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BREVE ANÁLISE DE SRTA.

BRILL, DE KATHERINE MANSFIELD


Julio Henrique Baltazar da Silva

Em “Srta Brill”, conto da escritora neozelandesa Katherine Mansfield, podemos


observar o elemento cotidiano em seu tema – ou “trivial” nas palavras de Julio Cortázar em
seu famoso ensaio Alguns aspectos do conto – que ao nosso ver tratasse da solidão, a qual está
inserida em um pedaço da vida precária de uma senhora de terceira idade, que vive em um
“quartinho escuro”, o qual é “parecido com um guarda-louça” (p.160). Nesse sentido, a
personagem título não se entrega a autopiedade e ao sofrimento, tentando mascarar tal solidão
e insignificância de sua vida, tentando preencher o vazio de sua vida com algumas
trivialidades, detalhes que remontam uma vida diferente da sua: como o passeio ao parque,
onde a Srta Brill veste-se com a sua melhor roupa e faz o seu trajeto diário até a praça mesmo
havendo “um ligeiro frio, como o frio de um copo de água gelada antes de se bebericar”
(p.155) e o bolo de mel que a personagem compra num determinada padaria apenas pelo
prazer de encontrar uma amêndoa dentro.
Por outro lado, o tema da solidão está inserido numa dinâmica de dissimulação, a Srta
Brill se vê como uma atriz – “Sim, fui atriz muito tempo.” (p. 159) – e enxerga o parque como
seu palco, onde ela se recusa a aceitar o papel de vítima e “atua”, e transformando uma “cena”
trivial naquele ambiente em algo especial, tal como ela mesma faz em sua vida, inserindo um
pouco de beleza e delicadeza a partir de pequenas coisas. Os outros personagens, as pessoas
que frequentam aquele parque e quais a protagonista observa, se tornam meros coadjuvantes
pelos olhos da velhinha, nos quais ela espelha os seus sentimentos interiores. Ela os
caracteriza pela forma como eles se vestem, pelo o seu “figurino”, como o “distinto senhor
vestindo um casaco de veludo”, os “menininhos com grandes gravatas-borboleta de seda
branca” e as meninas “como bonecas francesas, vestidas de veludo e renda”. (p. 156).
Segundo Córtazar, um tema torna-se “significante” também a partir do que vem
“depois do tema”, ou seja, “o tratamento literário do tema”, que tratasse da “forma pela qual o
contista, em face do tema, o ataca e situa verbal e estilisticamente”. No conto de Mansfield
podemos notar como o tratamento literário consegue dar significado ao tema, por meio da
técnica do fluxo da consciência, onde ao mesmo tempo somos expostos aos sentimentos de
auto-engano da Srta Brill e ao ponto de vista exterior de um narrador em terceira pessoa, que
“desmascara” os véus ilusórios da percepção da personagem. Ou seja, sabemos o quão triste é
a vida da personagem, pelo ponto de vista do narrador, mas se apiedamos da forma como a
Srta Brill tenta se enganar: “E quando ela respirava, algo leve e triste — não, exatamente
triste não —, alguma coisa gentil parecia se mover em seu peito.”;
Mesmo ao vestir o seu “figurino”, visando esconder a sua solidão, o leitor fica sabendo
por meio do fluxo de consciência, que a estola está se deteriorando pelo uso excessivo: “Mas
o nariz, que era do mesmo material negro, não estava nada firme. Deve ter levado um baque,
de alguma forma” (p. 155). No final da história, simpatizamos com a personagem título por
que a mesma cria um “espetáculo” naquele parque, por que na vida “real” lhe é negado um
papel ativo e ela precisa inventar o seu próprio protagonismo.
REFERÊNCIAS

MANSFIELD, Katherine. Srta Brill. In: A festa ao ar livre e outras histórias. Nova
Fronteira, 2020, p. 155-160.

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