursos de bacharelado da UFT da área de ciências sociais
aplicadas.

O bulliyng homofóbico nas instituições educacionais.

A prática sexual entre adultos do mesmo sexo é


um direito de foro íntimo, porém insistentemente lésbicas,
gays, bissexuais, transgêneros vem sofrendo preconceito e
discriminação, apesar da conferência LGBT reafirmar “a
universalidade dos direitos humanos deve estar acima de
qualquer quadro de discriminação e das variadas formas de
violência praticadas socialmente”. E que “todos os seres
humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.
A homofobia, a gayfobia, a lesbofobia, a transfobia
e demais formas conexas de intolerância tem conduzido à
violência física e moral, devido a falta de reconhecimento da
diversidade sexual. A compreensão binária e naturalizante do
sexo reprodutivo marital, tem impedido que os jovens LGBT,
vivenciem suas identidades de gênero.
Por outro, a escola básica informa e forma padrões
hegemônicos de identidades através de seus currículos com
conteúdos como os únicos possíveis, os únicos pensáveis,
tornando ausentes as vozes das minorias negadas e silenciadas
na seleção da cultura escolar (Torres Santomé, 1998).
A identidade cultural na pós-modernidade para Hall
(2002) nos faz refletir se não é a própria modernidade que está
sendo transformada. Nesse debate ele examina as definições

181
de identidade e o caráter da mudança na modernidade tardia,
distinguindo três concepções de identidade do sujeito do
Iluminismo, do sujeito sociológico e do sujeito pós-moderno.

O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade


unificada e estável, está se tornando fragmentado;
composto não de uma única, mas de várias identidades,
algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas.
Correspondentemente, as identidades, que compunham
as paisagens sociais “lá fora” e que asseguravam
nossa conformidade subjetiva com as “necessidades”
objetivas da cultura, estão entrando em colapso, como
resultado de mudanças estruturais e institucionais. O
próprio processo de identificação, através do qual nos
projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se
mais provisório, variável e problemático. Esse processo
produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como
não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente.
A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada
e transformada continuamente em relação às formas pelas
quais somos representados ou interpelados nos sistemas
culturais que nos rodeiam (Hall, 2002: 12-13).

Seguindo esse raciocínio, Hall (2002) afirma que a


globalização tem gerado conseqüências sobre as identidades
culturais e aponta três possíveis conseqüências.

As identidades nacionais estão se desintegrando, como


resultado do crescimento da homogeneização cultural
e do “pós-moderno global”. As identidades nacionais e
outras identidades “locais” ou particularistas estão sendo
reforçadas pela resistência à globalização. As identidades
nacionais estão em declínio, mas novas identidades,
híbridas, estão tomando seu lugar (Hall, 2002: 69).

Mesmo que as várias conferências nacionais, dentre


elas, a LGBT de 2008 e da educação de 2010, tenham proposto

182
ações e estratégias de enfrentamento ao sexismo e homofobia
nas instituições educacionais, o bullying homofóbico tem sido
uma prática recorrente no Brasil e em outros países.
O filme espanhol “Bullying – Provocações sem Limites”
retrata o personagem principal sendo atacado na escola por um
grupo de colegas zombadores. Cenas de ações de violência
física, psicológica mostram a personagem atormentada, mas
sem coragem de relatar os fatos. O sofrimento da personagem
atenua quando ela conhece uma colega que também sofria de
bullying. O garoto que sofre as agressões se suicida e o filme
termina com a voz de um narrador falando sobre as estatísticas
de casos de bullying na União Européia.
O bullying é comumente entendido como um conjunto
de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas, adotado
por uma ou mais pessoas contra outra(s), causando dor,
angústia e sofrimento. A homofobia, termo freqüente e difuso,
utilizado “por parte de variados setores sociais sugere existir
uma crescente sensibilidade e disposição para se lidar mais
criticamente com representações e práticas sociais de teor
homofóbico” (Junqueira, 2009: 367 b).
Compreender esse tipo de preconceito exige-nos o
entendimento dessas práticas não como sendo simplesmente
individuais, mas como uma questão sócio-cultural. O
preconceito “é tido como um mecanismo de manutenção da
hierarquização entre os grupos sociais e da legitimação da
inferiorização social, o que, por si só, já revela seu estado
de violência e ódio” (Prado, Martins, Rocha, 2007: 215). O
preconceito tem dimensão coletiva,

183
não podendo ser compreendido apenas na dimensão
da racionalidade individual, uma vez que se estrutura a
partir de um conjunto abstrato de valores sociais que só
encontra substância no comportamento individual. Isso
nos permite dizer que o preconceito instala-se por meio
de nossa incapacidade de vermos o invisível, o que faz
desse mecanismo algo supostamente paradoxal, porque
quanto mais verdadeiro se proclama, mais fundamentado
está nas crenças que necessita ocultar (Prado, Martins,
Rocha, 2007: 221).

O estudo do bullying se justifica a partir das diversas


estatísticas que indicam os altos índices de violência física
e verbal contra os estudantes LGBT. E a homofobia é uma
humilhação cotidiana no ambiente escolar que contribui
para a desistência da escola daqueles que sofrem esse
constrangimento. Os comportamentos agressivos e anti-
sociais e os diversos tipos de violência escolar podem ser
considerados também uma espécie de bullying. Insultos,
intimidações, apelidos cruéis e constrangedores, gozações
que magoam profundamente, acusações injustas, atuação de
grupos de alunos que hostilizam, ridicularizam e ofendem
outros alunos, levando-os ao isolamento, além de danos físicos,
psíquicos, morais e materiais, são algumas das manifestações
do comportamento bullying.
O bullying é um problema mundial, podendo acontecer
em qualquer escola independente de fronteira. Em todo o
mundo, as taxas de prevalência de bullying, revelam que entre
5% a 35% dos alunos estão envolvidos no fenômeno. Essas
práticas frequentes no ambiente escolar brasileiro, também
acontecem nos Estados Unidos, onde foi lançada em 2010 a
campanha: “It Gets Better” traduzida para algo como “Isto vai

184
Melhorar” em que apresenta mensagens de apoio e conforto a
jovens LGBT que se sintam perseguidos e humilhados.
Segundo Fante (2005) no Brasil, as pesquisas realizadas
no interior do estado de São Paulo, em estabelecimentos de
ensino públicos e privados, com um universo de 1.761 alunos,
revelam que 49% dos alunos estavam envolvidos com o
bullying. Desses, 22% eram “vítimas”; 15% “agressores”
e 12% “vítimas-agressoras”. Nesse sentido é importante
destacarmos que há uma classificação das vítimas, um perfil
de agressor e quem são os espectadores.

Vítima típica: é pouco sociável, sofre repetidamente


as consequências dos comportamentos agressivos de
outros, possui aspecto físico frágil, coordenação motora
deficiente, extrema sensibilidade, timidez, passividade,
submissão, insegurança, baixa auto-estima, alguma
dificuldade de aprendizado, ansiedade e aspectos
depressivos. Sente dificuldade de impor-se ao grupo,
tanto física quanto verbalmente.
Vítima provocadora: refere-se àquela que atrai e provoca
reações agressivas contra as quais não consegue lidar. Tenta
brigar ou responder quando é atacada ou insultada, mas
não obtém bons resultados. Pode ser hiperativa, inquieta,
dispersiva e ofensora. É, de modo geral, tola, imatura,
de costumes irritantes e quase sempre é responsável por
causar tensões no ambiente em que se encontra. Vítima
agressora: reproduz os maus-tratos sofridos. Como forma
de compensação procura uma outra vítima mais frágil e
comete contra esta todas as agressões sofridas na escola,
ou em casa, transformando o bullying em um ciclo vicioso.
O agressor pode ser de ambos os sexos. Tem caráter
violento e perverso, com poder de liderança, obtido por
meio da força e da agressividade. Age sozinho ou em
grupo. Geralmente é oriundo de família desestruturada,
em que há parcial ou total ausência de afetividade.
Apresenta aversão às normas; não aceita ser contrariado,

185
geralmente está envolvido em atos de pequenos delitos,
como roubo e/ou vandalismo. Seu desempenho escolar
é deficitário, mas isso não configura uma dificuldade
de aprendizagem, já que muitos apresentam nas séries
iniciais rendimento normal ou acima da média.

Espectadores são alunos que adotam a “lei do silêncio”.


Testemunham a tudo, mas não tomam partido, nem saem em
defesa do agredido por medo de serem a próxima vítima.
Também nesse grupo estão alguns alunos que não participam
dos ataques, mas manifestam apoio ao agressor (Fante,
2005:32).

Tratamentos preconceituosos, medidas discriminatórias,


ofensas, zombaria, constrangimentos, ameaças, agressões
físicas ou verbais constituem a pedagogia do insulto no
ambiente escolar. As piadas, as brincadeiras, os apelidos,
as insinuações, as expressões desqualificantes: fraquinho,
mulherzinha, viadinho, delicadinho, podem ser consideradas
bullying homofóbico. Nesse sentido a homofobia pode ser
entendida em sua dimensão psicológica e social.

Do ponto de vista psicológico, romper com a homofobia


assimilada diz respeito a superar as barreiras impostas
pelo conjunto de valores assumidos como corretos e
legítimos. Do ponto de vista social, impede que outras
formas de legitimação sejam publicizadas e construídas,
articulando-se com relações de poder hierárquicas e
assimétricas, criando para si um terreno inalcançável
pelo discurso e pela nomeação – o terreno do impensável.
Lá onde reside o fortalecimento das hierarquias de
um sistema de opressão que abriga a violência, a
inferiorização e o ódio (Prado, Martins, Rocha, 2007:
221- 222).

186
Ao tratarmos do bullying homofóbico o fazemos
no sentido atribuído a homofobia, nos referindo a situações
de preconceito, discriminação e violência contra pessoas
sejam elas homossexuais ou não “cujas performances e/ou
expressões de gênero (gostos, estilos, comportamentos etc.)
não se enquadram nos modelos hegemônicos postos por tais
normas” (Junqueira, 2009: 375b).
O bullying homofóbico dificulta a permanência
na escola e reforça ainda mais a evasão escolar. Diversas
pesquisas tem mostrado suas consequências, que vão desde a
perda de auto-estima e autoconfiança, retraimento, dificuldade
de concentração, absenteísmo escolar, fobia da escola,
sentimentos de culpa e vergonha, depressão, ansiedade, medo
de estabelecer relações com estranhos, até as tentativas de
suicídio. Da pesquisa Perfil dos Professores Brasileiros da
Unesco de 2002 com 5 mil professores da rede pública e privada,
Junqueira (2009), destaca que “59,7% deles é inadmissível
que uma pessoa tenha relações homossexuais e que 21,2%
deles tampouco gostariam de ter vizinhos homossexuais. Estes
resultados revelam-nos que estamos tratando de um problema
social nacional grave. Observando-se outra pesquisa em
nível de capitais brasileiras, visualizamos a abrangência da
homofobia no ambiente escolar.

o percentual de professores/as que declaram não saber


como abordar os temas relativos à homossexualidade em
sala de aula vai de 30,5% em Belém a 47,9% em Vitória;
acreditam ser a homossexualidade uma doença cerca
de 12% de professores/as em Belém, Recife e Salvador,
entre 14 e 17% em Brasília, Maceió, Porto Alegre, Rio de

187
Janeiro e Goiânia e mais de 20% em Manaus e Fortaleza;
não gostariam de ter colegas de classe homossexuais
33,5% dos estudantes de sexo masculino de Belém, entre
40 e pouco mais de 42% no Rio de Janeiro, em Recife,
São Paulo, Goiânia, Porto Alegre e Fortaleza e mais de
44% em Maceió e Vitória;
pais de estudantes de sexo masculino que não gostariam
que homossexuais fossem colegas de seus filhos: 17% no
Distrito Federal, entre 35% e 39% em São Paulo, Rio de
Janeiro e Salvador, 47,9% em Belém, e entre 59% a 60%
em Fortaleza e Recife;
estudantes masculinos apontaram “bater em
homossexuais” como o menos grave dos seis exemplos
de uma lista de ações violentas (Junqueira, 2009: 17-18).

Apesar das pesquisas e a mídia apontarem a quantidade


expressiva de casos relacionados a bullying no ambiente
escolar, nossa experiência docente demonstra que os
profissionais da educação no Tocantins ainda não conseguem
identificar a homofobia, ou tem se expressado indiferentes,
alheios e negligentes, como se queressem evitar o contágio.
Uma lacuna da formação continuada no que se refere às
homossexualidades, que não podem continuar sendo ignoradas
pelos currículos, nas salas de aulas e na política educacional. As
práticas de bullying entre os alunos apresentam características
comuns:

Comportamentos deliberados e danosos, produzidos


de forma repetitiva num período prolongado de tempo
contra uma mesma vítima. Apresentam uma relação de
desequilíbrio de poder, o que dificulta a defesa da vítima.
Não há motivos evidentes. Acontece de forma direta, por
meio de agressões físicas (bater, chutar, tomar pertences) e
verbais (apelidar de maneira pejorativa e discriminatória,
insultar, constranger). De forma indireta, caracteriza-

188
se pela disseminação de rumores desagradáveis e
desqualificantes, visando à discriminação e exclusão da
vítima de seu grupo social (Fante, 2005: 25).
Se investigarmos as raízes da homofobia, gayfobia,
lesbofobia e demais formas conexas de intolerância contra as
minorias homossexuais, identificamos que os valores culturais
ocidentais e judaico-cristãos de virilidade, masculinidade,
virgindade, castidade, fidelidade estão associados a
heteronormatividade, em que somente o sexo reprodutivo
marital é moralmente aceito. Consequentemente, a prática
sexual entre pessoas do mesmo sexo é considerada crime,
com punição até de pena de morte em função do padrão
heterossexual patriarcal. A cultura judaico-cristã combateu e
reprimiu o prazer erótico masculino, portanto,

Pensar a heterossexualidade como um regime de poder


significa afirmar que longe de surgir espontaneamente de
cada corpo recém-nascido, inscreve-se reiteradamente
através de constantes operações de repetição e de
recitação dos códigos socialmente investidos como
naturais. O corpo sexuado e a suposta ideia da
complementaridade natural, que ganha inteligibilidade
através da heterossexualidade, é uma contínua e
incessante materialização intencionalmente organizada,
condicionada e circunscrita pelas convenções históricas,
e que se apresenta como a-histórica.
[...]
O masculino e o feminino só conseguem encontrar sua
inteligibilidade quando referenciados à diferença sexual
(Bento, 2008: 24-25).

Categorizar, classificar orientações sexuais é uma


convenção que não torna compreensível as práticas sexuais,
ao contrário propicia (pre)conceituações. Nascemos machos

189
ou fêmeas, mas essa condição não define nossa vida sexual.
Desenvolvemos durante nossa experiência de vida nossa
identidade sexual.

Enquanto o aparelho da ecografia passeia pela barriga


da mãe, ela espera ansiosa as palavras mágicas que
irão desencadear as expectativas. A ansiedade da mãe
aumenta quando o aparelho começa a fixar-se ali, na
genitália, e só termina quando há o anúncio das palavras
mágicas: o sexo da criança. A materialidade do corpo só
adquire vida inteligível quando se anuncia o sexo do feto.
Toda a eficácia simbólica das palavras proferidas pelo/a
médico/a está em seu poder mágico de gerar expectativas
que serão materializadas posteriormente em brinquedos,
cores, modelos de roupas para o/a futuro/a filho/a antes
mesmo de o corpo vir ao mundo (Bento, 2008: 24-25).

A orientação afetivo-sexual refere-se à sensação interna


que cada pessoa tem de ser capaz de se relacionar amorosa e/
ou sexualmente com alguém. Porém,

Nascemos e somos apresentados a uma única


possibilidade de construirmos sentidos identitários
para nossas sexualidades e gêneros. Há um controle
minucioso na produção da heterossexualidade. E como
as práticas sexuais se dão na esfera do privado, será
através do gênero que se tentará controlar e produzir a
heterossexualidade (Bento, 2008: 24-25).

Convencionalmente é com base na atração sexual que


se exemplificam as práticas sexuais. Se a atração ocorrer por
alguém de sexo igual ao seu será considerada uma atração
sexual homossexual. Se for por alguém de sexo diferente do
seu será heterossexual, ou se a atração sexual ocorrer tanto

190
pelo sexo feminino como pelo masculino, diz-se bissexual.
Todavia, conforme Líper (2005) “bundas, bocas e mãos não
têm sexo”.
A realidade é que muitos homens fazem sacanagem entre
si porque descobriram que qualquer par de coxas, mãos,
boca, nádegas fazem qualquer um gozar não importando
muito o sexo do dono.
Não acredito que um indivíduo que tiver seu pênis
chupado ou seu corpo acariciado por um sujeito
semelhante a Leonardo DiCaprio, ou sei lá quem ele ache
bonito, não goze. Se ele diz que não sentiu prazer está
sendo hipócrita (Liper, 2005: 27-28).

Estabelecida pela heteronormatividade, é peculiar


em determinados espaços sociais a sociabilidade do sujeito
heterossexual. Todavia, nesses mesmos espaços como
bares, jogos de futebol, seminários religiosos, quartéis das
forças militares e etc, também são comuns as práticas da
homossociabilidade homofóbica, em virtude do processo
de construção de mentes e corpos afinados com o modelo
heteronormativo.
Nos tempos de agora já se pode pensar na transição de
uma sexualidade compulsória para (muitas) sexualidade(s)
novas, híbridas, mistas, desvinculadas da concepção do sexo
cromossômico. Porém é necessário refletirmos o que sustenta
essas práticas e posturas no ambiente escolar. Um aluno/a que
vivencia sua identidade num ambiente de stress constante são
frequentemente conduzidos a “incorporar a necessidade de
apresentarem um desempenho escolar irrepreensível, acima da
média” (Junqueira, 2005: 26).

191
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195
Parte III
Refletindo Sobre Gênero, Sexualidade e
Politicas Publicas
Gestão das políticas públicas para população LGBT no
Brasil: um relato de experiência

Mitchelle Benevides Meira1

Esse relato se propõe a refletir sobre minha experiência


enquanto gestora pública da política LGBT (lésbicas, gays,
bissexuais, travestis e transexuais) na Prefeitura de Fortaleza/
CE entre os anos de 2005 a 2009, e posteriormente, na
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
entre os anos de 2009 a 2010.
Iniciarei contextualizando o processo de campanha
eleitoral municipal em 2004, momento aonde o tema
começou a ser introduzido na pauta política, esse processo foi
fundamental na luta por direitos e por melhores condições de
vida das pessoas LGBT em Fortaleza/CE.
Antecedendo ao processo eleitoral municipal, destaco
um importante acontecimento organizado pelo GRAB – Grupo
de Resistência Asa Branca (movimento LGBT com quase 30
com de atuação em todo o Estado do Ceará). Este promoveu
um encontro com vários militantes e organizações LGBT, para
debater e construir um documento que seria um programa
de propositura de ações LGBT, para ser entregue aos(as)
candidatos (as) ao cargo de prefeito(a) de Fortaleza, participei

1 Ativista lésbica e militante dos direitos LGBT no Partido dos Trabalhadores –


PT. Atualmente é Assessora da Prefeitura Municipal de Fortaleza/CE e Graduanda em
Direito pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Foi gestora da Coordenação Especial de
Diversidade Sexual de Fortaleza/CE (2008-2009) e da Coordenação Geral de Promoção dos
Direitos Humanos e Cidadania LGBT da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República – SDH/PR (2009-2010).

199
desse momento como ativista lésbica. E posteriormente,
assumi durante campanha da candidata a prefeitura, Luiziane
Lins, a tarefa de diálogo e articulação com o movimento que
protagonizou a construção do programa.
Durante o encontro foi preparado um documento,
chamado “Plataforma LGBT para as eleições de 2004”. Este
documento foi protocolado e entregue aos candidatáveis durante
um debate promovido pela OAB (Ordem dos Advogados do
Brasil) sobre políticas sociais, ocorrido na sede desta entidade.
Dentre os pontos suscitados no documento destacamos: 1) o
reconhecimento das uniões estáveis na previdência municipal;
2) Criação de Centro de Referência; 3) Instituição do Dia da
Visibilidade Lésbica; 4) Capacitação de educadores para a
diversidade sexual.
O documento foi incorporado pela coordenação da
campanha eleitoral, como os demais segmentos (mulheres,
juventude, criança e adolescente, etc), passando a ser
defendido por todas(os) integrantes da campanha. Tornou-se
a única candidatura a incluir as demandas oriundas daquele
documento, integrando-as ao item de “Direitos Humanos” do
Programa.
Cabe ressaltar, que as questões LGBT inseridas no
programa de campanha passaram a receber “ataques” das
candidaturas opositoras. Citamos como exemplo, o fato de
que um dos adversários utilizou-se do seu tempo de programa
de televisão e rádio para inflar a população contra os pontos
contidos no programa de governo da candidata. Esse fato
percorreu todo o segundo turno, usando-se de injúrias e
críticas intransigentes a plataforma política que abarcou os

200
direitos LGBT como direitos humanos. A argumentação deste
candidato adversário pautava-se em valores morais judaico-
cristãos com pretensa intolerância a diversidade sexual.
O debate LGBT tornou-se central na pauta da campanha,
de maneira indelicada e desrespeitosa na abordagem ao tema,
chegando inclusive a indignar pessoas que nunca tinha se
posto a refletir sobre esta temática, dada a maneira depreciativa
como a oposição a utilizou na Televisão e Rádio, com ofensas
e discriminação a segmento LGBT e suas demandas.
Diante desse fato houve uma movimentação “externa”
para uma possível mudança ou mesmo adequação ao programa.
Porém a defesa de manter a plataforma LGBT (na íntegra),
no programa foi baseada no entendimento que, não estaria
apenas para agradar determinado segmento ou tão pouco
para aumentar seu eleitorado, eram pontos fundamentais para
a qualidade e desenvolvimento humano em nossa cidade.
Os índices de violência que atingia a população LGBT não
poderia ser invisibilzados e negados.
Com enfoque na luta contra o preconceito e igualdade de
direitos, na construção de cidade mais humana, onde homens e
mulheres pudessem ser respeitados (as) independentemente de
gênero, raça/etnia, religião e orientação sexual. Princípios esses
norteadores da campanha e defendidos pela então candidata,
ou seja, sem recuo no programa e somente seria mudado caso
fosse para avançar nos temas. Nessa campanha mostramos que
a luta pelos direitos humanos LGBT pode ser tratada no campo
das polícias públicas. Demarco aqui, esta como a primeira
batalha contra a intolerância e a discriminação na nossa cidade
numa campanha eleitoral majoritária.

201
A coragem política de enfrentar o tema e em
conseqüência a homofobia, que permeou a campanha,
fortaleceu-se mais a “vontade política” de implantar ações e
programas para população LGBT no município de Fortaleza/
CE.

Desafios ao combate a homofobia na estrutura de governo

A estrutura engessada da máquina pública limitou


inicialmente ações mais avançadas, os governos anteriores não
haviam criado espaços para o desenvolvimento e inclusão dos
segmentos sociais como política de governo. A política LGBT
e dos demais segmentos passaram integrar o corpo técnico
do gabinete da prefeita, para começarmos a desenvolver
os projetos e inserir a discussão de planejamento de ações
prioritárias mesmo sem recurso especifico para estas áreas.
Compreendendo as dificuldades que a política LGBT
enfrentaria por resistência e homofobia institucional, aqui
entendida como: 1) a negação por parte de funcionários públicos
dos direitos da população LGBT; 2) omissão agravada pela
restrição do acesso a serviços públicos e a permanência neles,
motivados pela orientação homossexual. Assim, verificamos
ser importante fortalecer politicamente a administração interna
para posteriormente iniciar um trabalho mais amplo.
O desenvolvimento autônomo da gestão em assessoria
especializada, que adiante se tornaria uma coordenadoria
especial de diversidade sexual, foi fundamental para tentativa
de promoção da transversalidade do tema, com intuito de
entrelaçar as ações destinadas à população LGBT a outras

202
políticas, fato considerável na perspectiva de plena cidadania.
A iniciativa de promoção da integralidade dos direitos fora
possível ainda que houvesse escassez de recursos para
desenvolvimento das ações. Diante disso, fora preciso acessar
parcerias, promovendo a inclusão do tema em diversas áreas
do governo, como: Secretaria de Saúde, Secretaria de Esporte,
Secretaria de Cultura e Secretaria de Educação.
A participação social fora fator importante de pressão
junto ao Estado e setores conservadores na disputa com o
poder econômico na distribuição dos recursos. Neste sentido, o
Orçamento Participativo (OP) e o Plano Plurianual Participativo
(PPA), incluindo a população LGBT, foi de grande relevância
neste cenário, criando um lugar de discussão e proposição das
políticas prioritárias para o segmento. Partindo do principio
que estaria em diversas áreas, a “Assessoria Especial LGBT”
tornou-se a referência de articulação dessas demandas e atuou
no sentido de integrá-las ao orçamento, que em momento
posterior foi implementado nas áreas discutidas no OP, como:
Capacitação de educadores (através da Secretaria de Educação);
Grupo de Trabalho de Saúde da Mulher Lésbica (junto a
Secretaria de Saúde); apoio a Parada da Diversidade (a partir
da Secretaria de Cultura); Apoio ao Festival de Cinema LGBT
(também junto a Secretaria de Cultura); realização de Mostras
educativas de Cinema LGBT (em parceria com a Secretaria de
Cultura e de Educação); Jogos da Diversidade (pela Secretaria
de Esporte); Capacitação de operadores da segurança pública
(através da Guarda Municipal). Estas ações foram executadas
por cada área, de maneira distinta e sintonizada com o setor
gestor da política LGBT.

203
Pesquisas de âmbito nacional, realizadas no município,
abordaram a situação das pessoas LGBT em Fortaleza, como
na publicação “Juventudes e Sexualidade” da UNESCO. A
pesquisa realizada em 14 capitais do país destacou Fortaleza
como uma das cidades com alto nível de homofobia no Brasil,
no que tange ao espaço escolar. Este alarmante índice subsidiou
a realização da campanha “Juventude Sem Homofobia”,
em parceria com a Assessoria de Juventude (hoje é uma
coordenadoria especial) e Secretária de Assistência Social,
que contemplou além de peças publicitárias para divulgação
o projeto, a capacitação de jovens sobre Direitos Humanos e
Homofobia, abrangendo todas as regionais em seus espaços
públicos e escolas municipais, especialmente através de
intervenções urbanas.
Com a instituição, em nível municipal, da Secretaria
de Direitos Humanos, se efetivou a criação Coordenadoria
Especial de Diversidade Sexual, compondo o quadro desta.
Contando com a mesma autonomia política e sob o “guarda-
chuva” dos direitos humanos a coordenadoria passa a contar
com orçamentário próprio para desenvolver e apoiar ações
específicas de direitos humanos LGBT.
O trabalho desenvolvido e o destaque do tema na
campanha, mostrou que é possível um projeto político de
gestão que inclua temas ditos “polêmicos”, e que o processo
eleitoral é também um espaço pedagógico no debate social. As
condições criadas pela gestão facilitaram todo o processo de
avanço e nos indicadores positivos de impacto em Fortaleza.
Acredito que ainda não chegamos ao ideal, pois
falta muito a percorrer na consolidação dessa política. Os

204
limites municipais de sua inclusão como política de Estado,
ainda nos colocam a margem, reforçando a cotidianidade de
nossa luta para a legitimidade dessa política. Mesmo assim,
foi considerável conseguirmos colocar na agenda política
do governo municipal, o que tornou Fortaleza/CE um dos
municípios referencia das políticas LGBT no Brasil.

Caminhos e possibilidades para a política LGBT em nível


federal

No final de 2009 fui convidada a ser coordenadora
da recém criada Coordenação Geral de Políticas LGBT na
Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal. A criação
desta coordenação estava no Plano nacional LGBT e um
compromisso do Governo Lula, demandada da I Conferência
Nacional LGBT. As ações LGBT estavam na SDH dentro
do Programa Brasil sem Homofobia onde os recursos eram
alocados, mas com o objetivo de redistribuição dos recursos
(em sua maioria foram para ONGs LGBT) para a implantação
dos Centros de Referencia de Combate a Homofobia, e apoio
a núcleos de pesquisas nas Instituições de Ensino Federal
(IFES), além de desenvolver pareceres favoráveis para essa
população junto ao governo
Enfrentamos o mesmo quadro de escassez de recursos,
porém com uma expectativa bem maior na implementação
de ações. O primeiro desafio de coordenar uma política
pública antes desenvolvida como um programa, no caso o
“Programa Brasil sem Homofobia”, esta na estrutura dada
à área. A coordenação necessitava de poder político que a

205
possibilitasse maior autonomia e também de uma equipe
técnica numericamente maior.
A coordenação deveria ser um espaço de proposição
e articulação da intersetorialidade. No entanto, as hierarquias
de poder blindavam essa articulação. Havia limitação da
coordenação inclusive na participação em Grupos de Trabalho
em outros ministérios com a finalidade de desenvolver a política
LGBT. O que dificultava o trânsito na busca de um diálogo
mais próximo com quem de fato tinha o poder deliberativo,
oportunizando o desenvolvimento desta articulação apenas ao
movimento social LGBT, que constantemente eram recebidos
por ministros e faziam esta interlocução.
A articulação limitada às reuniões dos grupos de
trabalho ministeriais LGBT (no Ministério de Cultura, na
Secretaria Nacional de Segurança Pública e na Secretaria de
Direitos Humanos) e interministerial para o acompanhamento
e monitoramento do “Plano Nacional LGBT”, mesmo sem
este estar instituído pelos meios normativos de governos,
eram servidores/as que de alguma forma tinham interesse em
“auxiliar” nessa tarefa.
Restava ainda a articulação com os estados e municípios
na busca do dialogo com gestores/as para a implantação da
política LGBT. Fortalecer os governos que mesmo com
dificuldade conseguiam implantar ações e impulsionar outros
para que as desenvolva. Com a transição do Brasil sem
Homofobia á Coordenação Geral LGBT, outras relações de
parceria se tornaram prioritárias, com objetivo de que esta
política se efetivasse junto ao Estado. Esta mudança gerou
novos patamares, posto que, existia uma lógica aonde o

206
movimento social era o único motivador destas ações. Alterar
prioridades de parceria era apoiar mais ações institucionais
em todos os níveis e incentivá-las no intuito de viabilizar uma
política mais estatal, sem perder a parceria com o movimento
LGBT, considerando-o, estratégico e fundamental na
contestação e pressão quando os governos se omitiam/omitem
em executá-la.
A indefinição de onde esta política (coordenadorias,
assessoria e gerências) se desenvolve e qual o campo de atuação
delas, (em centro de referência, em secretarias de direitos
humanos (ou afins), em gabinete de prefeito, na assistência
social, na educação) demonstra um descompasso de ações e
concepções, tornando-a dependente dos sujeitos que estão à
frente destas.
Respeitando os limites federativos sem poder
influenciar diretamente nesta definição, optar pelo lugar
onde será alocada esta política dependerá da realidade local
e política dos atores e militantes. Os espaços onde a política
LGBT se encontra devem ser fortalecidos e instituídos como
principais articuladores da política e em interlocução com a
sociedade civil.
A promoção da intersetorialidade tem dependido da
vontade política de secretários “simpáticos” a população LGBT.
Apesar da ausência de uma norma instituindo o Plano Nacional
LGBT e o grupo interministerial, ações foram desenvolvidas
por essa “vontade política”. O Grupo Interministerial cuja
responsabilidade estava a cargo da Coordenação Geral LGBT
(SDH/PR) realizou a entrega de um balanço das ações em 2010 a
Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis

207
e Transexuais (ABGLT). O relatório, em nossa avaliação,
constou como avanço significativo na implementação do
Plano Nacional LGBT, tendo sido desenvolvido acima de 50%
da metas do mesmo (BRASIL, 2010).
Outro fator que destacado, refere-se às denúncias
que chegavam a Ouvidoria Nacional da SDH/PR, que se
tornaram à única forma legitima de cobrar a responsabilidade
dos estados, acompanhando os desdobramentos delas na
garantia da cidadania plena da população LGBT. Na política
LGBT, para além de ser gestores/as, as/os ocupantes desses
cargos dependem também de um ativismo dentro do governo,
desempenhando um papel de convencimento de outros/
as gestores/as para a importância de determinadas ações ou
projetos, além da necessária mobilização junto ao movimento
social para respaldo das ações.
Importante salutar o envolvimento de Lula, naquele
momento presidindo o governo federal, na luta contra o
preconceito quando proferiu um discurso posicionado em favor
aos direitos LGBT, na abertura da I Conferencia Nacional de
Promoção dos Direitos Humanos e Cidadania LGBT (BRASIL,
2008). Que fora de enorme relevância para chamar atenção
dos seus ministros e secretários, criando um ambiente positivo
a implementação de ações para este segmento.
Contudo, o medo de retaliação externa ao governo e a
pressão de setores conservadores religiosos, vem oferecendo
espaço para que os governos estaduais e municipais (e federal)
se esquivem diante das demandas LGBT, que geralmente
são respondidas através de ações executadas com tímida
publicização. O desafio em transformar essa política de governo

208
em política de Estado ainda dependerá da pressão social e de
mudança estruturais no aparelho do Estado. Criando normas,
por exemplo, a inclusão da população LGBT na proteção
constitucional mediante aparato de legislações.
Sendo assim, encerramos este relato apontando para o
fato de que os desafios para efetivação das políticas públicas
LGBT no Brasil, permeiam um respaldo do governo federal
frente aos limites da laicidade do Estado e ao real compromisso
com uma concepção democrática de sexualidade e direitos
humanos.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Anais da


Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis
e Transexuais – GLBT. Brasília: SEDH, 2008.

BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos da


Presidência da República. Plano Nacional de Promoção da
Cidadania e Direitos Humanos de LGBT. Brasília: SEDH,
2009.

BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da


República. Relatório de Monitoramento das Ações do Plano
Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos
de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais –
PNPCDH-LGBT. Brasília: SEDH, 2010.

209
Políticas de Saúde voltada ás Lésbicas: sobre as
possibilidades de reverter um quadro histórico de
invisibilidade1

Fernanda Calderaro da Silva2

Raras vezes vemos as mulheres como protagonistas na


história. Mas e as lésbicas, onde escondem-se e esconderam-
se? Em que nicho de obscuridade e silêncio se pode encontrá-
las? Não se fala delas por que não existiram? Ou sua existência
representa a desestabilização e o caos na ordem “natural” da
heterossexualidade dominada pelo masculino?
Seguindo as indagações acima, de Navarro-Swain
(2004) encontramos, ainda timidamente, as lésbicas citadas nos
conteúdos das políticas públicas de saúde, principalmente nos
últimos 10 anos. Mas esta história não começou recentemente.
Um longo caminho já foi percorrido e teve início com a
formação dos movimentos sociais lésbicos, imbricados com
o feminista e o gay. Essas relações, entretanto, foram e são
permeadas por conflitos, aproximações e tensões que fizeram
com que as lésbicas batalhassem para construir uma autonomia
em relação aos demais movimentos sociais.
Antes de nos adentrarmos na construção dos
movimentos lésbicos brasileiros, é preciso entender o que

1 Este texto é parte da dissertação de mestrado sob o mesmo título cujo conteúdo foi
apresentado no Seminário Políticas Públicas de Enfrentamento ao Sexismo e a Homofobia no
ambiente escolar, realizado em Palmas/TO em 27 de outubro de 2011.
2 Bacharel em Psicologia pela Universidade Bráz Cubas (UCB) e Mestre em
Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Email:
fernanda_calderaro@hotmail.com

211
estamos chamando de políticas públicas e como estas são
forjadas.

Sobre as políticas púbicas

Para Salisbury (1968, apud P. Spink 2009, p. 17), as


políticas públicas são documentos de tipos diversos (normas,
programas de ações, entre outras) que se referem de alguma
maneira ao que os governos “decidem fazer, onde colocam
suas prioridades e seus recursos”, pois são consideradas
preocupações de interesse público. Essa postura é assumida
por um conjunto de pessoas responsáveis institucional e
publicamente (Executivo, Legislativo e Judiciário).
O uso generalizado do termo políticas públicas sugere
que essas são decisões racionais, deliberadas e intencionadas,
tendo suas atividades ordenadas de forma a proporcionar maior
benefício à população. Sua implementação reafirma essas
características e o interesse público nas questões trabalhadas
por elas (COLEBATCH, 1998; DYE, 1984 apud SPINK, P.,
2009).
As políticas públicas são produtos sociais, situado, que
nos ajudam a falar sobre o governo e suas formas de governar.
Devem ser pensadas, também, como processos que envolvem
múltiplas atrizes organizacionais e privadas, operando
negociações e diálogos com diferentes níveis governamentais
e representantes da população.

[...] El lenguaje de la política pública puede dar la idea de


una moral elevada donde los gobiernos son serios y tiene
intenciones y de que las personas pueden responsabilizar

212
a los gobiernos de su palabra; pero en la práctica, el
gobierno y la acción pública están empujando y forzando
una lucha entre la gente, y tratan de asegurarse de que
los recursos y la atención se centren donde elles creen
que importa, incluyendo sus propios bolsillos. (SPINK,
P., 2009, p. 19).

Para entendermos o processo de construção de tais


políticas públicas, P. Spink (2009, p. 18) sugere algumas
perguntas a serem feitas que ajudarão a compreender o terreno
social e organizacional no qual são tomadas as decisões, os
recursos e as ações. São elas: “quem determina o que vai fazer
acerca de um problema ou tema específico e como se vai fazer;
quem determina se este ou aquele tema terá acesso à agenda
de ações3”.
A agenda de ações consiste em uma lista de temas
as quais funcionárias do governo e pessoas externas que se
relacionam com essas funcionárias – no Brasil esta função é
exercida com mais afinco pelos movimentos sociais e pela
academia – estão prestando atenção especial em um momento
especial (KUNGDON, 1995 apud SPINK, P., 2009). No Brasil,
os movimentos sociais e a academia estão em articulação direta
ou próximas ao governo constituindo um movimento cíclico
na atenção dada aos temas da agenda ou na inclusão/exclusão
de outros temas.
Utilizando-nos dos conhecimentos da Teoria Ator-
Rede4 (ANT), as políticas públicas são efeitos de uma rede

3 Tradução nossa.
4 Seguindo a feminização da escrita, trocaremos deliberadamente o termo Ator da
Teoria Ator-Rede por Atriz.

213
heterogênea de actantes5 em interação (GRAU; INIGUEZ;
SUBIRATS, 2010).
As teorizações da ANT advêm dos Estudos Sociais, das
Ciências e da Tecnologia, e uma das principais contribuições
à este trabalho refere-se às construções de redes sociotécnicas
ou heterogêneas que combinam elementos humanos e não-
humanos. Esses conhecimentos, aplicados à análise das políticas
públicas, possibilitam entender os processos interacionais que
constituem a elaboração e execução de ações governamentais
por atrizes múltiplas. Neste trabalho, nos ateremos a três
campos de saberes que interagem: governo, academia e
movimentos sociais organizados institucionalmente (LGBT,
feminista e lésbico) – gerando efeitos na rede constituída.
A perspectiva da governança ratifica os posicionamentos
da ANT, reconhecendo a complexidade e o pluralismo no
processo de elaboração e na implementação da agenda de
ações governamentais. Possui três características básicas.
Primeiramente, o reconhecimento, aceitação e interação
da complexidade como elemento intrínseco ao processo
político, permitindo a adaptação das formas de governar
as complexidades. A segunda característica consiste em
coordenar e integrar um grande e diverso número de atrizes
nas redes, aceitando sua participação nas tarefas do governo.
Por fim, uma nova posição do governo, que consiste em
liderar e influenciar os componentes da rede − influência essa
necessária para mudar uma realidade que não se considera
adequada (GRAU; INIGUEZ; SUBIRATS, 2010).

5 Actante, ator ou atriz é qualquer tipo de elemento participante, humano e não-


humano.

214
Todavia, para influenciar é necessário negociar pontos
de vistas, persuadir, calcular; é preciso convencer outras pessoas
sobre uma forma de entendimento de determinado assunto e
sobre como organizá-lo, manipulando simultaneamente fatores
sociais e elementos técnicos. Todo esse processo é chamado
pela ANT de tradução.
A tradução, dessa forma, permite-nos compreender
as relações de poder, em especial como algumas pessoas
adquirem o direito de representar e expressar em nome de
muitas. Domenech e Tirado (2001, apud GRAU; INIGUEZ;
SUBIRATS, 2010) afirmam a necessidade do poder de se
inscrever em algo material para que possa existir no tempo
e no espaço. Tais inscrições, que podem, por exemplo, ser
um documento, movem-se gerando novas conexões, novas
articulações e jogos de relações, resultando em elementos
híbridos.
Em relação às políticas públicas, não devemos supor
que há o domínio de uma única atriz − por exemplo o Estado.
Estão aí envolvidas decisões e atuações de múltiplas atrizes
que dão forma às decisões finais, buscando em suas interações
conduzir os membros da rede de acordo com suas preferências.
Assim, uma política pública é um conjunto complexo de ações,
negociações e decisões (GRAU; INIGUEZ; SUBIRATS,
2010).
Neste processo de produção das políticas públicas, a
ciência aparece como produtora de evidências e os movimentos
sociais e governo produtores de idéias/temas para a ciência, ao
mesmo tempo em que consomem ou rejeitam as produções
acadêmicas. Assim, nesse movimento de retroalimentação

215
entre as três esferas (Figura 1), o tema da saúde voltada às
lésbicas vem se constituindo. Os movimentos sociais de
lésbicas produzem demandas e o governo se posiciona como
interlocutor e receptor de tais demandas, transformando-as
em políticas públicas que, por sua vez, são respaldadas pelas
ciências, que embasam as ações governamentais e também dos
movimentos sociais com os conhecimentos produzidos por
meio da academia. Reconhecemos, todavia, que nem sempre
esse movimento dá-se de forma tão linear e simples e que a
história mostra-se mais complexa no entrecruzamento das três
esferas.

ACADEMIA

MOVIMENTOS
GOVERNO
SOCIAIS
Figura 1: Movimento retroalimentado entre três esferas presentes na construção das políticas
públicas.

Os posicionamentos da ANT sobre redes parecem


sugerir que os atos acontecem no aqui-agora, ficando a história
à parte dos processos que constituem tais redes. Porém Latour
(2005) nos explica que as redes, em suas interações e nos

216
laços que possuem, são possíveis porque trazem, assim como
em qualquer interação, elementos de tempos anteriores, de
lugares diferentes e gerados por outras actantes. O que está em
atuação são também elementos de outros tempos, de outros
lugares, gerados por outras agências, ou seja, a história não
se restringe ao passado e se faz presente, atuando no aqui-
agora das redes (GRAU; INIGUEZ; SUBIRATS, 2010). Os
elementos humanos de uma rede também trazem elementos de
outros tempos, pois pertenceram e/ou pertencem à múltiplas
redes que podem ou não estar na articulação direta com outras,
logo os elementos humanos assim como os não-humanos são
híbridos.

A inclusão das questões de saúde nas agendas dos


movimentos de lésbicas.

Para contar a história de como foi possível a criação de


políticas de saúde voltada às lésbicas e como elas aparecem
em tais ações vamos retroceder um pouco na história, de forma
breve, para entendermos os movimentos feitos pelos grupos
de lésbicas organizadas em torno da saúde para que possamos
compreender as atuais formas de atuação.
No início da epidemia da aids, as ações de prevenção,
tratamento e assistência, tanto governamentais quanto dos
movimentos sociais organizados, estavam voltadas aos grupos
com maior prevalência da doença, ou seja, os grupos de riscos,
integrados, inicialmente, por uma maioria de homossexuais,
hemofílicos e haitianos.
As lésbicas, como pertencentes ao grupo de

217
homossexuais, apareceram nos discursos médicos como não
apresentando riscos em relação à infecção por HIV, pois
acreditava-se que suas práticas sexuais eram exclusivamente
com mulheres, e, por isso, não entrariam em contato com o
sêmem do homem, tido como principal veículo de transmissão.
Consequentemente, o risco de infecção tornava-se maior
para quem tinha práticas sexuais com homens, colocando as
bissexuais como ponte de contaminação entre homossexuais
e heterossexuais.
Devido aos preconceitos gerados pela noção de
grupo de risco, a expressão foi abandonada, dando lugar a
comportamentos de risco. De acordo com Richardson (2000),
este conceito possibilitou, em meados de 1980, pelos discursos
biomédicos, a construção das lésbicas como tendo risco de
infecção pelo HIV, devido principalmente ao uso de drogas
injetáveis.
No Brasil, a possibilidade de infecção por HIV foi
pouco trabalhada pelos movimentos sociais organizados
e pelas políticas públicas brasileiras, mesmo recebendo
influências internacionais que já pautavam esse assunto na
década de 1980. Por aqui, na década de 1990, a transmissão do
vírus era pensada em termos de partilha de fluidos corporais, e
as lésbicas, pela suposta ausência de penetração e contato com
fluidos (sêmem), estariam protegidas (ALMEIDA, 2009).
De acordo com Almeida (2009), até 1994 não tínhamos
nenhum grupo brasileiro de lésbicas com características
autônomas, e o trabalho com prevenção às infecções por
DST/Aids iniciam-se juntamente com o surgimento de um
movimento autônomo de lésbicas, tendo como protagonistas

218
o Grupo Lésbico da Bahia (GLB) e a Rede de Informação Um
Outro Olhar (UOO). Os materiais utilizados nas atividades
promovidas por esses grupos vinham do exterior, pelas mãos
de estrangeiras que vinham ao país participar de pesquisas e/ou
de atividades dos grupos e pela ida de brasileiras ao exterior.
A interação entre as mulheres (pesquisadoras e integrantes
dos movimentos sociais lésbicos), promovida pelas atividades
desenvolvidas pelos grupos, propiciou às lideranças dos
movimentos sociais lésbicos a percepção de que a questão
mais pertinente eram as infecções por DST. Assim, o discurso
da possibilidade de infecção por HIV foi substituído pelo
da possibilidade de infecção por DST. Outro fator que pode
ter contribuído para a substituição dos discursos foi a não-
identificação de casos brasileiros de infecção por HIV de uma
mulher para outra.
Em 1995, no Rio de Janeiro, durante o Encontro da
International Lesbian, Gay, Bissexual, Trans and Intersex
Association (ILGA) ocorreram duas tentativas de articulação
nacional de lideranças lésbicas. A primeira foi a de organizar
e criar a infraestrutura necessária para o envio de um grupo
de lideranças lésbicas para a Conferência das Mulheres em
Beijim, e a segunda foi a criação da Secretaria Nacional de
Mulheres da ILGA, com a pretensão de organizar um encontro
nacional só de lésbicas. As duas tentativas não obtiveram
sucesso, porém o desejo de um encontro nacional entre essas
lideranças se manteve, e os grupos cariocas iniciaram a
aproximação com a então CN DST/AIDS, que viria a financiar
o encontro (ALMEIDA, 2005, 2009). Assim, em 1996, no
Rio de Janeiro, aconteceu o I Seminário Nacional de Lésbicas

219
(Senale), que marca um novo período do movimento lésbico
brasileiro, de autonomia em relação aos movimentos gays e
feministas e aproximação com o Estado.

No primeiro SENALE, foi aqui no Rio em 1996 (...)


o SENALE foi fundado em três pés (um tripé): saúde,
visibilidade e organização, é a máxima do SENALE de
1996. Porque as três coisas têm que andar juntas porque
se você não tem visibilidade, você não existe. Eu estive
conversando várias vezes com pessoas do Ministério da
Saúde e eles diziam: “não tem demanda, vocês não têm
demanda”, entendeu? Mas é porque não tem visibilidade.
Não tem demanda, não tem saúde e não tem porque não
tem organização, porque você estava diluída dentro dos
vários movimentos, então é por isso que a gente começa
a chamar pra essa discussão desse tripé, já ligado à
prevenção de DST/Aids pras mulheres, é lógico que hoje
isso se aplica pra câncer de mama, pra tuberculose e etc..
(ALMEIDA, 2005, p. 206)

Desta forma, o tema saúde, por meio da possibilidade


de infecção das lésbicas frente às DST e ao HIV, veio somar-se
à necessidade de maior visibilidade política e organização dos
grupos, e, assim, encontrou no atual Departamento de DST/
Aids e Hepatites Virais apoio financeiro para a realização de
projetos e ações.
Para que a parceria entre Estado e movimentos sociais
lésbicos se consolidasse via Departamento de DST/Aids e
Hepatites Virais, foi necessário construir um conjunto de
demandas (a partir do conceito de vulnerabilidade) a que
estariam atreladas a vivência lésbica e não trabalhar somente
no contexto das DST. A noção de vulnerabilidade vem em
substituição à noção de comportamento de risco, incluindo,

220
nas discussões da epidemia da aids, as dimensões social e
política, de acordo com Ayres e colaboradores (2006, p. 396
apud SPINK, M.J., 2007).

Como as lésbicas aparecem nas políticas de saúde?

Para responder a esta pergunta analisamos o conteúdo


de 12 documentos sob a responsabilidade do governo federal,
conforme Quadro 1.
O conteúdo de tais documentos há a associação de
diversas doenças. Muitas vezes essas aparecem como sendo
especificidades da saúde voltada às lésbicas, porém ao ser
colocada desta forma o termo especificidade dá a ideia de que a
suscetibilidade às doenças é resultado de suas práticas sexuais.
Dentre os problemas relacionados ao processo de
saúde/doença, aparecem com maior freqüência as DST,
HIV, Aids, hepatites virais, câncer de mama, colo do útero e
as várias violências (física, doméstica e familiar). Os temas
que aparecem com menor freqüência são: negação/pouco
auto-cuidado, opressão de gênero, prostituição, reprodução,
sofrimento psíquico, uso de substâncias lícitas e ilícitas.
Outra forma de falar sobre um assunto é verificando
os silenciamentos e as ausências de temas. Nos documentos
analisados percebemos a ausência de diversos assuntos como:
distúrbios alimentares e distúrbios da imagem corporal6,
sexo com homens, uso de drogas injetáveis, discussões sobre
sexualidade, prazer, práticas sexuais e aborto.

6 Os temas distúrbio alimentar e distúrbio da imagem corporal são mencionados


pelos movimentos sociais lésbicos.

221
Quadro 1: documentos publicados pelo governo federal analisados nesta pesquisa, divididos pela temática abordada
ANO
TEMA DOCUMENTO ÁREA
PUBLICAÇÃO
Ministério da Saúde. Departamento DST/
2006 Cartilha Chegou a hora de cuidar da saúde
Aids e Hepatites Virais.
Plano Integrado de Enfrentamento e Feminização da Epide- Ministério da Saúde. Departamento DST/
DST/Aids 2007
mia da Aids e outras DST Aids e Hepatites Virais.
Plano Integrado de Enfrentamento e Feminização da Epide- Ministério da Saúde. Departamento DST/
2009
mia da Aids e outras DST - revisão / agendas afirmativas Aids e Hepatites Virais.
Política Nacional de Saúde Integral LGBT - versão para pac- Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão
2008
Saúde da tuação tripartite Estratégica e Participativa.
população LGBT Política Nacional de Saúde Integral LGBT - versão para o Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão

222
2010
Conselho Nacional de Saúde Estratégica e Participativa.
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher - Ministério da Saúde. Área Técnica da
2004
Plano de Ação 2004-2007 Saúde da Mulher.
Saúde integral das 2004 I Plano Nacional de Políticas para Mulheres Secretaria de Políticas para as Mulheres
mulheres Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher - Ministério da Saúde. Área Técnica da
2007
Princípios e Diretrizes Saúde da Mulher.
2007 II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres Secretaria de Políticas para as Mulheres
2004 Programa Brasil Sem Homofobia Secretaria de Direitos Humanos.
Cidadania da Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Huma-
2009 Secretaria de Direitos Humanos.
população LGBT nos LGBT
2009 Programa Nacional de Direitos Humanos 3 Secretaria de Direitos Humanos.
A ausência das discussões sobre sexo, sexualidade e
prazer é parte das estratégias de visibilidade política e social,
que buscam a associação das lésbicas a uma imagem aceitável
socialmente e não-sexualizada.
As políticas analisadas ainda apontam o preconceito
e a discriminação como os maiores problemas de acesso aos
serviços de saúde e solicitam maior produção de informações e
pesquisas e capacitação das /os profissionais de saúde.
O relato extraído do nosso diário de campo ilustra o
tratamento inadequado, em que o profissional de saúde não
realizou/solicitou exames compatíveis com a queixa que certa
mulher levou à consulta.

... fui no médico hoje. Tava preocupada tem uns dias,


porque encontrei um carocinho no meu seio enquanto
tomava banho. Aí cheguei no médico e falei para
ele essa história [do caroço no seio]. Aí, ele fez umas
perguntas, pediu pra colocar uma camisola e fez aquele
exame horrível, aquele que você coloca a perna assim
[exame papaniolaou]. Aí ele foi conversando comigo e
eu falei que era lésbica. Aí ele terminou o exame, acho
que terminou, e me mandou embora. Acredita? Nem
examinou meu seio. Agora tô aqui, continuo preocupada
e vou procurar outro médico, né? (Diário de campo,
2010).

Já o relato de Patrícia, abaixo, retirado do nosso diário


de campo, mostra a falta de conhecimentos e o despreparo
de algumas profissionais para lidar com essas questões que
acabam reproduzindo estigmas e preconceitos. Ocorreu uma
consulta homeopática em que o médico atribui a lesbianidade
a um “desvio” relacionado à inversão da região de prazer –
como se o prazer tivesse um local exato para ser sentido – o
223
que levaria a práticas sexuais com mulheres. Por fim, sugeriu
intervenção médica para resolver o “problema”.

Fui ao médico tratar de uma renite persistente. Escolhi


um homeopata porque já estou cansada de tomar tantos
remédios, que acabam atacando minha gastrite depois.
[...] Lá pelas tantas ele começou a me perguntar coisas
sobre sexo. Se eu tinha vida sexual ativa, se tinha dor
quando me penetravam, se tinha lubrificação vaginal
fácil. Eu, constrangida e sem entender a relação dessas
perguntas com a minha renite, perguntei. A explicação foi
que a renite é uma inflação da mucosa que está presente
também na vagina. Aí falei para ele que tinha relações
sexuais freqüentes, só que eram com mulheres. Aí ele
disse que é muito frequente isso no consultório. Senti até
um alívio, mas aí ele veio com essa: tem pessoas que têm
o prazer invertido. É! Nas costas. Você deve ter isso. Mas
isso hoje já tem vários profissionais que trabalham com
essas coisas... (Diário de campo, 2010).

Embora, os relatos tragam em seu conteúdo a


desinformação, o preconceito, a falta de oferta de exames e
a dificuldade em lidar com a lesbianidade, essas situações
não são impeditivas para a ida aos serviços ginecológicos,
mas dificultam o acesso aos serviços de saúde (FACCHINI;
BARBOSA, 2009). O menor acesso/frequência aos cuidados
ginecológicos em relação às lésbicas não tem a ver com as suas
trajetórias sexuais marcadas por pouco ou nenhum contato
sexual com homens, e, sim, com seus atributos e posturas
corporais como “masculinas” ou “mais masculinizadas” e com
a tensão em ter que dizer sobre suas práticas sexuais/orientação
sexual temendo a reação das/os profissionais de saúde.
Vamos abordar agora outro ponto importante nesta
história que estamos contando com a saúde voltada às lésbicas:

224
a necessidade de revelar as práticas sexuais/orientação sexual.
Anecessidade de revelar as práticas sexuais ou a identidade
sexual é uma importante estratégia de visibilidade política e
social (visto que propicia a confecção de dados estatísticos e
boletins epidemiológicos − usados no planejamento das ações
em saúde), pois gera a imprescindibilidade de atendimento
adequado, que leve em consideração suas “especificidades”. De
acordo com as demandas expressas pelos movimentos sociais
e pelo governo, todos os documentos, fichas e prontuários em
saúde devem possuir campos que identifiquem as usuárias
de acordo com sua orientação sexual e/ou de identidade de
gênero.
A contabilização das lésbicas é umas das estratégias de
biopolítica, permitindo ao Estado cooptação de tais grupos,
permitindo a administração da suas vidas (biopolítica) ao
mesmo tempo em que estão criando normatizações patológicas
do grupo. A biopolítica faz com que a vida e seus mecanismos
entrem no domínio dos cálculos explícitos e faz do poder-saber
um agente de transformação da vida humana (FOUCAULT,
1988).
As ciências − como uma ferramenta do biopoder e
produtora de certo saber − especialmente as psicológicas e
as ciência bioestatísticas produzem relações de saber e poder
específicas (na administração dos corpos e na gestão calculista
da vida), suas práticas tomam as pessoas como temas de
estudos científicos, cujo resultado é a formação de um novo
tipo de saber com efeitos específicos de poder.
Na História da Sexualidade I: a vontade de saber
(1988), Foucault, ao abordar o sexo colocado em discurso

225
pelo ocidente moderno, fala-nos sobre a repressão, que pode
assumir ares de ruptura, e sobre a polícia do sexo, que consiste
em um mecanismo de regulação do sexo não pela proibição
rigorosa, mas por meio de discursos que são úteis. Ao falar das
lésbicas por meio da saúde, a polícia do sexo se faz presente na
regulação de suas práticas sexuais, com os discursos de práticas
menos arriscadas, mais seguras, desestimulando algumas
práticas sexuais, estimulando o uso de insumos adaptados para
proteção, entre outros. A cartilha colombiana (Figura 2) é um
exemplo da polícia do sexo, pois fala em prazer e não proíbe a
prática do sexo oral, cunnilingus ou 69, aliás coloca esta prática
como uma das mais prazerosas no sexo entre mulheres mas,
através dos discursos de risco as DST e HIV, enfatizados com
letras vermelhas, faz do material, para além de instrumento de
prevenção, um instrumento de controle da sexualidade.

Figura 2: Cartilha sobre sexo seguro entre mulheres, publicada em 2010 pela ONG colombiana
Mujeres Al Borde

226
A necessidade de pronunciamento sobre suas
práticas sexuais e/ou orientação sexual reafirma e reproduz
a heterossexualidade compulsória como hegemônica onde
quem tem que falar é a parte considerada em “desacordo com
a norma”, como traz o relato abaixo:

Zenaide retorna à ginecologista depois de realizar os


exames solicitados.
Médica: Então, Zenaide, tô vendo aqui na sua ficha que
não preenchi o anticoncepcional que você usa.
Zenaide: Eu não uso anticoncepcional.
Médica: Ah, não? Usa o quê pra se prevenir então?
Zenaide: Nada, porque só me relaciono com mulheres.
Médica: Ah, é! Anotei aqui que você é, é, é...
Zenaide completa a frase vendo a dificuldade da médica
em dizer a palavra lésbica. (Diário de campo, 2010).

A Figura 3 (abaixo) é outro exemplo desta necessidade


de pronunciamento sobre as praticas sexuais ou orientação
sexual e a tensão gerada em torno dela.

Figura 3: Necessidade de pronunciamento sobre sua(s) orientação/práticas sexuais.


Fonte: Cartaz Lésbica, Saúde e Direitos Humanos, da ONG feminista Curumin, de Recife
(2010).

227
Diante destes cenários, há uma série de desafios a
serem trabalhados pelas atrizes que compõem a rede em
torno da saúde voltada às lésbicas. Entre eles é romper com a
invisibilidade que ainda persiste, não somente temática, mas
principalmente, conseguir transformar suas demandas em
ações dos planos e programas governamentais.
Tais dificuldades foram encontradas em alguns
documentos como no Plano Nacional de Políticas para as
Mulheres I (PNPM) lançado pela Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM)
em 2005. A SPM foi criada em 2003, durante a primeira gestão
do governo Lula, com status de ministério, com o objetivo de
coordenar, formular e articular as políticas que promovam a
igualdade entre homens e mulheres (BRASIL, 2005).
Este documento orienta-se por oito pontos fundamentais:
igualdade e respeito à diversidade; equidade; autonomia das
mulheres; laicidade do Estado; universalidade das políticas;
justiça social; transparência dos atos públicos e participação
e controle social. Contém 199 ações, divididas em 26 ações
prioritárias, e separadas em 4 linhas de atuação, a saber:
Autonomia, igualdade no mundo do trabalho e cidadania;
Educação inclusiva e não sexista; Saúde das mulheres, direitos
sexuais e direitos reprodutivos e, por fim, Enfrentamento da
violência contra as mulheres. Vale ressaltar que nosso foco de
análise principal será na linha 3, destinada ao tema da saúde.
O PNPM I é resultado da 1ª Conferência Nacional de
Políticas para as Mulheres que mobilizou aproximadamente
120 mil participantes. A participação das mulheres nos espaços
foi destacada pela frase no final da página 9 do Plano: O maior

228
acesso e a participação das mulheres nos espaços de poder
são instrumentos essenciais para democratizar o Estado e a
sociedade. É ao falar da participação que a palavra lésbicas
foi mencionada uma única vez em todo o documento. No
PNPM II, a participação das mulheres nos espaços de poder
é enfatizada com um capítulo específico destinado ao tema e
intitulado Participação das mulheres nos espaços de poder e
decisão. De acordo com o documento, a participação é uma
ação transformadora das estruturas de poder, das instituições,
da cultura, gerando novas relações sociais (BRASIL, 2008).
Na apresentação do documento nos chamou a atenção
as frases dispostas em destaque no final da página: Afirmar as
diferenças para promover a igualdade (BRASIL, 2005, p. 6).
A afirmação da diferença por meio da orientação sexual parece
não ter ressonância nas ações propostas pelo documento,
visto que a palavra orientação sexual só aparece nas Linhas 2
e 3: Educação inclusiva e não-sexista e Saúde das mulheres,
direitos sexuais e direitos reprodutivos. Na Linha 3, destinada
à área da saúde, o vetor de orientação sexual aparece apenas
na ação prioritária número 1:

estimular a implantação, na Atenção Integral à Saúde da


Mulher, de ações que atendam as necessidades específicas
das mulheres nas diferentes fases de seu ciclo vital,
abrangendo as mulheres negras, as com deficiência, as
índias, as encarceradas, as trabalhadoras rurais e urbanas
e as de diferentes orientações sexuais, contemplando
questões ligadas às relações de gênero (BRASIL, 2005,
p. 18).

A ação, todavia, não menciona quais seriam as

229
necessidades específicas de cada grupo. As demais ações da
Linha 3 não trazem a orientação sexual como um marcador de
diferença entre as mulheres, mencionando apenas, em muitas
das ações, a perspectiva de gênero, raça, etnia, ou, então,
equidade e estereótipos de gênero. Não estamos afirmando que
a palavra gênero foi usada em substituição ou como sinônima
à orientação sexual, apenas estamos constatando a ausência
explícita do vetor orientação sexual, diversidade sexual,
sexualidade ou práticas sexuais no texto do referido Plano.
Outra questão que emerge no texto refere-se ao
objetivo 12 (sobre a produção de dados e indicadores que
servirão de subsídio para as políticas públicas), no qual a
orientação sexual também não aparece, mesmo esta sendo
parte das reivindicações mais antigas dos movimentos sociais
de lésbicas em relação à saúde.

12. a elaboração e divulgação de indicadores


sociais, econômicos e culturais sobre a população
afro-descendente e indígena, como subsídios para a
formulação e implementação de políticas públicas de
saúde, previdência social, trabalho, educação e cultura,
que levem em consideração a realidade urbana e rural;
(BRASIL, 2005, p. 11).

Ao pensarmos a invisibilidade dos termos orientação
sexual, diversidade sexual ou de práticas sexuais no PNPM
I, usando a frase da apresentação do Plano em que é preciso
Afirmar as diferenças para promover a igualdade, parece-nos
que a diferença pautada pela orientação sexual não-evidenciada
poderia comprometer a promoção da igualdade proposta pelo
documento.

230
Outro exemplo é a Política Nacional de Atenção Integral
à Saúde da Mulher, publicada em 2007 pela Secretaria de
Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, está dividida em duas
partes: Princípios e Diretrizes e Plano de Ação. Em sua primeira
parte (Princípios e Diretrizes), reconhece as demandas trazidas
pelo V Seminário Nacional de Lésbica (Senale) realizado em
2003, destacando a presunção da heterossexualidade por parte
das profissionais de saúde e a necessidade de capacitação
destas; a necessidade de informações sobre câncer de colo
uterino e mama, que não são doenças que acometem apenas
mulheres heterossexuais; a vulnerabilidade às DST e aids para
as lésbicas profissionais do sexo; a inclusão de lésbicas entre
as beneficiadas do SUS para a inseminação assistida e, por fim,
a violência intrafamiliar e a violência sexual, principalmente
entre jovens (BRASIL, 2007).
O texto traz algumas sutilezas semânticas que podem
indicar dissonâncias com outros documentos governamentais
e com as produções dos movimentos sociais. A primeira delas
refere-se ao reconhecimento da vulnerabilidade às DST/Aids
somente entre as lésbicas profissionais do sexo, devido à
quantidade de parcerias sexuais. Esse aspecto contrasta com os
demais documentos citados nesta dissertação, que associavam
a vulnerabilidade às práticas sexuais realizadas entre
mulheres, independentemente de serem ou não profissionais
do sexo. A questão, posta desta forma, parece não reconhecer
a vulnerabilidade às DST/Aids das lésbicas que não são
profissionais do sexo, ao mesmo tempo em que afirma se tratar
de um grupo que tem poucas parcerias sexuais, sugerindo,
ainda, que o sexo com homens é que as coloca em situação

231
de risco.
Outro contraste refere-se ao câncer de mama e de colo
uterino, com a demanda por informações de que estas não
seriam patologias exclusivamente de heterossexuais, e, assim,
mulheres homossexuais deveriam ser incentivadas a buscar
formas de cuidado. Os demais documentos analisados abordam
a questão pela prevalência de casos em que as lésbicas estariam
mais propensas aos cânceres de mama e útero, devido às suas
práticas sociais e sexuais.
Mais um ponto de destaque na Política Nacional
de Atenção Integral à Saúde da Mulher é a explicitação
do problema da violência intrafamiliar e sexual vivida por
adolescentes lésbicas. Os demais documentos analisados não
tratam dos dois temas em conjunto, como demanda exclusiva
dessa faixa etária.
Constatamos que, embora os Princípios e Diretrizes
da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher
tragam um capítulo específico sobre Saúde de mulheres
lésbicas, do qual fizemos acima um breve resumo, o Plano de
Ação (BRASIL, 2004) não traz qualquer proposta de ação nesta
área, contradizendo a preocupação inicial explicitada em seus
princípios e diretrizes. As lésbicas foram esquecidas ou não
contempladas em suas demandas, o que reflete a dificuldade
em garantir a concretização de suas próprias.
Mais um desafio que se coloca. Nos documentos
analisados, verificamos que a maioria deles tenta trabalhar
com o modelo de atenção à saúde integral, resultando, porém,
ineficiente, pois não contemplam ou relacionam os distintos
marcadores sociais da população em questão, reforçando a ideia

232
de um grupo homogêneo e excluindo das ações pessoas que
possam ter outras necessidades em saúde. Da mesma forma, os
documentos analisados não trabalham a transversalidade das
ações propostas, o que parece não afetar, de fato, a redução
das iniquidades, e pouco tem estimulado o prazer nas práticas
preventivas.
Por fim, as lésbicas, essas mulheres que transgrediram/
transgridem as normas heterossexuais e que juntamente com
outros (feministas e gays) lutaram pela despatologização da
sexualidade, deixaram-se capturar pela patologização de suas
práticas sexuais. Os efeitos dos discursos em torno da saúde
têm levado à criação de um grupo homogêneo nos riscos,
costumes e maus hábitos, ignorando algumas particularidades
e exceções em relação à saúde, ao mesmo tempo em que
demarcam os limites da normalidade para este grupo. Esses são
os efeitos políticos e sociais da possibilidade de transgressão
dessas mulheres.
Mas, mesmo com esse cenário, de certa forma
pessimista, é importante destacar que há outros efeitos destas
políticas, principalmente o da visibilidade. E, vale lembrar que
no campo da biopolítica há também lugares para as resistências.
Vamos resistir?

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235
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Valparaiso, n. 8, p. 12-24, 2009.

236
Políticas de Sexualidade,
Conectividade e Educação

Jandira Queiroz1

O presente artigo objetiva contribuir com os debates


do Seminário “Educação, Gênero e Diversidade Sexual”,
realizado pela Universidade Federal do Tocantins, no eixo
“Educação, Políticas e Direitos Sexuais”. Minha intervenção
é construída a partir de uma ótica ativista e da observação das
movimentações recentes no que se refere às políticas sexuais e
sua intersecção com os direitos humanos, especialmente no que
tange o uso da internet e das redes sociais como ferramentas
para o ativismo pelos direitos de lésbicas, gays e pessoas
bissexuais, transexuais e travestis (LGBT) na América Latina,
com maior ênfase no Brasil.
Meu lugar de observação é o campo do ativismo pelos
direitos sexuais e reprodutivos, especialmente pelos direitos
humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais,
pessoas intersex, queer e demais “dissidentes” sexuais2. Neste
trabalho, utilizo a sigla LGBT3 para referir-me às Lésbicas,

1 Pesquisadora e Assistente de Projetos do Observatório de Sexualidade e Política;


ativista lésbica pelos direitos LGBT; coordenadora da campanha Latino-Americana “Curas
que Matam: Uma vida sem discriminação é um direito de todos e todas”, pelo fim das “terapias
reparativas” da homossexualidade na América Latina; consultora do Comitê Internacional
IDAHO e de AllOut.org. E-mail: jandiraqueiroz@gmail.com
2 O termo dissidência sexual é utilizado por alguns autores e autoras no lugar de
diversidade sexual, por este ser produto e ainda se apresentar num marco heterocêntrico, onde
o diverso gravita em torno de um legítimo, ou seja: a heterossexualidade, em consonância com
ideias de teóricas como Norma MONGROVEJO (2006).
3 No dia 08 de Junho de 2008, durante a I Conferência Nacional GLBT, aprovou-se
a substituição da sigla GLBT por LGBT, para identificar a ação conjunta de lésbicas, gays,

237
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Aqui trago reflexões
a partir de observações do campo, sem a formalidade das
pesquisas estritamente acadêmicas, porém recorrendo a autoras
e autores que vêm se dedicando a análises do contexto político
nacional e global acerca dos direitos sexuais e reprodutivos
para traçar um fio condutor a esta contribuição.

Gênero, sexualidade e direitos humanos: breve histórico

Os direitos reprodutivos referem-se, de forma


resumida, ao direito de decidir livre e responsavelmente sobre
o número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos, bem
como o direito a ter acesso à informação e aos meios para a
tomada desta decisão. São direitos (erroneamente) localizados
no âmbito dos direitos das mulheres4, pois que estas são
tidas como as responsáveis pela reprodução humana, pelo
cuidado com filhos e filhas, até mesmo por evitar gestações,
independente das condições em que viva. Já os direitos
sexuais dizem respeito ao direito de exercer a sexualidade e
a reprodução livre de discriminação, coerção ou violência. Se
por um lado ambos direitos estão inter-relacionados – já que o
exercício da sexualidade de forma livre e segura só é possível
se a prática sexual estiver desvinculada da reprodução – por
outro lado, sua distinção por tratamento jurídico diferenciado
é o que assegura o exercício pleno da cidadania pelas mulheres

bissexuais, travestis e transexuais, no Brasil. Ainda são incipientes os debates e os movimentos


organizados por direitos de pessoas intersex, e não percebo ainda instituída uma militância
queer, no Brasil, em 2011. Por este motivo, não incluirei neste artigo as letras I e Q à sigla
descritiva do movimento.
4 MATTAR, L. D. Reconhecimento jurídico dos direitos sexuais - uma análise
comparativa com os direitos reprodutivos. In Revista Sur, ano 5, n. 8, 2008.

238
e homossexuais.5
Nos últimos quarenta anos, o Brasil tem assistido a
uma significativa organização de movimentos sociais que
demandam o reconhecimento de direitos humanos – civis,
políticos e sociais – a sujeitos de direito que de uma ou outra
maneira são considerados/as pela sociedade como dissidentes
sexuais. Reflexo dessa interpretação são as representações dos
diversos segmentos no Congresso Nacional, que disputam
“democraticamente”6 o espectro das políticas públicas nos
plenários das comissões e das casas legislativas.
Temos acompanhado também a apropriação, pelas
mulheres, do exercício dos direitos civis, econômicos e
políticos recentemente conquistados – como o direito ao voto
sem restrições e obrigatório há apenas 65 anos7, o direito a
serem votadas, o reconhecimento da igualdade entre homens
e mulheres consolidado na Constituição de 1988, e mais
recentemente as políticas públicas de combate à pobreza que
reconhecem as mulheres como “mais confiáveis” para receber
e gerir os recursos de benefícios como os programas Bolsa-
Escola, Bolsa-Família e afins. Esses avanços localizam-se
nas movimentações no cenário das políticas internacionais
de direitos humanos, como o período Cairo - Pequim (1995),
a resolução brasileira sobre orientação sexual e direitos

5 idem.
6 À luz dos últimos eventos no campo das políticas sexuais, em específico, e da
política nacional mais amplamente falando, é impossível não recordar Sérgio Buarque de
Holanda em Raízes do Brasil (1936): “A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-
entendido”.
7 Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946. Disponível
em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao46.htm.
Consultado em 01/06/2011.

239
humanos, apresentada ao Conselho de Direitos Humanos
da ONU (2003-2004), e a elaboração dos Princípios de
Yogyakarta para Aplicação da Lei Internacional de Direitos
Humanos em relação a Orientação Sexual e Identidade de
Gênero (2007).8 Entretanto, quando miramos a comunidade
LGBT não encontramos tantos avanços no reconhecimento e
implementação dos direitos civis e sociais desta população.

Panorama dos direitos LGBT no Brasil em 2011

A situação das pessoas LGBT no Brasil é bastante


frágil em relação aos direitos conquistados por meio do
Poder Executivo, como a inclusão de parceiros/as do mesmo
sexo em planos de saúde, a declaração conjunta do imposto
de renda, os direitos de pensão, entre outros. Porém, não
existe legislação aprovada pelo Legislativo que respalde tais
resoluções. Por outro lado, por ocasião da revisão do Plano
Nacional de Cidadania e Directos Humanos LGBT pela
Secretaria Especial de Directos Humanos (SEDH/PR) nota-se
que ainda resta um longo caminho a percorrer para que seja
garantido o livre direito à orientação sexual e que é preciso
atuar transversalmente junto à população em geral para chegar
a este objetivo.
Em 2011, alguns episódios marcam retrocessos
no tocante à temática de gênero, sexualidade e direitos
humanos. Passados os primeiros 100 dias de governo, em
que tradicionalmente se mantém uma trégua sobre questões

8 Corrêa, S. O percurso global dos “direitos sexuais”: Entre ‘margens’ e ‘centros’,


paper apresentado no Seminario Nacional "Das margens aos centros" - Ser-tão, em 25/9/2008.

240
polêmicas, preocupações do período da campanha eleitoral,
amainadas pelo manto inaugural da primeira presidenta eleita
no Brasil, voltaram a ocupar o centro do debate político
nacional. Destaco apenas alguns fatos que considero mais
relevantes à discussão aqui proposta.
Em 5 de maio houve a decisão por unanimidade do
Supremo Tribunal Federal pela constitucionalidade do registro
das uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, apesar das
resistências dos setores religiosos e conservadores brasileiros,
e acendendo a fúria destes setores contra a extensão dos
direitos básicos à população LGBT. Em seguida, durante os
eventos alusivos ao Dia Internacional Contra a Homofobia
e Transfobia9 (17 de maio)10. Paralelamente a estes eventos,
vimos a sombra conservadora tentando deslocar a atenção da
opinião pública e dos meios de comunicação para longe do
desenrolar dos debates e atividades com brados surdos pela
moralidade, “defesa da família” e dos “bons costumes”. A
pressão sobre o Planalto aumentou ainda mais com a votação
da reforma do Código Florestal brasileiro e com a revelação
da multiplicação do patrimônio do Ministro-Chefe da Casa
Civil, Antônio Palocci, o que resultou na entrega do cargo
pelo Ministro na primeira quinzena de junho, logo depois
da suspensão súbita e inexplicada do programa Escola Sem

9 Presidente Lula decreta Dia Nacional de Combate à Homofobia. Em http://


www.jusbrasil.com.br/politica/4975840/presidente-lula-decreta-dia-nacional-de- combate-a-
homofobia. Acessado em 01 de junho de 2011.
10 O 17 de maio, Dia Internacional Contra a Homofobia e Transfobia, marca
o aniversário da decisão da Organização Mundial da Saúde, em 1990, de retirar a
homossexualidade da sua lista de desordens mentais. Esta conquista da causa lésbica, gay,
bissexual e transgênero (LGBT) foi um passo adiante para a consideração da orientação
sexual e a identidade de gênero como um direito humano fundamental.

241
Homofobia por decisão da própria Presidenta Dilma Roussef11.
A bancada religiosa e a bancada ruralista no Congresso Nacional
brasileiro têm sido parceiras entre si na defesa de suas pautas
conservadoras e exploratórias dos recursos naturais desde,
pelo menos, a época da Assembleia Nacional Constituinte
de 1988, quando impediram a inclusão do termo “orientação
sexual” entre as discriminações que não seriam toleradas pela
“Nova República”.
A grande bandeira do movimento LGBT até a o
reconhecimento das uniões civis homoafetivas pelo STF em
2010, na seara legislativa, é a aprovação de legislação que
equipare a violência homofóbica ao racismo, incluindo-se os
termos “orientação sexual” e “identidade de gênero” no texto
da lei 7.716 de 1989 (Lei Caó, ou lei do racismo), por meio
do PLC 122/200612. Os termos e condições de penalização
são os principais pontos de discordância entre os atores
que discutem esta pauta no Congresso Nacional, a saber, a
Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT e a Frente
Parlamentar Evangélica, nas duas casas legislativas. Apenas
em 2011, quando da eleição do primeiro deputado federal
abertamente gay no Brasil, Jean Wyllys (PSOL/RJ), uma
Proposta de Emenda Constitucional que altera o artigo 226

11 Em 26 de maio de 2011, a presidenta Dilma Roussef anunciou em entrevista


coletiva (http://www.youtube.com/watch?v=Ex_pZov3HfY) a proibição da distribuição do
material relativo ao projeto Escola Sem Homofobia, alegando não ter achado apropriado para
os fins a que se propõe, apesar de ela não ter avaliado pessoalmente. O que estava por trás dessa
decisão era a pressão da bancada evangélica, ameaçando convocar o então Ministro da Casa
Civil, Antonio Palocci, a dar explicações ao Congresso Nacional sobre seu enriquecimento
súbito. http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=987349
12 Em tramitação no Senado Federal desde 2006, tendo passado por inúmeras
revisões. Para acessar o texto integral da proposta, acesse http://www.plc122.com.br/plc122-
06/#axzz1OYqOMg55 (acessado em 01 de junho de 2011) ou busque o PLC 122/2006 na
atividade legislativa, no site do Senado Federal: www.senado.gov.br.

242
da Constituição Federal foi apresentada à Câmara Federal, de
modo a permitir que o casamento seja contraído por quaisquer
duas pessoas que assim o desejem13. A proposta ainda não foi
assinada pelo número mínimo necessário de parlamentares
para que seja encaminhada à apreciação do plenário da casa.

Educação, conectividade e ativismo LGBT

A educação é o primeiro entre os direitos sociais


listados no Art. 6o da Constituição Federal de 1988, reforçado
pelo texto do Art. 205 segundo o qual “a educação, direito
de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. O Art. 206
complementa o anterior, dizendo que o ensino será ministrado
com base nos princípios de igualdade de condições para o
acesso e permanência na escola; da liberdade de aprender,
ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e
coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
entre outros. Além disso, o Brasil é signatário de inúmeros
tratados internacionais de direitos humanos que garantem
o direito básico à educação para todas e todos, os quais,
revisados por especialistas e traduzidos em linguagem de

13 A PEC propõe alterar a redação do parágrafo 3o do Artigo 226, onde se lê: Art.
226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.§ 3o - Para efeito da
proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade
familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. Para que se leia: § 3o - Para
efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre duas pessoas como entidade
familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

243
aplicação da legislação internacional de direitos humanos no
tocante à educação, nos Princípios de Yogyakarta, atestam que
toda pessoa tem o direito à educação, sem discriminação por
motivo de sua orientação sexual, e recomendam aos Estados,
entre outras ações, garantir que os métodos educacionais,
currículos e recursos sirvam para melhorar a compreensão e
o respeito pelas diversas orientações sexuais e identidades de
gênero, incluindo as necessidades particulares de estudantes,
seus pais e familiares relacionadas a essas características e
identidade de gênero, e respeitando essas características.14
O Plano Nacional de Promoção da Cidadania e
Direitos Humanos de LGBT15, sistematizado pela SEDH-PR,
e acatando as orientações dos diversos documentos nacionais
e internacionais relacionados à inclusão para a educação,
prevê a “inserção da temática LGBT no sistema de educação
básica e superior, sob abordagem que promova o respeito
e o reconhecimento da diversidade da orientação sexual e
identidade de gênero”, e ainda a “educação e informação
da sociedade para o respeito e a defesa da diversidade de
orientação sexual e identidade de gênero”.
O Brasil, por outro lado, não é um país de leitores.
Uma pesquisa realizada em 2007, pelo Instituto Pró Livro,16
identificou 77 milhões de não-leitores, ou seja, quem não
havia lido sequer um livro nos 3 meses anteriores à consulta.

14 Princípios de Yogyakarta, parágrafo 16. Disponível em http://www.clam.org.br/


pdf/principios_de_yogyakarta.pdf, acessado em 01 de junho de 2011.
15 Plano Nacional de Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos de LGBT,
disponível em http://portal.mj.gov.br/sedh/homofobia/planolgbt.pdf, acessado em 01 de junho
de 2011.
16 http://www.cultura.gov.br/site/2008/05/28/pesquisa-retratos-da-leitura-no-brasil/

244
Leitores – ou quem tivesse lido ao menos um livro no mesmo
período – correspondiam a 95 milhões de pessoas. Entre os não
leitores, a Bíblia e outros livros religiosos ocupam o primeiro
lugar (32%) entre os livros considerados mais atrativos, contra
romances (8%) e livros didáticos (5%). Dos 4,7 livros lidos per
capita/ano no Brasil, o índice de livros indicados pela escola
chega a 3,4. Ou seja, apenas 1,3 livro lido pelos brasileiros não
tem origem na indicação que a escola faça, seja ele didático
ou não17.
A preferência pela Bíblia não surpreende. Apesar
de a grande maioria das pessoas no Brasil ser batizada na
religião católica, as igrejas evangélicas e neopentecostais
vem crescendo consideravelmente nas últimas décadas (para
o desespero do Vaticano), e o novo Mapa das Religiões do
Brasil18 revela a adoção de novas práticas por igrejas, tais
como as estratégias de comunicação de massa com a compra
de emissoras de televisão e rádio, e o uso das redes sociais pela
internet para difundir os princípios e argumentos religiosos.
É difícil aferir se a falta do hábito da leitura é o
que influencia na educação ou se são as falhas no sistema
educacional que constroem o desábito da leitura. A PNAD
2009 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, IBGE)
revelou que o Brasil tem a maior taxa de abandono escolar
entre os países do Mercosul: são 3,2% de discentes que evadem
no ensino fundamental, e 10% no ensino médio. As taxas de
reprovação também são altas: 11% no ensino fundamental (a

17 AMORIM, Galeno (org.) Retratos da Leitura no Brasil. São Paulo: Imprensa


Oficial: Instituto Pró-livro, 2008. Disponível em http://www.prolivro.org.br/ipl/publier4.0/
dados/anexos/1815.pdf. Acessado em 22/11/2011
18 http://www.fgv.br/cps/religiao/

245
maior entre os mesmos países) e 13,1% no médio (terceiro
lugar).
Por outro lado, o Brasil é cada vez mais um país
de internautas, e observa-se a utilização da internet para a
organização de atores e grupos afins – e bastante diversos –
da sociedade civil. Segundo levantamento do instituto Ibope
Nielsen Online, a quantidade de pessoas concentradas nesta
“grande praça”, no Brasil, é próximo dos 78 milhões de
habitantes, das quais 86% são usuárias ativas de redes sociais19.
O Orkut, que já teve no Brasil mais da metade dos seus usuários
em todo o mundo (subindo de 23 milhões em 2008 para 29
milhões em setembro de 2011), acaba de ser ultrapassado pelo
Facebook (com 30,9 milhões em setembro de 2011)20. Ainda de
acordo com a pesquisa Ibope Nielsen Online, cada usuário(a)
brasileiro(a) dedica mais de 5 horas às redes sociais por dia,
e o Centro de Estudos sobre Tecnologias de Informação e
Comunicação (CETIC.br)21 informa que 24% dos domicílios
brasileiros contam com acesso a internet e 5% dos brasileiros
e brasileiras que possuem celular acessam a internet por este
meio. No Brasil de 190 milhões22 de habitantes, a quantidade
de celulares em uso ultrapassa os 227 milhões23.
No Brasil, em 2010, a adesão de milhões de pessoas a
um abaixo-assinado influenciou a aprovação de uma legislação

19 http://cgi.br/publicacoes/revista/edicao03/cgibr-revistabr-ed3.pdf
20 http://info.abril.com.br/noticias/internet/internet-no-brasil-chega-a-78-mi-de-
usuarios-12092011-5.shl
21 http://cgi.br/publicacoes/revista/edicao03/cgibr-revistabr-ed3.pdf, página 30
22 http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_
noticia=1866&id_pagina=1
23 http://www.teleco.com.br/ncel.asp

246
contra a corrupção na política, a chamada Lei da Ficha Limpa.
No Egito, Espanha e nos Estados Unidos, as manifestações e
ocupações24 não teriam tido o mesmo impacto nem a mesma
adesão global sem que as notícias tivessem corrido o mundo,
instantaneamente, pelas redes sociais e microblogs. Para Diego
Levis25, a internet é:

“... uma praça, no sentido cabal do termo: um lugar aberto


para o encontro e o intercâmbio, onde há espaços para
festas e feiras, beberrões e poetas, para trabalhadores e
filósofos, para banqueiros e apaixonados, para estudiosos
e fanfarrões, para policiais e sonhadores, para crianças e
idosos, para homens e mulheres (Levis, 2005: 30)26

A internet como meio de comunicação e difusão de


informação parece satisfazer a

(...) todos os requisitos básicos da teoria normativa de


Habermas sobre a esfera pública democrática: é um modo
universal, anti-hierárquico, complexo e exigente. Porque
oferece acesso universal, comunicação não-coercitiva,
liberdade de expressão, agenda irrestrita, participação
fora das tradicionaisinstituições políticas e porque gera
opinião pública mediante processos de discussão, a
internet parece a mais ideal situação de comunicação
(Buchstein, 1997, p. 251).

Ao mesmo tempo em que provê várias possibilidades


concretas de articulação, a internet é também um espaço etéreo,

24 Manifestações na Praça Tahir, no Cairo, e nasdemaiscidadesegípcias; movimento


dos Indignados, naEspanha; movimento dos 99% ou #OccupyWallStreet, nosEstadosUnidos.
25 Levis, Diego, Amores enla red. Relaciones afectivasenla era Internet, Prometeo,
Buenos Aires, 2005.
26 Tradução livre de trecho citado em REYES, 2011.

247
irreal, que vem transformando as interações comunicacionais
dos e entre os povos. Segundo David Le Breton27, a internet é
“um mundo em que as fronteiras se diluem, em que o corpo se
esfuma, em que o Outro existe na interface da comunicação,
mas sem corpo, sem rosto, sem outro tato além daquele que
toca o teclado do computador, sem outro olhar senão o da tela”
(Le Breton, 2007: 137)

LGBTs se reúnem na “grande praça”

#CurasQueMatam #IDAHO

Por ocasião do 17 de maio, na América Latina diversos


grupos em defesa dos direitos LGBT se organizaram e lançaram
pela internet, em abril de 2011, a campanha “Curas que
Matam”28, buscando a aplicação efetiva da decisão da OMS
de 1990 e dando fim às clínicas que oferecem “tratamento”
para a “cura” da homossexualidade e da transexualidade29.
Além da mobilização pela internet, com a adesão de mais de
200 personalidades e instituições latino-americanas, e mais
de mil assinaturas de indivíduos de todos os países da região.

27 Le Breton, Diego, Adiós al cuerpo. Una teoríadelcuerpoenel extreme


contemporáneo, La Cifra, México, 2007.
28 A palavra “cura”, no idioma espanhol, também significa “padre”. O nome da
campanha refere-se às iniciativas impulsionadas por igrejas e denominações cristãs para
“converter” homossexuais em heterossexuais, e para “curar” a transexualidade. Ver manifesto
da campanha em http://www.dayagainsthomophobia.org/-Campanha-CURAS-QUE-
MATAM-Uma-vida,141-. Acessado em 22/11/2011.
29 Na América Latina, o país onde este problema é mais evidente é o Equador.
Em junho de 2011, o Governo Central equatoriano determinou o fechamento de mais de
30 clínicas que ofereciam esse tipo de tratamento, resultado do trabalho de incidência de
grupos LGBT daquele país que também participaram da mobilização da campanha Curas
que Matam. Para ler o relatório completo em inglês das atividades em 2011, acesse www.
dayagainsthomophobia.org

248
Os resultados dessa ação conjunta somam marchas, mostras
fotográficas, de cinema e vídeo, seminários, reuniões com
agentes estatais, festivais e outras atividades em 12 países
da América Latina30, chamando a atenção para o fato de que
homossexualidade e transexualidade não são doenças, mas
expressões da sexualidade humana que devem ser resguardadas
enquanto direito humano31.

#EscolaSemHomofobia vs. #KitGay

Nas semanas que antecederam as comemorações do


Dia Internacional Contra a Homofobia e Transfobia (IDAHO),
destacada pela recente decisão do STF de reconhecer a
constitucionalidade das uniões estáveis entre pessoas do
mesmo sexo como uniões civis de acordo com o artigo 226
da Constituição Federal, a intensa movimentação do ativismo
LGBT não passou desapercebida por muitos setores da
sociedade. Campanhas pela internet invadiram e-mails e redes
sociais em busca de apoio popular para a aprovação do PLC
122/2006, jornais e revistas estamparam matérias de capa

30 Veja o relatório completo das atividades ao redor do dia 17 de maio no mundo inteiro,
incluindo as ações da campanha “Curas que Matam” em http://www.dayagainsthomophobia.
org/IMG/pdf/IDAHO2011_final.pdf
31 Os Princípios de Yogyakarta para a Aplicação da Legislação Internacional sobre
Orientação Sexual e Identidade de Gênero compreendem orientação sexual como uma
referência à capacidade de cada pessoa de ter uma profunda atração emocional, afetiva ou
sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero,
assim como ter relações íntimas e sexuais com essas pessoas. A identidade de gênero é a
profundamente sentida experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode
ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo
(que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios
médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de
falar e maneirismos. Disponível em http://www.clam.org.br/pdf/principios_de_yogyakarta.
pdf

249
sobre a comunidade LGBT e em cada cidade das diversas
regiões do Brasil o tema do “casamento gay” fez parte das
conversas cotidianas. Isso não agradou às e aos conservadores
legislativos de plantão.
Ao vir a público a informação da multiplicação
vertiginosa do patrimônio do ex-Ministro da Casa Civil do
Governo Dilma, os jornais noticiaram que, numa jogada
política bastante hábil, representantes da FPE aproveitaram-se
do timing entre a notícia fresca e a substituição do ministro
Palocci para negociar com a Presidente a suspensão da
ação, sob a ameaça de convocação do ministro para prestar
esclarecimentos ao Congresso antes de que as apresentasse
aos órgãos de fiscalização competentes32. Assistimos então,
com perplexidade, a rifa de uma política de transformação
radical da sociedade brasileira rumo à inclusão e eliminação
de desigualdades, em troca da manutenção de um ícone
insustentável.

Breves considerações sobre o cenário

Eventos ou ondas de pânico em geral são capturados


por espirais de conectividade transacional. Correa (2008)
observa um sinal evidente dessa transposição rápida e intensa
identificada numa sequência de iniciativas legislativas
destinadas a definir o casamento como sendo “exclusivamente
a união entre um homem e uma mulher”. Esses tipos de

32
ContraoKITGAY,FrenteParlamentarEvangélicavaiobstruirassessõesdaCâmaradosDeputados,
disponível em http://holofote.net/2011/05/18/contra-o-kit-gay-frente-parlamentar-
evangelicos-vai-obstruir-as- sessoes-da-camara-dos-deputados/. Acesso em o1 de junho de
2011.

250
propostas foram apresentadas e eventualmente adotadas em
países como Uganda, Nigéria, Burúndi, Ucrânia, Honduras – e
mais recentemente no Brasil, com pouca expressão e eco – por
efeito da proposta de emenda constitucional com um conteúdo
similar, apresentada no Congresso norte-americano em 2003,
sob a administração de George W. Bush.
Aqui, após a proibição, por ordem direta e de própria
voz da Presidenta Dilma, várias propostas legislativas foram
apresentadas nas assembleias (municipais e estaduais) e no
Congresso Nacional no sentido de impor valores religiosos
cristãos em detrimento dos princípios constitucionais da
laicidade, diversidade e pluralidade religiosa e de crença, e
de livre expressão. Alguns exemplos recentes são a aprovação
de legislação que obriga a leitura de versículos bíblicos ao
início das aulas nas escolas da rede pública (Tocantis e Rio
de Janeiro); a obrigatoriedade – punível com multas – de
que todas as bibliotecas públicas do estado do Rio de Janeiro
disponham necessariamente de Bíblias, sem a obrigatoriedade
de outros livros sagrados como a Torá ou o Corão; e a PEC
99/2011, que logrou assinaturas de 2/3 de parlamentares e
já tramita no Congresso Nacional, que acrescenta ao art.
103, da Constituição Federal, o inciso X, que dispõe sobre
a capacidade postulatória das Associações Religiosas para
propor ação de inconstitucionalidade e ação declaratória
de constitucionalidade de leis ou atos normativos, perante a
Constituição Federal.
Além disso, a assunção de um “companheiro” à
Presidência da República, e agora de uma “companheira”
que além de supostamente representar a classe trabalhadora é

251
também uma representante do gênero historicamente oprimido
na sociedade brasileira cabralina, deslocou os movimentos
sociais da função de controle social para a função de legitimador
de ações governamentais, mesmo quando as ações passam
longe de serem satisfatórias. A internet é uma ferramenta
que pode e deve ser usada, portanto, para a (auto-)educação
lato senso da população, para a difusão de informação e da
diversidade de opiniões, para a desconstrução de paradigmas
e reforma da cultura heteronormativa e homofóbica vigente, e
para a mobilização social para a construção de uma sociedade
efetivamente democrática e igualitária.
Enquanto essa utopia não se realiza, paira a preocupação
com os rumos do país, cada vez mais entregues às mãos de
(um só) “Deus”, em detrimento do que nos destaca como um
país notável em todo o mundo: a diversidade.

Referências Bibliográficas

MONGROVEJO, Norma et. al. Disidencia Sexual e identidades


sexuales y genéricas. México: Conapred, 2006.

REYES, Mauricio List. El Internet: unespacio para


laafectividad gay? In REYES, Mauricio List (org.) Lo social
de lo sexual: Algunos textos sobre sexualidade y desarrollo.
México: EónSociales: FundaciónArcoíris, 2011.

LE BRETON, David. Adiós al cuerpo. Una teoria del cuerpo


en el extremo contemporâneo, La Cifra, México, 2007.

252
Considerações Finais
Considerações Finais
Compromisso com os direitos humanos e a livre
orientação sexual

Bruna Andrade Irineu1


Cecilia Nunes Froemming2

A vida grita. E a luta, continua.


Caio Fernando Abreu. In: Última carta para além dos muros.

Finalizar este livro, que comemora o encontro de


diversas pessoas que tem em comum a luta pelos direitos
humanos a partir da perspectiva dos direitos sexuais de
forma ampla, é tarefa repleta de ação, emoção, vivências, e
certezas de desafios pela frente. Porém, desafios que agora
serão enfrentados de forma coletiva, com a aproximação de
diversas instituições sociais, sujeitos coletivos e individuais,
que ao longo dos dois anos de experiências do Núcleo de
Estudos, Pesquisas e Extensão “Sexualidade, Corporalidades
e Direitos” foram sendo agregados.
Os resultados de pesquisa, as experiências aqui
relatadas, as reflexões apresentadas nos levam a refletir sobre

1 Assistente Social. Doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal do


Rio de Janeiro (UFRJ). Mestra em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG).
Professora do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Tocantins. Coordenadora
do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão “Sexualidade, Corporalidades e Direitos”.
2 Assistente Social. Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás
(UFG). Mestra em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS). Professora do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Tocantins.
Coordenadora do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão “Sexualidade, Corporalidades e
Direitos”.

255
a hegemonia da hetenormatividade, que enquanto expressão
superior solapa os direitos das pessoas de outra orientação
sexual. Mas nos levam também a constatar que as ações
das instituições e dos sujeitos sociais pode ser homofóbica,
heterossexista e sexista; e contém também a potencialidade
para intervenções em prol de da defesa da diversidade sexual.
Nossas experiências no estado do Tocantins nos levam
a concluir que o maior entrave são os fundamentalismos
religiosos. Na medida em que a visibilidade pública do tema
da diversidade sexual aumenta, podem aumentar também as
pressões e posturas discriminatórias. O fato é que este já é um
tema da agenda pública, e os avanços só tendem a continuar.
Violações de direitos e discriminações podem – e
devem – ser combatidas através da educação e de políticas
públicas que avancem nas discussões de democracia. Como
nos lembra Eribon3 (2008), refletir sobre estas questões não é
colocar apenas problemas teóricos em jogo. Estamos falando
de pessoas, que são constantemente subjugadas, interpeladas
e que sofrem violências das mais variadas gamas apenas por
sua orientação sexual. Portanto, consideramos também que
seja central o apoio de programas de incentivo a promoção da
diversidade sexual em todos os âmbitos educacionais, sendo
para isso - a universidade - espaço privilegiado de construção
de conhecimento e de apoio às redes de pessoas interessadas
em aprofundar debates públicos.
Para nós, organizadoras, este livro é a comemoração
de um encontro que sempre foi iluminado pelas cores do arco-

3 ERIBON, D. Reflexões sobre a questão gay. Companhia de Freud: Rio de Janeiro,


2008.

256
íris, impulsionando projetos de enfrentamento a tudo aquilo
que representa amarras as vivências democráticas de pessoas
LGBT ou não. Estamos preocupadas com a democracia e
com o respeito à sociedade plural, inserindo nossas ações na
produção de dados, de reflexões, que possam contribuir e fazer
a defesa de uma sociedade verdadeiramente mais humana.
Agradecemos o apoio político e financeiro da Secretaria
de Alfabetização Continuada, Diversidade e Inclusão do
Ministério da Educação (SECADI/ MEC), que possibilitaram
esta publicação, e da Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República (SDH/PR) através da Coordenação
Nacional de Promoção dos Direitos e Cidadania LGBT.
Saudamos também a todas as pessoas que fizeram
parte desta publicação, principalmente, as pessoas cursistas
e colaboradoras do projeto “Políticas de Enfrentamento
ao Sexismo e a Homofobia no Ambiente Escolar: (Re)
Significando as práticas educativas no Estado do Tocantins”,
nos municípios de Araguaína, Gurupi, Miracema e Palmas;
e de forma especial as pessoas integrantes do Núcleo, por
ordem de “chegada”: Jean Bezerra, Marcela Novais, Luciene
Andrade, Milena Lacerda e Rosana Benício.

Continuemos na luta, sempre!

257

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